UMA PUBLICAÇÃO DO INSTITUTO ACENDE BRASIL #11 Ano 2010 SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA AMBIENTAL SOCIAL O OBSERVATÓRIO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO Princípios, Valores e Transparência Consumidores Público interno Fornecedores Financiadores Acionistas Governo Comunidade O Homem, a Usina e o Poder Público Um debate que vai além de diagnósticos e se propõe aprimorar a agenda social do setor elétrico brasileiro. Inclusão social A evolução de iniciativas e leis que disciplinam a ocupação de espaços comunitários para a geração de energia. Pág. 3 Conversa olho no olho A importância do diálogo com as famílias antes da chegada do empreendimento. Pág 4 dinheiro para os cofres públicos A cobrança de compensação financeira pelo uso do rio aumenta em até 20% o orçamento dos municípios. Pág.7
O Instituto Acende Brasil é um Centro de Estudos que desenvolve ações e projetos para aumentar o grau de Transparência e Sustentabilidade do Setor Elétrico Brasileiro. Para alcançar este objetivo, adotamos a abordagem de Observatório do Setor Elétrico Brasileiro. Atuar como um Observatório significa pensar e analisar o setor com lentes de longo prazo, buscando oferecer à sociedade um olhar que identifique os principais vetores e pressões econômicas, políticas e institucionais que moldam as seguintes dimensões do Setor Elétrico Brasileiro: AGÊNCIAS REGULADORAS GOVERNANÇA CORPORATIVA IMPOSTOS E ENCARGOS LEILÕES MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE OFERTA DE ENERGIA RENTABILIDADE TARIFA E REGULAÇÃO Presidente: Claudio J. D. Sales Diretor Executivo: Eduardo Müller Monteiro Assuntos Econômicos e Regulatórios: Richard Lee Hochstetler Desenvolvimento Sustentável: Alexandre Uhlig Relações Institucionais: Maria Célia Musa Análise Política: Cibele Perillo Staff: Eliana Marcon e Melissa Oliveira São Paulo: Rua Joaquim Floriano, 466 Edifício Corporate, conj. 501 CEP 04534-004, Itaim Bibi - São Paulo, SP, Brasil Telefone: +55 (11) 3167-7773 Brasília: SCN Quadra 5, Bloco A, sala 1210 Brasília Shopping and Towers CEP 70710-500 - Brasília, DF, Brasil Telefone: +55 (61) 3963-6007 Email Corporativo: contato@acendebrasil.com.br Assessoria de Imprensa: Tania Regina Pinto Telefone: +55 (11) 3704-7733 / (11) 8383-2347 O Brasil possui mais de 100 mil megawatts de potência instalada em usinas hidrelétricas, termelétricas e outras fontes. Para que este parque de geração de energia fosse construído foi necessária a realocação de milhares de famílias. Por mais sofisticado que seja o processo de remanejamento das famílias e a metodologia de avaliação, há valores que não podem ser traduzidos em moedas. E é exatamente devido a essa complexidade que decidimos realizar um debate procurando oferecer os fatos, os números, mas reconhecendo que as soluções não sairão de frias planilhas eletrônicas. Com suas propostas, o Instituto Acende Brasil quer identificar maneiras para gerenciar adequadamente com respeito aos valores individuais e coletivos, as expectativas das famílias que vivem no entorno de empreendimentos de energia. E mais: dar previsibilidade aos custos socioambientais e barrar a ação de especuladores e intermediários, melhorando o relacionamento entre comunidades e empreendedores e reduzindo, por consequência, a apreensão das famílias devido às incertezas provocadas por um novo empreendimento. Queremos debater formas para o Brasil tratar de forma mais eficiente esta questão entre o homem, a usina e o poder público, levando em conta o tripé econômico, social e ambiental. Claudio J. D. Sales Presidente do Instituto Acende Brasil Energia, uma publicação do Instituto Acende Brasil, aborda a sustentabilidade nas suas três dimensões: econômica, ambiental e social. Versão impressa e online: www.acendebrasil.com.br Jornalista Responsável: Tania Regina Pinto (Mtb 11.580) Projeto Gráfico e diagramação: Cacumbu Design Este Energia é resultado da transcrição editada do VI Fórum Instituto Acende Brasil O Homem, a Usina e o Poder Público, realizado em 27 de abril de 2010, no Salão Nobre da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.
SUSTENTABILIDADE SOCIAL 3 O HOMEM, A USINA E O PODER PÚBLICO O tempo e a inclusão social Nos últimos 125 anos, milhares de famílias brasileiras precisaram mudar de suas casas para, assim, garantir a geração de 85% de energia elétrica produzida hoje no país. 1883 Entra em operação a primeira usina hidrelétrica do Brasil, Ribeirão do Inferno, em Diamantina (MG), com 0,5 MW de potência. Apenas proprietários de terras são indenizados pela formação de reservatórios para geração de energia. 1960 Criado o Ministério das Minas e Energia MME. 1973 Criada a Secretária Especial de Meio Ambiente, hoje Ministério do Meio Ambiente. 1978 Publicado, pela Companhia Energética de São Paulo (CESP), Reservatórios: Modelo Piloto Projeto Integral, base para a elaboração de Estudos de Impacto Ambiental. 1981 Aprovada a Lei 6938/81, com a Política Nacional de Meio Ambiente, primeira lei específica sobre o tema. 1983 Primeiro reassentamento (em agrovilas na Lagoa São Paulo) de famílias não proprietárias impactadas por hidrelétricas antecipa remanejamento necessário para a UHE Porto Primavera (SP/MS). Nas agrovilas, a exploração da terra ocorre em lotes distantes das moradias. Posseiros, meeiros e arrendatários passam a ser indenizados pelo alagamento das terras por eles cultivadas. 1986 Publicado o primeiro Plano Diretor para a Conservação e Recuperação do Meio Ambiente nas obras e serviços do setor elétrico I PDMA. 1987 Elaborado o primeiro Plano Global de Remanejamento das Populações Atingidas pela UHE Itá (SC/RS), incluindo cadastro das famílias, reconstrução e o acréscimo de infraestrutura e equipamentos sociais dos municípios envolvidos com a construção da usina. Garantida, pela primeira vez, assistência técnica agrícola às 6.000 famílias reassentadas, em 126 agrovilas, devido à construção da usina de Itaparica, da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), com 1.480 MW de potência. 1988 Nova Constituição do Brasil, que institui a Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos para Fins de Geração de Energia Elétrica (CFURH). Pela lei, as concessionárias pagam 6,75% do valor da energia produzida à União, Estados e Municípios. 2000 2003 2003 2004 2005 2006 Financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) extende crédito rural com taxa de juros baixa e seguro contra perda de safra agrícola para reassentados do setor elétrico. O primeiro a obter este crédito foi o Reassentamento Nossa Senhora de Fátima (Bataguassu/MS), formado com a construção da UHE Porto Primavera. Constituído o primeiro Foro de Negociação, em Tocantins, para a construção da UHE Peixe Angical. Sob a coordenação do IBAMA, lideranças locais, Ministério Público, Ministério das Minas e Energia e representantes da Enerpeixe, consórcio responsável pela usina, buscam soluções de consenso para todas as questões relacionadas ao reassentamento de populações. Definida pelo IBAMA, na renovação da Licença de Operação da UHE Porto Primavera, a necessidade de monitorar o desenvolvimento social e econômico dos reassentamentos. UHE Barra Grande (SC/RS) é o primeiro empreendimento a oferecer assistência social aos reassentados. IBAMA exige a elaboração de Planos de Desenvolvimento do Reassentamento (PDR) para os reassentamentos implantados pela UHE Peixe Angical (TO), com diagnóstico socioambiental e econômico das famílias em seu local de origem, além de estudos de solo, de loteamento e infraestrutura da propriedade, o que inclui atividades agropecuárias, habitação, educação, estradas, moradia e serviços sociais básicos. UHE de Campos Novos (SC) e Sebrae fazem parceria inédita no setor, criando o Fundo de Desenvolvimento Regional, com oferta de crédito para financiar produtores da região, a partir de recursos repassados a fundo perdido pela usina. A proposta é que os recursos repassados não voltem para a usina, mas retornem ao Fundo e sejam direcionados para o financiamento de novos projetos, de modo a viabilizar a permanência desses produtores no campo, agregando valor aos produtos característicos da região e estimulando o empreendedorismo em atividades que fazem parte do cotidiano local.
4 Uma publicação do instituto acende brasil O Debate PropostaS 1,2 e 3 Aprimorar a comunicação entre as famílias e empreendedores e antecipar ao máximo as informações sobre a chegada de um novo empreendimento à região Definir previamente critérios socioeconômicos para indenização das famílias Criar mecanismos legais de atualização dos cadastros das famílias O Instituto Acende Brasil apresentou 7 propostas e convidou para debatê-las os seguintes profissionais: Carlos Alberto Miranda, diretor-superintendente do Consórcio BAESA - Energética Barra Grande S/A; Cláudio Soares Lopes, procurador-geral do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro; Rui Cândido Duarte, ex-prefeito de Anita Garibaldi (SC) e Marcelo Campos Battisti, gerente de crédito e avaliação de risco socioambiental do Banco Itaú BBA. Claudio Sales (Presidente do Instituto Acende Brasil) Conforme acabamos de apresentar, temos duas questões ligadas à proposta número 1: uma de cunho material, de logística, de indenização, e outra emocional, muito importante e mais complexa. A realidade de diferentes empreendimentos tem mostrado que a questão emocional não pode ser deixada de lado. Definir as ações previamente facilita tanto a atuação do empreendedor quanto a dinâmica das próprias famílias. Por isso nossa proposta de estabelecer previamente critérios socioeconômicos que possam ajudar as famílias a compreender os seus direitos. Quanto mais avançarmos na definição desses critérios, mais fácil será o processo de discussão, mais a questão material poderá ser tratada com objetividade. As regras precisam ser claras desde o início. Porém, o que temos observado são falhas em todo o processo, com interferência de grupos de pressão os mais variados, que causam um efeito devastador. Cláudio Soares Lopes Todo processo deve ser antecipado. Desde o momento que o governo decide que vai construir um empreendimento, a comunidade deve ser esclarecida, deve ser chamada para participar, para discutir. O Ministério Público também deve participar desde o início para facilitar os processos, eliminar conflitos posteriores que, às vezes, partem dele mesmo. Rui Cândido Duarte Eu fui prefeito de Anita Garibaldi, em Santa Catarina, por dois mandatos, de 1997 a 2000 e de 2005 a 2008. As usinas começaram a ser construídas em 2001. Tive a experiência antes e depois da chegada de um empreendimento de energia. Vivi intensamente o processo de construção das usinas de Barra Grande e Campos Novos. Foi um processo muito difícil no início, com muita informação desencontrada gerando sentimento de revolta na população. Perdemos um ano na negociação, com pessoas de fora da região interferindo nos processos. Eram advogados, lideranças de movimentos sociais, vendedores e compradores de terra, todo mundo queria tirar vantagem, havia muito interesse comercial. Mas, como prefeito, vi a chegada desses empreendimentos como a luz no fim do túnel para o meu município. A serra catarinense, onde fica Anita Garibaldi, tem o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixo do estado, é uma região carente, que foi muito importante para a economia de Santa Catarina com a exploração de madeira nas décadas de 60 e 70, mas que ficou sem nada depois que os exploradores foram embora. Nosso município, na década de 70, tinha 20 mil habitantes, e no início do ano 2000 contava apenas nove mil habitantes. As pessoas estavam fugindo. Eu sempre digo que nossa região e Anita Garibaldi têm uma história antes e depois da chegada da usina. O único ponto ruim é que muitas pessoas foram reassentadas fora do município, o que não foi bom para elas. Penso que todo remanejamento deve levar em conta uma forma de manter as pessoas no próprio município. Carlos Alberto Miranda Uma lição aprendida em Barra Grande é que quando se muda uma família de cidade impacta-se a comunidade de onde ela saiu e a comunidade para onde ela foi. O ideal é tentar remanejar a família sem tirá-la do município. Na usina de Barra Grande, em Santa Catarina, foi feito um grande termo de acordo, assinado por mais de 200 famílias, Ministério Público Estadual, prefeitura e alguns órgãos de governo, no qual foram definidos os critérios para que uma família se habilitasse aos benefícios e às modalidades de benefícios. Isso porque não basta o empreendedor construir a nova moradia. O empreendedor tem obrigação de prover assistência técnica por cinco anos, de assistir as famílias tecnicamente até que elas tenham condições de garantir seu próprio sustento, como antes de o empreendimento chegar. Em Barra Grande, assistimos as famílias até a primeira safra, dando inclusive uma bolsa sustentabilidade. Além disso, durante cinco anos essas famílias receberam acompanhamento de assistentes sociais. Mas o termo de acordo teve de ser feito porque há uma lacuna nos mecanismos legais para se identificar as famílias a serem beneficiadas, tanto na legislação estadual, como na federal. Precisamos pensar também que a decisão de construir uma usina é do
SUSTENTABILIDADE SOCIAL 5 governo, o mesmo governo que realiza o leilão. O empreendedor só chega depois. Vale lembrar, ainda, que, antes do leilão, é o governo que faz o cadastro socioeconômico que, na prática, não condiz com a realidade com a qual o empreendedor se depara quando ganha a concessão. Marcelo Campos Battisti Realmente, a decisão de fazer a usina é do poder público, os estudos iniciais e o leilão são do poder público e o empreendedor apenas recebe a concessão. Não é ônus dele, empreendedor, fazer a mudança da comunidade. Isso deveria passar por um processo transparente de discussão, com alocação do risco para a entidade pública, para o poder público. Cláudio Soares Lopes Há necessidade de uma postura mais rígida no processo de licenciamento. É preciso expandir o debate para o âmbito nacional de modo a se ter regras mais claras para o atendimento às famílias atingidas. Talvez o ideal seja uma legislação estabelecendo prazos ou mesmo o governo estabelecer prazos para que não haja famílias de última hora querendo ser indenizadas. Carlos Alberto Miranda Do ponto de vista do empreendedor é fundamental saber quantas são as famílias afetadas pelo empreendimento. Precisamos saber qual o critério de indenização. Quando do leilão de Barra Grande, por exemplo, constavam do cadastro socioeconômico 347 famílias, mas 2.200 famílias se inscreveram para ser beneficiadas. Nós demos benefícios para 535 famílias, sendo que apenas 79 famílias moravam na área do reservatório. As demais usavam a terra para manter cultura de subsistência. Na minha opinião, teve gente que ganhou o benefício sem merecer, mas nenhuma família que tinha direito deixou de ser atendida. Portanto, é fundamental a legislação avançar e termos o Ministério Público como mediador. Mas no lugar de criar mecanismos legais de atualização dos cadastros das famílias, como propõe o Instituto Acende Brasil, eu sugeriria criar mecanismos legais para identificar candidatos aos benefícios, para se estabelecer os critérios que definem as famílias que têm direito a qualquer tipo de indenização. Marcelo Campos Battisti - O empreendedor recebe a obra com preço pré-estabelecido e prazo de entrega. Só que existe um custo social que não foi contabilizado porque não foi explicitado. Daí a importância de criar mecanismos legais de atualização dos cadastros das famílias. Deve ficar claro, entretanto, que o risco não está no número de famílias a serem remanejadas e que a solução não vem de uma planilha de cálculo. A solução deve passar pelo cálculo econômico para que o empreendimento possa ser financiado de forma responsável. Em outras palavras, o problema não é o número de famílias, mas o aumento do número de famílias entre o momento que o governo decide fazer a obra e o momento em que a obra é assumida pelo empreendedor, após o leilão.
6 Uma publicação do instituto acende brasil Nelson Silva de Souza, coordenador de Furnas Centrais Elétricas (plateia) Em Furnas, resolvemos o problema por meio de ata notorial e demos fé pública à pessoa socioeconômica. Para isso, basta fazer-se acompanhar de um oficial de justiça na hora do cadastro das famílias. Assim, cria-se um marco temporal. Cláudio Soares Lopes É um caminho interessante atestar com fidelidade que a pessoa já estava naquele local, é um meio de prova importante. É um caminho para buscar um cadastro mais efetivo e pode minimizar problemas. Marcelo Campos Battisti Quero comentar a proposta sobre comunicação, porque a comunicação é importante em todas as fases do empreendimento. Tanto a comunicação com o Ministério Público, para ver se os direitos estão sendo respeitados, como a comunicação com as autoridades locais, principalmente se for considerado o grande volume de impostos que vão beneficiar a comunidade. Rui Cândido Duarte De fato. Antes da usina, o orçamento de Anita Garibaldi era R$ 7 milhões e no ano passado o orçamento chegou a quase R$ 16 milhões com a compensação financeira por uso dos recursos hídricos. Se não fosse isso, o município estaria inviabilizado. Se não fosse a usina, ainda estaríamos em estrada de chão. No nosso município, também, não há mais nenhuma família sem energia elétrica. Carlos Alberto Miranda O empreendedor, às vezes, precisa ser político e governante. Nos pedem para fazer saneamento básico, escolas, hospitais, postos de saúde, bombeiro. Esse é o nosso dia a dia... Mas existem desafios maiores. O empreendedor não vai embora quando a usina termina e começa a gerar energia. Nosso mandato é de 35 anos mais 30 anos, ficamos 65 anos ao todo. Existe um compromisso do empreendedor com o desenvolvimento daquela região. A usina passa a ser a maior empresa da região. Roberto Roth, do Ibama (plateia) Cada local tem uma particularidade, cada afetado tem um senso de pertencimento, não vejo necessidade de um projeto de lei, devemos elabo- rar um procedimento. Os órgãos ambientais, na definição do termo de referência, podem iniciar um licenciamento ambiental com clareza e transparência, de boa qualidade, que não traga problemas para os empreendedores. Carlos Alberto Miranda Barra Grande foi leiloada com Licença Prévia que atestava a viabilidade ambiental do empreendimento, mas verificamos uma realidade completamente diferente do diagnóstico. Você compra o direito de fazer uma usina, mas do ponto de vista socioeconômico é uma loteria. Marcelo Campos Battisti Você compra um empreendimento e recebe outro. Um negócio com risco associado à péssima qualidade do diagnóstico ambiental. Outro problema específico é a dificuldade de realizar um empreendimento de grande porte, de grande impacto, em regiões vulneráveis, em que os grandes beneficiados serão os grandes centros urbanos. As saídas são: criar padrões nos processos de licenciamento e tentar homogeneizar os procedimentos; padronizar as alçadas regulatórias e reconhecer condições de flexibilização para ajuste na tarifa, auditado pelo Ministério Público, para lidar com fatos que existem, mas que não são reconhecidos. PropostaS 4 e 5 Desenvolver planos diretores regionais e municipais para aplicação dos recursos da Compensação Financeira por Utilização de Recursos Hídricos (CFURH) e criar mecanismos para seu cumprimento Dar transparência à aplicação dos recursos da Compensação Financeira por Utilização de Recursos Hídricos (CFURH) e garantir o controle social desta verba Claudio Sales Em 2009, o volume de R$ 1,8 bilhão, recolhido do setor elétrico por conta da Compensação Financeira por Utilização de Recursos Hídricos (CFURH), foi dividido entre os governos federal, estadual e municipal. Do total, 40% foram para os municípios, com apenas duas restrições para seu uso: pagamento de dívidas e da folha de pagamento. Por isso, é fundamental que as prefeituras apresentem um plano de como vão aplicar esse dinheiro. Se o prefeito sabe quanto vai receber, pode planejar como gastar e apresentar uma prestação de contas anual. Assim, a sociedade terá como cobrar da prefeitura o uso correto do dinheiro. Rui Cândido Duarte A questão é que não existe garantia de valor mínimo de compensação financeira mês a mês. Em período de estiagem, por exemplo, não vem nada. Quando eu era prefeito, Anita Garibaldi no melhor mês recebeu R$ 540 mil reais, mas teve mês que recebeu R$ 60 mil. No final
SUSTENTABILIDADE SOCIAL 7 do ano é possível estabelecer uma média, mas o ideal seria ter assegurado pelo menos um valor mínimo por mês para que o gestor pudesse fazer o seu planejamento. Carlos Alberto Miranda A venda de energia da geradora é baseada na energia assegurada, que é uma média de longo prazo. Mas a compensação financeira é paga pela energia efetivamente gerada. Portanto, no período úmido gera-se muito mais e, no período seco, muito menos. Eu já propus várias vezes que a compensação fosse paga com base na energia assegurada, para que se tivesse o mesmo valor todo mês. Mas para essa proposta eu não recebo apoio político. E a explicação é simples: como o valor arrecadado não é vinculado pelo fato de a receita variar todo mês, prefeitura, estados e União podem usar o dinheiro da forma que quiserem. Se a verba for previsível todo mês, o governo vai inventar uma forma de vincular essa receita. Cláudio Soares Lopes - Toda e qualquer verba pública está sujeita a controle pelo Tribunal de Contas. Ninguém pode desviar essa verba. Mas o ideal seria descobrir um meio de fazer essa vinculação, independentemente da variação da receita, já que estes recursos têm origem específica. A meu ver, nada impede que mesmo sendo variável, vincule-se a sua utilização se a arrecadação é baixa gasta-se pouco, se é alta gasta-se muito. Rui Cândido Duarte - Na minha concepção, além de se estabelecer um valor mínimo por mês, dever-se-ia regulamentar onde aplicar o recurso da compensação financeira. Santa Catarina tem um projeto de lei aprovado que destina 70% dos recursos que o estado arrecada em compensação financeira, no período de 10 anos, para investimento em saneamento básico nas áreas de abrangência das usinas hidrelétricas. Isso possibilitaria solucionar a questão do saneamento na nossa região. Só que não se consegue regulamentar a lei porque a Constituição veta a vinculação de recursos. No caso de Anita Garibaldi, com R$ 6 milhões - o que não é muita coisa para um estado que recebeu R$ 40 milhões -, 100% da população urbana seria atendida com saneamento. Marcelo Campos Battisti A proposta de vincular o repasse do encargo à energia assegurada atende à garantia de controle social, atende à questão de um plano diretor. O problema é: impor controle social tem apelo político? Deveria haver uma pressão política para que propostas como esta fossem aceitas. PropostaS 6 Possibilitar que investimentos não previstos no Projeto Básico Ambiental (PBA), realizados durante a construção do empreendimento, sejam deduzidos do repasse da Compensação Financeira por Utilização de Recursos Hídricos (CFURH) aos estados e municípios Marcelo Campos Battisti Esta proposta é interessante porque o Projeto Básico Ambiental é o último elo da cadeia. O passo original é a escolha do projeto e onde ele vai ser realizado, atividades que estão sob a responsabilidade do governo, até porque a usina é uma concessão. Então, não se pode penalizar o empreendedor que faz investimentos além do Projeto Básico Ambiental. Mas o ideal seria que o empreendedor tivesse a possibilidade de elaborar o Estudo de Impacto Ambiental, para ter clareza de todo investimento necessário. Carlos Alberto Miranda Se o diagnóstico diz que são 300 famílias e o empreendedor encontra duas mil no local, ele, empreendedor não pode reclamar. Está escrito no edital de licitação da concessão: não se pode buscar ressarcimento da diferença junto ao órgão que leiloar a concessão do empreendimento. Mas não é correto: se o órgão licenciador diz que você vai atender 350 famílias adicionais, asfaltar cinco estradas, fazer hospitais, que não estavam previstos no PBA, é preciso garantir o ressarcimento de todas estas despesas adicionais não previstas. Marcelo Campos Battisti Deve existir algum instrumento que possibilite a compensação para que não se inviabilize a dimensão econômica da sustentabilidade. E a proposta do Instituto Acende Brasil supre essa necessidade. Para que ela se concretize, entretanto, deve ser prevista uma auditoria do uso desse recurso pelo Tribunal de Contas ou pelo Ministério Público, para poder incluir esse custo na tarifa, e não como instrumento de competição. O que está previsto no diagnóstico, no licenciamento, no PBA, deve ser honrado com a tarifa acordada no leilão. Qualquer coisa adicional requererá consequente ajuste. Cláudio Soares Lopes Acho razoável que o empreendedor não seja punido com alguma coisa que não foi prevista. Mas não sei se é razoável passar toda a responsabilidade para estados e municípios, porque se alguém fez a coisa errada em algum momento, existe a origem do erro, que não está no município. Ao contrário. O município é que vai receber o impacto do empreendimento que, muitas vezes, vai beneficiar o país inteiro. Então, não considero razoável o município pagar a conta. Quem foi responsável pelo PBA e não previu corretamente o que deveria ser feito tem que as-
8 Uma publicação do instituto acende brasil sumir a responsabilidade. E tenho dúvidas sobre repassar para a tarifa. Acho que isso deve ser repensado. Não se pode atribuir eventual prejuízo ao estado, ao município ou ao consumidor porque houve um ente inicial que não fez a coisa certa. Marcelo Campos Battisti Se o empreendedor, quando ganha o leilão, tem tempo de interferir, tem flexibilidade tanto em termos de prazo de obra como em tarifa, se tem tempo para melhorar o diagnóstico, é possível resolver a questão. O sistema atual é leonino porque o empreendedor comprou um risco que ele conhece e um risco que ele não conhece, e não existe flexibilidade para lidar com essa realidade. Carlos Alberto Miranda - A grande dificuldade quando se ganha um leilão de concessão é que se deve reembolsar todos os gastos feitos no diagnóstico. Belo Monte custou R$ 19 bilhões. Só que o que se comprou por R$ 19 bilhões pode não valer esse preço. Talvez fosse o caso de o vencedor do leilão ter um ano ou dois para validar o lance dado. O grupo que mais conhecia Belo Monte, que mais estudou o empreendimento, desistiu de participar do leilão. Porque se a usina não fica pronta no prazo, o empreendedor precisa comprar energia de outras usinas no mercado para honrar seu compromisso. Todo risco é do empreendedor. Proposta 7 Interlocução direta, sem intermediários, entre famílias e empreendedores, com a participação do Ministério Público Cláudio Soares Lopes É importante o Ministério Público neste processo, mas ele não pode participar sozinho. Não se pode impedir a participação de intermediários ONGs, advogados... Isso não existe. Mas é importante o Ministério Público estar presente desde o início, junto com representantes da União, dos estados. Isso já vai inibir a ação de pessoas que tenham objetivos incompatíveis com o que se está tentando viabilizar. O Ministério Público está preparado. Hoje há especialização, existem promotores que vêm estudando a questão ambiental. Admito que o Ministério Público erra, mas não erra sozinho. Ministério Público e Judiciário estão no mesmo barco. O papel do Ministério Público, cada vez mais, é resolutivo, é o papel da negociação, da mediação para resolução de conflitos. E o ideal é que o Ministério Público se prepare para entender melhor esses mecanismos, causas e consequências. Da esquerda para a direita: Marcelo Campos Battisti, Claudio Soares Lopes, Rui Candido Duarte, Carlos Alberto Miranda, Claudio Sales e Sidnei Resende, que mediou o debate. Envie sua opinião sobre o Energia, uma publicação do Instituto Acende Brasil, para: contato@acendebrasil.com.br Versão online no site: www.acendebrasil.com.br