ESCOLHA DOS RECURSOS DE ALTA TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA A INCLUSÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL MARIANA SEABRA 1 ENICÉIA GONÇALVES MENDES 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CNPq Introdução A Inclusão na escola regular da pessoa com necessidades especiais há muito vêm sido discutida e, apesar de contestada por muitos que ainda defendem que a educação especial se dê em ambiente específico, tornou-se hoje uma das principais tendências teóricas. A Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais (UNESCO, 1994) estabeleceu que toda criança tem direito fundamental à educação, que cada uma delas tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem próprias e que as pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às escolas comuns cuja pedagogia deve ser centrada na criança. Entre a população tradicionalmente referida para a Educação Especial encontram-se os alunos com deficiências físicas, condição esta definida no documento Parâmetros Curriculares Nacionais Adaptações Curriculares (BRASIL, 1999), como uma variedade de condições não-sensoriais que afeta o indivíduo em termos de mobilidade, de coordenação motora geral ou de fala, como decorrência de lesões neurológicas, neuromusculares e ortopédicas, ou ainda, de malformações. A redução de mobilidade é destacada por Wolf et al (1990) como um importante fator prejudicial na socialização da pessoa com deficiência física, influenciando na aprendizagem e na adaptação do sujeito. Na literatura, cita-se os benefícios da prática da inclusão escolar, das vantagens sob a ótica ético-moral da questão (EDWARD et al, 2003; ALPINO, 2007), no entanto, colocar um aluno com deficiência numa sala de aula sem oferecer recursos que possibilitem que ele enfrente as diferentes situações de forma funcionalmente competente pode não ser suficiente. Omote (2004) chama a atenção para o fato de que a realidade física de condições que realmente incapacitam o indivíduo deve ser levada em consideração e assim fornecer a esses alunos os recursos que os habilitem como funcionalmente competentes de forma equiparada aos demais alunos da classe. Dentre os tipos de severas disfunções motoras presentes em crianças em idade escolar, a Paralisia Cerebral destaca-se como uma das lesões mais freqüentes. Segundo Kuban e Leviton (1994), Paralisia Cerebral como um grupo não progressivo, mas frequentemente mutável, de distúrbios motores (tônus e postura), secundários à lesão do cérebro em desenvolvimento cuja lesão ocorre até os dois anos de idade. A incidência mundial é de 1,5 a 2,5 por 1000 bebês que nascem vivos e tem-se mantido relativamente constante nos últimos anos (PIOVESANA, 1998). Várias causas estão associadas à paralisia cerebral, entre elas: infecções congênitas, encefalopatia hipóxico-isquêmica, encefalopatia bilirrubínica, meningoencefalites, traumas crânio-encefálicos e semi-afogamentos (GIANNI, 2003). Por se tratar de uma lesão neurológica, os distúrbios apresentados variam de acordo com o local lesionado, sendo que o déficit motor está presente em todos os casos necessariamente, seja em menor ou maior grau de comprometimento. Segundo Kuban e Leviton (1994), os principais distúrbios associados presente em pessoas com paralisia cerebral, em ordem de incidência, são: alterações oculares e visuais, déficit cognitivo, convulsões, anormalidades da 1384
fala e linguagem, distúrbios de deglutição, comprometimento auditivo, alterações das funções corticais superiores e distúrbios do comportamento. Assim sendo, devido às suas habilidades motoras limitadas, essas crianças apresentam dificuldades no processo de escrita, que varia de graus, desde uma escrita lenta e pouco legível até a incapacidade de segurar um lápis apropriadamente. Neste contexto, os recursos de tecnologia assistiva tornam-se não só uma opção, como muitas vezes a única alternativa destas crianças expressarem a escrita e, assim, serem consideradas alfabetizadas. Segundo Lauand (2005), Tecnologia Assistiva é uma variedade de itens e recursos que auxilia o indivíduo com deficiências, tais como softwares especiais, adaptações, rampas de acesso, barras de auxílio, dispositivos eletrônicos, etc. A autora descreve vários tipos de classificação de tecnologia assistiva, neste trabalho adotaremos a relativa ao custo e funcionamento dos recursos. Assim, tais recursos podem ser classificados em: recursos de baixa-tecnologia (simples, não-elétricos e de baixo custo), recursos de média tecnologia (normalmente utilizam a eletricidade, mas não utiliza recursos computacionais) e recursos de alta-tecnologia (requerem sistemas computadorizados, operados através de programas de softwares especiais). Os recursos de alta-tecnologia possuem uma infinidade de possibilidades para o portador de deficiência física e compreendem softwares e periféricos adaptados como: mouses, teclados, impressoras, comandos de voz, etc. Lauand (2005) defende a tecnologia assistiva como facilitadora da inclusão escolar de alunos com necessidades especiais e considera que os recursos de computadores na tecnologia assistiva é uma das áreas de maior crescimento nos últimos anos tendo em vista que, especificamente no campo da Educação Especial, muitos alunos beneficiariam em muito o seu aprendizado se lhes fossem proporcionados tais recursos. A autora acrescenta que algumas crianças com paralisia cerebral, devido às dificuldades decorrentes da condição, podem ter sua aprendizagem e desempenho sensório-motor dificultadas e que sistemas alternativos de comunicação, mobiliário adequado, computador (incluindo softwares e periféricos) adaptado podem contribuir muito para um melhor desenvolvimento escolar. Em um estudo anterior, Lauand (2000) verificou que apesar das dificuldades, os alunos com necessidades educacionais especiais podem aprender e se desenvolver, desde que ensinados e mediados nesse processo a fim de equiparar as oportunidades de aprendizagem. Nesta perspectiva, desde 2006 vem sendo desenvolvido na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de São Carlos o Projeto Alta Tecnologia Assistiva e Inclusão, sob a coordenação da Prof a Dra. Enicéia Gonçalves Mendes, do Departamento de Psicologia da UFSCar. O projeto visa à implementação dos recursos de alta tecnologia assistiva (computadores, teclados, mouses e softwares adaptados) na rede municipal de ensino fundamental possibilitando a alfabetização de alunos com paralisia cerebral do município de São Carlos. O grupo conta com alunos de pós-graduação (mestrado e doutorado) do Programa de Educação Especial, alunos de graduação de Terapia Ocupacional, Psicologia, Engenharia de Computação, Educação Especial e Pedagogia. O projeto Alta TA & Inclusão foi aprovado pela CNPq e passou por todos os procedimentos éticos e legais cabíveis e todos os envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi desenvolvido na rede educacional municipal de São Carlos/SP e baseou-se na metodologia colaborativa que prevê a freqüência regular dos pesquisadores da equipe na escola e mais especificamente sala de aula onde são desenvolvidas 1385
as atividades com as crianças e a professora da rede. No dia a dia as atividades de planejamento, execução da implementação dos recursos e avaliação das atividades de ensino são desempenhadas por todos os componentes do grupo em conjunto com a professora. Todos os integrantes têm a função de registrar periodicamente através de fotos, vídeos, salvamento de arquivos das produções das crianças nos computadores, e anotações manuscritas em diário de campo dos acontecimentos observados em sala. Nesses quatro anos de projeto, vários recursos de alta tecnologia assistiva foram adquiridos, e a cada ano novos produtos são implementados no laboratório. O presente estudo visa analisar os recursos mais utilizados no ano de 2009 durante as sessões com as crianças e discutir as possíveis causas dessas escolhas. Métodos Foram analisados 55 diários de campo elaborados pelos alunos da UFSCar participantes do projeto, referentes às intervenções realizadas entre abril e julho de 2009. Em duas sessões os alunos não compareceram e em três sessões não foram realizadas atividades no computador. As informações referentes ao tipo de recurso de alta tecnologia assistiva utilizado e a qualidade do desempenho de cada um dos alunos foram distribuídas em tabelas do programa Microsoft Office Excel 2007 para análise dos resultados. Ao todo foram cinco crianças da Rede Municipal de Ensino com idades entre quatro e 16 anos (tabela 1) e seis universitários de quatro diferentes cursos de graduação/pós-graduação (tabela 2). Alunos da Rede Idade Ano 1 16 9º 2 9 3º 3 11 5º 4 15 3º 5 4 maternal Tabela 1. Caracterização dos Alunos da Rede Municipal de Ensino Participantes do Projeto Alta TA & Inclusão 2009 Alunos da UFSCar Curso Período N PEDAGOGIA 3º O TERAPIA OCUPACIONAL 1º M TERAPIA OCUPACIONAL 7º A EDUCAÇÃO ESPECIAL 1º T EDUCAÇÃO ESPECIAL 1º I PSICOLOGIA MESTRADO Tabela 2. Caracterização dos Alunos da UFSCar Participantes do Projeto Alta TA & Inclusão 2009 Resultados 1386
Como indicado na tabela 3, de um total de 50 sessões analisadas, 25 utilizaram computador comum, ou seja, sem nenhuma adaptação, alegando que o aluno possuía habilidades motoras para tal, devendo apenas otimizar o uso com treinos que visem um aumento de velocidade de trabalho. Em 16 sessões foi utilizado o monitor sensível ao toque. Os recursos de acessibilidade do Windows, o teclado adaptado e o mouse adaptado foram utilizados em duas sessões cada. Em três sessões foram utilizados dois ou mais desses recursos combinados, a colméia para teclados foi utilizada junto com recursos de acessibilidade do Windows em uma sessão e com uma adaptação de baixo custo em outra e o monitor sensível ao toque foi associado a um recurso de acessibilidade do Windows em outra sessão. Os recursos de acionadores, softwares adaptados (Invento, Escrevendo com Símbolos e BoardMaker ). NOME Total TOTAL DE SESSÕES 50 COMPUTADOR COMUM 25 ACESSIBILIDADE DO WINDOWS 2 MONITOR SENSÍVEL AO TOQUE 16 MOUSE ADAPTADO 2 TECLADO ADAPTADO 2 ACIONADORES 0 SOFTWARES 0 COLMÉIA 0 OUTROS 0 2 OU MAIS RECURSOS 3 Tabela 3. Número de sessões que cada recurso foi utilizado Dos nove tipos de recursos possíveis de serem utilizados, cinco foram experimentados e dois deles (computador sem adaptações e monitor sensível ao toque) obtiveram 82% da preferência de utilização. Em relação ao desempenho no uso dos recursos: no computador comum, de 25 sessões, 14 foram analisadas como com bom desempenho (Figura 1); no monitor sensível ao toque, das 16 sessões, três foram consideradas com ótimo desempenho, cinco com bom desempenho e quatro com desempenho regular (Figura 2). Os demais recursos foram considerados como com bom desempenho em todas as sessões. 1387
Figura 1. Gráfico do Desempenho no uso do Computador Comum Figura 2. Gráfico de Desempenho no uso do Monitor Sensível ao Toque Discussão Os recursos de alta tecnologia assistiva oferecem um leque de possibilidades para seus usuários e a escolha do recurso mais adequado auxilia no sucesso ou no abandono do equipamento (Scherer et al, 2005). O projeto Alta TA & Inclusão tem por objetivo montar um centro experimental de formação de profissionais capacitados na utilização desses recursos. Devido às seqüelas motoras da paralisia cerebral variarem muito de indivíduo para indivíduo, era esperado que os equipamentos oferecidos pelo laboratório de Alta TA fossem explorados amplamente com cada criança para, em acordo com o usuário, o universitário e a professora da sala de recursos, o melhor equipamento fosse escolhido para determinado aluno. 1388
De acordo com os resultados, houve pouca utilização dos demais recursos, concentrando o uso nos recursos menos complexos e, portanto, de mais fácil manuseio. No que diz respeito ao desempenho, 64% das sessões foram consideradas ótimas ou boas, 18% das sessões foram avaliadas com desempenho ruim ou regular e outros 18% não houve informação a respeito. Esses dados sugerem uma satisfação em relação ao desempenho dos alunos com o uso do computador. Além disso, possivelmente, o computador sem adaptações seja capaz de melhorar o desempenho escolar de crianças portadoras de disfunções motoras, sendo as adaptações necessárias apenas em casos mais graves. Os recursos de alta tecnologia assistiva se mostraram motivadores e importantes ferramentas na aprendizagem da escrita de crianças com paralisia cerebral. Conclusão Dentre os vários recursos de tecnologia assistiva oferecidos pelo projeto, a preferência foi pelo uso do computador comum e do monitor sensível ao toque. O índice de satisfação do desempenho das crianças segundo a opinião dos universitários foi de 64%, sugerindo que os recursos de alta tecnologia melhoraram o desempenho escolar das crianças com paralisia cerebral. Os dados sugerem que os recursos de alta tecnologia assistiva são aliados importantes na escolarização de crianças com severas disfunções motoras. Referências Bibliográficas ALPINO, A. M. S. Consultoria Colaborativa do Fisioterapeuta junto à escola comum: mobilidade e participação do aluno com paralisia cerebral em questão. 169f. Dissertação (Doutorado em Educação Especial) Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2007. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Secretaria de Educação Especial. Parâmetros Curriculares Nacionais: adaptações curriculares, estratégia para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília: Ministério da educação, 1999. GIANNI, M. A. Paralisia Cerebral In: TEIXEIRA, E.; SAURON, F. N.; SANTOS, L. S. B.; OLIVEIRA, M. C. Terapia Ocupacional na Reabilitação Física. São Paulo: Rocca, 2003. p. 89-100. KUBAN, K. C. K., LEVITON, A. Cerebral Palsy. New England Journal of Medicine, v. 20, p. 188-195, 1994 apud BRACCIALLI, Influência da utilização do mobiliário adaptado na postura sentada de indivíduos com paralisia cerebral espástica 118f. Dissertação (Doutorado em Educação Física) - Universidade Estadual de Campinas. 2000. LAUAND, G. B. A. Acessibilidade e formação continuada na inserção escolar de crianças com deficiências físicas e múltiplas. 121f. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) Universidade federal de São Carlos, São Carlos, 2000. LAUAND, G. B. A. Fontes de Informação sobre tecnologia assistiva para favorecer a inclusão escolar de alunos com necessidades especiais. 217f. Tese (Doutorado em Educação Especial) Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2005. OMOTE, S. Inclusão: Intenção e Realidade. Marília: Fundepe, 2004 PIOVESANA, A. M. S. G. Paralisia cerebral: Contribuição do estudo por imagem. In: 1389
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