UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE CURSO DE DIREITO ÂNGELO RUCALY ALI FIGUEIREDO

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Transcrição:

UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS FADE CURSO DE DIREITO ÂNGELO RUCALY ALI FIGUEIREDO LEGALIDADE DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA AOS CONSUMIDORES INADIMPLENTES Governador Valadares 2009.

1 ÂNGELO RUCALY ALI FIGUEIREDO LEGALIDADE DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA AOS CONSUMIDORES INADIMPLENTES Monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito apresentada a Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: Prof. Renato Moura Rosado Governador Valadares 2009.

2 ÂNGELO RUCALY ALI FIGUEIREDO LEGALIDADE DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA AOS CONSUMIDORES INADIMPLENTES Monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito apresentada a Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valadares, de de 2009. Banca Examinadora: Prof : Renato Moura Rosado - Orientador Universidade Vale do Rio Doce Profº: Ianacã Índio do Brasil - Convidado Universidade Vale do Rio Doce Profº: Afrânio Hilel Guerra - Convidado Universidade Vale do Rio Doce

3 Dedico a Deus, por ter sido meu guia e ter conduzido-me dia a dia durante todo o estudo, dando-me força para a busca incessante do saber, e pelo amor incondicional sempre.

4 AGRADECIMENTOS A conclusão de um curso de graduação em Direito é apenas um passo no desenvolvimento pessoal e criativo. Aumentar a criatividade significa abrir novas oportunidades, o que é fundamental para enfrentar os desafios de nosso tempo. Um tempo em que a única constante é a "mudança". Primeiramente, agradeço a Deus por capacitar-me e tornar possível a conclusão deste curso. Aos meus pais, familiares e amigos que sempre me apoiaram. À minha esposa Daniela e ao meu filho Ruca, pelo amor, carinho, dedicação, compreensão e paciência, durante esta jornada. A todos os professores e, de modo muitíssimo especial, ao amigo, professor e orientador Renato Moura Rosado pela sua dedicação, conhecimento e paciência para realização desta monografia e ainda, por ser exemplo de realização profissional. Ao meu filho Pedro que nasceu no decorrer desta monografia e que trouxe mais luz, alegria e muita esperança por dias melhores.

5 A vida é uma grande universidade, mas pouco ensina a quem não sabe ser um aluno. Augusto Cury

6 RESUMO O tema abordado neste estudo foi a Legalidade da Suspensão do Fornecimento de Energia Elétrica aos Consumidores Inadimplentes e, teve como objetivo discutir a controvertida questão acerca da constitucionalidade no corte do fornecimento de energia elétrica em razão do inadimplemento dos consumidores. Para tanto, estudou-se a relação jurídica entre consumidor e empresa concessionária; analisando as disposições legais e as resoluções que tratam do direito do consumidor e do fornecimento de energia elétrica, além de identificação dos entendimentos jurisprudenciais favoráveis e contrários à prática da suspensão do fornecimento. O problema analisado foi: a suspensão do fornecimento da energia elétrica por motivo de inadimplemento fere o princípio da continuidade? Utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica em doutrinas, jurisprudências, revistas e artigos disponíveis na internet. Concluiu-se que a suspensão do fornecimento de energia elétrica em si, em razão da inadimplência do usuário, não caracteriza, uma inconstitucionalidade. O que precisa ser analisado é a situação em que a suspensão é realizada, haja vista que em determinados casos pode vir a ofender princípios da Lei Maior, como o da proporcionalidade e o da razoabilidade, nestes casos, a suspensão do fornecimento é inconstitucional. Portanto, se pode observar que o serviço deve ser prestado pela concessionária de forma contínua, porém, o fornecimento desse serviço corresponde por parte do consumidor a uma contraprestação, além de ser uma imposição ética, pois se houve o consumo deve haver o pagamento. Deve-se também, levar em conta que a aplicação dessa medida por parte da concessionária visa garantir a continuidade do serviço, em respeito aos consumidores cumpridores de suas obrigações e em prol do interesse da coletividade. Palavras-chave: Constitucionalidade; legalidade; suspensão; fornecimento de energia elétrica aos consumidores inadimplentes

7 ABSTRACT The issue addressed in this study was the legality of the suspension of supply of electricity to consumers default, and aimed to discuss the controversial question about the constitutionality of the cut in supply of electricity due to the default of the consumer. Thus, studied the relationship between consumer and legal operating company, looked up the laws and resolutions that address the right of consumers and supply of electric power, and identification of favorable and jurisprudential understandings contrary to the practice of suspension of supply. The problem was discussed: the suspension of supply of electricity by reason of default offends the principle of continuity? Was used as the research methodology literature in doctrine, jurisprudence, journals and articles available on the Internet. It was concluded that the suspension of supply of electricity itself, because the default user, not characterized, a unconstitutional. What needs to be analyzed is the situation where the suspension is done, considering that in some cases may offend the principles of Higher Law, such as proportionality and reasonableness of, in these cases, the suspension of the provision is unconstitutional. Therefore, we can see that the service is provided by the concessionaire in a continuous manner, but providing the service by consumers is a consideration, in addition to being a tax ethics, because if there was consumption must be the payment. You should also take into account that the application of this measure by the concessionaire to ensure continuity of service in respect to consumers of complying with its obligations and to promote the interest of the community. Keywords: Constitution; legality ;suspension; supply of electricity to consumers default

8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO... 09 CAPÍTULO I... 11 2 SERVIÇOS PÚBLICOS... 11 2.1 SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS... 12 2.2 SERVIÇOS PÚBLICOS SOB INCIDÊNCIA DO CDC... 17 2.3 PRINCÍPIOS DO SERVIÇO ESSENCIAL... 18 2.3.1 Adequação... 19 2.3.2 Eficiência... 20 2.3.3 Segurança... 20 2.3.4 Continuidade... 21 CAPÍTULO II... 23 3 A LEGALIDADE DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA FACE AO INADIMPLEMENTO... 23 CAPÍTULO III... 27 4 A RESOLUÇÃO ANEEL N. 456/2000, A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O CDC... 27 CAPÍTULO IV... 33 5 POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS... 33 5.1 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS... 33 5.2 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS... 35 6 CONCLUSÃO... 43 REFERÊNCIAS... 46

9 1 INTRODUÇÃO A legalidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica aos consumidores inadimplentes é o tema abordado neste estudo, considerado ser um dos pontos mais polêmicos no meio doutrinário e jurisprudencial. A prática consistente em interromper ou suspender o fornecimento de serviços públicos ao usuário inadimplente ocorre a muito no Brasil, sem que os operadores do direito tenham se preocupado em indagar se a Constituição Federal de 1988 permite, quer explícita ou implicitamente, a interrupção da prestação dos serviços públicos essenciais como forma de punição ao usuário inadimplente. A relação jurídica entre o consumidor e a concessionária de energia elétrica e a contraprestação do consumidor para garantir a continuidade da prestação do serviço público parecem não se comunicar de forma clara e objetiva, sendo, portanto, de grande relevância, esclarecer, a natureza jurídica da relação entre o consumidor e a concessionária de energia elétrica e a contraprestação do consumidor para garantir a continuidade da prestação do serviço público. Diferentemente é abordado pelo ordenamento jurídico brasileiro, a constitucionalidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica aos consumidores inadimplentes. Alguns doutrinadores entendem que o consumidor, tem o direito de exigir que a prestação do serviço de energia elétrica seja contínua, pois esta é considerada essencial e, a concessionária é obrigada por lei a prestar continuamente esse serviço. A inadimplência não intencional, em que o usuário não tem condições efetivas de efetuar o pagamento, derivada das contingências sociais, não poderá ser outro o entendimento de que o Estado deverá subsidiar a continuidade do fornecimento de energia elétrica, sob pena de configurar-se odioso desrespeito aos direitos constitucionais do cidadão. Porém, a corrente contrária argumenta não ser a energia elétrica fornecida de maneira gratuita, pois, apesar de essencial, está sujeito à exceção de continuidade,

10 sendo permitido o corte por atraso de pagamento, por se tratar de um serviço tarifado, onde sua utilização requer uma contraprestação. Diante de tais divergências em relação a este tema, o objetivo deste estudo é discutir a controvertida questão acerca da constitucionalidade no corte do fornecimento de energia elétrica em razão do inadimplemento dos consumidores. Mais especificamente, procura estudar a relação jurídica entre consumidor e empresa concessionária; analisar as disposições legais e as resoluções que tratam do direito do consumidor e do fornecimento de energia elétrica, além de identificar os entendimentos jurisprudenciais favoráveis e contrários à prática da suspensão do fornecimento. Já que a energia elétrica é considerada como serviço público essencial, devese, portanto, observar o princípio da continuidade. Entretanto, o problema principal em questão a ser analisado é: a suspensão do fornecimento da energia elétrica por motivo de inadimplemento fere o princípio da continuidade? A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica em doutrinas, jurisprudências, revistas e artigos disponíveis na internet. Espera-se que este estudo possa contribuir de maneira positiva na solução das divergências de posicionamento na interpretação da lei e diante de tais divergências buscar a solução aos conflitos existentes, fazendo assim, com que haja o entendimento imparcial nas questões relativas ao direito do consumidor e ao direito das concessionárias de energia elétrica.

11 CAPÍTULO I 2 SERVIÇOS PÚBLICOS Os serviços públicos, não somente os essenciais se subdividem em dois grandes grupos. No primeiro grupo temos os serviços públicos prestados de forma abstrata, difusa, a toda coletividade, sem particularização ou individualização da prestação, são chamados "uti universi", de utilização ou utilidade universal. São eles, a educação, a saúde pública, a iluminação pública, a segurança pública, a limpeza pública, coleta de lixo, calçamento e outros. Estes serviços são indelegáveis, constituindo assim um monopólio do Estado, afinal serão remunerados por via necessariamente tributária. O tributo em questão será o imposto, que é genérico, sem qualquer vinculação à prestação de qualquer serviço público (HINDO, 2002). Em contrapartida, existem serviços cuja prestação é especifica, mensurável, individual, ou seja, se apresenta de forma concreta ao usuário, o que gerará um direito subjetivo de prestação. A fruição destes serviços não será homogênea para todos os usuários, que poderão utilizá-los em intensidades diversas, de acordo com a necessidade de cada um. São serviços como energia elétrica, telefonia, gás, água encanada e transporte coletivo. Eles são específicos, que significa dizer que são prestados de uma forma autônoma, destacada e são também divisíveis, em que o uso efetivo ou potencial pode ser aferido individualmente. Estes serviços serão remunerados por Taxas de serviços (que diferem das taxas de polícia) ou também por tarifas (também chamadas de preços), já que este tipo de serviço público pode ser objeto de delegação (HINDO, 2002). A definição e o rol de serviços públicos essenciais não se encontram no Código do Consumidor, nem na Constituição Federal. Esta última, por sua vez institui em seu art. 9, o direito de greve e disci plinou em seu parágrafo único que a lei definirá os serviços essenciais. Consideram-se serviços públicos essenciais aqueles definidos no art. 10 da Lei nº 7.783/89, a Lei de greve (HINDO, 2002).

12 São serviços cujo princípio da continuidade é ainda mais evidente, ou seja, não podem ser interrompidos, devido ao grande prejuízo, quiçá irreparável, pela não prestação, ainda que em caso de greve, que é o objeto da referida lei. São serviços cuja interrupção pode comprometer a sobrevivência, a saúde e a segurança (art. 11 da Lei 7.783/89), inclusive essa interrupção configura o delito de "paralisação de trabalho de interesse coletivo" 3 (art. 201 do Código Penal). São eles os serviços de água, energia elétrica, gás, combustíveis, saúde, distribuição de medicamentos e alimentos, funerário, transporte coletivo, captação e tratamento de esgoto, tráfego aéreo, compensação bancária, telecomunicações, guarda de materiais radioativos e nucleares e processamento de dados referentes a esses serviços (HINDO, 2002). 2.1 SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS Muito se discute sobre que tipo de serviço poderá ser considerado essencial na forma do que dispõe o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor - CDC, que inclusive comina pelo cumprimento forçado da obrigação de fazer, de fornecer a referida prestação essencial e ainda pela reparação dos danos causados pela interrupção deste serviço. Para melhor compreender o conceito de serviços públicos essenciais já que o Código do Consumidor em nem um lugar caracteriza ou denomina as atividades ou serviços essenciais e, nesse contexto, analisar a questão da possibilidade ou não da suspensão do serviço de fornecimento de energia elétrica, faz-se necessário, inicialmente conhecer os conceitos de serviço público. Dentre as várias correntes doutrinárias que se propuseram a conceituar serviço público, pode-se destacar três (BESERRA, 2008): A primeira corrente é a subjetiva, que define o serviço público em razão da pessoa que o satisfaz. Assim, todo e qualquer serviço público prestado pelo Estado seria qualificável como serviço público. Beserra (2008) entende que tal concepção,

13 por demais abrangente, não satisfaz, pois, o Estado também desempenha atividades outras, de cunho econômico, por exemplo, que não se confundem com serviço público. Por outro lado, particulares também prestam serviço público, como as concessionárias de energia elétrica, de telecomunicações, dentre muitas outras. Já a segunda corrente é a objetiva, ou funcional, a qual entende que diante da realidade do surgimento das concessionárias de serviço público, a concepção objetiva passou a conceituá-lo em função da própria natureza da atividade material prestada. Esta se caracteriza como serviço público a partir da necessidade de interesse coletivo por ela satisfeita (BESERRA, 2008). E, finalmente a terceira, corrente formal, que leva em conta o regime jurídico aplicado a determinada atividade. À acepção material contrapôs-se o sentido formal da noção de serviço público, que considera o regime jurídico que lhe é aplicado, marcado por normas especiais. O serviço público seria aquele prestado sob regime de direito público derrogatório e exorbitante do direito comum (DI PIETRO, 2002, p. 97). De acordo com Melo (2003, p. 612) Serviço Público pode ser definido como: É toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais-, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo (MELO, 2003, p. 612). Um serviço público é criado para satisfazer necessidades prementes da coletividade. Veja-se que a titularidade desse serviço encontra-se nas mãos do Estado, que pode delegar a sua prestação a terceiros mediante concessão, permissão ou autorização, segundo condições por ele fixadas. Por um certo prisma, o usuário encontra-se numa situação de submissão. A ele nada resta senão aceitar as prestações de serviço oferecidas pelo Poder Público, por si, ou pelos seus entes. Caracteriza-se assim uma situação de certa vulnerabilidade, razão pela qual a Constituição Federal e as leis, e aí se inclui de maneira valiosa o Código de Defesa do Consumidor, buscaram proteger o usuário, através de normas e princípios

14 reguladores da atividade estatal, no que tange à prestação dos serviços públicos (BESERRA, 2008). De acordo com o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. A introdução do microssistema jurídico do Código de Defesa do Consumidor no ordenamento jurídico brasileiro veio atender a este anseio social pela busca da paridade no tratamento entre os dois pólos da relação de consumo, dirimindo as práticas abusivas tão comuns antes do referido diploma consumerista (LIMA, 2008). A Constituição Federal estabeleceu a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, cuja finalidade consiste em assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros princípios, a defesa do consumidor (art. 170, IV/CF). Depreende-se, então, a valoração da figura do consumidor enquanto titular de direitos e garantias constitucionais fundamentais. A Lei 7.783 de 28 de junho de 1989, vulgarmente conhecida como Lei de Greve, em seu art. 11, parágrafo único, aduz que são necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Assim, desta forma, percebese que serviços essenciais são precisamente aquelas atividades imprescindíveis à satisfação das necessidades inadiáveis da comunidade (LIMA, 2008). Portanto, integrando a norma em sua finalidade, obtém-se que os serviços ou atividades essenciais, são aqueles serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, ou seja, das necessidades que coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população (VIDONHO JÚNIOR e PAIVA, 2001). A mesma Lei, 7.783/89 assim dispõe em seu artigo 10:

15 Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego aéreo; XI - compensação bancária. Tal norma sob o ponto de vista hermenêutico pode ser classificada tecnicamente como uma norma jurídica nacional 1, ou seja, que atinge a coletividade sem distinção, e portanto, é autônoma no que pertine a referida matéria, podendo ser estendida a quaisquer casos ou condições que levem a interrupção de serviço de natureza essencial e não só nas greves, até porque, em sua própria ementa insculpe que define as atividades essenciais, e não somente em situações de greve. Portanto, a continuidade dos serviços denominados essenciais alcançam não apenas os casos em que há interrupção por motivo de greve, mas também, a quaisquer tipos de interrupção, seja por cobrança de dívidas ou por falta do próprio serviço, isto porque pela natureza essencial da prestação, presume-se o decréscimo ou ausência de qualidade de vida, de dignidade e por vezes da própria realização da cidadania, fundamentos a que se apóia a República Federativa do Brasil (artigo 1º da Constituição Federal de 1988) (VIDONHO JÚNIOR e PAIVA, 2001). Com a mesma relevância tratou do assunto a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83), que ao cominar sanção à prática de sabotagem, em seu artigo 15, cominou agravamento de pena se desta resulta dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o dobro. 1 As normas jurídicas podem ser classificadas quanto à esfera de atuação de onde se aplicam, em Nacionais quando seu conteúdo não tem destinatários específicos, aplicam-se a todos os nacionais a exemplo do CDC; Federais quando há destinatários específicos como os do Regime Jurídico Único dos Servidores da União; Estaduais quando servem aos Estados-membros e por fim aos Municipais nos mesmos termos (VIDONHO JÚNIOR e PAIVA, 2001).

16 Sobre a natureza dos serviços essenciais versa Grinover et al. (2005) que: É sempre muito complicado investigar a natureza do serviço público, para tentar surpreender, neste ou naquele, o traço da sua essencialidade. Com efeito, cotejados, em seus aspectos multifários, os serviços de comunicação telefônica, de fornecimento de energia elétrica, água, coleta de esgoto ou de lixo domiciliar, todos passam por uma gradação de essencialidade, que se exacerba justamente quando estão em causa os serviços públicos difusos (ut universi) relativos à segurança, saúde e educação (GRINOVER et al., 2005, p. 140). A mesma doutrinadora ainda elucida que "parece-nos, portanto, mais razoável sustentar a imanência desse requisito em todos os serviços prestados pelo Poder Público (GRINOVER et al., 2005, p. 140). Desta forma, pode-se concluir que a não taxatividade do artigo 10 da Lei 7.783/89, que apenas esforçou-se por definir genericamente os serviços essenciais, ou seja seu rol é meramente exemplificativo. (VIDONHO JÚNIOR e PAIVA, 2001). Discorrendo por uma ótica publicista, Nunes (2005), versa que: Em medida amplíssima todo serviço público, exatamente pelo fato de sê-lo (público), somente pode ser essencial. Não poderia a sociedade funcionar sem um mínimo de segurança pública, sem a existência dos serviços do Poder Judiciário, sem algum serviço de saúde etc. Nesse sentido então é que se diz que todo serviço público é essencial. Assim, também o são os serviços de fornecimento de energia elétrica, de água e esgoto, de coleta de lixo, de telefonia etc (NUNES, 2005, p. 306). "Há no serviço considerado essencial um aspecto real e concreto de urgência, isto é, necessidade concreta e efetiva de sua prestação" (NUNES, 2005, p. 307). Serviço público essencial é, aquele indispensável à vida, saúde e segurança da pessoa (MARQUES, 2004, p. 331). Já Nunes (2005) diz que todos os serviços públicos são inerentemente essenciais, no que é acompanhado pela doutrina administrativista (MELLO, 2003). Portanto, os serviços essenciais estão para a coletividade e para o Ordenamento Jurídico como serviços indispensáveis à manutenção da vida e dos direitos, conceito que vivifica a impossibilidade de sua interrupção. Além do mais, por serem indispensáveis à normalidade das relações sociais ocupam natureza

17 pública, onde não se evidencia proprietários destes serviços, mas apenas gestores que devem atuar para a preservação de sua utilização pelo homem. 2.2 SERVIÇOS PÚBLICOS SOB INCIDÊNCIA DO CDC Como o art. 3º, 2º, do CDC, define como serviço, para fins de aplicação da legislação de proteção ao consumidor, aquele feito mediante remuneração, Marques (2004) exclui dessa definição os serviços públicos realizados uti universi, que são financiados pelos impostos pagos pela população; para a citada autora, somente estariam sujeitos às regras do CDC aqueles serviços prestados em virtude de vínculo contratual entre o consumidor e o órgão público ou seu concessionário, uti singuli, com contraprestação direta através de tarifa, ou preço público também estariam excluídos os serviços uti singuli prestados gratuitamente. Assim, toda e qualquer empresa, pública ou privada, que por via de contratação com a Administração Pública forneça serviços públicos, assim como, também as autarquias, fundações e sociedades de economia mista prestar serviços ou fornecer produtos numa relação típica de consumo estão sujeitas às regras do CDC, pouco importa se o serviço é prestado pela Administração de forma direta ou indireta (CHAMONE, 2007). Denari et al. (2005) e Mello (2005) entendem de forma divergente, pois para estes doutrinadores todo serviço público posto à disposição do administrado configura uma relação de consumo, aplicando-se sempre o CDC, visto que o art. 3º, 2º somente excetua a sua incidência sobre as relações de natureza trabalhista e aquelas prestadas sem remuneração alguma, ainda que indireta. Mello (2005) faz apenas uma ressalva em relação à aplicação das demais leis pertinentes ao caso concreto.

18 Ainda que sobre os serviços públicos incida o CDC, o regime desses contratos é especial: "mesmo se regidos por leis civis, não perde a relação seu caráter dito de verticalidade, reservando-se a administração faculdades que quebram o equilíbrio do contrato" (MARQUES, 2004, p. 330). Incidiriam então as normas do CDC sobre proteção contratual? Para Marques (2004, p. 330), a resposta está na conciliação entre "as imposições de direito constitucional, com a proteção do consumidor e as prerrogativas administrativas". A fruição de serviço público não envolve um vínculo contratual entre o usuário e o prestador de serviço, mas uma situação jurídica de natureza unilateral; (...) o usuário do serviço manifesta sua vontade no sentido de fruir os benefícios e de subordinar-se ao regime jurídico pertinente ao serviço público. Não há acordo de vontades, mas manifestação de vontade individual, que é condição para a fruição do serviço. O direito do consumidor não pode ser aplicado integralmente no âmbito do serviço público por uma espécie de solidariedade entre os usuários, em virtude da qual nenhum deles pode exigir vantagens especiais cuja fruição acarretaria a inviabilização de oferta do serviço público em favor de outros sujeitos (JUSTEN FILHO, 2005, p. 492-493). 2.3 PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL O que define um determinado serviço como sendo público é precipuamente o regime jurídico ao qual ele se encontra submetido. Regime jurídico é um conjunto de princípios que regem determinado instituto, informando dado sistema (MELO, 2003). Deve-se ressaltar o art. 22, caput, do CDC: onde a prestação dos serviços deve ocorrer de modo que seja observado, pelo prestador, pelo menos três obrigações: adequação, eficiência e segurança. Mas se o serviço for ainda essencial, o prestador deve observar a obrigação de continuidade (GALIOTTO, 2008). Caso haja descumprimento total ou parcial de qualquer um desses deveres, possibilita o consumidor ou seu representante legal, ingressar com uma ação judicial a fim que a prestação ocorra, na forma exigida pela lei podendo ainda haver

19 condenação do prestador pelos danos eventualmente causados aos usuários (GALIOTTO, 2008). A Lei 8987/95, regulamentando o texto constitucional, enuncia, em seu artigo 6, 1, os princípios disciplinadores do regime de concessão e permissão de serviços públicos: o da continuidade, o da regularidade, o da generalidade, modicidade, cortesia, segurança, atualidade e eficiência. Tratando-se dos princípios informadores do serviço público, todos, simplesmente por sê-lo, deve ser prestado adequadamente, o que significa, basicamente, ser dotado das características abaixo referidas (MELO, 2003). 2.3.1 Adequação O dever de adequação do serviço público também encontra eco no disposto no art. 175, parágrafo único, IV, regulamentado pela Lei 8.987/95, em especial seu art. 6º, e seus parágrafos. Princípio da Adequação, inscrito no inciso IV, parágrafo único do art. 175 da CF/88 in verbis: Incumbe ao Poder Público na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. 2.3.2 Eficiência

20 O dever de eficiência estampado no caput, do art. 22, do CDC, passou a ser redundante desde que ele foi inserido na redação do caput, do art. 37, da CF, em 1998 (EC 19/98). Ser eficiente é, no dizer de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Jr. apud Nunes (2005), concretizar a atividade administrativa de modo a extrair o maior número possível de efeitos positivos ao administrado. Não basta haver adequação, nem estar à disposição das pessoas. O serviço tem de ser realmente eficiente; tem de cumprir sua finalidade na realidade concreta. (...) o significado de eficiência remete ao resultado: eficiente é aquilo que funciona. (...) O indivíduo recebe serviço público eficiente quando a necessidade para a qual ele foi criado é suprida concretamente (NUNES, 2005, p. 306). A eficiência é gênero, enquanto a adequação, segurança e continuidade "são características ligadas à necessária eficiência que devem ter os serviços públicos" (NUNES, 2005, p. 306). 2.3.3 Segurança De acordo com o art. 6º, 3º, I, da Lei 8.987/95 a interrupção poderá ocorrer por motivo de ordem técnica ou de segurança das instalações (CHAMONE, 2007). Porém a sua constitucionalidade é posta em dúvida por Nunes (2005, p. 310), pois "ainda que, eventualmente, venham a surgir, significam interrupção irregular do serviço público, aliás em clara contradição com o sentido de eficiência e adequação. Afinal, problema técnico e de insegurança demonstra ineficiência e inadequação". Ademais, tais hipóteses de paralisação envolvem a discussão de culpa e de modo algum isentariam a responsabilidade por danos, que no caso é objetiva.

21 2.3.4 Continuidade O Princípio da Continuidade, caracteriza-se como um dos que mais peculiarmente caracteriza o serviço público, significando a impossibilidade de sua interrupção e o pleno direito dos administrados a que não seja suspenso ou interrompido (MELLO, 2003). O princípio da continuidade do serviço público é um sub princípio, ou, se se quiser, princípio derivado, que decorre da obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa. Esta última (...) é, por sua vez, oriunda do princípio fundamental da indisponibilidade, para a Administração, dos interesses públicos (MELLO, 2003, p. 71). Nunes (2005) procura identificar os serviços que devem ser contínuos pelo aspecto de urgência na necessidade de sua prestação utilizando-se, ainda da Lei de Greve (Lei 7.783/89), que define em seu art. 10 quais são os serviços essenciais. Nos termos do CDC art. 42, a suspensão do serviço não pode ser feita como meio de cobrança ou ameaça, somente sendo autorizada "a suspensão a posteriori, avisada e determinada por rompimento não abusivo (por exemplo, judicial) do contrato" (MARQUES, 2004, p. 334). Ademais, por força do art. 22, o serviço público deve ser prestado de forma ininterrupta, resultando que a "concessionária de serviço público deve utilizar-se dos meio próprios para receber os pagamentos em atraso" (MARQUES, 2004, p. 334). O corte ou suspensão do serviço essencial, face pessoa física, tendo em vista a sua dignidade como pessoa humana (art. 5º, XXXII, c/c art. 1º, III, da CF/1988 c/c art. 2º do CDC), só pode ser possível excepcionalmente e quando não é forma de cobrança ou constrangimento, mas sim reflexo de uma decisão judicial ou do fim não abusivo do vínculo (MARQUES, 2004). Já para Nunes (2005), somente em situações de fraude judicialmente reconhecida, o consumidor poderá sofrer o corte no fornecimento, pois para ele essa é a única hipótese em que haverá inadimplemento do usuário, considerando o

22 interesse da coletividade (art. 6º, 3º, da Lei 8.987/95 Lei de Concessões) que justifique o corte. Com efeito, (...), a legislação consumerista deve obediência aos vários princípios constitucionais que dirigem suas determinações. Entre esses princípios encontram-se os da intangibilidade da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da garantia à segurança e à vida (caput do art. 5º), que tem de ser sadia e de qualidade, em função da garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado (caput do art. 225) e da qual decorre o direito necessário à saúde (caput do art. 6º) etc (NUNES, 2005, p. 310).

23 CAPÍTULO II 3 A LEGALIDADE DA SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA FACE AO INADIMPLEMENTO É importante ressaltar inicialmente que o serviço de energia elétrica é, sem sombra de dúvida, um serviço essencial. Desta forma é necessário que se observe os princípios norteadores do serviço público, e em especial o da continuidade. A Lei de Concessões 8987/95, que em seu art. 6º, parágrafo 3º, reza o seguinte: não se caracteriza descontinuidade do serviço a sua interrupção, em situação de emergência ou após prévio aviso, quando motivada por razões de ordem técnicas ou de segurança das instalações, ou, ainda, por inadimplemento do usuário, considerado o interesse público (VOLPE FILHO, 2003). A paralisação do serviço impõe-se quando houver inadimplência, repudiandose a interrupção abrupta, sem o aviso prévio, como meio de pressão para o pagamento das contas em atraso. Ou seja, é permitido o corte de serviço, mas com o precedente aviso de advertência (CALMON, 2006). Nesse sentido, mister se faz asseverar que não há qualquer ilegalidade no procedimento adotado pelas concessionárias distribuidoras de energia elétrica quando suspendem, após prévio aviso, o fornecimento do serviço àqueles consumidores que não pagam pela energia elétrica consumida, haja vista a previsão legal para a suspensão do fornecimento de energia elétrica (ROCHA, 2004, p. 52). Quando se trata de interrupção do serviço por motivo de inadimplência do usuário quanto ao pagamento do valor cobrado a título de remuneração pela prestação do serviço, de um lado, a concessionária tem o dever de disponibilizar um serviço adequado, eficiente, seguro e contínuo, desde que essencial, de outro lado, cumpre ao usuário remunerá-la pelo serviço prestado (PEREIRA, 2008).

24 Como não pode a concessionária deixar de fornecer o serviço, também não pode o usuário negar-se a pagar o que consumiu sob pena de se admitir o enriquecimento sem causa, com a quebra do princípio da igualdade de tratamento das partes (CALMON, 2006). Nesse sentido, para o fornecimento de energia elétrica, o art. 14, I, da Lei nº 9.427/96 expressamente dispõe que o consumidor final é responsável pela contraprestação pela execução do serviço, mediante o pagamento de tarifa. Idêntica assertiva contém o art. 91, da Resolução nº 456 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), "in verbis": Art. 91. A concessionária poderá suspender o fornecimento, após prévia comunicação formal ao consumidor, nas seguintes situações: I - atraso no pagamento da fatura relativa à prestação do serviço público de energia elétrica. O descumprimento intencional da obrigação, portanto, implica em violação ao dever de pagar pelo benefício auferido e incorporado à esfera patrimonial do devedor. Isto é, embora ciente do "quantum debeatur", o usuário voluntariamente deixa de adimplir com a obrigação pecuniária devida e, por isso, obtém vantagem econômica ao não despender a quantia que seria investida como contraprestação (PEREIRA, 2008). De Lucca (1995), acredita que não constitui infração nenhuma o corte de serviço público tarifado, pois, uma das razões é que a continuidade prevista no Código de Consumidor não é absoluta, e outra argumentação é pelo fato de ser um serviço tarifado, onde sua utilização requer uma contraprestação. Portanto, admitir o inadimplemento por um período indeterminado sem a possibilidade de suspensão do serviço é consentir com o enriquecimento sem causa de uma das partes, fomentando a inadimplência generalizada e comprometendo o equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço, com reflexos, inclusive, no princípio da modicidade. O custo do serviço será imensurável a partir do percentual de inadimplência, e os usuários que pagam em dia serão penalizados com possíveis aumentos de tarifa (CALMON, 2006).

25 A política tarifária do setor de fornecimento de energia é fortemente regulada e estabelecida pelo Poder Público, tanto é que as tarifas têm valores diferenciados, sendo classificadas por faixas distintas conforme a atividade ou nível sócioeconômico do consumidor, estando fora de questão admitir-se a prestação gratuita dos serviços. Se à prestadora do serviço exige-se o fornecimento de serviço continuado e de boa qualidade, respondendo ela pelos defeitos, acidentes ou paralisações, pois é objetiva a sua responsabilidade civil, não é possível aceitar-se a paralisação no cumprimento da obrigação por parte do consumidor. Tal aceitação levaria à idéia de se ter como gratuito o serviço, o que não pode ser suportado por quem fez enormes investimentos e conta com uma receita compatível com o oferecimento dos serviços (CALMON, 2006). Na atualidade, os serviços essenciais são prestados por empresas privadas que recompõem os altos investimentos com o valor recebido dos usuários por meio dos preços públicos ou tarifas, sendo certa a existência de um contrato estabelecido entre concessionária e usuário e não sendo possível a gratuidade de tais serviços. Sob o aspecto da norma específica, estão as concessionárias autorizadas a suspender os serviços quando não pagas as tarifas; sob o aspecto ontológico, não se conhece contrato de prestação de serviço firmado com empresa pública, cujo não-pagamento seja irrelevante para o contratado; sob o ângulo da lógica capitalista, é impossível a manutenção de serviço gratuito por parte de grandes empresas que fazem altos investimentos (CALMON, 2006). A concessionária não poderá interromper o fornecimento de serviços essenciais, mesmo havendo inadimplência do usuário, quando existir o interesse da coletividade. Isto significa que uma residência, no caso de inadimplência, poderá ter o seu fornecimento de energia elétrica interrompido e suspenso, pois não há interesse da coletividade (OLIVEIRA, 1998). A concessionária não poderá "cortar" a energia elétrica de hospitais, escolas, asilos, delegacias de policias, dentre outros, pois nestes casos deverá ser levado em consideração o interesse da coletividade, mormente quando somadas as mazelas desencadeadas com a falta de energia naqueles estabelecimentos, como o aumento da violência em locais ermos, equipamentos hospitalares inoperantes, escassez generalizada de água nas residências, ou o acúmulo de lixo orgânico em

26 decomposição nos centros urbanos, por exemplo. Por isso, antes de paralisar o serviço, a despeito da falta de pagamento, a concessionária deve observar se há interesse da coletividade envolvido, caso em que estará desautorizada a interrupção, segundo o disposto no art. 6º, 3º, II, da Lei nº 8.987/95. (OLIVEIRA, 1998).

27 CAPÍTULO III 4 A RESOLUÇÃO ANEEL N. 456/2000, A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O CDC A Constituição Federal, a Lei n. 8.987/95 e a Resolução ANEEL n. 456/2000, devem ser estritamente observadas quando for caso de "corte" no fornecimento desse serviço essencial. De acordo com o que estabelece o art. 6, 3º, da Lei nº 8.987/95, a interrupção do serviço motivada por razões de ordem técnica, segurança nas instalações ou, ainda, pelo inadimplemento do usuário, deve ser necessariamente precedida de aviso. Significa dizer que o legislador ordinário vislumbrou no aviso prévio uma condição de procedibilidade, sem a qual o ato não se concretiza. Para ser válido, o ato deve estar em conformidade com a lei, isto é, deve atender às exigências que lhes são formatadas pela norma, sob pena de nulidade. Portanto, ainda que se verifique, em tese, a ocorrência de uma das hipóteses autorizadoras da cessação do serviço, não será lícita a medida caso desacompanhada de aviso prévio. Isto porque a precedência de aviso constitui-se em solenidade essencial determinada por lei, cuja ausência implica em nulidade do negócio jurídico, "ex vi" do art. 166, V, do CC/2002 (PEREIRA, 2008). Se a interrupção observa rigorosamente a exigência legal, fica afastada a ilicitude do ato, face ao exercício regular do direito (art. 188, I, do CC/2002). Do contrário, a medida corrobora em excesso não tutelado pelo Ordenamento Jurídico (art. 187, do CC/2002), de cujo reflexo imediato exsurge o dever de reparação (art. 927, do CC/2002), sem prejuízo da aplicação das sanções cabíveis pela Agência Reguladora à concessionária. Desatendida a obrigação de precedência de aviso, o usuário é privado da prerrogativa de restabelecer voluntariamente o vínculo contratual mediante a adimplência extemporânea, impedindo a deflagração dos efeitos nefastos que

28 recairiam sobre si com a falta do serviço. Daí que, não observada à condição de procedibilidade prevista na lei, a resolução contratual viola o princípio da continuidade, eis que a interrupção do serviço se torna medida ilegal e arbitrária, logo, passível de causar dano ao consumidor (PEREIRA, 2008). Contudo, é possível afirmar que a existência de prévio aviso é uma "conditio sine qua non" para a validade da interrupção e, conseqüentemente, para que possa ser tida como regular. Desrespeitada a solenidade essencial, a concessionária não atua em conformidade com o Direito, razão porque a resolução contratual e a conseqüente interrupção do serviço não podem ser aclamadas em seu favor. Se assim o proceder, a interrupção se consubstancia em decisão arbitrária da concessionária, passível de repressão pelo Poder Judiciário ao examinar a "quaestio juris" (ROCHA, 2004). Como a Lei nº 8.987/95 silencia quanto à fixação de prazo para a entrega do aviso prévio, cabe às respectivas Agências, no exercício do Poder regulatório, suplementar o diploma normativo. Nesse sentido, conforme lançado no art. 91, I, da Resolução nº 456/00 da ANEEL, constatada a falta de pagamento relativa à prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica, a notificação de prévio aviso deve ser entregue ao consumidor individual em, pelo menos, 15 (quinze) dias antes do corte (ROCHA, 2004). Não obstante, o aviso prévio também pode funcionar como "ultima ratio" para a constituição do devedor em mora (art. 397, único, do CC/2002), sem prejuízo do termo da obrigação. A comprovação do recebimento da referida notificação, entretanto, é ônus da concessionária, conforme lançado no art. 91, 1º, da Resolução nº 456/00 da ANEEL, combinado com o art. 6º, VIII, do CDC e art. 333, I, do Código de Processo Civil (CPC) (ROCHA, 2004). Por outro lado, quando o usuário inadimplente presta serviço público ou essencial à população, a concessionária também se obriga à observância do interstício mínimo de 15 (quinze) dias entre o aviso prévio e a interrupção. Caberá ao Poder Executivo respectivo, porém, adotar as providências administrativas necessárias à preservação da coletividade quanto aos efeitos da ausência do serviço, segundo dispõe o art. 17, "caput" e único da Lei nº 9.427/96, "in verbis":

29 Art. 17. A suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia elétrica a consumidor que preste serviço público ou essencial à população e cuja atividade sofra prejuízo será comunicada com antecedência de quinze dias ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual. 1º O Poder Público que receber a comunicação adotará as providências administrativas para preservar a população dos efeitos da suspensão do fornecimento de energia elétrica, inclusive dando publicidade à contingência, sem prejuízo das ações de responsabilização pela falta de pagamento que motivou a medida. A primeira obrigação notificar previamente o Ente Público, portanto, dirigese à concessionária, enquanto que a segunda adotar providências administrativas incumbe diretamente ao Poder Público respectivo. Assim, a notificação prévia também funciona como instrumento capaz de provocar a Administração Pública, antecipadamente, para a tomada eficaz de decisões que possibilitem resguardar a população dos efeitos negativos da posterior interrupção (PEREIRA, 2008). Destaque-se que a comunicação prévia ao Poder Executivo é devida tanto na hipótese em que o próprio Ente Estatal presta diretamente a atividade a ser paralisada, como na hipótese em que o particular, nessa condição, prestar o serviço público ou essencial à comunidade, conforme o art. 17, "caput", da Lei nº 9.427/96, cujo teor é reproduzido pelo art. 94, "caput", da Resolução nº 456/00 da ANEEL. Em qualquer desses casos, notificado tempestivamente o Poder Público, caberá a este tomar as medidas preventivas necessárias até que o serviço possa ser restabelecido, inclusive quanto à publicidade, de modo a instruir adequadamente a população (PEREIRA, 2008). A autoridade a quem será enviada a notificação, destarte, depende do interesse público envolvido. Vale, aqui, o critério da preponderância de interesses: se o serviço afetado limita-se, à circunscrição do Município ou trata-se de entidade a este pertencente, será o Poder Público Local a quem será dirigida a comunicação, bem como será este o responsável pela adoção das medidas cabíveis. Sendo a hipótese de interesse público relacionado ao Estado-membro, o aviso prévio e as providências estão adstritas ao Poder Executivo Estadual (SILVA, 2002). Uma vez inadimplente o consumidor, por ter se escusado à remuneração pelo serviço prestado, poderá a concessionária manejar ação de cobrança contra o devedor, tendo em vista a satisfação do seu crédito. Alguns defendem que, como a

30 concessionária tem a prerrogativa de ser ressarcida do "quantum debeatur" através do exercício do direito de ação, desnecessária a interrupção do serviço, instrumento este mais gravoso ao consumidor. Restaria à fornecedora, então, a alternativa de demandar judicialmente o consumidor inadimplente e, até que o provimento fosse definitivamente atendido, seria obrigada a manter ininterrupto o serviço (SILVA, 2002). A prevalecer este entendimento, "permissa venia", bastaria uma inadimplência em massa, fundada nos mesmos moldes da argumentação entabulada, para inviabilizar a prestação do serviço pela concessionária. É cediço que o fornecedor assume o risco do empreendimento pela atividade desenvolvida, no entanto, caso esse movimento viesse a ocorrer, inevitavelmente acarretaria num colapso de proporção geral no sistema, em prejuízo de toda a coletividade. Restaria violado, assim, o princípio da supremacia do interesse público, já que a concessionária atua por delegação do Poder Público concedente (SILVA, 2002). Tampouco seria plausível exigir a manutenção "ad aeternun" do serviço durante longos anos de demanda judicial, sem a correspondente remuneração, vez que a gratuidade não se presume. No fornecimento de energia elétrica, ademais, considerando que o consumo é mensal, seriam somadas à dívida inicial todo o valor da tarifa devida, mês a mês, até o deslinde do processo, além da incidência de juros legais e correção monetária sobre o montante em atraso o que, de fato, poderia tornar a dívida impagável (ROCHA, 2004). Situação diversa ocorre quando a discussão acerca do "quantum debeatur" encontra-se "sub judice". Nessa hipótese, não há certeza da inadimplência, eis que o "fumus boni juris" protege o consumidor. Com efeito, a interrupção do fornecimento do serviço não está amparada juridicamente, posto lhe faltar elemento essencial para a caracterização de sua legalidade: a ausência de pagamento da tarifa. Se o consumidor contesta em juízo a existência de dívida, exsurge a impossibilidade de interrupção do serviço, ainda que precedida de aviso (ROCHA, 2004). Cumpre destacar que, verificada a inadimplência do usuário singularmente considerado (serviço "uti singuli"), é possível a concomitância da ação de cobrança e a interrupção do serviço de fornecimento de energia elétrica. O ato de interrupção do serviço e a propositura da ação não se confundem, pois possuem natureza diversa.

31 Conforme elucida Theodoro Júnior (2004), a ação é expressão de um direito público subjetivo à prestação jurisdicional, que não se vincula ao direito material da parte. De outro lado, a interrupção do serviço não se caracteriza como um meio "alternativo" de cobrança coercitiva ou sanção, mas um consectário lógico da resolução contratual face ao descumprimento da obrigação. Aquela tem natureza processual; esta se relaciona à extinção do contrato, não se constituindo em instrumento paralelo ou substitutivo ao direito de ação. Tratando-se, porém, de serviço prestado pelo particular ou diretamente pelo Poder Público, a exemplo daqueles discriminados no art. 10 da Lei nº 7.783/89 e no art. 94, único, da Resolução nº 456/00 da ANEEL, e cuja falta importa em prejuízo à sobrevivência, à saúde, ou à segurança da população (art. 11, único, da Lei nº 7.783/89), a essencialidade identificada naquele serviço obsta a interrupção do seu fornecimento (PEREIRA, 2008). A repercussão do corte no fornecimento de energia elétrica às instalações de hospitais, estações de tratamento de água, tratamento de lixo ou controle de tráfego aéreo, não se limita à esfera de interesse individual do usuário inadimplente que presta tais serviços. Nessas hipóteses, considerado o interesse da coletividade em questão (art. 6º, 3º, II, da Lei nº 8.987/95), a inadimplência do usuário não pode dar ensejo à cessação do serviço. Resta à concessionária, então, manejar a ação de cobrança como solução residual para a satisfação do crédito, além, é claro, das formas de autocomposição admitidas em Direito (PEREIRA, 2008). É importante salientar que, sendo o caso em que a interrupção do serviço é permitida, não se devem tolerar excessos no seu "modus operandi" de forma a causar lesão à imagem ou à honra do consumidor, com fundamento no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Assim também, como qualquer outro serviço oferecido no mercado de consumo, a cobrança da contraprestação pelo fornecimento de energia elétrica não pode submeter o consumidor a procedimento vexatório, constrangimento ou ameaça, "ex vi" dos arts. 42 e 71 do CDC. A prevalecer conduta desse gênero, recai sobre o fornecedor do serviço a responsabilidade civil objetiva pelo dano perpetrado, consoante prevê o art. 14 do CDC e art. 37, 6º, da CF, sem prejuízo da responsabilidade administrativa cabível (PEREIRA, 2008).