A DIMENSÃO AFETIVA DA AÇÃO PEDAGÓGICA 1

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5 A DIMENSÃO AFETIVA DA AÇÃO PEDAGÓGICA 1 Valdete Maria Ruiz 2 e Marli Jorge Vischi de Oliveira RESUMO O artigo trata da importância do desenvolvimento da afetividade paralelamente ao desenvolvimento cognitivo nas escolas mostrando, por meio das teorias de Piaget, Vygotsky e Wallon, como estão intimamente relacionados. Oferece contribuições para que o professor desenvolva a dimensão afetiva de seus alunos e discute a necessidade de atenção a essa dimensão na relação que estabelece com os educandos. Palavras-Chave: afetividade, desenvolvimento afetivo, relação professoraluno. ABSTRACT The article treats of the importance of the development of the affectivity, parallel to the cognitive development in the schools showing, through the theories of Piaget, Vygotsky and Wallon, as these are intimately related. It offers contributions for the teacher to develop student s affective dimension and discusses the need of attention to this dimension in the relationship that establishes with students. Key words: affectivity, affective development, teacher-student relationship. 1 Artigo parcialmente baseado no Trabalho de Conclusão de Curso A Importância da afetividade para uma aprendizagem efetiva apresentado ao curso de Pedagogia do CREUPI em 2004 pela segunda autora, sob orientação da primeira. 2 Valdete Maria Ruiz é psicóloga pela USP-Ribeirão Preto, Mestra em Psicologia Escolar e Doutora em Psicologia como Ciência e Profissão pela PUC-Campinas. Docente nos cursos de Pedagogia e Letras do Centro Regional Universitário de Espírito Santo do Pinhal UNIPINHAL e no de Psicologia do Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino de São João da Boa Vista UNIFAE. Endereço para correspondência: Rua José Bonifácio, 220 Mogi Mirim (SP), CEP 13800-060. Fones: (19) 3862-1874/ 3862-4517. Endereço eletrônico: growing@dglnet.com.br

6 INTRODUÇÃO A educação moderna está em crise, porque não é humanizada, separa o pensador do conhecimento, o professor da matéria, o aluno da escola, enfim, separa o sujeito do objeto (CURY, 2003, p. 139). Afetividade é um termo utilizado para designar e resumir não só os afetos em sua acepção mais estrita, mas também os sentimentos ligeiros ou matizes de sentimentais de agrado ou desagrado, enquanto o afeto é definido como qualquer espécie de sentimento e (ou) emoção associada a idéias ou a complexos de idéias (CABRAL e NICK, 1999). Nas escolas em geral, alunos experimentam diversos afetos: o prazer de conseguir realizar algo pela primeira vez, tristeza ao saber da doença de um amigo, raiva ao discutir com colegas. Além disso, podem gostar ou não de seus professores, sentir-se felizes quando seus companheiros de sala os aceitam e culpados quando não estudam o suficiente. Em Psicologia os afetos costumam ser classificados em positivos e negativos. A afetividade positiva (AP) se refere ao tipo de emoções positivas tanto de alta energia (entusiasmo e excitação) como de baixa energia (calma e tranqüilidade) O prazer e a alegria também são exemplos da afetividade positiva. Já a afetividade negativa (AN) se refere a emoções negativas como a ansiedade, a raiva, a culpa e a tristeza. Note-se que é possível que um aluno apresente alta energia em ambas dimensões (AP e AN) ao mesmo tempo. Seria o caso de apresentar um alto nível de energia entusiasta e, ao mesmo tempo, estar irritado (SANTROCK, 2002). Os exemplos e descrições anteriores, por si só, demonstram como a afetividade faz parte do processo de ensino-aprendizagem, não se podendo desconsiderá-la. No entanto, a história da Educação mostra que, desde que a escola adquiriu seus contornos atuais, houve um prejuízo na dimensão afetiva da ação pedagógica o que se tornou ainda mais acentuado na chamada era pós-moderna, como destaca o trecho em epígrafe. Na própria história da Psicologia, as dimensões cognitiva e afetiva da dinâmica da personalidade do indivíduo tenderam a ser tratadas de forma separada. Atualmente, entretanto, percebe-se uma tendência de reunião dessas duas dimensões, numa tentativa de recomposição do ser humano completo (SISTO, OLIVEIRA e FINI, 2000, p. 75). Diante de tudo isso, tem havido um apelo entre psicólogos e educadores no sentido de humanizar o conhecimento (e os próprios mestres) com o intuito de se desenvolver, paralelamente ao aspecto cognitivo, também o afetivo. Isto principalmente depois da publicação das obras Inteligências Múltiplas (GARDNER, 1995) e Inteligência Emocional (GOLEMAN, 1995). Vale dizer que os sentimentos e emoções do aluno precisam ser levados em conta, já que podem favorecer ou desfavorecer o desenvolvimento cognitivo com o qual está intimamente relacionado desde que o bebê vem ao mundo, como é melhor discutido na seqüência. O DESENVOLVIMENTO DA AFETIVIDADE DA CRIANÇA Desde que a criança nasce, o ambiente precisa satisfazer suas necessidades básicas de afeto, apego, desapego, segurança, disciplina e comunicação, pois é nele que se estrutura a mais importante forma de aprendizagem: a de estabelecer vínculos, isto é, a capacidade de se relacionar, tendo-se em conta que o ser humano é um ser social (BOSSA, 1998). Além disso, diversos psicólogos salientam que a evolução normal da atenção, memória, pensamento, juízo, percepção, linguagem, motricidade e afetividade depende, em boa parte, das condições externas do meio, mais

7 especificamente da relação mãe-bebê, na qual se estabelece uma comunicação especial desde os primeiros momentos da vida do recém-nascido. O trabalho de Spitz foi o primeiro que chamou a atenção para a importância do afeto na relação mãe-filho no aparecimento e desenvolvimento da consciência do bebê e para a participação vital que a mãe tem ao criar um clima emocional favorável ao desenvolvimento da criança, sobre todos os aspectos. Segundo Spitz, são os sentimentos maternos que criam esse clima emocional que confere ao bebê uma variedade de experiências vitais muito importantes por estarem interligadas, enriquecidas e caracterizadas pelo afeto materno (BÖING e CREPALDI, 2004). Por outro lado, o trabalho de Spitz mostrou que bebês institucionalizados tendem a sofrer uma série de regressões ou falhas de desenvolvimento por sentirem a ausência da mãe ou de um substituto afetivo para ela, mesmo que tenha boas condições de materiais de higiene e cuidados. Nesse caso, a explicação para o atraso no desenvolvimento não pode ser dada simplesmente pela separação da figura materna, mas pelo ambiente físico e humano que é carente de estimulação e resulta num atraso no desenvolvimento de diversas funções como a fala, a coordenação motora e o controle dos esfíncteres (SILVA, 1997). Isto comprova que os diversos âmbitos do desenvolvimento, incluindo ao afetivo, se inter-relacionam. A abordagem etológica do estudo do recém-nascido propõe que a criança vem ao mundo com os equipamentos sensorial, motor e de comunicação perfeitamente adaptados para sua sobrevivência nas condições da espécie. Sua sobrevivência depende da proteção, atenção e cuidados prestados pelo adulto e, nesse sentido, a relação de apego desempenha a função de garantir o recebimento desses cuidados. Baseado nesta concepção, na teoria da evolução e na psicologia cognitiva, Bowlby (1988 e 1989) também demonstrou como o contato materno é necessário para a criança pequena. Em sua teoria do apego este autor postula a existência de uma organização psicológica interna situada no sistema nervoso central, responsável pela formação e manutenção de laços emocionais íntimos entre indivíduos. A propensão para estabelecer tais laços é considerada um componente básico da natureza humana, encontrando-se presente no recém-nascido em forma germinal e continuando na idade adulta e na velhice, quando os primeiros laços persistem e são complementados por outros. Assim, a vivência de uma relação calorosa, íntima e contínua com a mãe ou mãe substituta permanente, ou seja, uma pessoa que desempenha regular e constantemente esse papel mostra-se necessária à saúde mental do bebê. É essa relação complexa, rica e recompensadora com tal figura nos primeiros anos de vida, enriquecida de inúmeras maneiras pelas relações com o pai, familiares e professores entre outros agentes importantes de socialização que a comunidade científica julga estar na base do desenvolvimento da personalidade e da saúde mental. Portanto, mais uma vez se tem como clara a necessidade de considerar de forma integrada o desenvolvimento da afetividade com os demais âmbitos da natureza humana em especial com o cognitivo. Na Psicologia contemporânea, esta tendência de integração é particularmente observada em três teorias do desenvolvimento: na de Piaget, na de Vygotsky e na de Wallon. Na teoria de Piaget, a afetividade é caracterizada como instrumento propulsor das ações, estando a razão a seu serviço. Sobre este ponto, Taille, Dantas e Oliveira (1992, p.66) explicam que, para Piaget, a afetividade seria a energia, o que move a ação, enquanto a Razão seria o que possibilitaria ao sujeito identificar desejos, sentimentos variados, e obter êxito nas ações. Neste caso, não há conflito entre as duas partes. Porém, pensar a Razão contra a afetividade é problemático porque então dever-se-ia, de alguma forma, dotar a Razão de algum poder semelhante ao da afetividade, ou seja, reconhecer nela a característica de móvel, de energia.

8 Vygotsky (1993) propõe uma visão de homem como um sujeito social e interativo, sendo que a criança, inserida num grupo, constrói seu conhecimento com a ajuda do adulto e de seus pares. Dessa forma, considera que a aprendizagem ocorre a partir de um intenso processo de interação social, através do qual o indivíduo vai internalizando os instrumentos culturais, ou seja, as experiências vivenciadas com outras pessoas é que vão possibilitar a re-significação individual do que foi internalizado. Remetendo-se a Vygotsky, Sisto, Oliveira e Fini (2000), afirmam que o pensamento tem sua origem na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e emoção. Nesta esfera estaria a razão última do pensamento e, assim, uma compreensão completa do pensamento humano só é possível quando se compreende sua base afetivo-volitiva. Na teoria de Wallon a dimensão afetiva ocupa lugar central, como não acontece em nenhuma outra. Nela a afetividade constitui um domínio funcional tão importante quanto o da inteligência, desempenhando um papel fundamental na constituição e funcionamento dessa última e determinando os interesses e necessidades individuais. Afetividade e inteligência constituem, portanto, na sua concepção, um par inseparável na evolução psíquica, pois embora tenham funções bem definidas e diferenciadas entre si, são interdependentes em seu desenvolvimento, permitindo à criança atingir níveis de evolução cada vez maiores (TAILLE, DANTAS e OLIVEIRA, 1992; GALVÃO, 2003). Wallon (1989) acredita que a afetividade não é apenas uma das dimensões da pessoa, mas também uma fase do desenvolvimento, a mais arcaica. Segundo ele, o ser humano foi, logo que saiu da vida puramente orgânica, um ser afetivo. Da afetividade diferenciou-se, lentamente, a vida racional e, portanto, no início da vida, afetividade e inteligência estão sincreticamente misturadas, com predomínio da primeira. Desta forma, em sua teoria, o desenvolvimento da pessoa é visto como uma construção progressiva em que fases se sucedem com predominância alternadamente afetiva e cognitiva. No estágio impulsivo-emocional, que abrange o primeiro ano de vida, o atributo particular é dado pela emoção, instrumento privilegiado de interação da criança com o meio. A predominância da afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, as quais intermediam sua relação com o mundo físico. No estágio sensório-motor e projetivo, que vai até o terceiro ano, o interesse da criança se volta para a exploração sensório-motora do mundo físico. O pensamento precisa do auxílio dos gestos para se exteriorizar, o ato mental projetase em atos motores. Ao contrário do estágio anterior, neste predominam as relações cognitivas com o meio. No estágio do personalismo, dos três aos seis anos de idade, a tarefa central é o processo de formação da personalidade. A construção da consciência de si, que se dá por meio das interações sociais, reorienta o interesse da criança para as pessoas, definindo o retorno da predominância das relações afetivas. Por volta dos seis anos, inicia-se o estágio categorial. Os progressos intelectuais dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior, imprimindo preponderância do aspecto cognitivo às suas relações com o meio. Na adolescência, surge a necessidade de uma nova definição dos contornos da personalidade, desestruturados devido às modificações resultantes da ação hormonal, trazendo à tona questões pessoais, morais e existenciais, numa retomada da predominância da afetividade. Na verdade, a afetividade na teoria walloniana é vista como instrumento de sobrevivência e neste sentido, de acordo com Taille, Dantas e Oliveira (1992), a afetividade que corresponde à primeira manifestação do psiquismo impulsiona o desenvolvimento cognitivo ao instaurar vínculos imediatos com o meio social,

9 abstraindo deste seu universo simbólico, culturalmente elaborado e historicamente acumulado pela humanidade. Por conseguinte, os instrumentos mediante os quais se desenvolverá o aprimoramento intelectual são irremediavelmente garantidos por estes vínculos estabelecidos pela consciência afetiva. Conhecer aspectos teóricos do desenvolvimento afetivo e cognitivo como os que foram aqui enfocados é fundamental para o educador preocupado com sua ação pedagógica. Entretanto, muitas vezes faltam-lhes outros elementos para subsidiar sua praxis, sobretudo para poder desenvolver a afetividade de seus alunos. Por isso, a seguir são discutidos alguns aspectos que poderão ajudá-lo nesse sentido. O DESENVOLVIMENTO DA AFETIVIDADE NA ESCOLA Consoante concepções contemporâneas do desenvolvimento humano (entre as quais as enfocadas no tópico anterior) e também nas idéias de Goleman (1995) e Gardner (1995), Ferreira (2001) explica que quando a criança atinge a idade escolar as funções neurossensório-motoras e as demais funções cerebrais (sensação, percepção e emoção) estão ainda confusas e, por isso, a discriminação entre seu eu e sua experiência não se realiza apenas na dimensão cognitiva. Para isso, segundo a autora, é necessária a ação mediadora da educação, que deve tomar como sua função promover a construção da afetividade e a organização dessas funções. Com este objetivo, Ferreira sugere que a educação deve, inicialmente, se concentrar na avaliação de quatro pontos: (1) como a criança procura resolver suas dificuldades, (2) seu nível de auto-estima, (3) características de seu humor e (4) posturas da criança diante do adulto resultantes de sua relação com a família, tais como nível de autonomia, relação com figuras de autoridade e relação com estruturas de poder. Além de indicar estratégias para avaliar estes pontos, a mesma autora, na obra citada, sugere atividades para desenvolver a afetividade no processo educacional, considerando três âmbitos que devem ser alvos de trabalho pedagógico: - no âmbito emocional identificar os sentimentos, expressar os sentimentos, avaliar sua intendidade, adiar a satisfação, controlar os impulsos, reduzir a tensão. - no âmbito cognitivo saber a diferença entre sentimento e ação, ler e interpretar indícios sociais, compreender a perspectiva dos outros, usar etapas para resolver problemas, criar expectativas realistas sobre si, compreender normas de comportamento. - no âmbito comportamental comportamentos não verbais: comunicar-se com os olhos, com gestos, com expressão facial; comportamentos verbais: fazer pedidos claros, resistir a influências negativas, ouvir os outros, responder eficientemente a críticas (FERREIRA, 2001, p. 70). Taille, Dantas e Oliveira (1992) também destacam a importância do desenvolvimento da afetividade no processo educativo ao afirmarem que ele deve incluir a oportunidade para a manipulação da realidade e a estimulação da função simbólica, depois da construção de si mesmo o que, segundo eles, exige espaço para todo tipo de manifestação expressiva, plástica, verbal, dramática, escrita, direta ou indireta mediante personagens susceptíveis de provocar identificação. Entre os personagens mencionados por estes autores estão os professores e, portanto, não se pode esquecer que a afetividade na própria relação professoraluno é outro aspecto fundamental a ser considerado. Mesmo porque, é bom lembrar que ao conceptualizar a aprendizagem por observação (modelação), Bandura (apud COLL, PALACIOS e MARCHESI, 1996) lembra que, em todas as culturas, crianças adquirem e modificam padrões complexos de comportamentos, conhecimentos e atitudes por meio da observação dos adultos, inclusive de seus professores.

10 Sobre a relação professor-aluno, Rey (apud SISTO, OLIVEIRA e FINI, 2000) destaca que esta não pode ser reduzida ao processo cognitivo de construção de conhecimento, mas envolve dimensões afetivas e de motivação de ambos (professor e aluno). Por sua vez, Antunes (1996) reforça que os professores precisam estar comprometidos com mudanças em suas idéias e posturas tradicionais, as quais trazem ranços de práticas escolares que apenas depositam informações nos alunos, desconsiderando a afetividade no processo ensino-aprendizagem. Entretanto, para Witter (apud SISTO, OLIVEIRA, FINI, 2000, p.160), a falta de motivação do professor geralmente se reflete em sua resistência em aceitar inovações tecnológicas e em assumir novos papéis. Para essa autora, a formação, ou a falta de formação adequada, os baixos salários, a desvalorização social do professor, as condições materiais em que se vê compelido a trabalhar, a falta de um sistema adequado de reforços pelo empenho em concretizar um bom trabalho, a diversidade dos alunos, a falta de uma boa administração do tempo, planejamentos deficientes, a sobrecarga de trabalho (em número de alunos, de turmas e até de escolas em que atua), a falta de envolvimento dos alunos entre outras variáveis a que estão sujeitos, conduzem à apresentação de respostas de manutenção da situação atual, de falta de iniciativa, de desinteresse pela mudança e não-engajamento efetivo em qualquer inovação. Com tudo isto posto e apesar das dificuldades mencionadas, espera-se que os educadores se sensibilizem para a necessidade de desenvolver a afetividade de seus alunos, ajudando-os, assim, a se tornarem seres humanos melhor formados em todos os sentidos. CONCLUSÃO O currículo das escolas atuais (pelo menos das ocidentais) prioriza o desenvolvimento cognitivo. A emoção humana nunca foi vista como um conhecimento a ser explorado e desenvolvido nas crianças e nos jovens. Por isso, reclama-se uma educação mais humanista. Para tanto, como diz Moreno (1999), é preciso que o professor se desprenda de velhas concepções sobre as quais os conteúdos são trabalhados na escola e vá em direção a uma concepção que possa construir uma sociedade mais justa, democrática e solidária. Sobre a mesma questão, Saltini (1999) acrescenta que as escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de conteúdos e técnicas educativas. Por isso, acredita ele, a educação deve ser pensada não através de suas diversas disciplinas mas, principalmente, como meio de promover a própria vida. Estas idéias, além das demais aqui apresentadas, reforçam a necessidade dos professores incrementarem a dimensão afetiva de sua ação pedagógica e, nesse sentido, o presente artigo pretendeu oferecer algumas contribuições para sua formação, sob o ponto de vista da Psicologia. Espera-se que possam ser úteis para subsidiar sua reflexão e sua prática docente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, C. Alfabetização emocional. São Paulo: Terra, 1996. BÖING, E.; CREPALDI, M. A. Os efeitos do abandono para o desenvolvimento psicológico de bebês e a maternagem como fator de proteção. Revista Estudos de Psicologia, v. 21, n. 3. Campinas: PUC-Campinas, 2004.

11 BOSSA, N. A. Do nascimento ao início da vida escolar. Revista Psicopedagogia. v. 17. São Paulo: Salesianas, 1998. BOWLBY, J. Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo: Martins Fontes, 1988. BOWLBY, J. Uma base segura: aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. CABRAL, A.; NICK, E. Dicionário Técnico de Psicologia. São Paulo: Cultrix, 1999. CURY, A. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. FERREIRA, M. Ação psicopedagógica na sala de aula: uma questão de inclusão. São Paulo: Paulus, 2001. GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes, 2003. GARDNER, H. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artmed, 1995. GOLEMAN, D. Inteligência emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995. MORENO, M. Falemos de sentimentos: a afetividade como um tema transversal. São Paulo: Moderna, 1999. SALTINI, C.J.P. Afetividade e inteligência. Rio de Janeiro: DP & A, 1999. SANTROCK, J. W. Psicología de la Educación. México, DF: McGraw-Hill Interamericana, 2002. SILVA, M. C. Aprendizagem e problemas. São Paulo: Ícone, 1997. SISTO, F.F., OLIVEIRA, G.C.; FINI, L.D.T. (Orgs.). Leituras de psicologia para formação de professores. Petrópolis: Vozes, 2000. TAILLE, Y. de L.; DANTAS, H.; OLIVEIRA, M. K. Piaget, Vygotsky e Wallon. São Paulo: Summus, 1992. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. WALLON, H. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1989.