O Mundo Infanto-juvenil e as Relações de Gênero: olhares ampliados. ST 08 Lucia Helena Rodrigues Costa Docente do Curso de Enfermagem das Faculdades Unidas do Norte de Minas/FUNORTE Gilvânia Dantas Lopes Moreira Acadêmica de Enfermagem das Faculdades Unidas do Norte de Minas/FUNORTE Palavras Chaves: Dia Internacional da Mulher - Significados na Educação - Recorte de Gênero O significado do dia internacional da mulher: representações na educação fundamental e ensino médio Colocando Algumas Questões O dia oito de março tornou-se um marco simbólico da luta das mulheres pelos seus direitos políticos em todos os campos, reforçados pelo movimento feminista em suas diversas vertentes, o que implicou em mudanças importantes do ponto de vista da inserção das mulheres nos espaços de trabalho; espaços acadêmicos e políticos a nível decisório de discussão de políticas públicas. Percebemos, no entanto, que o dia internacional da mulher tem se tornando um apelo comercial veiculado pela grande mídia que, na maioria das vezes de maneira clara ou velada, mesclado ao discurso sobre os grandes avanços obtidos pela mulher em todos os setores da sociedade, uma forte tendência à manutenção de permanências fundadas em estereótipos tradicionais de feminilidade, que não contribuem para o avanço mais rápido de questões fundamentais sobre o direito das mulheres. Posto dessa forma nós, ligad@s à educação no nível universitário, que já trabalhamos efetivamente as questões de gênero durante a graduação, ficamos a nos questionar: como as instituições de nível médio e fundamental têm trabalhado estas questões? Quais as ações desenvolvidas no ensino fundamental e médio têm problematizado a questão das mulheres e, principalmente como são as representações do feminino propostas nestes dois níveis da educação? Como estávamos no mês de março e toda a mídia já veiculava propagandas acerca do Dia Internacional da Mulher, o interesse em desenvolver este estudo surgiu ao observarmos produções pedagógicas (cartazes) de uma escola de ensino fundamental de uma instituição particular em comemoração a esta data. A partir dessas observações decidimos pesquisar quais escolas desenvolveram atividades em torno desta data, e chegamos até uma escola estadual em que a professora de filosofia trabalhou com seus alun@s de ensino médio textos para interpretação sobre a condição da mulher. Assim, colocamos os seguintes objetivos para este estudo: desvelar o significado do dia internacional da mulher na ótica d@s estudantes de nível fundamental e médio e; analisar as
representações que @s estudantes do nível fundamental e médio constroem sobre a mulher a partir do significado de uma data comemorativa. Achamos importante acrescentar que, apesar de estarmos inseridas em um curso da área de saúde (Enfermagem), o nosso interesse na educação de crianças e adolescentes tem crescido muito nos últimos tempos. O desenvolvimento cotidiano de atividades nas áreas de saúde da criança e adolescente tem permitido parcerias significativas com escolas inseridas em nossos territórios de práticas do Programa de Integração Serviço Educação Comunidade/PISEC, desde o primeiro período de atividades acadêmicas. Breve Diálogo com Autor@s E é precisamente a representação que nos permite relacionar a educação com a produção de identidades. No caso específico das identidades de gênero e sexuais, tais elementos ensinam modos específicos de feminilidade e masculinidade; ensinam formas corretas de viver a sexualidade; ensinam maneiras socialmente desejáveis para os sujeitos levando em conta o sexo de cada um, de acordo com os modos por meio dos quais tais identidades são representadas. Ruth Sabat, 2004, p: 98 Trouxemos a citação literal acima por acreditarmos ser ela emblemática do papel da educação na manutenção dos estereótipos ligados às construções das identidades femininas e masculinas. Nessa perspectiva de certa maneira é ela que continua reproduzindo de maneira acrítica as desigualdades de poder, em que as diferenças percebidas entre os gêneros (SCOTT, 1995) permanecem como elementos fundamentais na articulação da assimetria de poder entre homens e mulheres, permanecendo os primeiros como detentores de maior poder e visibilidade principalmente no espaço público. Essas reproduções se dão de maneiras distintas, mas poderíamos dizer que uma das formas mais insidiosas e permanentes encontra-se na repetição e manutenção dos estereótipos ligados à feminilidade ou masculinidade através de oposições binárias rígidas. MEYER,1998 dentre outr@s autor@s, ao fazer considerações sobre a permanência da oposição binária, masculino/feminino, nos remete às reflexões sobre a importância da desconstrução da mesma numa perspectiva pós estruturalista em que o poder, buscando um referencial de Derrida e Foucault, não é coerente e centralizado, e sim construído a partir das relações que se dão em todas as instâncias sociais. E uma das instâncias sociais mais poderosas tem sido a escola, que educa desde muito cedo as crianças e jovens.
Ao trazer a discussão das questões de gênero e da construção das identidades para o campo específico da Educação, LOURO, 1995, argumenta que, ao longo da história e na contemporaneidade, a escola como parte integrante da nossa estrutura social, tem contribuído para a construção/reconstrução de sujeitos generificados, apesar da abertura para novos discursos e posicionamentos frente principalmente ao lugar ocupado pelas mulheres nos diversos contextos sociais. Esta construção/reconstrução no espaço escolar tem nas aprendizagens corporais um grande impacto, inclusive para as representações de masculinidade e feminilidade aceitas socialmente. Entretanto é interessante acrescentar que, embora não seja este o objeto deste estudo, as noções de corpo e construção do mesmo a partir dos referenciais de masculino e feminino se configuram, principalmente nos dias de hoje, com o forte apelo da mídia através de suas múltiplas formas de veiculação. Discutindo a perspectiva do corpo perfeito, aponta nessa direção ANDRADE, 2004 quando afirma que:...indico que há distintas e variadas estratégias pedagógicas que são colocadas em funcionamento no espaço social e cultural em que vivemos, com o intuito de ensinar aos corpos de homens e mulheres, jovens e adultos modos de se comportar e de se relacionar com as coisas do mundo ANDRADE (2004, p.108). Podemos inferir pelo que foi brevemente exposto até então, que as construções identitárias de masculino e feminino, se dão num contexto sócio histórico cultural complexo de múltiplas facetas e que a escola desempenha um papel importante para a re-leitura dos significados destas identidades dentro das relações estabelecidas socialmente. Caminhos Percorridos para o Desenvolvimento do Estudo Trata-se de um estudo descritivo, exploratório de caráter qualitativo, que busca nuanças diversificadas das representações de crianças e adolescentes a respeito do dia internacional da mulher, entendendo estas, não do ponto de vista da objetividade científica positivista, mas da objetivação no sentido que nos é apresentada por MINAYO ( 1996, p.35) Dada a especificidade das ciências sociais, a objetividade não é realizável. Mas é possível a objetivação que inclui o rigor no uso do instrumental teórico e técnico adequado, num processo interminável e necessário de atingir a realidade. O que se pode ter dos fenômenos sociais é menos um retrato e mais uma pintura. Como ponto de partida para o início do estudo solicitou-se a autorização da instituição de ensino particular para que fossem levados para análise os cartazes confeccionados pel@s estudantes da
6º e 7º séries, num total de oito cartazes, dos quais apenas cinco foram utilizados para análise, produzidos como trabalho escolar da disciplina de História. Já na escola estadual o trabalho foi desenvolvido com estudantes do 3º ano na disciplina de Filosofia. A professora utilizou dois textos sobre o Dia Internacional da Mulher publicados em periódicos e, após discussão em sala de aula, solicitou que eles respondessem cinco questões, que serão colocadas na análise dos resultados. Mapeando os Resultados A análise dos dados obtidos foi feita à luz da literatura consultada, buscando responder aos objetivos propostos para este estudo. O primeiro e o segundo cartazes selecionados para análise traziam recortes de mulheres lindas, da mídia televisiva, perfeições físicas construídas, e de grande sucesso na carreira por vencerem o tempo através de cuidados com o corpo, que não permitem inclusive, a identificação da idade. Nesta representação fica explícito que há uma identificação das meninas com o que se idealiza sobre a beleza feminina, significando a beleza uma maneira poderosa de ascensão social da mulher, como se esta fosse uma condição fundamental para o sucesso. Este fato corrobora com as análises apresentadas por ANDRADE, 2004 em seu estudo sobre a interface mídia, corpo e educação, no forte apelo ao corpo perfeito. Na análise que a autora apresenta sobre revistas destinadas ao público feminino há um forte apelo aos exercícios e dietas, para se conseguir um corpo perfeito, e com isto uma vitória como mulheres. O terceiro e quarto cartazes mesclam situações que remetem aos velhos estereótipos de feminilidade em dois aspectos: o primeiro está muito ligado à caridade, representada pela figura de MadreTereza de Calcutá e outras mulheres que se dedicaram a causas dessa natureza envoltas em corações enormes. O último cartaz apresenta um acróstico com a palavra MULHER. Cada letra trazendo símbolos de feminilidade implícitos: M de mãe; U de única: L de linda; H de honesta; E de esposa e R de romântica, o que aponta para as permanências dos estereótipos de feminilidade. No quinto cartaz há uma descrição da mulher/mãe, onde o seio, zona erógena da mulher, é descrito como alimento da vida e, seu ventre como lugar onde repousa a vida. Esta interpretação encontra respaldo em MURARO, 2001 que faz uma análise do discurso psicanalítico de Lacan, para quem a mulher desaparece, enquanto sujeito, sendo substituída pela mãe, a única mulher que está na cabeça do homem.
Os textos produzidos pel@s estudantes do ensino médio deveriam responder às seguintes questões: O que temos para comemorar neste dia? Que exemplos do seu dia a dia confirmam ou negam que a nossa cultura ainda é predominantemente masculina? O que pode melhorar na relação homem/mulher? No entanto apesar dos artigos de embasamento teórico apresentarem argumentações bastante problematizadoras sobre as questões relativas às mulheres e ao dia Internacional da Mulher, os textos também ficaram muito presos aos velhos modelos e, do nosso ponto de vista, não responderam às questões propostas. Podemos observar tal fato através dos recortes extraídos da produção d@s estudantes: Embora o dia internacional da mulher seja conhecido e reconhecido internacionalmente, ele não tem efeito imediato sobre as crianças. É um dia comum, assim como o dia dos pais ou das crianças, dias em que apenas se lembram que elas existem. O dia internacional da mulher deu-se a partir da reivindicação do direito da mulher, mais que merecidos pelo fato de que a mulher é parte fundamental para todos, principalmente para o homem. Temos tudo para comemorar esse dia o lado da mulher cuidadosa, trabalhadora, maternal e seu lado vitorioso de conseguir alcançar todos os seus objetivos e procurar ir atrás dos seus direitos. (Grifos nossos)...os homens não conseguem ver ainda a grande capacidade profissional, social e política das mulheres. (Grifos nossos) Ao analisarmos os textos produzidos, e também os cartazes, nos voltamos para Simone de Beauvoir: ela chama a atenção para o estereótipo de passividade que caracteriza a mulher feminina (que inclui a necessidade de ser aprovada pelo homem) como um componente biológico natural do sexo, quando na verdade É um destino que lhe é imposto por seus educadores e pela sociedade BEAUVOIR (1980, p.21). Esta idéia inclusive é reforçada pela autora quando na introdução do segundo volume, ao negar a mulher como uma essência imutável ou arquetípica, coloca a questão do ponto de vista temporal e histórico no estado atual da educação e dos costumes BEAUVOIR ( 1980, V.2, p. 7 título original Le deuxième sexe, 1949 ). E qual é o estado da educação e dos costumes em pleno século XXI para a mudança sobre as representações que se fazem acerca da mulher? Colocando Algumas Questões Finais Os resultados indicam que por parte d@s estudantes existe um desconhecimento em torno do significado do Dia Internacional da Mulher. As representações d@s estudantes sobre a mulher estão muito vinculadas aos estereótipos de feminilidade construídos ao longo do tempo.
As questões relacionadas à sua trajetória histórica e aos seus direitos não são mencionados, ficando os mesmos mesclados entre palavras doces e delicadas, as quais os estudantes julgam ser os adjetivos adequados à mãe/mulher. Os estereótipos construídos ao longo do tempo estão muito ligados aos papéis de gênero feminino como; fragilidade, doçura, honestidade, romantismo, demonstrando permanências na visão que se tem da mulher. Agrega-se a esse fato as representações de mulheres vinculadas mais à beleza e à perfeição física, veiculados pela à mídia, que propriamente do seu lugar na sociedade como ser humano. A trajetória da mulher no contexto histórico-cultural do mundo como; conquistas, privações, preconceitos e violências não são mencionados pelos alun@s, o que aponta e/ou sugere a necessidade de uma formação docente voltada para as questões de gênero, que possivelmente implicaria novas posturas por parte d@s estudantes. Referências Bibliográficas ANDRADE, Sandra dos Santos. Mídia, corpo e educação: a ditadura do corpo perfeito. In: MEYER, Dagmar & Soares, Rosângela, ( Org.). Corpo, gênero e sexualidade. Porto Alegre: Editora Mediação, 2004. BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. 1. Mito e Realidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. O Segundo Sexo. 2. A Experiência vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. LOURO, Guacira L. Educação e gênero: a escola e a produção do masculino e feminino. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. ( Org.). Reestruturação Curricular: teoria e prática no cotidiano da escola. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1995. MEYER, Dagmar Estermann. Gênero e Saúde: Indagações a partir do Pós-Estruturalismo e dos Estudos Culturais. Revista Ciências da Saúde, vol.xvii, no.1, 1998. MINAYO, Maria Cecília Souza. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 4 a ed. São Paulo-Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO.1996 MURARO, Rose Marie. Os Seis Meses em que fui Homem. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 7º Ed. 2001. SABAT, Ruth. Só as Bem Quietinhas vão Casar. In:. MEYER, Dagmar & Soares, Rosângela, ( Org.). Corpo, gênero e sexualidade. Porto Alegre: Editora Mediação, 2004. SCOTT, Joan. Gênero uma categoria útil de análise histórica In: Educação e Realidade, faced/ufrgs,16(2): jul.dez.1990.