A TEMÁTICA AMBIENTAL NO CURRÍCULO DE CIÊNCIAS 1 Viviane Paiva Fontes (Faculdade de Educação UFRJ) Maria Margarida Gomes (Faculdade de Educação UFRJ)

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Transcrição:

A TEMÁTICA AMBIENTAL NO CURRÍCULO DE CIÊNCIAS 1 Viviane Paiva Fontes (Faculdade de Educação UFRJ) Maria Margarida Gomes (Faculdade de Educação UFRJ) Resumo Apresentamos uma análise sobre a temática ambiental em livros didáticos de Ciências para o 6º ano do Ensino Fundamental, das décadas de 1990 e 2000, quando essa temática é oficialmente inserida na escola a partir do tema transversal meio ambiente nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Entendemos que essa temática expressa questões relativas à problemática ambiental, conferindo ao conhecimento escolar conformações específicas. A análise desses materiais sugere que a temática ambiental aparece mais fortemente representada junto aos temas reciclagem e experimentação, que caracterizam historicamente o ensino de Ciências. Isso está de acordo com os mecanismos de estabilidade e mudança curricularesque fazem parte da constituição dessa disciplina escolar. Palavras-chave: currículo, temática ambiental, conhecimento escolar, livro didático, disciplina escolar Ciências. Introdução Apresentamos neste trabalho uma análise sobre a expressão de alguns aspectos da temática ambiental em conteúdos de livros didáticos de Ciências, do 6º ano do Ensino Fundamental, publicados durante as décadas de 1990 e 2000 2. Entendemos que a temática ambiental é relativaa questões que incluem a preocupação com a preservação da natureza, sendo constituída a partir de diferentes referenciais, que se expressam não só por elementos do campo biológico, mas também por aspectos sociais que envolvem as atividades humanas e as suas relações com o meio ambiente. Além disso, buscamos compreender essa temática em suas relações com outros objetivos, conteúdos e métodos de ensino que vêm sendo valorizados nos materiais didáticos dessa disciplina escolar ao longo de sua história nos currículos brasileiros. 1 O trabalho tem como base uma parte das análises da dissertação A temática ambiental em livros didáticos de Ciências defendida pela primeira autora em 13 de maio de 2013 no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 BARROS, Carlos & PAULINO, Wilson Roberto, Ciências O Meio Ambiente, 5ª série, Editora Ática, Livro do professor, 1997, 2000 e 2001; e BARROS, Carlos & PAULINO Wilson Roberto. O Meio Ambiente Ciências, 5ª série, Livro do professor, Editora Ática, 2002. 7356

O recorte temporal proposto os anos de 1990 e 2000 justifica-se pela inserção oficial da temática ambiental no contexto escolar nos anos de 1990, a partir do tema transversal meio ambiente proposto com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais 3. Nesse contexto, a temática ambiental tende a ser mais valorizada e ganha força nas disputas e negociações envolvidas nos processos de seleção e produção do conhecimento escolar dentro da comunidade disciplinar em ensino de Ciências. Com apoio em Goodson (1997), esta é compreendida como uma coligação política com diversas facções disciplinares envolvidas numa luta política pelos recursos e pela influência (p.44). Em outras palavras,as identidades dos membros das comunidades disciplinares são constituídas nas lutas e nas interações estabelecidas entre os sujeitos em torno de interesses comuns. Ao analisar questões relativas à problemática ambiental, recorremos à análise dos livros didáticos considerando os entraves sociais em torno da inserção da referida temática no currículo escolar de Ciências. Assim como Gomes, Selles e Lopes (2013), compreendemos esses materiais como guias curriculares que expressam influências de movimentos educacionais, científicos e cotidianos, sendo importantes fontes históricas para entender a produção curricular escolar desenvolvida em dado período.dessa forma, utilizamos os livros didáticos do autor Carlos Barros, editados em 1997, 2000, 2001 e 2002 para representar o período estudado. Porém, as conclusões obtidas são baseadas somente nas análises dos livros editados em 2001 e 2002, denominados livro 1 e livro 2, respectivamente. Esta escolha é explicada pelo fato das três primeiras edições serem muito semelhantes entre si, e apresentarem características significativamente diferentes da edição de 2002. Desse modo, procuramos compreender como a temática ambientalse materializa em meio ao conjunto de conhecimentos valorizados ao longo da história dos currículos construídos no interior dos grupos sociais que atuam na comunidade disciplinar em ensino de Ciências. Para isso, na primeira seçãoapresentamosaspectos da constituição sócio-históricada disciplina escolar Ciências.Na segunda seção discutimos a expressão do conhecimento escolar nos livros didáticos de Ciências a partir de tradições de ensino como a do movimento de renovação do ensino de Ciências e da Educação Ambiental. Finalmente, na terceira seção, apresentamos a análise dos livros didáticos, seguida das considerações finais. A disciplina escolar Ciências 3 De acordo com os PCN, o tema meio ambiente deve contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos a decidir e atuar na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um e da sociedade, local e global (BRASIL, 1998, p.187). 7357

No âmbito dos estudos relativos ao currículo, Goodson (1997, 1998, 2001), compreende as disciplinas escolares como constituídas por grupos, subgrupos e tradições, em que seus atores investem recursos ideológicos e materiais para alcançarem seus interesses individuais e coletivos.historicamente ocorrem disputas na disciplina, visando à obtenção de status e recursos o que promove uma mobilização de seus atores em torno de enfoques mais acadêmicos (GOODSON, 1998 e 2001). Nessa perspectiva, reconhecemos que existem disputas dentro da comunidade disciplinar em ensino de Ciências pelos sentidos que são atribuídos ao conhecimento escolar relativo à temática ambiental. Para o estudo dos processos de estabilidade curricular em diferentes disciplinas, Goodson (1997) defende uma análise que relaciona aspectos internos relativos às competições entre grupos das comunidades disciplinares e externos referentes às estruturas sociais e educacionais mais amplas e às influências culturais mais gerais. Para o pesquisador, a existência de múltiplos conflitos entre as comunidades disciplinares e os grupos externos responsáveis por estas influências gera estabilidade nos currículos escolares. A mudança curricular depende, assim, de que as estruturas desenvolvidas e sustentadas nos contextos disciplinares encontrem apoio ideológico num público mais amplo, já que essa mudança depende de apoio externo. Por essa lógica, as fontes externas tendem a limitar as ações das comunidades disciplinares, ao mesmo tempo em que permitem a manutenção e a promoção de certas visões das disciplinas escolares por serem os fornecedores de recursos e apoio ideológico (GOODSON, 1997). Baseado em análises sócio-históricas de disciplinas específicas, Goodson (1997) utiliza-se do modelo proposto porlayton (1973) elaborando três hipóteses gerais acerca do processo de sua consolidação: (a) as disciplinas são constituídas por diferentes subgrupos, tradições e interesses, não podendo serconsideradas entidades monolíticas ; (b) as disciplinas passam,ao longo de sua história nos currículos,de objetivos utilitários e pedagógicos em direção a tradições acadêmicas; e (c) estes movimentos resultam de conflitos por status, recursos e território. Autores como Lopes (2000), Selles e Ferreira (2005) e Gomes (2008) reconhecem a importância dessa forma de compreender as disciplinas escolares, mas defendem que a evolução da valorização de determinados conhecimentos não se dá sempre, de forma linear, em direção à tradição acadêmica.lopes (2000) descreve um movimento de ida e volta entre as finalidades disciplinares no currículo de Ciências no Colégio de Aplicação da UFRJ entre 1969 e 1998. Já para Selles e Ferreira (2005), a reprodução humana tem sido historicamente selecionada como conteúdo do ensino médio por atender principalmente a finalidades de 7358

caráter pedagógico e utilitário(selles e FERREIRA, 2005). Por fim, Gomes (2008) observa igualmente esse padrão oscilatório nos enfoques curriculares identificados nos livros didáticos de Ciências analisados entre os anos de 1930-2008. Concordando com essas autoras, buscamos perceber tais transformações na constituição da disciplina escolar Ciências ocorrendo de forma não linear, com oscilações, ora evidenciando um caráter mais acadêmico, ora um caráter mais pedagógico ou utilitário. Além disso, entendemos que tais oscilações são produzidas nos movimentos pela busca de status e recursos entre os profissionais ligados ao ensino das Ciências, ou seja, entre aqueles pertencentes às comunidades disciplinares da referida área. Assim, com base nesses pressupostos, temos a intenção de problematizar a construção sócio-histórica do conhecimento escolar, acerca da temática ambiental, em meio a disputas e interesses que vão além de questões de ordem epistemológica. As tradições de ensino de Ciências Com base em Macedo & Lopes (2002) e Marandino, Selles & Ferreira (2009), a disciplina Ciências no Brasil é consolidada no currículo do curso secundário na Reforma Francisco Campos, em 1931. Inicialmente, o ensino integrado baseava-se na ideia de que as ciências de referência Biologia, Física e Química, tinham um método único. Nos programas de ensino oficiais dessa reforma, foram incorporados ao currículo conteúdos de Física, Química e Biologia integrados a aspectos da vida cotidiana. Antes disso, as disciplinas Física, Química, História Natural, Geografia, Elementos Cosmografia, Elementos de Mecânica e Astronomia existiam separadamente. Além disso, nessa reforma, as finalidades de ensino para a disciplina Ciências evidenciavam a valorização das atividades cotidianas dos alunos, limitando o vocabulário técnico e científico. Posteriormente, segundo Macedo & Lopes (2002), os conteúdos foram organizados de forma a levar em conta temas considerados fundamentais como terra, água e ar, sob o enfoque de várias ciências. Desse modo, a constituição da disciplina Ciências nos currículos escolares vem valorizando mais o discurso da utilidade da ciência para buscar o interesse dos alunos, do que a ideia de um método único que pode integrar todas as ciências. Entre os diversos aspectos que podem ter contribuído para o fortalecimento da disciplina Ciências no Brasil, consideramos que o movimento de renovação do ensino de Ciências colaborou no processo de constituição de tradições de ensino dessa disciplina,descritas por Gomes (2013) como enfoques curriculares que vêm predominando nos seus currículos desde os anos de 1930: história natural ; ecologia ; anatomia, 7359

fisiologia e saúde humanas ; ciência e experimentação ; ciência e tecnologia ; e vida cotidiana (p. 484). O movimento de ensino de Ciências emergiu fortemente após o lançamento do satélite artificial russo Sputnik 1em 1957.Entendendo que a União Soviética se encontrava em uma posição superior na corrida espacial, educadores de alguns países ocidentais tais como os Estados Unidos e a Inglaterra colocaram em questão o ensino secundário de suas escolas. A fim de formar os futuros quadros técnicos e científicos exigidos pela modernização pretendida, foram desenvolvidas assim, uma série de medidas para assegurar educação e treinamento em ciência e engenharia no mundo ocidental (BARRA e LORENZ, 1986). A partir de então, os Estados Unidos e a Inglaterra começaram a organizar centros e comitês nacionais para a produção de materiais didáticos e a financiar projetos em países da América Latina, como por exemplo, o Brasil. Assim, materiais didáticos passaram a ser traduzidos e adaptadospor instituições brasileiras como o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC); a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (FUNBEC); e o Projeto Nacional para a Melhoria do Ensino de Ciências (PREMEN),que tinham em comum a valorização dos processos de investigação científicaque levassemo aluno desenvolver o raciocínio e a habilidade de identificar e solucionar problemas tanto em sala de aula como também em seu dia-a-dia (BARRA e LORENZ, 1986). Segundo Fracalanza e Megid Neto (2006) este movimento pretendeu submeter o processo de ensino-aprendizagem ao controle absoluto das técnicas de ensino e dos materiais didáticos, instrumentado pela psicologia comportamentalista (p.107). Para esses autores, os currículos escolares e materiais didáticos passaram a ser identificados a partir de uma visão de ciência neutra, objetiva e produtora de conhecimentos verdadeiros e definitivos caracterizada por seu método científico. No entanto, Fracalanza e Megid Neto (2006) apontam que outras finalidades educacionais de origens diversas também influenciaram o movimento de renovação do ensino de Ciências possibilitando a valorização de critérios de relevância social e cultural na seleção dos conteúdos programáticos, bem como o cotidiano e os conhecimentos prévios dos alunos. Desse modo, a ciência passou a ser pensada para o ensino enfatizando-se a sua história, a sua relação com a sociedade e, portanto, revelando-a como uma atividade humana. Por outro lado, o ambiente, antes colocado em segundo plano, passa a ser proposto como um tema gerador importante, articulador e unificador dos processos de ensino. É neste momento que esses autores sinalizam o início do crescimento da importância da Educação Ambiental tanto nos espaços escolares como fora deles, sendo a disciplina Ciências muito afetada devido aos seus 7360

vínculos mais diretos com as questões da ciência e do ambiente. Assim, podemos considerar que conhecimentos sobre a temática ambiental debatidas no campo da Educação Ambiental foram sendo inseridas nos currículos de Ciências criando possibilidades de transformação em suas tradições de ensino. Considerando que determinados conhecimentos são mantidos historicamente no currículo de Ciências pela comunidade disciplinar, argumentamos sobre a importância de se investigar as tradições de ensino a fim de compreender de que forma mudanças curriculares podem estar acontecendo devido à incorporação da temática ambiental ao conhecimento escolar em Ciências. Nessa perspectiva, os trabalhos de Gomes (2008) e Gomes, Selles e Lopes (2013), que analisam livros didáticos de Ciências produzidos nos períodos de 1930 a 2008, e de 1970 a 2000, respectivamente, buscam compreender a inserção de conhecimentos ecológicos nos currículos de Ciências. As autoras reconhecem tais conteúdos como resultantes de aspectos relativos à produção científica da ecologia biológica, ao ensino de Ciências, ao campo educacional e aos movimentos ambientais, identificando e descrevendo as características dos enfoques organizadores do currículo do ensino de Ciências: a história natural ; a ecologia ; a anatomia, fisiologia e saúde humanas ; a ciência e experimentação ; a ciência e tecnologia e a vida cotidiana. Tais enfoques curriculares incluem aspectos das tradições acadêmicas, utilitárias e pedagógicas, como descritas por Goodson (1997). Por exemplo, o enfoque ecológico é caracterizado não só por aspectos ligados à Ecologia do campo biológico relativo a finalidades do campo científico das Ciências Biológicas, mas também aos movimentos socioambientais e de Educação Ambiental. Com base nesses trabalhos, entendemos queo conhecimento escolar ligado à temática ambiental, presente nos livros didáticos, é influenciado por essas tradições/enfoques e especialmente pelo enfoque ecológico que expressam práticas circulantes na comunidade disciplinar em ensino de Ciências. É nessa perspectiva que apresentamos a análise desenvolvida na próxima seção. A temática ambiental em livros didáticos de Ciências Os livros didáticos analisados são identificados na capa como livros do professor sendo compostos por duas partes: uma constituída pelo livro destinado aos alunos, que inclui o caderno de experimentos; e outra, ao final, destinada aos professores, que traz orientações curriculares específicas. Além de paginação própria, cada um desses três exemplares livro do aluno, caderno de experimentos e livro do professor possuem sumários individuais. 7361

Organizamos a análise a partir de três categorias buscando, em cada uma, identificar e interpretar os sentidos atribuídos aos conteúdos de ensino relativos à temática ambiental: (i) a capa; (ii) o livro do aluno e (iii) o caderno de experimentos. Na primeira dessas categorias procuramos compreender as intenções que a capa explicita nas imagens, títulos e subtítulos. Já na segunda e terceira categorias analisamos os conteúdos do livro do aluno e do caderno de experimentos, e as influências construídas sócio-historicamente na comunidade disciplinar em ensino de Ciências. Na configuração das capas dos livros analisados, percebemos que estas refletem intenções pedagógicas valorizadas por seus editores, autores e outros grupos sociais, como: a sinalização da aprovação e legitimação do conteúdo do livro 1(Figura 1) conferidas pelo MECe, especialmente, ao destaque conferido ao meio ambiente, não só pelas paisagens naturais ilustradas, mas também por um aspecto gráfico da capa do livro 2 (Figura 2), que ressalta o termo meio ambiente diante do termo Ciências. Figura 1: Livro 1 Figura 2: Livro 2 Além disso, apontamos a importância conferida à inclusão de um caderno de experimentos em ambos os compêndios. A indicação, especificamente no livro 1, de ser uma edição especial devido à inclusão de um caderno de experimentos, mostra como a experimentação vem se mantendo como uma tradição de grande valor dentro da comunidade disciplinar em ensino de Ciências. Reafirmamos que tal valorização vem sendo construída 7362

sócio-historicamente ao longo da história dessa disciplina nos currículos brasileiros e que foi fortalecida a partir das décadas de 1950/1960/1970 com o decorrer do movimento de renovação do ensino de Ciências a partir da divulgação de materiais didáticos que tinham a experimentação como principal enfoque (BARRA e LORENZ, 1986). Assim, trazer a indicação, já na capa, da inclusão de um caderno de experimentos que possa ser utilizado pelos professores em sua prática de ensino, valoriza tais materiais por ser a experimentação uma tradição de ensino de Ciências fortalecida ao longo dos anos dentro dessa disciplina e concebida como a base para o entendimento dos conhecimentos científicos, dos processos de sua produção e, principalmente do método científico. Estudando o livro do aluno, percebe-se que ambas as edições 2001 e 2002 apresentam uma forma de distribuição dos conteúdos de ensino muito semelhante, sendo referenciados na Biologia, Geologia, Química, Física e Astronomia. Esse padrão de influência das referidas áreas do conhecimento é observado também no trabalho de Gomes (2008) ao realizar uma análise de coleções didáticas de Ciências produzidas entre os anos de 1970 a 2000, dentre elas, as publicadas por Carlos Barros. Um padrão típico nos currículos da disciplina escolar Ciências é observado nos livros para as quatro séries do ensino fundamental. Os livros de 6º ano versam sobre os temas água, ar, solo, ecologia e universo; no 7º ano está o conteúdo de ensino sobre os seres vivos, enquanto que, nos manuais do 8º ano são abordadas temáticas da anatomia e fisiologia humanas, sendo estas integradas a temas de saúde. E, por fim, nos materiais destinados ao 9º ano são apresentados conteúdos do campo da Física e da Química. A autora ressalta ainda a presença de tópicos relativos à prevenção de doenças nos manuais didáticos de Carlos Barros destinados ao 6º ano, sinalizando uma associação entre os enfoques de história natural e saúde. Dessa maneira, Gomes (2008) afirma que há um padrão de organização e distribuição, de determinadas temáticas para cada ano, ao longo dos quatro anos do Ensino Fundamental. Tal padrão reflete também os aspectos sóciohistóricos que formam essa disciplina no sentido atribuído por Goodson (1997, 1998, 2001). Esse padrão de organização dos conteúdos de ensino, referentes aos temas água, ar, solo, ecologia e universo, é observado também nos livros didáticos aqui analisados para o 6º ano do Ensino Fundamental incluindo abordagens acerca da saúde, fazendo parte, assim, de padrões de estabilidade no ensino de Ciências com base em Goodson (1997). Toda essa estrutura e organização dos conhecimentos expressos nesses livros didáticos pode indicar um padrão disciplinar que parece nunca mudar. Porém, ao focar a análise nas pequenas alterações editoriais identificadas nas diferenças de conteúdos entre os livros 1 e 2, podemos considerar que mudanças curriculares podem estar acontecendo no ensino da referida disciplina. 7363

Nos dois manuais estudados, o conhecimento ambiental geralmente é trabalhado em diferentes boxes presentes ao longo de cada unidade, apresentando assim conformações ligadas à problemática ambiental em associação aos temas solo, ar, água e ao próprio meio ambiente. Nesses exemplos, o conhecimento ambiental não se configura somente a partir de referenciais ligados ao conhecimento do campo biológico (como os processos de desertificação e efeito estufa), mas também a partir do conhecimento cotidiano dos alunos (economia de água no banho, presença de depósitos de lixo perto de suas moradias), do saber relacionado à formação para a cidadania, muito valorizado nos movimentos socioambientais e na Educação Ambiental (conscientização e preocupação do indivíduo com as gerações futuras), e da própria problemática ambiental (problemas relativos ao lixo). Ainda compondo o conteúdo de ensino, em ambos os livros, encontram-se edições de jornais e revistas provavelmente na intenção de trazer para o espaço escolar aspectos ligados ao cotidiano do aluno, como a divulgação de fatos importantes ligados a determinados lugares que possam fazer parte do dia-a-dia desses estudantes. Esta conexão busca contextualizar o ensino de aspectos dos conhecimentos das Ciências com a finalidade de incentivar o pensamento crítico nos estudantes. Em ambos os livros analisados, a reciclagem do lixo é fortemente valorizada nos conteúdos de ensino, mostrando uma influência marcante de aspectos do campo das práticas de Educação Ambiental nos currículos escolares. Assim, no livro 1, a reciclagem, marca desta coleção, visa à conscientização dos alunos, de seus familiares, amigos e autoridades quanto ao reaproveitamento de materiais usados e de materiais orgânicos. Mas também aparece apresentando um tipo de reciclagem dita natural, como o ciclo da água. Já no livro 2, a reciclagem é discutida em um capítulo específico dentro da unidade V Desequilíbrios Ambientais, e direcionada apenas à problemática do lixo. Apesar do conhecimento tradicionalmente trabalhado nos currículos de ensino em Ciências tais como ar, solo, água, ecologia e universo, apresentar um maior destaque nos materiais didáticos estudados, observamos também pela análise de seus conteúdos, uma valorização crescente nas abordagens relativas à problemática ambiental entre os livros 1 e 2. Esta constatação vai de encontro ao estudo feito por Gomes (2008), no qual é discutido que nos anos 80, a referida problemática aparece relacionada à exploração de recursos, em que os ambientes são tratados como fontes de recursos e de riquezas para os indivíduos e para o país. Por outro lado, na década de 2000, apesar da permanência da ideia de riqueza proveniente do mundo natural, é dada grande ênfase em aspectos relativos à conservação da biodiversidade nos livros de Carlos Barros. Nesse sentido, parece possível defender que haja um 7364

fortalecimento da temática ambiental na construção do conhecimento escolarizado nos livros de Carlos Barros, voltados para o 6º ano do Ensino Fundamental, ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000. Outro aspecto interessante é que na análise do Caderno de Experimentos, presente em ambos os livros, foi observada uma especificidade no livro 2 no que se refere a presença de propostas de atividades para trabalhar questões ligadas à ecologia e ao meio ambiente, e que não são encontradas nas demais edições. Por exemplo, no experimento Verificando o funcionamento de um ecossistema numa garrafa 4, podem ser identificadas influências de conceitos relativos às áreas biológica (biodiversidade, ecossistema, espécie) e pedagógica no tratamento de processos biológicos complexos a partir de um modelo didático simplificado. Nesse exemplo são também explicitadas estratégias voltadas para o professor com sugestões de como podem ser realizadas as aulas baseadas no terrário montado pelos alunos. Associada a estas questões, existe a própria experimentação, que aparece associada a visões mais pedagógicas, no caso das estratégias propostas aos docentes, mas que também se mostra relacionada a uma visão mais acadêmica, quando propõe aos alunos que realizem determinados passos inerentes ao método científico: a observação, o registro de dados, a elaboração de hipóteses conforme terrário vai se transformando. Ainda no livro 2, na atividade experimental Verificando uma consequência de um tipo de alteração no ambiente 5, é possível identificar estas mesmas influências, porém, aquelas que se aproximam da área biológica não estão muito presentes, o que abre espaço para os referenciais ligados à temática ambiental ganhem força, expressando, assim, uma preocupação do indivíduo em cuidar do ambiente, e incorporando princípios ligados a movimentos socioambientais e à Educação Ambiental, como a cidadania. Desse modo, este último experimento volta-se para a preservação do meio ambiente, o que não acontece na primeira atividade, que se limita a trabalhar conceitos ecológicos como biodiversidade e ecossistemas utilizando-se o terrário. A partir dos exemplos apresentados até aqui sobre os livros didáticos de Carlos Barros direcionados ao 6º ano, sugerimos que os conteúdos relativos às temáticas reciclagem e experimentação têm maior destaque na produção do conhecimento escolar ambiental. Considerações finais 4 Caderno de Experimentos do livro 2, página 7. 5 Caderno de Experimentos do livro 2, página 40. 7365

Concluímos destacando que as análises discutidas neste trabalho se limitam à amostra de livros selecionados como fontes de pesquisa. Portanto, não representam todas as outras coleções didáticas que podem ter sido produzidas, tanto por este autor como por outros, no período investigado. Mas podem servir como contribuições para a compreensão de como a temática ambiental vem penetrando nos currículos escolares de Ciências transformando as suas tradições de ensino. Entretanto, dialogando com os trabalhos de Gomes (2008) e Gomes, Selles e Lopes (2013), consideramos que os temas reciclagem e experimentação receberam destaque como influenciadores na produção e na configuração do conhecimento ambiental presente nos livros didáticos analisados de Carlos Barros do 6º ano. Assumimos que há aproximações entre a reciclagem e os debates socioambientais característicos do enfoque ecologia nos livros didáticos de Ciências. O tema cidadania também foi bastante presente nos exemplos apresentados. A cidadania também aparece expressivamente como representando o enfoque ecologia nos manuais escolares de Ciências. Uma vez que os enfoques curriculares (GOMES, 2008; GOMES, SELLES e LOPES, 2013)vêm sendo historicamente construídos nos currículos escolares em ensino de Ciências, percebemos que, apesar das pequenas modificações no tratamento do conteúdo dos livros, devido à inserção da temática ambiental, a estrutura e organização dos conteúdosselecionados prevalece nas abordagens dos livros analisados, demonstrando uma estabilidade no currículo de Ciências presente nesses materiais. Todavia, consideramos que essas alterações expressas nos conteúdos que constituem a temática ambiental, das duas edições, indicam também a ocorrência de mudanças curriculares significativas no período em que esses livros foram publicados (GOODSON, 1997). Referências Bibliográficas BARRA, Vilma Marcassa; LORENZ, Karl Michael. Produção de materiais didáticos de Ciências no Brasil, período: 1950 a 1980. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 38, n. 12, 1986. p. 1970-1983. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1998. 436p. FRACALANZA, Hilário; MEGID NETO, Jorge (orgs.). O livro didático de Ciências no Brasil. Campinas: Editora Komedi, 2006. 224p. 7366

GOMES, Maria Margarida. Conhecimentos ecológicos em livros didáticos de Ciências: aspectos sócio históricos de sua constituição. 2008. 250p. Tese (Doutorado). Niterói:UFF, 2008. GOMES, Maria Margarida; SELLES, Sandra Escovedo; LOPES, Alice Casimiro. Currículo de Ciências: estabilidade e mudança em livros didáticos. Educação e Pesquisa (USP, impresso), 2013. 20p. GOODSON, Ivor. A construção social do currículo. Lisboa: EDUCA, 1997. 112 p.. Currículo: teoria e história. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1998.. Para além do monólito disciplinar: tradições e subculturas. O Currículo em Mudança: estudos na construção social do currículo. Porto: Porto Ed., 2001. p. 173-194. LAYTON, D. Science for the People: The Origins of the School Science Curriculum in England.London: George Allen &Unwin, 1973. LOPES, Alice Casimiro. Currículo de Ciências do Colégio de Aplicação da UFRJ (1969-1998): um estudo sócio-histórico. Teias, Rio de Janeiro, Ano 1, n. 2, jul/dez, 2000. p. 31-94. LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011. 279 p. MACEDO, Elizabeth. & LOPES, Alice Casimiro. A estabilidade do currículo disciplinar: o caso das Ciências. In: LOPES, A. C. & MACEDO, E. F. (orgs.) Disciplinas e Integração Curricular: história e política. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.73-94. MARANDINO, Martha; SELLES, Sandra Escovedo; FERREIRA, Marcia Serra. Ensino de Biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos. São Paulo: Cortez, 2009. SELLES, Sandra Escovedo; FERREIRA, Marcia Serra. Disciplina escolar Biologia: entre a retórica unificadora e as questões sociais. In: Martha Marandino; Sandra escovedo Selles; Marcia Serra Ferreira; Antonio Carlos Rodrigues de Amorim. (Org.). Ensino de Biologia: conhecimentos e valores em disputa. Niterói: EDUFF, 2005. p. 50-62. 7367