Associações de moradores de favelas no Rio de Janeiro das UPP s Suellen Guariento 1 O trabalho analisa a atuação de associações de moradores de favelas no Rio de Janeiro no contexto das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP s). A partir de uma pesquisa de cunho etnográfico, realizada em duas favelas, foi possível fazer alguns apontamentos sobre estas organizações. Partindo da hipótese de que as UPP s teriam criado um contexto de reconhecimento público para associações de moradores onde estão localizadas, o trabalho tece considerações sobre a atuação destas organizações nos territórios e também no espaço público da cidade. A pesquisa procurou por dimensões pouco visíveis, por dentro das favelas, para compreender se no contexto das UPP s havia tendências ao fortalecimento da atuação destas organizações em sua relação com Estado. A intensa presença do Estado nas favelas ocupadas converge com as práticas dos agentes das associações estudadas. Estes personagens mantém diversas teias de relações conformando o caráter ambíguo de sua atuação que, no contexto da pacificação, parece estar entre o reconhecimento público e a desconfiança. Ao que tudo indica o projeto de pacificação tende a manter o enfraquecimento das associações de moradores e as classificações sociais negativas atribuídas aos moradores de favelas, embora elas continuem atuando com relativa vitalidade no interior dos territórios. Sabe-se que a atuação de organizações locais em áreas de favelas e periferias tem aparecido com pouca força nos últimos anos. O enfraquecimento destas organizações se deu concomitantemente com a emergência da chamada violência urbana. No Rio de Janeiro este período também foi marcado por diferentes programas governamentais nas favelas incorporando fortemente a participação de suas associações locais. 1 Mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós Graduação da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSS-UFRJ) pesquisadora do ISER (instituto de Estudos da Religião). O resumo é fruto de dissertação de mestrado intitulada Entre o reconhecimento público e a desconfiança: associações de moradores de favelas no contexto das UPP s.
As associações de moradores que historicamente são as primeiras mediadoras da relação entre o Estado e população das favelas passaram a serem vistas como cooptadas e esvaziadas, já que tornaram-se executoras de diversos projetos governamentais perdendo sua capacidade de atuação mais autônoma (Silva e Rocha, 2008). Além disso, estas organizações também sofreram consequências com a consolidação de grupos varejistas de drogas. As inevitáveis interações no tecido social local forjaram diferentes dispositivos de defesa dos dirigentes, o que levou a um contínuo processo de criminalização e desconfiança por conta da contigüidade territorial com traficantes (Machado da Silva, 2008). A legitimidade das associações de moradores foi sendo colocada em xeque, dentro e fora das favelas, tornando-se conhecidas pela conivência com o tráfico. Os grupos de traficantes teriam passado a se interessar pelas eleições apresentando, inclusive, candidatos ligados a eles (Zaluar, 1998). O processo de criminalização teve consequências sobre o caráter mediador das associações que, enfrentaram a emergência de um campo de disputa e concorrência nas favelas incluindo, entre outros atores, as assim chamadas ONG s (Grynszpan, Pandolfi, 2002). Autores que vem buscando compreender as relações entre as diferentes organizações hierarquias internas, capacidade de ação desigual, diferenciações, conflitos internos e clivagens políticas- tem apontado para o caráter periférico deste tipo de organização no campo da chamada sociedade civil (Lavalle, Castelo, Bischir, 2008). Pesquisas recentes (Feltran, 2011) tem apontado para o bloqueio das organizações de favelas e periferias no acesso ao chamado mundo público, pois coloca-se em xeque a legitimidade de sua representação, já que teriam sido inscritas de forma subalterna no campo político instituído, formando um modelo de mundo público oficialmente democrático e continuamente desigual. No atual contexto da cidade do Rio de Janeiro, após a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP s), pode estar sendo construída uma inflexão na atuação das associações de moradores de favelas as quais, nos últimos tempos, foram profundamente marcadas pela criminalização e o esvaziamento. Partindo da hipótese de que as UPP s teriam criado um contexto de reconhecimento público, buscou-se a partir de uma pesquisa de campo em duas favelas, compreender sua capacidade de interferência no espaço público da cidade e no interior de seus territórios. Será que estas organizações tem sido mediadoras entre mundo público e favela neste novo contexto?
As UPP s tem em algum nível - promovido as associações de moradores para dentro e para fora de seus territórios, ou essas permanecem enfraquecidas e deslegitimadas? A pesquisa teve por objetivo analisar as associações de moradores de favelas com UPP - a partir do reconhecimento que publicamente lhes tem sido atribuídas. Mas Afinal, o que estas organizações tem feito? Quando fala-se, atualmente, de associações de moradores de favelas pacificadas, a que tipo de arranjo associativo está se referindo? O que fazem estas organizações, quais as suas atividades, como as desenvolvem, quem são seus dirigentes, com quem mantém relações, quais os acordos, as dificuldades, relação com outras formas organizações e principalmente como se dão suas relações com o Estado nas esferas governamentais? Na tentativa de compreender se havia mesmo em curso uma inflexão na participação destas organizações locais, a pesquisa procurou pelas associações buscando escapar da elaboração de um tipo ideal de associativismo para entendê-las em seu modus operandi. O trabalho buscou compreender como tem sido a atuação dos dirigentes no contexto do projeto de pacificação sem considerá-lo como um marco de ruptura com práticas anteriores. A pesquisa pretendeu ir além de uma visão dualista que analisa as organizações de favelas baseadas no antes e depois da UPP para estudá-las a partir de suas continuidades e possíveis mudanças. O trabalho de campo foi realizado tendo como referência uma abordagem de caráter situacional. Na abordagem a partir de situações, o pesquisador embarca em uma aproximação focalizando fenômenos que se dão concretamente diante dele no momento exato de sua produção (CEFAI, VEIGA, MOTA, 2011, p.12). Foram acompanhados eventos e momentos específicos onde os dirigentes de associações atuaram, a partir de dois níveis justapostos. No primeiro nível a situação é colocada por uma ação estatal de combate à violência, ou seja, na medida em que são implantadas as UPP s se impõe um contexto e uma situação nova em que as associações de moradores tem de atuar. No segundo nível a situação se dá na relação dos dirigentes com seus representados e com os agentes do Estado nos diferentes momentos em que são acionados. A pesquisa implicou uma abordagem de inspiração etnográfica em trabalho de campo realizado entre Outubro de 2011 e Novembro de 2012.
A pesquisa indicou que no contexto da pacificação permanecem os níveis de desconfiança das associações de moradores de favelas, embora haja uma retórica de reconhecimento de sua legitimidade e, em alguma medida, fortalecimento de algumas de suas práticas, pois a ambigüidade de sua atuação faz parte dos dispositivos que fortalecem a representação positiva das UPP s. A pacificação é preconizada pelos seus agentes como um contexto novo de abertura para o Estado democrático de direito, em contraposição ao ordenamento ilegítimo do tráfico. Nesse sentido, o discurso oficial e as representações sociais correntes apontam para um ambiente supostamente mais livre, ou seja, uma esfera pública mais ampliada para as organizações de favelas; entretanto, estas associações tendem a permanecer enfraquecidas na cena pública incapazes de vocalizar interesses coletivos das populações de favelas.
REFERÊNCIAS CEFAÏ, D.; MELLO, M.A.S; MOOTA, F.R. & VEIGA, F.B. Arenas públicas: por uma etnografia da vida associativa. Niterói: EdUFF, 2011. FELTRAN, G.S. Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. Editora da UNESP/CEM, 2011. GRYNSZPAN, Mário e PANDOLFI, Dulce. Poder público e favelas: uma relação complicada. IN: OLIVEIRA, L. Lippi (org). Cidade: história e desafios. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002. GURZA LAVALLE, A. ; CASTELO, G. ; Biochir, R.. Atores periféricos na sociedade civil: redes e centralidades de organizações em São Paulo. Revista Brasileira de Ciências Sociais (Impresso), v. 23, p. 73-96, 2008. Disponível em < http://www.fflch.usp.br/dcp/assets/docs/adrian/2008rbcsgurzacastellobichir.pdf> Acessado em 25/04/13 MACHADO DA SILVA, L.A. Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro, FAPERJ/Nova Fronteira, 2008. SILVA, I.; ROCHA, L.M. Associações de moradores de favelas e seu dirigentes: o discurso e a ação como reversos do medo. In: Segurança, tráfico e Milícias no Rio de Janeiro. Justiça Global (org.). Fundação Heinrich Boll, 2008. ZALUAR, A. Crime, medo e política. In: ZALUAR, Alba & ALVITO, Marcos. Um século de favela. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998.