Avaliação da vulnerabilidade socioambiental à escorregamentos e alagamentos em cidades brasileiras 1

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Transcrição:

Avaliação da vulnerabilidade socioambiental à escorregamentos e alagamentos em cidades brasileiras 1 Wagner Costa Ribeiro*, Silvia Helena Zanirato*, Katia Canil** e Carolina Gamba* wribeiro@usp.br, shzanirato@usp.br, canilkat@ipt.br, carolina.gamba@ig.com.br Marca do processo de urbanização no Brasil, a velocidade com que ela ocorreu é uma de suas maiores características. Mas não é a principal. Esse processo foi marcado por uma concentração de riqueza e pela transformação da terra urbana em mercadoria, aliado à expropriação da população rural que migrou às cidades sem renda. Um dos efeitos desse movimento foi a ocupação de áreas de risco pela população de baixa renda que não foram ocupadas no processo de urbanização ou foram deixadas para valorização imobiliária. Nesse trabalho pretende-se apresentar características de algumas cidades brasileiras que resultaram de seu processo de urbanização sobre uma base física que resultou em áreas de risco com o objetivo de construir uma metodologia que permita identificar áreas de risco e vulnerabilidades socioambientais no Brasil para áreas urbanas de modo a subsidiar a elaboração de políticas públicas de adaptação às mudanças do clima no país. Para tal foram adotados três municípios para estudos de caso: São Paulo, Santos e Ouro Preto. A seguir, são apresentados os objetivos, a metodologia e os resultados. Objetivo e metodologia O objetivo da reflexão exposta nesse texto é ponderar como a população está exposta às áreas de risco em três municípios brasileiros: São Paulo, Santos e Ouro Preto. Esses casos foram definidos em função dos seguintes atributos:. São Paulo elevada concentração de favelas, o que amplia a vulnerabilidade da população de baixa renda às mudanças climáticas; Santos situada à beira mar, com presença de favelas e de patrimônio cultural edificado; Ouro Preto patrimônio da 1 Pesquisa financiada pelo CNPq. * Universidade de São Paulo ** Pontifícia Universidade Católica SP e Instituto de Pesquisa Tecnológica 1

Humanidade pela UNESCO, infelizmente ameaçado por falta de conservação. A metodologia consiste em agrupar informações secundárias, obtidas a partir de trabalhos e documentos municipais e estaduais publicados, sobre as seguintes variáveis: declividade, pluviosidade e habitação subnormal (favela e cortiço). Tais informações foram cotejadas em trabalhos de campo de situações problema dos municípios escolhidos como casos da pesquisa. Resultados O processo de urbanização no Brasil é singular, segundo demonstraram diversos autores, como os geógrafos Milton Santos (1990, 1993 e 1994) e Ana Fani Carlos (2001 e 2007). Para o primeiro, esse processo é marcado pela aceleração e pelo ritmo intenso. A outra autora afirma que é produto da lógica especulativa, a qual resultou em vazios urbanos, concentração de áreas nobres em meio a pobreza. Por sua vez, o também geógrafo Horacio Capel (2002 e 2003), indica que o processo de urbanização é resultado de pressão no Estado de grupos de interesse. A urbanização brasileira deixou vazios no espaço urbano que foram deixados para especulação imobiliária e outros que tinham na dificuldade de uso, dadas as condições naturais, impedimentos até legais para ocupação. Porém, parte dessas áreas foram ocupadas e se tornaram áreas de risco ambiental, analisadas por autores como Yvette Veiret (2007), Ulrich Beck (2006) e outros, que foram estudados por Zanirato et. al. (2008). São nessas áreas de risco que se acomodam os mais pobres, que vivem em condições subumanas, conforme designa a ONU, morando em favelas à beira de córregos ou localizadas em encostas íngremes. Outros estão em ambientes degradados, sem manutenção e com elevada concentração populacional, dividindo serviços de água, como se caracterizam os cortiços. Em pior situação estão aqueles que não têm teto. São milhares de moradores de rua que vivem em brechas do sistema viário ou ocupam praças durante a noite, dentre outros lugares, em busca de abrigo. Como apontado em outro trabalho (Ribeiro, 2008:298) a concentração da população urbana brasileira se distribui na forma de metrópoles, cidades grandes e médias. A urbanização do Brasil é um fenômeno recente se comparado ao que ocorreu 2

em países centrais. A velocidade em que as cidades foram construídas (...) não pode ser justificativa para a exclusão social que encontramos nas áreas urbanas do Brasil. Ela decorre da produção do espaço urbano. No mesmo artigo, o autor afirma que o principal problema decorrente da acelerada urbanização que ocorreu no Brasil foi a concentração da riqueza. Disso resultaram áreas de risco socioambiental que afetaram sobremaneira a população de renda baixa, muito mais sujeita às implicações das mudanças climáticas que qualquer outro segmento (Ribeiro, 2008:315). São Paulo, em tese, oferece os melhores serviços de saúde, a melhor gastronomia, os melhores eventos de entretenimento, os postos de trabalho com melhor remuneração, e a lista poderia prosseguir. Mas na verdade o que realmente a cidade metropolitana de um país periférico disponibiliza a seus habitantes é pouco diante das inúmeras ofertas. A imensa maioria da população que vive nessa metrópole não tem acesso a esses atrativos! Também é verdade que muita gente nem esta informada sobre tais possibilidades, mas a oferta de trabalho ou de moradia, mesmo que subnormal, já garante a ilusão de pertencimento a uma obra gigantesca que impressiona a quem nela vive e a quem a observa de fora. Essa exterioridade artificial na verdade coroa a concepção de que no mundo construído encontramos abrigo ante aos dilemas da vida e aos azares de ordem natural e/ou social. Mas a dura realidade das periferias urbanas paulistanas indica que a violência é desigualmente distribuída na cidade, tanto em número de ocorrências quanto em qualidade (nos bairros de classe média alta e alta ela afeta mais aos empregados domésticos do que aos seus patrões e os roubos de automóveis lideram as estatísticas enquanto que na periferia predominam assassinatos e roubos a mão armada). Da mesma forma, os azares naturais afetam o espaço urbano de maneira distinta: fortes chuvas causam perdas de vida em áreas faveladas enquanto alagam vias públicas em áreas onde vive gente abastada. Estima-se que em São Paulo cerca de 1/3 de sua população viva em áreas de risco. Tal situação, combinada ao seu sítio urbano, com presença de terrenos íngremes localizados em encostas dissecadas e sujeitas a escorregamentos, e várzeas, que acolhem o transbordamento natural dos rios, resulta, muitas vezes, em mortes e perdas materiais em determinados eventos chuvosos porque acabaram servindo como 3

alternativa para moradia de população pobre. A saturação do solo pela água de chuvas, associado à elevada declividade, promove a acomodação de vertentes. Ocorre que muitas delas estão habitadas por população de baixa renda e que edifica a obra possível que não resiste ao movimento de massa e é arrastada em direção ao fundo de vale. Por seu turno, as várzeas que deveriam abrigar o movimento de expansão natural do corpo d'água foram urbanizadas com a instalação de vias, edifícios e habitações de baixa renda, normal ou não (é comum encontrar conjuntos habitacionais financiados pelo Estado em várzeas, que acaba expondo seus moradores a alagamentos). A freqüência de eventos dessa ordem impõe uma reflexão sobre a ausência de políticas públicas que considerem esses aspectos na resolução do problema. Santos, por sua vez, também enfrenta problemas de grande magnitude. A população que vive em encostas íngremes na Serra do Mar, também de baixa renda como em São Paulo. Os Morros da cidade de Santos constituem um grande corpo desenvolvido sob a direção norte-sul, situado no centro da área urbana. Apresentam altitudes máximas de 200m acima do nível do mar, numa área total de 6,5km 2. A Baixada Santista limitada pela Serra do Mar, e pelo oceano Atlântico, comporta um complexo de planícies costeiras, morros insulados e mangues. As diferentes litologias e as respectivas estruturas dos Morros de Santos representam fatores condicionantes dos movimentos gravitacionais de massa; quais sejam: mobilização de solo, da rocha ou de ambos, em setores de encosta ou de taludes naturais e artificiais. O Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) do município foi elaborado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas em 2005 e indicou 19 áreas de risco. Para o estudo do caso de Santos, adotou-se o método empregado para mapeamento de áreas de risco (IPT, 2004), que considera um rol de indicadores, tais como tipos de rocha e solos, geometria da vertente (declividade), tipologia de intervenções antropogênicas, ação do escoamento superficial e subsuperficial, tipo de cobertura vegetal, sinais de movimentação no terreno e ocorrências pretéritas. Esses indicadores quando analisados de forma integrada, permitem caracterizar a área quanto à tipologia dos processos (escorregamentos em encostas naturais, taludes de corte e aterro e em depósitos de encosta, e quedas de blocos) a que estão passíveis de ser atingidas. Além disso, é 4

possível classificar as áreas quanto ao grau de risco (baixo, médio, alto e muito alto). Em Ouro Preto o relevo é acidentado com vertentes bem íngremes e vales profundos e encaixados. As altitudes estão em torno de 1.060m nas partes mais baixas e 1.400m no topo da Serra de Ouro Preto. A malha urbana estende-se ocupando tanto o vale principal, como as vertentes e contrafortes das serras que o delimitam. 40% da área urbana tem uma declividades entre 20 a 45% e apenas 30% com declividades entre 5 e 20%. Zonas escarpadas são comuns em toda a área urbana. A região de Ouro Preto possui alta pluviosidade, concentrada principalmente entre os meses de outubro e março, concentrando 87% da precipitação anual (Gomes, Sobreira e Castro, 2007). Considerações finais O conjunto de características exposto para os municípios de São Paulo, Santos e Ouro Preto, apontam para a necessidade de considerar o processo de ocupação do espaço urbano como fator central na definição de vulnerabilidade socioambiental. São as condições de existência da população de baixa renda que levam à ocupação de áreas de risco, como encostas íngremes e várzeas, que resultam em mortes e perdas materiais frequentes. Alterar esse cenário é um desafio prioritário, para o qual esse conjunto de trabalhos busca contribuir por meio da definição de indicadores de risco socioambiental. Referências BECK, U. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona : Paidós, 2006. CAPEL, H. La morfología de las ciudades: sociedad, cultura y paisaje urbano. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2002. CAPEL, H. La cosmópolis y la ciudad. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2003. CARLOS, A. F. A. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo : Labur Edições, 2007. CARLOS, A. F. A. Espaço-tempo na metrópole. São Paulo : Contexto, 2001. GOMES, G. J. C., SOBREIRA, F. G. e CASTRO, J. M. G. Uso de técnicas de de geoprocessoamento no zoneamento de áreas de risco de escorregamento em Ouro Preto MG. Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto. Florianópolis, Brasil, 21-26 abril 2007, INPE, p. 2681-2688. 5

RIBEIRO, W. C. Impacto das mudanças climáticas em cidades no Brasil. Parcerias estratégicas, CGEE, n. 27, 2008. <http://www.cgee.org.br/parcerias/p27.php>. SANTOS, M. Por uma economia política da cidade. São Paulo : HUCITEC, 1994. SANTOS, M. A urbanização brasileira. São Paulo : HUCITEC, 1993. SANTOS, M. São Paulo: metrópole fragmentada corporativa. São Paulo : Nóbel, 1990. VEIRET, I. Os riscos. São Paulo : Contexto, 2007. ZANIRATO, S. H.; RAMIRES, J. Z. S.; AMICCI, A. G. N.; ZULIMAR, M. R.; RIBEIRO, W. C. Sentidos do risco: interpretações teóricas. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. XIII, nº 785, 25 de mayo de 2008. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-785.htm>. 6