USO DA TERRA, EROSÃO ACELERADA E ASSOREAMENTO NA MICROBACIA DO CÓRREGO DOS GÓIS, ANÁPOLIS (GO) Karine Vicência Souto 1 ; Homero Lacerda 2

Transcrição

1 USO DA TERRA, EROSÃO ACELERADA E ASSOREAMENTO NA MICROBACIA DO CÓRREGO DOS GÓIS, ANÁPOLIS (GO) 1 Bolsista PBIC/UEG; Karine Vicência Souto 1 ; Homero Lacerda 2 2 Orientador, Curso de Geografia, Unidade Universitária de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas de Anápolis, UEG RESUMO: O Córrego dos Góis tem sua microbacia amplamente urbanizada e no seu baixo curso está a principal área de inundações de Anápolis. A erosão acelerada atua como um fator favorecendo as inundações, na medida em que resulta no assoreamento da drenagem. Os processos erosivos instalaram-se a jusante de áreas parceladas, devido ao lançamento das águas pluviais nas encostas e cabeceiras de drenagem. Palavras-chaves: erosão, assoreamento, microbacia Introdução O Córrego dos Góis, afluente da margem direita do Rio das Antas, está situado na porção centro-sul da cidade de Anápolis (GO). O motivo da escolha da área de estudo foi a existência de vários focos de erosão acelerada na microbacia, resultando em assoreamento que favorece a ocorrência de inundações no baixo curso da drenagem, a principal área de inundações em Anápolis. O objetivo da pesquisa foi investigar a evolução no uso da terra na microbacia do Córrego dos Góis no período de e suas relações com a erosão acelerada. Para delimitar a área de estudo foi utilizado o conceito de bacias hidrográficas, unidades naturais para estudos geomorfológicos, hidrológicos e ambientais. Materiais e Métodos A base cartográfica utilizada foi elaborada a partir da integração do mapa topográfico 1/ (SGE 1970) com a planta urbana 1/ (NHL 2001) e serviu para análise cartográfica, orientação em campo e plotagem dos resultados obtidos. A interpretação das fotos aéreas serviu para definir o uso da terra em Durante o trabalho de campo foi elaborado o mapa de uso da terra em 2002 e feito o cadastramento das erosões com preenchimento de fichas conforme a proposta de Oliveira (1990). Nos mapas de uso da terra foram utilizadas sete classes, quatro de solo parcelado e três classes relativas ao tipo de cobertura vegetal. Na área não parcelada foram 1

2 individualizadas três classes: cerrados, matas e pastagens. A área urbana parcelada foi dividida em quatro classes com diferentes índices de ocupação, estimados em fotos aéreas e observações de campo: áreas parceladas porém sem ocupação; áreas com índice de ocupação de 1% a 29% dos terrenos; áreas com índice de ocupação de 30% a 59% dos terrenos; e áreas índice com mais de 60% dos terrenos ocupados. A opção por classificar o uso da terra com base na densidade da ocupação decorre dos objetivos deste trabalho, já que desta forma as classes utilizadas refletem graus de impermeabilização do solo na microbacia. A integração e análise dos dados resultou em uma monografia de conclusão de curso (Souto 2002). Depois disto o levantamento das erosões e assoreamento da área continuou, em trabalhos de campo realizados pelo segundo autor, e alguns dos resultados obtidos também são apresentados aqui. Resultados e Discussão A apresentação dos resultados começa com a descrição da microbacia, prossegue com a caracterização das áreas de erosão e assoreamento, para então analisar a evolução do uso da terra no período e suas relações com os riscos geomorfológicos observados. Microbacia do Córrego dos Góis - A microbacia tem forma triangular, com a parte mais larga ao sul, onde estão as altitudes máximas de cerca de 1.130m e declividades geralmente inferiores a 10% e esta parte da bacia atua como uma grande área de captação das precipitações. A bacia se afunila em direção ao norte onde as altitudes são da ordem de 980m e o vale bastante encaixado, contendo uma pequena planície de inundação. Admite-se que estas feições cabeceiras amplas com baixo curso encaixado e presença de planície de inundação - indicam que o Córrego dos Góis tem predisposição natural para enchentes (Jorge & Uehara, 1998), agravada pelo assoreamento e estrangulamentos artificiais do canal representados por pontes e bueiros. Erosão acelerada em sulcos As incisões erosivas foram classificadas segundo Almeida Filho & Ridente Júnior (2001) em: sulcos, quando tem profundidade e largura inferiores a 50cm; ravinas quando mais profundas do que os sulcos e não chegam a atingir o aqüífero freático; voçorocas, quando a incisão atinge o aqüífero freático. As áreas de erosão acelerada em sulcos estão localizadas na parte sul da microbacia, em obras de terraplanagem ou caixas de empréstimo. Tem dimensões de até 400x100m e contém sulcos com espaçamento decimétrico-métrico, extensão decamétrica e profundidades de 0,10 e 0,50m. Erosão acelerada em ravinas - Foram observadas 12 ravinas na microbacia, com tamanho variando bastante, geralmente no intervalo entre 250m 3 a 2500m 3. Estas erosões evoluem por 2

3 erosão regressiva e movimentos de massas. A origem das incisões está no lançamento de águas pluviais na encosta, seja a partir de sistemas de drenagem, seja após concentração ao longo das ruas em locais onde falta o sistema de drenagem. Nas ravinas maiores, como a erosão da Vila São José (Fig. 1) na porção norte da microbacia, já ocorreu a destruição de uma rua. Medidas planejadas de combate aos processos erosivos são inexistentes observando-se apenas lançamento de entulho e lixo como forma de conter a erosão. Fig. 1: Erosão do Bairro São José (1a), com destruição de rua e aterrada com entulhos e Voçoroca Erosão da Creche com vestígios de obras de contenção, já destruídas (2b). Fonte: Souto (2002). Erosão acelerada em voçorocas Foram observadas quatro voçorocas na microbacia e suas características morfológicas e interação com a área urbana são apresentadas na Figura 1. A forma das erosões varia de oval a linear com volumes da ordem de 8.000m 3 a m 3. A origem é devida a um sistema de drenagem urbana inexistente ou inadequado, com lançamento das águas em cabeceira de drenagem ou à meia encosta. No Bairro Giovanni Braga a voçoroca está próximo à uma caixa de empréstimo e admite-se que o escoamento superficial gerado na caixa tenha contribuído para a evolução da voçoroca. Os processos observados são erosão pluvial regressiva, erosão pela água subterrânea e movimentos de massas do tipo queda de solo. As erosões são utilizadas para deposição de entulho e lixo doméstico. A Erosão da Creche, a mais antiga da área, contém vestígios de medidas de combate (Fig. 1). São remanescentes de muros de gabião, tubulações de águas pluviais e paliçada em madeira, parcialmente destruídos pelos processos erosivos. Em pelo menos três das voçorocas já ocorreu destruição total ou parcial de ruas, destacando-se a Erosão da Creche onde recalques na cabeceira da erosão, onde ela está tapada com entulhos, já resultaram na interdição de metade da pista da Avenida Federal. 3

4 Assoreamento - As áreas de erosão acelerada na microbacia representam fontes de sedimentos cuja deposição resulta no assoreamento do Córrego dos Góis em uma faixa com largura de 20 a 80m e extensão quilométrica (Fig. 1). O assoreamento é um dos fatores condicionantes das inundações, já que resulta na redução da seção dos canais, diminuindo sua capacidade de escoar a vazão das cheias. Evolução do uso da terra no período e distribuição das erosões No período considerado a malha urbana na microbacia se expandiu passando de 19,6% em 1964 para 80,3% em 2002, em detrimento das áreas não parceladas e recobertas por cerrados, matas e pastagens (Fig. 2). Em 1964 a maior parte da microbacia era ocupada por pastagens, com manchas de cerrado e matas. Estas últimas, já nesta época, apareciam como remanescentes das matas galerias uma vez que a maior parte da área originalmente coberta de mata já tinha sido transformada em pastagens. A vegetação de cerrado ocupava as partes mais elevadas da microbacia. Apenas uma pequena parte da área no extremo norte, próximo ao centro da cidade, tinha índice de ocupação de >60%, representando a área urbana consolidada. No restante da área existiam algumas manchas com ocupação de 1%-29% e de 30%-59% que podem ser caracterizadas como áreas em consolidação, e manchas de solo parcelado porém ainda não ocupado. Em 2002 a área parcelada era predominante e a área consolidada (ocupação superior a 60%) já era de 41,5% distribuída pelas áreas mais elevadas, onde as declividades são menores e os terrenos são mais valorizados. As áreas em consolidação, com ocupação de 1%-29% e de 30%-59%, estavam preferencialmente nas baixas vertentes, o mesmo ocorrendo com as áreas parceladas e não ocupadas. As ravinas e voçorocas localizam-se geralmente em duas situações com relação ao uso da terra: ao longo dos limites entre áreas parceladas e não parceladas; nos limites entre duas classes de solo parcelado com diferentes índices de ocupação, representando etapas diferentes de parcelamento do solo e onde a área à montante tem maior índice de ocupação. Em ambos os caso ocorre aumento do escoamento superficial à montante e seu lançamento nos limites das classes de uso da terra, explicando a localização das erosões. Estas observações mostram com clareza o papel do uso da terra no desenvolvimento das erosões. No caso analisado trata-se de um processo de urbanização feito sem levar em conta a prevenção dos processos erosivos, contrariando as indicações técnicas (Iwasa & Fendrich 1998, Almeida Filho & Ridente Júnior, 2001) com: existência de ruas sem pavimentação; ruas sem drenagem de águas pluviais; sistemas de drenagem de águas pluviais presentes porém inadequados, com lançamento das águas em cabeceiras de drenagem e na meia 4

5 encosta, ao final do loteamento; traçado viário com ruas segundo a declividade da encosta; o compartimento de relevo mais suscetível à erosão, representado pela seção inferior das vertentes, foi parcelado por último ou, em outras palavras, a impermeabilização da microbacia começou a montante das áreas com maior predisposição à erosão acelerada. Fig. 2: Erosão acelerada e evolução do uso da terra na microbacia do Córrego dos Góis entre 1965 (Fig. 2a) e 2002 (Fig. 2b). Fonte: Souto (2002) e Lacerda (2004). Dentre as alterações do meio físico relacionadas à urbanização destacam-se aquelas que afetam a hidrologia em suas relações com a erosão acelerada (Infanti Júnior & Fornasari Filho 1998, Jorge & Uehara 1998): retirada da cobertura vegetal; impermeabilização do solo com redução nas taxas de infiltração e aumento do escoamento superficial; construção de estruturas que canalizam e aumentam a velocidade do fluxo de escoamento superficial, representadas pelo sistema de drenagem de águas pluviais e as próprias vias urbanas; construção de cortes ou aterros, resultando em taludes de altas declividades onde os materiais dos aterros e os horizontes inferiores do regolito, suscetíveis a erosão, ficam expostos. As intervenções que favorecem a erosão acelerada também 5

6 favorecem o aumento da ocorrência de inundações, seja pelo aumento do fluxo de escoamento superficial e incremento de sua velocidade, seja pelo assoreamento. Conclusão Através da exploração de recursos naturais e a elaboração de objetos artificiais, o homem ao viver produz seu espaço. As cidades se formam a partir de diferentes ações sobre o espaço, que interagem entre si promovendo uma organização baseada em novas estruturas e freqüentes alterações no ambiente. A microbacia do Córrego dos Góis ilustra as conseqüências da urbanização inadequada sobre os processos da dinâmica superficial resultando em erosão acelerada em sulcos, associados a terraplanagem e caixas de empréstimo e ravinas/voçorocas, relacionadas ao incremento e concentração das águas do escoamento superficial. A contrapartida destes processos erosivos é o assoreamento da drenagem, contribuindo para a ocorrência de inundações. Referências Bibliográficas Almeida Filho, G. S. de e Ridente Júnior, J. L Erosão: Diagnóstico, Prognóstico e Formas de Controle. Goiânia: Minicurso, VII Simpósio Nacional de Controle de Erosão. ABGE, Goiânia. Infanti Júnior, N. & Fornasari Filho, N Processos de dinâmica superficial pp In: Oliveira, A. M. S. & Brito, S. N. A. (org.) Geologia de Engenharia. ABGE, São Paulo. Iwasa, O. Y. & Fendrich, R Controle da erosão urbana pp In: Oliveira, A. M. S. & Brito, S. N. A. (org.) Geologia de Engenharia. ABGE, São Paulo. Jorge, F. N. & Uehara, K Águas de Superfície pp In: Oliveira, A. M. S. & Brito, S. N. A. (org.) Geologia de Engenharia. ABGE, São Paulo. Lacerda, H Riscos geológicos e formas de relevo em Anápolis (GO). Submetido ao 42 o Congresso Brasileiro de Geologia. NHL, Planta urbana de Anápolis em escala 1/ NHL, Anápolis. Oliveira, A. M. S. et alii A caracterização de boçorocas urbanas: uma proposta de cadastro pp In: In: Anais do 1 o Simpósio Latino-Americano Sobre Risco Geológico Urbano. ABGE, São Paulo. SGE Mapa topográfico 1/ , Folha SE.22-X-B-II, Anápolis. SGE - Serviço Geográfico do Exército, Brasília. Souto, K. V Uso da terra e erosão acelerada na microbacia do Córrego dos Góis, Anápolis (GO). UEG, Monografia de conclusão do curso de Licenciatura em Geografia, Anápolis. 6