Africanias na canção Abá-Logúm de Waldemar Henrique

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Transcrição:

Africanias na canção Abá-Logúm de Waldemar Henrique MODALIDADE: COMUNICAÇÃO ORAL SUBÁREA: MUSICOLOGIA E ESTÉTICA MUSICAL Jonas Maia FAETEC jbsmaia@gmail.com Andrea Albuquerque Adour da Camara UFRJ andreaadour@musica.ufrj.br Resumo: Este trabalho é um estudo de termos e expressões oriundas do yoruba (língua do oeste africano, da família linguística nígero-congolesa, falada na região do Golfo de Benin) presentes na canção Abá-Logúm, composição de Waldemar Henrique. O produto final visa a construção de um glossário que estimule e subsidie os interpretes na compreensão e na inclusão de peças que contenham africanias em seus repertórios. Palavras-chave: Línguas africanas. Canção brasileira. Waldemar Henrique Africanias in Waldemar Henriques s song Abá-Logum Abstract: This work is a study of terms and expressions derived from the yoruba (West African language of the niger-congo linguistic family spoken in the Gulf of Benin) in the Abá-Logúm song, Waldemar Henrique s composition. The final product aims to build a glossary that encourages and subsidizes performers in understanding and inserting songs with africanias in their repertoires. Keywords: African languages. Brazilian song. Waldemar Henrique 1. Introdução A pesquisa teve início na disciplina Música, Memória e Africanias, vinculada ao projeto Africanias na música vocal brasileira e a relação Brasil-África e inserida na linha de Musicologia do programa de pós-graduação da Escola de Música (PPGM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que se propõe a estudar a música vocal brasileira e tem, como um de seus objetivos, a construção de um vocabulário de africanias presentes nesse repertório que venha a dar suporte aos intérpretes brasileiros e estrangeiros. Este trabalho está centrado em uma canção de câmera brasileira, intitulada Abá-Logúm composta pelo maestro, compositor e pianista Waldemar Henrique e pretende instrumentalizar cantores e interessados a uma melhor performance musical, através de análise, estudo e compreensão das africanias presentes nessa peça. Por africanias, compreendemos a presença de vocabulário africano (léxico) ou de modificações fonológicas e semânticas do português brasileiro decorrentes do contato com as línguas africanas, além disso, conhecer como tais vocábulos se comportam na música enquanto prosódia, ritmo e melodia.

No cancioneiro de câmara brasileiro há um número bastante significativo de peças que foram extraídas ou inspiradas nas tradições religiosas africanas. Entretanto, a dificuldade da tradução e da compreensão do texto impede, muitas vezes, que o intérprete selecione este repertório. É importante ressaltar que, no Brasil, diversas línguas africanas para cá vieram entre os séculos XVII e XIX. Por esta razão em muitas canções é possível encontrar mais de uma língua, visto que, aqui, os africanos escravizados foram separados e reagrupados de modo a não constituírem um mesmo grupo etno-linguístico. Além disso, é possível perceber a influência das línguas africanas no português brasileiro e, por conseguinte, na canção brasileira com relação à prosódia e à rítmica a ela imposta. Há ainda, no português brasileiro, diversos termos e expressões que são atribuídas à presença africana, tais como: mãe de santo, pai de santo, roça, etc. Uma das dificuldades de se construir um vocabulário de palavras africanas na canção brasileira está no fato de que a tradição religiosa africana é essencialmente oral. Tal fato gera muitas possibilidades de grafia e significação dessas palavras. O suporte desse trabalho é a utilização dos conhecimentos advindos das tradições orais. Para tanto, utilizamos informantes que nos auxiliaram apontando as possibilidades de tradução. A escolha dos informantes foi feita a partir da posição religiosa que eles assumem nas mais tradicionais comunidades de terreiro. Além disso, segundo Yeda Pessoa de Castro (CASTRO, 2001: 83): os filhos de santo, aqueles que foram iniciados no candomblé, é que possuem o conhecimento originário dos vocábulos. Outros simpatizantes do candomblé podem ignorar o sentido mais profundo. Num momento posterior, confrontaremos as palavras encontradas na canção com os dicionários da língua yoruba. Isto porquê a língua de santo difere daquela falada atualmente na Nigéria e Benin, de onde provém os dicionários modernos. Os vocábulos usados nos terreiros possuem origem bem mais antiga, visto que vieram com os africanos escravizados, antes do século XIX. Além disso, não podemos deixar de mencionar que existe também tanto o desaparecimento quanto a ressignificação de alguns vocábulos. Um dos problemas que apresenta a tradução de canções com vocabulário africano refere-se à questão da grafia e por isso, é necessário ser flexível com as possíveis formas de escrita. Neste trabalho foram investigadas todas as formas possíveis de escrita, incluindo diferenças fonêmicas e acentuais.

2. Abá-Logúm A canção Abá-Logúm de Waldemar Henrique foi escrita para canto e piano, que faz parte do pequeno ciclo 4 Pontos Rituais. A peça foi arranjada e harmonizada por Waldemar Henrique em 1954, com um tema/motivo recolhido dos Xangôs/Candomblés do Recife - Pernambuco, que havia sido registrado por Capiba e por Camargo Guarnieri (Arquivo Folclórico da Discoteca Municipal do Estado de São Paulo). Acrescentando ainda, que esse tema é retirado de um cântico de comunidades de terreiro e possui um acompanhamento rítmico específico chamado Jinka, em louvor ao orixá Ogum, que no candomblé simboliza o rei do aço, do ferro, da forja e da guerra. Essa entidade também era cultuada na África como um dos Orixás agricultores e caçadores, mas aqui no Brasil essa faceta caiu no esquecimento por razões óbvias: os africanos escravizados que trabalhavam forçadamente não desejavam abundância e bons resultados nas colheitas dos senhores escravizadores. É inegável a importância de se fazer um estudo sobre o significado do texto dessa canção, para não se cometa equívocos ao executá-la. Na partitura, Waldemar Henrique insere um subtítulo ao título Abá-Logúm: louvação de Xangô. Tal subtítulo muitas vezes confunde o intérprete que atribui a canção como uma louvação ao Orixá Xangô, entretanto, no Recife, o nome do Orixá se refere ao culto, às festas públicas. No Rio de Janeiro, por exemplo, chamamos tais festas de candomblé. O título é formado por duas palavras: Abá e Logúm. A palavra Abá, aparece grafada com o último fonema acentuado. Esta grafia é a forma adotada por Capiba. Entretanto, temos que considerar as possibilidades abà, àba, àbá, àbà, ààbà (estas grafias aparecem em BENISTE, 2009: 28). Como podemos perceber apenas a análise do título da canção gera inúmeras possibilidades e daí, necessita-se de um contato muito próximo ao campo de trabalho, nesse caso o Xangô, pratica religiosa do Recife e também dos auxílios dos informantes. Segundo o Informante 1, abá, é o centro, o lugar onde se cultua Ogum, de forma comunitária. Abá, por outro lado também pode se referir aos mais velhos. Comumente, esse termo está sempre associado ao culto e a memória da ancestralidade. Segundo o dicionário de Yorubá-Português (BENISTE, 2009: 28), a acepção que mais se aproxima da apontada pelo informante possuí a grafia àbá. Segundo o autor o vocábulo é usado na composição de palavras para o ato de se encontrar ou de estar em companhia de alguém. A palavra Logúm nos traz outros desafios. Em primeiro lugar, podemos levantar a hipótese de que a palavra poderia ser quebrada em duas: Lo e Ogúm, onde o primeiro é preposição de lugar e o segundo é Ogúm, o Orixá. Este é um Orixá guerreiro, o senhor da

forja, que instrumentaliza o cuidar da terra. A outra possibilidade seria tratar-se de Logum, um dos Orixás mais novos do Panteão africano, filho de Odé/Oxóssi (Orixá caçador) com Oxum (Orixá femino, deusa das águas doces). Pelo texto, fica claro que a primeira hipótese é a mais acertada, visto que a canção se refere à história ou ao ìtàn (mito) (BENISTE, 2009: 403) de Ogúm. A canção fala sobre a cidade fundada por Ogúm e menciona também sobre uma das suas qualidades e menciona também um adereço utilizado por ele. A canção, foi registrada da forma abaixo: Amanguê Ojarê Abá logúm ia corôa Onirê Abá logum ia corôa onirê Aba Logum ia corôa onire Abá logum ia corôa iô iá manguêra, manguêra iá manguêra unda Abá-logum iá corôa iô A manguê ojarê Abá-logum ia corôa Onirê Abá-logum ia corôa Onirê Abá-logum ia corôa Onirê (HENRIQUE, 1955) A primeira palavra, amanguê, segundo o Informante 1 refere-se à uma qualidade do Orixá Ogúm. Ao ser perguntado o que é qualidade, o Informante 1 respondeu que refere-se às variantes das diversas características que o Orixá sofreu durante sua passagem em várias cidades africanas. O Informante 1 nos disse também que já havia ouvido a palavra amanguê, em uma canção ritualística de Ogúm, entretanto sem o fonema a, e sim, manguê. A palavra ojarê também traz uma complicação visto que não foi encontrada nem entre os informantes, nem nos dicionários seu significado. Entretanto, há a hipótese de que a grafia da palavra possa ser jàre, que significa: forma de tratamento equivalente à por favor (BENISTE, 2009: 424). O fonema o, pode significar o pronome pessoal você (BENISTE, 2009: 555). Possivelmente, dado ao modo de transcrição das canções, houve a aglutinação entre os dois vocábulos: o e jàrê. Nesse sentido ojarê poderia ser traduzido como o Senhor, por favor, com um sentido de chamado. Foi levada essa possibilidade ao Informante 1 que afirmou ser uma hipótese válida. A expressão ia corôa, também não foi encontrada na forma grafada. O Informante 1 mencionou a possibilidade de que a palavra mais próxima seria àkòró. Esta foi encontrada em Beniste e significa elmo ou expressão usada para se referir ao Orixá Ogum, ou ainda,

denominação de uma coroa real. Dentre as acepções apresentadas por Beniste, o Informante 1 nos disse que o significado mais adequado ao texto é o último, referindo-se à uma coroa real. Segundo ele, aqui no Brasil, essa coroa tem formato cônico e é feita em palha, adornada com penas de rabo de galo e búzios. A palavra iô pode significar: livra-me do perigo, proteja-me ou ainda desejar felicidade, estar contente (BENISTE, 2009: 816). A grafia iô não foi encontrada, na primeira forma aqui citada, apresenta-se como yo e a segunda yò. O informante 1 apontou as duas como possibilidades. A palavra onirê também traz uma aglutinação decorrente da transcrição auditiva. Podemos compreender que a palavra pode ser quebrada em o- ni- Irê. Irê é uma cidade à noroeste de Ikirun (cidade atualmente inserida no território da Nigéria). Segundo o mito, Ogúm foi o fundador da cidade de Irê. Ni é uma preposição, utilizada para indicar o lugar em que alguma coisa está (BENISTE, 2009: 541). O fonema o pode ter o sentido de: você (como já falamos), mas nessa situação pode estar relacionado também a alguém que faz (BENISTE, 2009: 603). Neste sentido refere-se à localização de Ogúm, senhor da coroa de Irê, ou seja, o senhor de lá. É provável que a palavra Manguêra seja uma outra possibilidade de grafia da palavra amanguê, analisada anteriormente por nós, e como as outras já citadas sofreu processo de acomodação por conta do modelo de transcrição. A palavra unda, também parece ter sofrido processo de aglutinação. Foi levantada a hipótese de a palavra ser quebrada em duas outras un e da. A primeira un, significa: aquele, é um pronome demonstrativo. A palavra da significa criar, fazer, fabricar. Ou seja, aquele que criou a cidade de Irê. A hipótese foi levada para o Informante 1 que também achou possível compreender dessa forma. A partir destes estudos e análises, podemos propor uma tradução livre e poética da canção que seria: O Senhor, por favor se aproxime de sua casa. (Amanguê Ojarê Abá) Ogum, senhor da coroa de Irê (Logúm ia corôa Onirê) Ogum, senhor da coroa de Irê (Logúm ia corôa Onirê) Ogum, senhor da coroa de Irê (Logúm ia corôa Onirê) Que essa casa seja protegida pelo senhor de Irê (Abá logum ia corôa iô) O senhor (ia manguêra) O senhor (manguêra)

O senhor nos proteja (ia manguêra unda) Que essa casa seja protegida pelo senhor de Irê (Abá logum ia corôa iô) O Senhor, por favor se aproxime de sua casa. (Amanguê Ojarê Abá) Ogum, senhor da coroa de Irê (Abá Lógum ia corôa onirê) Ogum, senhor da coroa de Irê (Abá Lógum ia corôa onirê) Ogum, senhor da coroa de Irê (Abá Lógum ia corôa onirê) 3. Conclusão O trabalho encontra-se em andamento. O próximo passo é apresentar esta primeira análise a mais três informantes, preferencialmente das casas de Xangô do Recife, para confrontar e acrescer ao trabalho mais informações. Além disso, falta ainda realizar uma análise rítmica, melódica e prosódica do texto cantado levando em conta também os saberes dos informantes, bem como com as possíveis variantes da palavra cantada no rito religioso. Esse processo deverá ser seguido pelas outras 3 canções de Waldemar Henrique: Sem Seu, No Jardim de Oeiras e Abaluayê. Referências: - Livro BENISTE, José. Dicionário Yorubá Português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. YEDA, Pessoa de Castro. Falares Africanos na Bahia: um vocabulário afro-brasileiro. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001. - Partitura publicada HENRIQUE, Waldemar. Abá-Logúm. São Paulo: Recordi, 1955. Partitura.