Desenvolvimento de um programa de cálculo de secções de betão armado em Estado Limite Último segundo o Eurocódigo 2.

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Transcrição:

Encontro Nacional BETÃO ESTRUTURAL - BE2012 FEUP, 24-26 de outubro de 2012 Desenvolvimento de um programa de cálculo de secções de betão armado em Estado Limite Último segundo o Eurocódigo 2. RESUMO André Monteiro 1 Paulo Cachim 2 Miguel Morais 3 O presente trabalho teve como objectivo o desenvolvimento de um programa informático, o XD-CoSec, destinado ao dimensionamento e verificação da segurança de secções transversais de betão armado, em estado limite último, segundo o disposto no Eurocódigo 2. Pretendeu-se que a aplicação fosse o mais universal possível, englobando a maioria dos casos, admitindo por isso a consideração de secções de geometria qualquer, definida pelo utilizador, sujeitas a diversos tipos de esforços (flexão simples, composta e desviada, esforço transverso e torção). A aplicação foi idealizada de forma à sua utilização ser expedita e intuitiva. Para isso, desenvolveu-se uma interface gráfica que facilita a introdução dos dados, possibilitando o uso de secções e materiais predefinidos. Foram criadas ferramentas que permitem visualizar gráficos de interacção de esforços resistentes, para situações de flexão composta e desviada, bem como a elaboração da superfície tridimensional de flexão desviada sob forma de ábaco. Os materiais predefinidos no programa foram descritos e caracterizados a nível mecânico, através das leis constitutivas de comportamento definidas no EC2 [1]. Neste artigo são expostas as bases teóricas que, fundamentam os cálculos executados pelo programa. Recorrendo ao programa, foram resolvidos alguns casos práticos, validando os resultados com recurso a programas, tabelas e ábacos existentes. A linguagem de programação adoptada para o desenvolvimento do XD-CoSec foi a linguagem C#, uma linguagem orientada a objectos, que deu um forte contributo à versatilidade do produto final. Por fim, foi elaborado um manual de utilização do XD-CoSec, onde se explica o modo de utilização da aplicação, e uma memória de cálculo, ambos disponíveis a partir da aplicação. Palavras-chave: Betão armado, flexão desviada, método das fibras, Eurocódigo 2, software em C#. 1 Universidade de Aveiro, Departamento de Engenharia Civil/CICECO, 3810-193 Aveiro.andre.monteiro@ua.pt 2 Universidade de Aveiro, Departamento de Engenharia Civil/LABEST/CICECO, 3810-193 Aveiro.pcachim@ua.pt 3 Universidade de Aveiro, Departamento de Engenharia Civil/LABEST, 3810-193 Aveiro.miguelmorais@ua.pt

Desenvolvimento de um programa de cálculo de secções de betão armado em flexão composta desviada segundo o Eurocódigo 2 1. INTRODUÇÃO O cálculo isolado de secções de betão armado surge com frequência em situações de projeto, tanto no meio académico, como profissional. Situações de flexão simples, geralmente em vigas, são facilmente resolvidas através de formulações simples, desde que se considerem disposições de armaduras elementares. A consideração de disposições de armadura mais complexas ou de secções sujeitas à flexão composta desviada, torna-se mais complicada, havendo necessidade de recorrer a processos iterativos e, no caso da flexão desviada, de discretizar as secções. Apesar de existirem no mercado tabelas e ábacos para o cálculo de secções correntes, a oferta de aplicações de utilização livre para secções e esforços mais complexos e que utilizem as regras de verificação e dimensionamento do EC2 [1] é muito reduzida e limitada. O presente trabalho consiste na elaboração de uma ferramenta de cálculo automático, o XD-CoSec - Xpress Design of Concrete Sections, desenvolvida em linguagem C#, destinada ao dimensionamento e verificação da segurança de secções transversais de betão armado, em estado limite último, segundo o Eurocódigo 2. Esta aplicação é de utilização livre e pretende ajudar alunos e profissionais de engenharia fornecendo-lhes uma ferramenta útil e prática para o dimensionamento de secções transversais de betão armado. Pretendeu-se que a aplicação fosse o mais genérica possível, permitindo a consideração de secções de geometria qualquer, sujeitas a esforços de flexão biaxial, esforço axial, esforço transverso e, para algumas situações, torção. A aplicação foi idealizada de forma a permitir uma utilização expedita e intuitiva, através da criação de uma interface gráfica que facilita a introdução de dados, e possibilita o uso de secções e materiais predefinidos. Para além da obtenção de resultados numéricos, pretendeu-se a obtenção de resultados gráficos relativamente à flexão composta e composta desviada, sob forma de diagramas e ábacos de interacção, que definem a resistência de uma secção qualquer através de curvas. Em suma, o programa de cálculo elaborado visou cumprir os seguintes objectivos: - Efectuar a verificação da segurança e dimensionamento de secções em Estado Limite Último segundo o EC2; - Abranger os principais esforços possíveis de existir numa secção de Betão Armado; - Gerar diagramas/ábacos de interacção de flexão composta/desviada exportáveis em ficheiro de imagem; - Desenvolver uma interface gráfica intuitiva e de utilização expedita; - Disponibilizar secções correntes e materiais predefinidos; - Permitir o ajuste de parâmetros de cálculo, segundo as necessidades do utilizador. 2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS 2.1 Flexão composta desviada - verificação da segurança O cálculo de secções de betão armado sujeitas a flexão composta desviada baseia-se na resolução do sistema de equações de equilíbrio representado pela Expressão 1 [2]. Este impõe que seja satisfeito o equilíbrio estático em todos os domínios (, e ), para as condições de estado limite último (E.L.U.). O sistema de equações não é linear, pelo que, a sua resolução requer o uso de um método iterativo. No caso do presente trabalho, foi usado o método iterativo da secante. É de notar que as parcelas do sistema entre parêntesis são relativas ao pré-esforço, não abordado no presente trabalho. ( ) ( ) (1) { ( ) 2

A. Monteiro, P. Cachim e M. Morais A capacidade resistente de uma determinada secção de betão armado, relativamente à flexão composta desviada, é definida pelos seus esforços resistentes, e, existindo uma infinidade de combinações possíveis para estes três valores. Estas combinações permitem representar uma nuvem de pontos inseridos num referencial cartesiano tridimensional (, e ), gerando uma superfície designada por diagrama de interação tridimensional de flexão desviada. A superfície estabelece os limites de segurança de uma secção, para determinados parâmetros geométricos, materiais e de armadura. Posto isto, pode assumir-se que uma secção está em segurança se o ponto de coordenadas, e se encontra situado no espaço interior da superfície ou se coincidir com esta (situação limite). Posto isto, a problemática da verificação da segurança consiste na determinação da superfície de interação. A Fig. 1 representa um exemplo de uma superfície de interação de flexão desviada genérica, com exemplo de três situações de flexão distintas. N z y Caso (b) Caso (a) (a) x Caso (c) x y (b) x My Mz y Figura 1. Diagrama de interação tridimensional de flexão desviada genérico, com exemplo de uma secção transversal em três situações distintas de flexão, baseado em [3]. Conclui-se então que cada ponto xyz relativo a uma combinação de esforços resistentes corresponde a uma posição de eixo neutro (e.n.), com determinada profundidade e inclinação. O método adotado para a determinação dos esforços relativos a um valor de e.n. baseia-se na modelação das secções pelo método das fibras [3]. Este consiste na discretização de secções através da sua divisão em áreas elementares de betão ou aço, formando uma malha de fibras, cujo refinamento é definido pelo utilizador do programa (Fig. 2). Cada fibra pode ser representada por um ponto (no estudo da secção transversal), cada um possuindo propriedades mecânicas e geométricas próprias, sendo estas, a posição ( e ), tensão ( ), extensão ( ) e a força normal elementar ( ). A tensão nas fibras comprimidas de betão é calculada segundo o modelo parábola-retângulo, enquanto a tensão nas armaduras é calculada segundo o modelo bilinear, ambos definidos no EC2. (c) fcd fyd cu2 cu2 y PCi (PCx,i ; PCy,i) X c,i c,i y As,j (Psx,j ; Psy,j) X s,j s,j d,i d,j CG e.n. CG e.n. fyd x Figura 2. Exemplo de discretização de uma secção genérica através do método das fibras. À esquerda, discretização da secção de betão e à direita, da armadura. x 3

Desenvolvimento de um programa de cálculo de secções de betão armado em flexão composta desviada segundo o Eurocódigo 2 De seguida, são expostas as formulações resultantes do método implementado, para a determinação dos esforços resistentes relativos a uma determinada posição do eixo neutro, que resultam do somatório entre a contribuição do betão e do aço, descrito pelas Eqs (2), (3) e (4), com m = nº de fibras comprimidas de betão e n = nº de varões. Nessas expressões, o sistema de eixos considerado para o cálculo dos esforços resistentes é um sistema, com no eixo das abcissas e z nas ordenadas, em sintonia com o EC2. Os índices i e j referem-se às fibras de betão e aos varões respetivamente. (2) (3) (4) Os domínios de distribuição de extensões admissíveis em E.L.U. estão representados na Figura 4. Observando a figura, podem definir-se três domínios de rotura distintos, diretamente relacionados com a profundidade do eixo neutro. Figura 3. Distribuição de extensões admissíveis em estado limite último [1]. Com base nos parâmetros expostos para cada domínio, é possível determinar a extensão em cada fibra da secção à profundidade ( ), dada uma determinada profundidade do e.n., ( ). Posto isto, deduziram-se as três equações representativas dos diagramas de extensão,, para os respectivos domínios (Quadro 1). Quadro1. Equações usadas na determinação da extensão em cada fibra da secção. Domínio Extensão em cada fibra Intervalo de variação do e.n. 1 ( ) 2 3 ( ) O método de resolução implementado no algoritmo está descrito, passo a passo, com mais pormenor na tese de mestrado que serve de base ao presente artigo, [4]. 4

A. Monteiro, P. Cachim e M. Morais 2.2 Flexão composta desviada - dimensionamento O processo de dimensionamento implementado para secções sujeitas a flexão composta desviada consiste na determinação do valor mínimo de armadura necessário para a verificação da segurança da secção. Para isso, executam-se sucessivos processos de verificação da segurança (ver secção 2.1) até se atingir a convergência para uma quantidade de armadura ótima, ou seja, com um aproveitamento próximo dos 100%. O utilizador define o número de varões pretendidos em cada face da secção, através do qual o programa determina cada uma das posições no referido referencial (Fig. 2). Cada iteração, correspondente a uma verificação de segurança, é executada para um determinado valor de área de armadura, sucessivamente obtido pelo método da secante. 2.3 Esforço transverso - Verificação da segurança e dimensionamento Segundo o EC2, a resistência ao esforço transverso de uma secção pode ser calculada como um sistema de treliça, formado por escoras comprimidas de betão associadas a tirantes constituídos pelas armaduras transversais tracionadas. São estabelecidos os parâmetros, e, que definem a resistência da secção sem armadura, a resistência com armadura e a resistência máxima admissível da secção, respetivamente. As expressões usadas na determinação desses três parâmetros figuram no EC2 e estão representadas pelas Eqs (5), (6) e (7). {[ ] ( ) } (5) (6) (7) 2.4 Torção - Verificação da segurança e dimensionamento De acordo com o EC2, o cálculo da resistência à torção pode ser efetuado com base numa secção fechada de paredes finas, onde o equilíbrio é satisfeito por um fluxo de tensões tangenciais. A tensão tangencial e o esforço tangencial na parede i de uma secção sujeita a um momento torsor, podem ser calculados pelas Eqs (8), (9) e (10). A armadura transversal de torção,, é determinada a partir da Eq. (6), com. A armadura longitudinal de torção,, é determinada a partir da Eq. (10), devendo ser distribuída uniformemente por toda a secção e acrescentada à existente. (8) (9) (10) 3. PROGRAMA XD-CoSec 3.1 Iniciar um novo cálculo e gestão dos separadores de cálculo Ao iniciar o XD-CoSec, surge a janela temporária de abertura da aplicação (Fig. 4), seguida da janela principal do programa, onde irão ser executados os diferentes tipos de cálculos. A Fig. 5 representa a janela principal aquando a sua abertura. Um cálculo inicia-se escolhendo a tarefa pretentedida (verificação ou dimensionamento), seguida da escolha da secção pretendida (Fig. 6), indicando o resptivo nome da tarefa. 5

Desenvolvimento de um programa de cálculo de secções de betão armado em flexão composta desviada segundo o Eurocódigo 2 Figura 4. Janela de abertura do XD-CoSec. Figura 5. Janela principal do XD-CoSec. O XD-CoSec permite a execução de várias tarefas de cálculo em simultâneo. Para isso, cada cálculo iniciado pelo utilizador gera um novo separador de cálculo (Fig. 7). Esta funcionalidade possibilita a comparação entre diversas soluções em simultâneo, dando assim maior versatilidade ao programa. Cada separador pode ser fechado separadamente, a qualquer momento, seleccionando-o e clicando no ícone, na barra de ferramentas, ou no ícone do separador activo. Os utilizadores podem guardar separadores de cálculo em ficheiros.xcs para posterior visualização ou alteração. Figura 6. Janelas de seleção de secções. Figura 7. XD-CoSec com várias tarefas iniciadas em simultâneo. O separador selecionado corresponde à verificação de uma secção em T. O utilizador pode escolher entre a visualização de uma esquematização da secção onde estão indicados os diferentes parâmetros, e a esquematização real da secção, que permite ao utilizador verificar a correcta introdução dos dados do problema, alternando ambas através do comando. Como exemplo, podem observar-se as Figs 7 e 9, respetivamente. 3.2 Funcionalidades 3.2.1 Secções disponíveis No que diz respeito à verificação da segurança, são disponibilizados cinco tipos de secções predefinidas: retangulares, circulares, em T, em U e em L. Estas são secções correntes que provavelmente irão representar a maioria dos cálculos efetuados pelos utilizadores do programa. Uma vez que o código computacional é genérico para qualquer geometria, disponibilizou-se uma ferramenta que permite a definição de secções quaisquer, pelas posições dos seus vértices e armaduras através de tabelas de introdução de dados. No caso do dimensionamento, optou-se por disponibilizar três tipos 6

A. Monteiro, P. Cachim e M. Morais secções predefinidas: secções retangulares, em T e circulares. Como já referido, para esse processo, o programa precisa de admitir, previamente, o número e a posição das armaduras na secção. No caso das três secções referidas, a disposição de armaduras é simples. Secções com disposições mais complexas ou de maiores dimensões, como por exemplo em U, possuem critérios específicos de disposição de armadura, não abrangidos no âmbito deste trabalho. 3.2.2 Esforços O XD-CoSec abrange, para qualquer secção, todos os tipos de flexão: simples ( ), composta ( ) e desviada ( ). Relativamente ao esforço transverso, este pode ser considerado em ambas as direções ( ), em todas as secções, exceto em secções em T e U (nas quais só é admitido segundo o eixo y - vertical) e nas secções definidas pelo utilizador (nas quais não é admitido em nenhuma das direções). Quanto à torção, optou-se por disponibilizar o cálculo apenas no dimensionamento de secções retangulares e circulares e não na verificação da segurança. 3.2.3 Materiais De modo a possibilitar uma entrada de dados mais expedita no programa, implementou-se uma biblioteca de dados, que contém materiais predefinidos para o cálculo. No que diz respeito ao betão, as classes disponíveis vão desde C12/15 até C90/105. Relativamente ao aço, existem três classes disponíveis, A235, A400 e A500. Contudo podem ser consideradas classes específicas, escrevendo c seguido de f ck, no caso do betão ou a seguido de f yk, no caso do aço (Ex: c52,5 ou a450 ). 3.3 Resultados 3.3.1 Verificação da segurança Para todos os casos de flexão, o programa devolve os esforços resistentes, que permitiram efetuar a verificação da segurança, assim como o esforço axial máximo admissível em tração/compressão simples. No caso da flexão simples, este indica o momento máximo admissível na secção,. Relativamente à flexão composta, devolve o momento máximo admissível na secção,, para =. No caso da flexão composta desviada, são indicados os momentos resistentes admissíveis, e (proporcionais aos atuantes), quando =. Através dos valores dos esforços resistentes e dos esforços actuantes, é finalmente calculado o nível de aproveitamento da secção. De forma analisar o comportamento de secções sujeitas a flexão composta ou composta desviada, desenvolveram-se ferramentas gráficas que permitem visualizar diagramas de interação de esforços resistentes para secções de forma qualquer (Fig. 8). Estas ferramentas consistem no traçado de diagramas de flexão composta ( - ), diagramas de flexão desviada ( - ) e superfícies tridimensionais de flexão desviada sob forma de ábacos ( - - ). O diagrama de interação de flexão composta, relaciona o momento resistente segundo o eixo,, com o esforço axial resistente da secção,. O diagrama de interação de flexão desviada, relaciona o momento resistente segundo,, com o momento resistente segundo,, para um determinado esforço axial resistente,. Os ábacos de flexão desviada representam a superfície de flexão desviada de uma determinada secção através do traçado sucessivo de curvas de nível, correspondentes aos respetivos diagramas de flexão desviada. O intervalo,, para o qual são geradas as curvas é definido pelo utilizador após o programa indicar um intervalo aconselhado, correspondente à representação de um ábaco através de aproximadamente 10 curvas. Quanto ao esforço transverso, o programa calcula a quantidade de armadura transversal,, necessária à garantia da segurança, nas direcções e, e compara-a com a existente. São também apresentados alguns parâmetros como:, e, no caso da armadura transversal da alma e,, e, no caso da armadura transversal de ligação entre alma e banzo. 7

Desenvolvimento de um programa de cálculo de secções de betão armado em flexão composta desviada segundo o Eurocódigo 2 a) b) c) Figura 8. Ábacos e Diagramas a)flexão composta, b) flexão desviada, c) flexão desviada. 3.3.2 Dimensionamento As três secções disponíveis podem ser calculadas considerando todo o tipo de flexão, à exceção das secções em T, que não permitem o dimensionamento à flexão desviada. O programa determina os valores das áreas de aço necessárias, consoante os parâmetros de distribuição de armadura escolhidos pelo utilizador, indicando automaticamente os diâmetros comerciais correspondentes. Além dos valores das áreas de aço, o XD-CoSec devolve o valor da profundidade do eixo neutro,, e a sua inclinação,, para a solução encontrada. Fazendo o quociente entre a área de aço ótima determinada e a área da armadura colocada na secção, é calculado o respetivo aproveitamento da secção. Quanto ao esforço transverso, o programa calcula a quantidade de armadura transversal,, necessária à garantia da segurança, nas direções e. São também apresentados alguns parâmetros como:, e (armadura transversal da alma) ou, e (armadura transversal de ligação entre alma e banzo). Quanto à torção, é calculada a área de armadura transversal necessária,, e a área mínima de armadura longitudinal de torção,. Ambas deverão ser acrescentadas às já existentes. São também apresentados parâmetros de cálculo como:,,,, e. 3.4 Ajuste dos parâmetros de cálculo Os parâmetros possíveis de ajustar consistem essencialmente nos coeficientes de segurança dos materiais, na precisão da discretização das secções para o dimensionamento/verificação e nos parâmetros de visualização dos diagramas de interação (Fig. 10). É ainda possível visualizar os parâmetros de cálculo de cada classe de betão e aço, calculados pelo programa segundo o prescrito no EC2. Pode obter-se mais informação acerca de cada parâmetro clicando nos ícones. Figura 9. Resultados obtidos após o dimensionamento de uma secção circular. Figura 10. Exemplo de um dos separadores da janela de definição de parâmetros. 8

A. Monteiro, P. Cachim e M. Morais 4. EXEMPLOS PRÁTICOS Num primeiro exemplo, pretende-se verificar a segurança de um pilar de secção oval. A Fig. 11 ilustra os dados do problema, a introdução dos mesmos no XD-CoSec e respetivos resultados obtidos. Esforços: 14Ø12 14 12 C=0,05 = 5000 kn = 200 kn.m Materiais: A500 C30/37 = 100 kn.m 0,80 0,40 Figura 11. Esquema da secção oval a verificar (dimensões em metros). O XD-CoSec devolve os momentos máximos, proporcionais aos atuantes, = 252,65 kn.m e = 126.33 kn.m, para os quais se esgota a capacidade resistente da secção, dado o esforço axial atuante, = 5000 kn. Posto isto, a secção está em segurança relativamente à flexão desviada, verificando-se um bom aproveitamento (79,2 %). De modo a comprovar os resultados obtidos, é possível traçar um diagrama de flexão desviada (semelhante ao representado pela Fig. 8 b)) e verificar o nível de segurança da secção. Num segundo exemplo, pretende-se dimensionar um pilar de secção quadrangular. A Fig. 12 ilustra os dados do problema, a sua introdução no XD-CoSec e os despectivos resultados obtidos. Após executado o dimensionamento, é fornecida a área de aço ótima para cada varão ( ), a profundidade do eixo neutro ( ) e respectiva inclinação ( ), o diâmetro comercial adoptado para os varões, por excesso, entre 6 e 32 mm, a eficiência e a taxa de armadura na secção, ambas em percentagem. Consequentemente, obtêm-se os seguintes resultados: = 1,61 cm 2, = 0,37 m, = 36,1º, Ø = 16 mm, aproveitamento da armadura = 80,17 % e taxa de armadura na secção = 1,01 %. Esforços: = 2000 kn = 150 kn.m = 100 kn.m = 80 kn.m Materiais: A500 C30/37 = 50 kn.m Condições: 3 varões por face 0,40 C=0,04 0,40 Figura 12. Esquema da secção quadrangular a verificar (dimensões em metros). No caso do dimensionamento ao esforço transverso, o programa determina a armadura a adotar para cada direção, considerando e a atuar separadamente. Os resultados obtidos são o esforço transverso resistente da secção sem armadura ( ), o esforço transverso resistente da secção limitado pelo esmagamento das escoras comprimidas ( ), o valor de mais favorável, a área de armadura transversal ( ) e o respetivo espaçamento, dado o diâmetro dos varões e o número de ramos pretendidos. Neste caso, a armadura mais desfavorável verificou-se na direção y, para a qual 9

Desenvolvimento de um programa de cálculo de secções de betão armado em flexão composta desviada segundo o Eurocódigo 2 se obtêm os seguintes resultados: = 183,63 kn, = 471,92 kn, = 2,50, = 2,27 cm 2 /m e espaçamento entre estribos 24,90 cm (considerando estribos em Ø6). Neste caso, como >, apenas seria necessário colocar a armadura mínima de esforço transverso prescrita no EC2. 5. CONCLUSÕES O programa desenvolvido revela-se robusto e capaz de englobar grande parte dos casos de cálculo e análise de secções transversais de betão armado. A facilidade de utilização do programa, torna-o acessível a estudantes e profissionais, o que permite estender a sua utilização a cálculos expeditos de análises de esforços, em situações práticas de projeto, assim como no apoio à realização de exercícios académicos. Os resultados do XD-CoSec foram verificados através de cálculos manuais, recorrendo à utilização de tabelas e ábacos existentes [5], de fiabilidade comprovada. Em alguns casos, não foi efetuada essa verificação, pelo facto desses elementos não abrangerem todo o tipo de secções. Porém, os resultados consideram-se válidos, devido ao facto dos processos de cálculo implementados serem comuns para todas as situações. Apesar do XD-CoSec apenas permitir o cálculo em situação de estado limite último, consiste num importante alicerce para o desenvolvimento de novas funcionalidades no âmbito de trabalhos futuros. Nesta ótica, a linguagem de programação adotada desempenha um papel fundamental, devido à sua elevada versatilidade e extensibilidade, permitindo ao programador efetuar facilmente alterações ou acrescentar funcionalidades. 6. REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICAS [1] NP EN 1992-1-1. 2010, Eurocódigo 2 - Projecto de estruturas de betão. Regras gerais e regras para edifícios. Lisboa: IPQ. 259p. [2] Montoya, P. J. [et al.] (2000). Hormigón Armado. 14 th ed. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 844p. [3] Lejano, B. (2007). Investigation of Biaxial Bending of Reinforced Concrete Columns Through Fiber Method Modeling. Journal of research in science, computing and engineering, Vol. 4, N. 3, pp. 61-73. [4] Monteiro, André (2011). Desenvolvimento de um programa de cálculo de secções de betão armado. Departamento de Engenharia Civil da universidade de Aveiro, Tese de Mestrado. [5] Barros H, Figueiras J. (2010). Tabelas e Ábacos de Dimensionamento de Secções de Betão Solicitadas à Flexão e a Esforços Axiais Segundo o Eurocódigo 2. 1 st ed. Porto: FEUP edições, 151p. 10