Trabalho apresentado no VII Encontro dos Núcleos de Pesquisa em Comunicação NP Comunicação, Turismo e Hospitalidade.

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Transcrição:

O CONPRESP, a cidade de São Paulo e o turismo 1 Sênia Bastos 2 Universidade Anhembi Morumbi Resumo Compete ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo - Conpresp a decisão sobre o tombamento dos bens culturais e naturais do município. Essa pesquisa tem por objetivo evidenciar os tombamentos efetivados pelo Conselho durante o período 1988 a 2007, pautando-se pela análise das 66 resoluções de tombamento e 20 resoluções de definição de área envoltória. Resulta dessa análise que a cidade valorizada pelo Conpresp como patrimônio é constituída por habitações urbanas reunidas na área central, católica e industrial. Fundamentando as resoluções destacam-se os valores histórico, arquitetônico e ambiental, mas avanços são apontados ao que se refere à proteção de bairros e não mais de edificações isoladas, definição de diretrizes relacionadas à preservação do bem ou área envoltória e à importância do turismo. Palavras-chave: Patrimônio histórico cultural; Turismo; Tombamento; Cidade de São Paulo; Conpresp. 1 Trabalho apresentado no VII Encontro dos Núcleos de Pesquisa em Comunicação NP Comunicação, Turismo e Hospitalidade. 2 Doutora em História pela PUC/SP e professora da Universidade Anhembi Morumbi.

O patrimônio histórico, ambiental e cultural paulistano Dificilmente pode-se tratar a questão do patrimônio cultural no Brasil sem relacioná-lo à prática preservacionista. Iniciativas particulares e por parte dos governos estaduais antecederam a preocupação federal em criar mecanismos de proteção legal do patrimônio nacional, notadamente os monumentos históricos e artísticos (FONSECA, 1997). Em 1934 destaca-se a criação de nosso primeiro órgão oficial de proteção do patrimônio nacional, a Inspetoria dos Monumentos Nacionais (decreto n. 24.735, de 14/07/1934), dirigida por Gustavo Barroso, constituía um departamento do Museu Histórico Nacional (MAGALHÃES, 2004). Transcorridos três anos, aprova-se a legislação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SPHAN (Lei federal nº 378 de 13/1/1937 e decreto-lei nº 25, de 30/11/1937), cuja prática preservacionista destaca-se, sobretudo, pelo tombamento de bens característicos da história da arquitetura brasileira: edificações de interesse histórico, exemplares de técnicas construtivas de séculos anteriores, a partir de uma nítida separação entre erudito e popular, em detrimento à preservação e ao estudo de bens de caráter popular. Apenas em meados dos anos 1970, que bens e manifestações populares, culturais e artísticas passaram a ser estudadas pelo IPHAN. 3 Isso se deve à mundialização dos valores e referências internacionais da noção de patrimônio, a partir da criação do conceito patrimônio cultural, pela Unesco 4. Valorizaram-se, então, os bens culturais não-consagrados, expressões e fazeres das classes populares, cujos elementos conferem particularidades à nação (MARIANI, 1999). A década de 1970 caracteriza -se, também, pela valorização econômica do patrimônio. O governo Castelo Branco estabeleceu condições propícias para a criação dos órgãos de proteção do patrimônio paulista, nas instâncias estadual e municipal. Em 1968 é organizado o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológic o e Turístico Condephaat, que tem na sua origem uma noção de patrimônio marcada pelo culto cívico ao passado. Nota-se ainda a ênfase em potencializar o patrimônio enquanto produto de consumo cultural, incrementando, assim, o turismo (RODRIGUES, 2000). Para tratar as questões municipais ligadas à preservação da cidade de São Paulo, foi criada a Coordenadoria Geral de Planejamento COGEP, hoje transformada em Secretaria Municipal de 3 Ocorre uma alteração da denominação do órgão neste momento, passando a chamar-se Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 4 A categoria foi criada na Conferência Geral de Genebra, em 1972, pela Unesco.

Planejamento SEMPLA. Inicialmente implementou-se um levantamento de bens significativos da área central, seguido por uma lei destinada a protegê-los. 5 Para inventariar, documentar, conservar, proteger, e valorizar os bens culturais paulistanos foi criado o Departamento do Patrimônio Histórico DPH, em 1975 (Lei 8.204). Tanto o SPHAN, Condephaat e DPH tiveram na sua origem uma prática preservacionista, cuja ênfase recaiu na proteção de bens característicos da história da arquitetura brasileira. Há que destacar a recente aprovação da lei n. 14.406 (21/05/2007) que institui o Programa Permanente de Proteção e Conservação do Patrimônio Imaterial do Município de São Paulo, cuja implementação tenderá a alterar esse quadro. O Departamento do Patrimônio Histórico e o CONPRESP O Departamento do Patrimônio Histórico administra as casas históricas e seus bens móveis, centraliza a preservação dos documentos históricos produzidos pela administração pública municipal e salvaguarda o patrimônio ambiental, histórico e cultural paulistano. Formado por três divisões técnicas, responsáveis por cada uma das atribuições acima listadas, cabe à divisão de Preservação a análise técnica dos bens culturais e naturais em processo de tombamento, que uma vez finalizadas, são encaminhadas ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo - Conpresp para deliberação. 6 O Conpresp foi criado em 1985 (Lei n. 10.032, alterado pela Lei 10236 de 1986), como um órgão colegiado vinculado à Secretaria Municipal de Cultura, composto por nove membros nomeados pelo Prefeito. Ressalta-se que essa conformação restringe a participação de especialistas provenientes das diferentes áreas de conhecimento, bem como dos munícipes, por meio de critérios de indicação dotados de transparência, com regras acessíveis e democráticas. Tal caráter resulta em grande interferência na definição do tombamento dos bens que são analisados pelo corpo técnico do DPH, cujos estudos, pareceres dos processos de tombamento são submetidos a arquivamentos por anos, condicionados à configuração de executivo favorável à prática da preservação. A renovação da configuração de conselheiros e de seu presidente é salutar, pois, em tese, possibilita a renovação de sua atuação, permitindo o tombamento de bens de diferentes naturezas, em áreas distintas da cidade. 5 Trata-se da Lei 8.328/75 que criou as Z8-200, possibilitando a preservação de imóveis pontuais e conjuntos, situados em diversas regiões da cidade. 6 Integram o DPH a Divisão do Arquivo Histórico, a Divisão de Iconografia e Museus e a Divisão de Preservação.

Na trajetória da política de preservação estabelecida por iniciativa municipal, pode-se identificar a eleição de bens de interesse ambiental, histórico e arquitetônico. Influenciado pela política de patrimônio estadual e federal tais tombamentos determinaram uma cidade constituída por habitações urbanas reunidas na área central, católica e industrial. Essa reflexão sobre patrimônio paulistano deriva da análise das 66 resoluções de tombamento e de 20 resoluções de definição de área envoltória do Conpresp, referente aos anos 1988 a 2007, cuja distribuição anual pode ser verificada na tabela 1. ano Resolução de tombamento ano Resolução de tombamento Definição de área envoltória ano Resolução de tombamento Definição de área envoltória 1988 3 1990 2 0 2000 0 0 1989 0 1991 2 0 2001 1 0 1992 10 13 2002 10 1 1993 0 0 2003 4 1 1994 9 0 2004 9 3 1995 2 0 2005 8 0 1996 0 0 2006 2 2 1997 1 0 2007 2 0 1998 0 0 1999 1 0 Total 3 27 13 36 7 2007) Tabela 1: Resoluções de tombamento e definição de área envoltória do Conpresp (1988- Fonte: Conpresp A resolução de tombamento constitui o documento que formaliza a indicação de inscrição do bem no livro de tombo, que pode ser uma edificação, uma mancha urbana particular ou um bairro. A origem da solicitação varia: pode ser motivada por um estudo realizada pelo corpo técnico do DPH, por meio dos inventários de estudo da cidade ou por iniciativa particular. Para a realização desse estudo, todas as resoluções de tombamento e de definição de área envoltória foram inseridas em um banco de dados, que contemplou dados gerais sobre o bem cultural: endereço, data da resolução, tipologia do bem. O formulário também abrangeu as especificidades da resolução: nível de proteção, interesse, quantidade de bens tombados, delimitação de área envoltória, definição de diretrizes relacionadas à preservação do bem ou da área envoltória. Ressalte-se a dificuldade de contabilização dos bens tombados, visto que nem todas as resoluções contemplam de forma precisa a identificação de cada bem sobre o qual incide o tombamento ou área envoltória. O primeiro tombamento a inaugurar a legislação foi o Decreto 26.818, protegendo os imóveis localizados no Pátio do Colégio. Considerado o marco inicial do assentamento da cidade, foram

considerados o mobiliário urbano, os logradouros e as obras-de-arte ali reunidas em razão dos significados histórico, arquitetônico e ambiental, bem como suas virtudes paisagística e simbólica. Seguiram-se dois tombamentos ainda na administração do prefeito Jânio Quadros (01/01/1986-31/12/1988), mas cabe destacar que a legislação passou a vigorar com intensidade na gestão de Luiza Erundina de Souza (01/01/1989-31/12/1992), período no qual se observaram cerca de 14 resoluções de tombamento e 13 resoluções de definição de área envoltória; ressalta-se o tombamento ex-officio de 89 bens protegidos pelo Condephaat (Resolução 05/91). Durante a administração dos prefeitos Paulo Salim Maluf (01/01/1993-31/12/1996) e Celso Pitta (01/01/1997-31/12/2000) notam-se apenas 13 resoluções sancionada s, com baixo índice de edificações tombadas, que não podem ser quantificadas em virtude da ausência de precisão do tombamento do Parque Ibirapuera e áreas residenciais adjacentes, localizadas nas avenidas Antonio Joaquim de Moura Andrade e Pedro Álvares Cabral, ruas Manoel de Nóbrega, Afonso Braz, Escobar Ortiz, João Lourenço e Lourenço de Almeida (Resolução 06/97). 7 Na gestão de Marta Suplicy (01/01/2001-31/12/2004) os processos voltam a ser encaminhados ao Conselho, resultando em 24 tombamentos e 5 resoluções de definição de área envoltória. Ressalte -se que o movimento se mantém na atual administração, de José Serra (01/01/2005-31/03/2006) e Gilberto Kassab (31/03/2006), resultando 12 tombamentos e 2 resoluções de definição de área envoltória. Modalidade do bem total Modalidade do bem total áreas naturais e paisagens 9 bens de valor cultural 3 bens móveis 11 edificação militar 2 edificação escolar 13 edifício funerário 2 ed. assistência social e saúde 8 edifício de exposições e museus 3 edificação industrial 12 edifício administrativo 3 edificação religiosa 17 edifício de pesquisa 2 edifício de teatro 5 estação 2 habitação rural 11 monumento 3 núcleos e áreas urbanas 10 outros 8 habitação urbana 29 testemunho de parcelamento do solo 3 Tabela 2: Modalidade dos bens tombados Fonte: Resoluções de tombamento do Conpresp (1988-2007) Nesse universo de resoluções foram identificados 2.061 bens tombados, mas destaca-se que esse número é maior, em virtude dos bairros tombados durante o período 2002 a 2005 (Jardins, Pacaembu, Perdizes, Bela Vista, Jardim da Saúde, Interlagos e Sumaré) e áreas envoltórias dos bens tombados. 7 Podem ser identificadas com precisão nove edificações reunidas na área central.

Ressalte-se ainda, em muitos casos, as dificuldades advindas da indicação de sua localização por meio das coordenadas: setor, quadra e lote. Tais bens encontram-se sistematizados na tabela 2, por meio de uma classificação que permite indicar a predominância de edificações religiosas (17), industriais (12), escolares (13) e habitações urbanas (29). Localizam-se, sobretudo, na área central (1173), que corresponde à área de abrangência da subprefeitura da Sé e baixa incidência na zona norte (5). Cabe destacar a imprecisão dos dados reunidos na tabela 3 visto que os processos de tombamento dos bairros não contabilizem o número de bens sobre os quais incide a resolução. Número de bens Região tombados centro 1173 leste 271 norte 5 oeste 68 sul 46 Tabela 3: Distribuição dos bens tombados por região Fonte: Resoluções de tombamento do Conpresp (1988-2007) As resoluções são iniciadas por considerações que determinaram o tombamento do bem. Os valores mais recorrentes encontram-se sistematizados na tabela 4. A soberania do aspecto arquitetônico (45) é indiscutível; segue-se a importância histórica (36) e ambiental (29). Valor incidência afetivo/social 15 ambiental 29 arquitetônico 45 artístico 5 cultural 7 histórico 36 paisagístico 14 turístico 3 urbanístico 15 Tabela 4: Valores definidores do tombamento Fonte: Resoluções de tombamento do Conpresp (1988-2007) O valor afetivo da população encontra-se enfatizada nas considerações presentes em apenas quatro resoluções de tombamento: o conjunto urbanístico da rua Dr. Gabriel dos Santos, o Eixo histórico de Santo Amaro, a edificação da rua Cincinato Braga, 434 e a do Bairro da Bela Vista. O potencial turístico também se encontra presente como elemento justificador do tombamento dos Bairros da Bela Vista (2002) e Interlagos (2004). Ao que se refere à Bela Vista, destaque-se ainda a

observação acerca da importância da manutenção do aspecto residencial para a permanência da identidade do bairro. A exploração comercial do patrimônio cultural mediante sua conversão em atrativo turístico tem sido apontada como a opção que mais assegura a sua reabilitação e conservação. 8 O patrimônio passa a ser tratado de forma mercantil, como mercadoria e bem de consumo, e é justamente o seu caráter identitário que passa a ser valorizado. A implantação da atividade turística envolve riscos que são próprios da atividade: as trocas sociais e culturais podem desencadear rupturas, em decorrência de processos de reelaboração de conteúdos simbólicos que passam a ser atribuídos aos bens pelos empreendedores. Ressalte -se o valor que tem sido atribuído ao solo permeável nos tombamentos dos bairros: Considerando o padrão de ocupação dos lotes, do qual decorre significativa densidade arbórea e alta porcentagem de solos permeáveis capazes de garantir climas urbanos mais amenos para a Cidade como um todo (Resolução 22/2002); Considerando a área verde e solo permeável e o traçado viário, qualidades derivadas das características urbanísticas do loteamento original da Sociedade Paulista de Terrenos e Construções Sumaré e suas áreas contíguas (Resolução 01/2005); Foram localizados 98 tombamentos ex-offcio a bens que já se encontravam protegidos pelo Condephaat. Cabe destacar, todavia, que nem todos os bens tombados pelo Condephaat já tiveram o reconhecimento da municipalidade. modalidade da proteção total ex officio 98 NP 1 26 NP2 15 NP3 5 NP 4 2 Tabela 4: Modalidade de proteção dos bens tombados Fonte: Resoluções de tombamento do Conpresp (1988-2007) O tombamento incide de forma diferenciada sobre o bem. Bens de excepcional interesse histórico, arquitetônico ou paisagístico, cuja preservação abrange sua arquitetura externa e áreas de circulação internas, são preservados de forma integral NP1. A cidade dispõem de 26 bens protegidos com essa modalidade. A preservação parcial (NP 2) recai sob bens de grande interesse histórico, arquitetônico ou paisagístico, determina-se a proteção de sua arquitetura externa e de alguns elementos internos. 8 Dentre os autores que comungam deste ideário destacam-se Margarita Barretto, Augustin Santana Talavera, Stela Murta dentre outros.

A área envoltória identificada por NP 3, refere-se aos bens de interesse histórico, arquitetônico ou paisagístico, aos quais se determina a preservação de sua arquitetura externa. Quando é classificada como NP 4, a área envoltória compreende apenas restrições acerca do controle de sua volumetria. O Conpresp prevê o tombamento de modalidade bens móveis, tendo reconhecido a importância já conferida pelo Condephaat às coleções da capela do Hospital das Clínicas, do Museu de Arte Contemporânea da USP, do Museu Paulista, do Museu de Arte de São Paulo, do Museu de Arte Sacra e as obras dos pintores Jose Ferraz de Almeida Júnior e Benedicto Calixto. Conclusão A noção de patrimônio tem se ampliado e hoje é entendida como parte da memória da sociedade, um amplo e diversificado conjunto de bens, no qual também se incluem os documentos históricos, em geral depositados em arquivos públicos e privados, e o meio-ambiente. É comum, porém, a palavra patrimônio ser utilizada em um sentido restrito, representando apenas o conjunto de bens tombados pelo poder público, ou ainda, mais restritamente, o de edificações que receberam a proteção jurídica do tombamento. Por meio do patrimônio as sociedades criam formas de representação do passado nas quais se justificam valores que fundamentam as relações sociais no presente; ele é um lugar de memória que permite compor imagens que sustentam identidades individuais e coletivas (NORA, 1993). É, por isso, um campo de disputas simbólicas no qual se refletem as possibilidades de cada segmento social apropriar-se do passado e manter ou conquistar acesso pleno aos direitos sociais, o que o torna também um lugar de esquecimento, de exclusão, em constante mudança (RODRIGUES, 2000). O DPH é o articulador de uma história da cidade, sua narrativa tem, nos últimos anos, se caracterizado pela valorização dos aspectos urbanísticos e paisagístic os, com ênfase à questão da permeabilidade do solo, resultando na preservação dos bairros jardins e áreas nobres da cidade. Todavia, é preciso estender essa preocupação para outras regiões, de forma que o patrimônio da cidade expresse a memória da coletividade, incorporando também os documentos, mobiliário e obras-de-arte da municipalidade. Referências BASTOS, Sênia. Patrimônio cultural e hospitalidade: subsídios ao planejamento turístico. In: DENCKER, Ada de Freitas Maneti (Org.). Planejamento e gestão em Turismo e Hospitalidade. São Paulo: Thomson, 2004. FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo. Trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1997.

GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Monumentalidade e cotidiano: os patrimônios culturais como gênero de discurso. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi (org.). Cidade: história e desafios. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2002. MAGALHÃES, Aline. Colecionando relíquias. Um estudo sobre a Inspetoria dos Monumentos Nacionais (1934-37). Rio de Janeiro, dissertação de mestrado (IFCH-UFRJ), 2004. NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC-SP,10, 1993. RODRIGUES, Marly. Imagens do passado. A instituição do patrimônio em São Paulo (1969-1987). São Paulo: Unesp, 2000.