OS DESEQUILÍBRIOS CONTRATUAIS EM FINANCIAMENTOS PELA PARTE II TABELA PRICE Finalmente, ainda no grupo da Disponibilidade de Renda e concluindo o exame dos principais fatores de Redução Relativa de Renda, dos devedores do Sistema Financeiro, resta-nos o exame de dois outros componentes que, a partir de meados da década passada constituíram, em ultima análise, a pá de cal para sepultar o equilíbrio financeiro da relação entre financiador e tomador de empréstimos para o Sistema Financeiro da Habitação, entre outros setores. Vejamos: e) Plano Real Os reflexos provocados pela edição da Medida Provisória nº 434/94, que instituiu o Plano Real, na Disponibilidade de Renda dos trabalhadores, de maneira geral, merecem um exame específico. Em março de 1994, conforme determinação legal, os salários foram convertidos em Unidade Real de Valor (URV) com base no valor médio, já convertido em URV a cada mês, recebido nos últimos 4 meses. De outro lado, as prestações do SFH permaneceram fixadas em Cruzeiro Real, moeda vigente na época, passando apenas a sofrer a mesma correção atribuída ao valor da URV. Em um período de elevados índices inflacionários, a conversão dos SALÁRIOS PELA MÉDIA (ainda que corrigidos na origem) frente à conversão da PRESTAÇÃO PELO VALOR ATUAL, trouxe, sem dúvida alguma, um plus no peso relativo das prestações, frente à evolução da renda do devedor. Apresentamos a seguir um caso prático, onde tanto o salário do devedor como suas prestações foram convertidas nos termos estabelecidos pela
MP 434/94, demonstrando que a relação percentual entre o valor da Prestação e o Salário sofreu alteração, aumentando o nível de comprometimento da renda do contratante, que passou de 25% (antes da conversão em URV) para cerca de 25,29%, na melhor das hipóteses para prestações com vencimento no dia 30 do mês - podendo comprometer até 33,56% da renda nos casos de prestações com vencimento no dia 05 de cada mês. CRITÉRIO DE CONVERSÃO DE SALÁRIOS E PRESTAÇÕES PARA URV CONDIÇÕES: A) SALÁRIO DE MARÇO EM URV PELA MÉDIA RECEBIDA ENTRE NOV/93 E FEV/94 B) A PRESTAÇÃO COMPROMETIA 25% DA RENDA ANTES DA CONVERSÃO C) CONSIDERAMOS QUE O TRABALHADOR RECEBIA SEU SALÁRIO TODO DIA 05 D)PRESTAÇÃO DE MARÇO/94 APLICADO O ÍNDICE DE VARIAÇÃO DA URV DE 40,8558% EXEMPLO 1 COM REAJUSTES INFERIORES À VARIAÇÃO DAS URV S DE NOV/93 A FEV/94 EVOLUÇÃO DA RENDA MÊS RENDA CORREÇÃO VALOR VARIAÇÃO VALOR SALARIAL URV URV (%) CONVERTIDO nov-93 745.498,59 251,92 2.959,27 dez-93 961.693,18 1,29 343,95 1,37 2.796,03 jan-94 1.375.221,25 1,43 502,23 1,46 2.738,23 fev-94 1.829.044,26 1,33 688,47 1,37 2.656,68 SOMA 11.150,20 MÉDIA (URV) 2.787,55 EVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES MÊS VALOR CORREÇÃO PORTANTO NO DIA 1º DE MARÇO/94 nov/93 186.374,65 O MUTUÁRIO TINHA UMA RENDA DE dez/93 240.423,30 1,29 2.787,55 URV S E UMA PRESTAÇÃO jan/94 343.805,32 1,43 DE CR$ 644.078,74 fev/94 457.261,07 1,33 mar/94 644.078,74 1,408558 COMO FICOU O COMPROMETIMENTO DA RENDA, APÓS A CONVERSÃO: MOEDA PRESTAÇÕES RENDA URV PREST/RENDA PRESTAÇÕES COM VCTO. DIA 05 CR$ 644.078,72 1.919.144,55 688,47 33,56% PRESTAÇÕES COM VCTO. DIA 10 CR$ 644.078,72 2.009.739,92 720,97 32,05% PRESTAÇÕES COM VCTO. DIA 20 CR$ 644.078,72 2.245.455,15 805,53 28,68% PRESTAÇÕES COM VCTO. DIA 30 CR$ 644.078,72 2.546.426,93 913,50 25,29%
f) Aumento de carga tributária Finalmente deve-se registrar um relativo aumento na Carga Tributária, particularmente naquela que incide sobre a renda (para classes de renda intermediária principalmente), pelo não repasse dos índices de inflação após 1994 à Tabela de alíquotas do Imposto de Renda da Pessoa Física, pela amplitude da incidência do CPMF entre outros, com efeitos diretos na RENDA LÍQUIDA das famílias. De maneira geral, para melhor entender a influência do aspecto RENDA sobre os desequilíbrios contratuais observados nos últimos anos, basta notar que os critérios de concessão de crédito sempre levaram em consideração apenas a RENDA BRUTA do contratante, sem uma adequada avaliação do perfil do devedor e, muito menos, os efeitos das distorções relativas que poderiam ser provocadas, no médio e longo prazos, tanto pelos índices de correção como pelo crescimento vegetativo nas despesas do tomador. Quando o financiador estabelece, por exemplo, o percentual de 30% de comprometimento da renda BRUTA, para determinação do valor máximo das prestações do financiamento, não verificava (até passado recente) a existência de outros compromissos financeiros que pesavam sobre o devedor (quantidade de pessoas que viviam às suas expensas, por exemplo) e que poderiam reduzir sua disponibilidade financeira líquida. Em determinadas famílias, se consideradas, por exemplo, as despesas básicas com Saúde, Educação e Transporte, a prestação de 30% da Renda Bruta pode representar algo como 70%, 80% ou mais da Renda Líquida do tomador, como já chegamos a observar em alguns casos.
Por último, no terceiro grande grupo das Causas dos Desequilíbrios Contratuais, podemos examinar alguns fatores de ordem técnica que, na aplicação pratica, dependem muito mais das atitudes dos operadores envolvidos nas transações, do que do contexto institucional, político, econômico ou social. 3. ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA APLICADOS AOS FINANCIAMENTOS Diferentemente dos aspectos sócio-econômicos analisados até aqui, esta sim é uma causa predominantemente técnica para alguns dos principais desajustes e desequilíbrios contratuais em financiamentos que utilizam a Tabela Price. Provocam desequilíbrios financeiros diretos, não em função de condições inerentes ao Sistema de Amortização representado pela Tabela Price, como se acredita em análises apressadas e superficiais, mas sim, e unicamente, pela forma de aplicação do sistema. É de conhecimento comum que a Tabela Price constitui um método de Amortização de empréstimos, onde existe uma homogeneização das parcelas (prestações constantes), suficientes para a liquidação do financiamento (devolução do capital acrescido dos juros) no prazo contratado. Observa-se, porém, com freqüência, que muitos financiamentos demonstram uma evolução do Saldo Devedor Crescente, fazendo elevar o valor dos Juros e, por conseqüência, promovendo a existência de um Saldo Devedor Residual ao fim do prazo de financiamento, normalmente em valores bastante significativos. Vamos examinar a seguir os motivos técnicos para tais ocorrências, como em geral se observa nesse tipo de operação:
a. Diferentes índices de correção monetária Contrariando a essência de sua própria concepção, a Tabela Price tem sido empregada em contratos de financiamento que estabelecem a utilização de índices de correção monetária DIFERENTES para a Prestação e para o Saldo Devedor. Convenhamos, em um sistema de Prestações Constantes, onde o valor financiado (capital) é distribuído para amortização em série (prestações), a utilização da diferentes critérios de atualização monetária desses dois elementos promove uma direta e irremediável distorção nas condições originariamente previstas. E acabam por produzir um entre os seguintes efeitos:. Antecipação de liquidação Caso os índices de correção monetária aplicados às prestações sejam superiores (em valor ou freqüência de aplicação) àqueles aplicados ao Saldo Devedor (capital), temos a aceleração da Amortização do Saldo Devedor e decréscimo no Valor (não na taxa!) de Juros a ser pago. Neste caso, ocorre o encerramento (liquidação) do financiamento ANTES do prazo pactuado. Embora de ocorrência bastante rara, este fenômeno revela também uma distorção nas condições financeiras contratadas, uma vez que o devedor é prejudicado pela ANTECIPAÇÃO no pagamento de seu débito original, muito embora isso seja feito com o pagamento de juros proporcionalmente reduzido, adequado ao novo prazo de amortização.
. Saldo Devedor Residual Caso os índices de correção monetária aplicados às prestações sejam inferiores (em valor ou freqüência de aplicação) àqueles aplicados ao Saldo Devedor (capital), temos a ocorrência de um sistemático crescimento no valor do Saldo Devedor e no Valor (não na taxa!) do Juro a ser pago, além da existência de Saldo Residual ao final do contrato. Isso pode ocorrer de quatro maneiras: 1. Não existe qualquer amortização mensal do saldo devedor, sendo que o valor da prestação é exatamente suficiente para o pagamento do valor dos juros do mês; 2. Existe a amortização mensal do saldo devedor, porém em Valor menor do que o Valor da correção monetária a ele adicionado; 3. Não existe qualquer Amortização mensal do saldo, sendo que a prestação se revela insuficiente para o pagamento dos Juros incidentes no período, e a instituição financeira faz o lançamento de amortização negativa (juros não pagos). 4. Não existe qualquer Amortização mensal do saldo, a prestação se revela insuficiente para o pagamento dos Juros incidentes no período, mas a instituição financeira não promove o lançamento de amortização negativa, fazendo o controle e evolução dos juros não pagos à parte, sem uso da Tabela Price original.
Importante ressaltar que, qualquer que sejam os efeitos provocados pela utilização de índices diferentes, trata-se de uma distorção técnica na utilização da Tabela Price, como originalmente concebida, trazendo, de alguma forma, uma distorção financeira em maior ou menor grau, às condições originalmente previstas. Sob o ponto de visto econômico, a liquidação ANTECIPADA da operação se faria em prejuízo do tomador do empréstimo, uma vez que este promove a amortização ANTES do prazo contratado, enquanto que a existência de Saldo Residual de faz em prejuízo do agente financeiro, uma vez que ele deixa de ter em disponibilidade os valores mensais previstos, para tê-los somente ao final do período. Outras considerações se fazem necessárias sob esse mesmo aspecto, como demonstramos na seqüência, na PARTE III. CONTINUA...