VINIFICAÇÃO EM CONDIÇÕES DE REDUÇÃO: A EXTRACÇÃO DE MOSTOS BRANCOS E ROSÉS

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Transcrição:

1 VINIFICAÇÃO EM CONDIÇÕES DE REDUÇÃO: A EXTRACÇÃO DE MOSTOS BRANCOS E ROSÉS Constantin ARDILOUZE, Vinidea, 315 Route de Seysses, 31100 Toulouse A vinificação em condições de redução é uma nova tendência que se tem vindo a afirmar em França e na Europa para a produção de vinhos brancos e rosés com uma frescura aromática que respeite as características varietais da casta. Este tipo de vinhos, procurado pelos consumidores actuais, é particularmente adaptável às castas ricas em aromas varietais sensíveis à oxidação, tais como Sauvignon, Colombard, Petit Manseng, Chenin, Gewürstraminer, ou também Grenhache, Cabernet Franc e Merlot para os rosés. Apesar da problemática ser bem conhecida, os meios actualmente utilizados, geralmente intervêm demasiado tarde, ou somente, durante um período de tempo insuficiente, face às reacções de oxidação cujas cinéticas são particularmente rápidas. A utilização de SO 2, com ou sem ácido ascórbico, não é mais do que uma solução parcial: as doses de emprego são limitadas o que representa um problema para certos mostos com elevados níveis de combinação a sua eficácia diminui com o aumento de ph, etc. É sabido que os antioxidantes naturais da uva são rapidamente consumidos nos mostos de esgotamento mesmo com uma boa sulfitação das uvas no tegão da máquina de vindimar e/ou no tegão de recepção (Delteil, 2001). Isto levanta a questão da protecção dos compostos das uvas contra a oxidação durante o esmagamento e/ou durante as diferentes etapas da prensagem, frequentemente o elo fraco da cadeia de protecção dos mostos no que se refere ao oxigénio. A vinificação em hiper-redução implica a utilização de novos sistemas capazes de assegurar uma protecção posterior contra a oxidação, sobretudo durante as fases de extracção do mosto, através da utilização apropriada de gases inertes como CO 2 e N 2, por exemplo. 1.1 Revisão dos fenómenos de oxidação O oxigénio é um elemento indispensável à vida, desde que a sua concentração se mantenha com níveis controlados. Efectivamente, é extremamente nocivo a altas concentrações, ao ponto de os organismos vivos terem de desenvolver uma série de sistemas de protecção contra as suas formas activas, responsáveis pelos danos oxidativos. Igualmente, o oxigénio pode induzir a transformação e a deterioração de bebidas e alimentos; portanto, não é difícil constatar que o contacto do vinho com o oxigénio durante a sua produção e estágio representa um critério crucial frente às suas características finais. A redução de oxigénio em água requer a transferência progressiva de quatro electrões, que dão lugar a três formas intermédias o radical aniónico superóxido [ºO2-], a água oxigenada [H 2 O 2 ] e o radical hidroxilo [ºOH] muito reactivos. A gestão do contacto com o oxigénio pode ser bastante flexível no caso do vinho tinto, protegido pela presença de concentrações elevadas de antioxidantes da classe dos polifenóis, que são capazes de neutralizar os efeitos negativos dos radicais livres do oxigénio (Rigo et al, 2000). A presença mal controlada de oxigénio pode, contrariamente, mostrar-se particularmente crítica na vinificação em brancos e rosés, visto as uvas terem baixos teores em antioxidantes. As consequências são o escurecimento dos mostos, devido à oxigenação enzimática dos compostos fenólicos das uvas (principalmente ácidos fenólicos e flavonas) que formam, para além de produtos de adição entre compostos fenólicos oxidados e não oxidados (Rigaud et al., 1990, 1991). Estes mostos oxidados, em ausência de sulfitos, dão lugar a vinhos pesados e com características aromáticas varietais, em particular com a casta Sauvignon (Dubourdieu et Lavigne, 1990). Estes mecanismos de

2 oxidação enzimática dos polifenóis só são parcialmente reversíveis com a sulfitação dos mostos. A escolha de modalidades de protecção contra o oxigénio é consequentemente um dos factores principais para definir o estilo de vinho a produzir (figura 1). Hiperoxidação Oxidação controlada Vinificação Convencional Redução Utilização de ar ou de oxigénio nos mostos em quantidades largamente excedentárias, dez vezes acima das consumidas no mosto, sulfitação retardada Utilização, nos mostos, de uma quantidade moderada de oxigénio, excedendo ligeiramente a quantidade de estequeometria, sulfitação retardada Limitação do contacto com o oxigénio e sulfitação mais ou menos precoce Limitação do contacto com o oxigénio e utilização precoce e combinada de SO 2 e de ácido ascórbico Hiper-redução Protecção extrema do oxigénio devido à utilização de gases inertes Figura 1 : A interacção com o oxigénio em vinificação em branco Ao longo dos anos, a técnica enológica permitiu a utilização de processos extremamente diferentes, desde sistemas de estabilização por oxidação, como a hiperoxigenação, até sistemas de vinificação por redução. A escolha da técnica de vinificação inicial condiciona a aptidão do produto obtido para suportar os tratamentos sucessivos (estágio em barrica, conservação em presença das borras, refermentação, etc) que terão de ser coerentes com as escolhas iniciais, em particular, para os vinhos produzidos em condições redutoras que em geral deverão permanecer protegidos do contacto com o oxigénio durante o estágio. 1.2 Limites da tecnologia actual As técnicas actualmente disponíveis, amplamente experimentadas, permitem produzir diferentes estilos de vinhos de qualidade. Naturalmente, não existe um esquema válido para todas as situações, já que cada uma das técnicas apresenta obstáculos específicos que serão resumidos neste capítulo. As técnicas oxidativas empobrecem o vinho já que eliminam do mosto, em fase precoce, os compostos mais oxidáveis da uva. Estas técnicas favorecem a estabilidade mediante diminuição dos compostos responsáveis pela instabilidade, em detrimento, porém, da qualidade varietal do vinho. Esta escolha justifica-se especialmente nos produtos com forte cariz tecnológico ou marcados pelos aromas secundários que aparecem durante o estágio, como nos vinhos efervescentes, licorosos ou com estágio em barrica.

3 A vinificação em branco tradicional, nas suas múltiplas variantes, permite produzir vinhos de boa qualidade, mas não permite a expressão completa de todas as castas. Além disso, a evolução das reacções oxidativas provocam inevitavelmente um consumo de anidrido sulfuroso, ou por oxidação deste, ou indirectamente por formação de compostos que o combinam. Em vinificação convencional, uma utilização importante de anidrido sulfuroso é, portanto, necessária para manter a presença de uma fracção tecnologicamente activa, embora seja preferível diminuir a sua utilização por razões sanitárias. A vinificação em redução unicamente com ácido ascórbico é desaconselhada, visto que este diminui o potencial redox no início, mas posteriormente actua no vinho como pró-oxidante (Scarpa et al., 1983; Rigo et al., 1985 ; Halliwell, 1996). Na prática, portanto, a vinificação em redução exige a presença, para além do ácido ascórbico, de anidrido sulfuroso que é capaz de neutralizar a formação de formas reactivas de oxigénio. No entanto polifenóis presentes no vinho podem competir com o anidrido sulfuroso, visto poderem também reagir com o anião superóxido gerando à sua volta a formação de uma espécie radicalar, as semiquinonas, que podem dar lugar, em presença de oxigénio, a reacções de oligomerização com um efeito antioxidante total (Bors, 2000), ou reagir através de uma série de reacções radicalares em cadeia (Singleton, 1987) com produção de água oxigenada e efeito próoxidante. Desta forma, a água oxigenada, em geral, reage tanto com os polifenóis como com outros compostos do vinho, formando por exemplo, acetaldeído por oxidação de etanol. Estas reacções de auto-oxidação dependentes dos polifenóis, que podem ser prejudiciais durante a conservação do vinho, dão-se muito mais rapidamente quando o ph do vinho é elevado. Por conseguinte, o controlo da concentração em compostos polifenólicos de vinhos brancos é uma prática corrente, especialmente a ph elevado. A sua presença excessiva é um factor potencialmente destabilizante que pode provocar os fenómenos de escurecimento e de madeirização durante a conservação. Para este fenómeno ainda não foi encontrada uma solução eficaz. Com efeito, se a vinificação em redução permite garantir uma boa protecção contra as oxidações enzimáticas em fase pré-fermentativa, observa-se, por outro lado, que a presença concomitante de ácido ascórbico e anidrido sulfuroso não garante, ao longo do tempo uma protecção total contra a oxidação. Ao contrário, a presença de ácido ascórbico pode provocar durante o envelhecimento do vinho a passagem de uma fase inicial protectora a uma segunda fase oxidante (Peng et al. 1998). O uso de ácido ascórbico é, portanto, desaconselhável para os vinhos destinados a estágios médios ou longos. 1.3 O recurso aos gases inertes : os primeiros passos Uma outra limitação da vinificação em redução é que devido ao consumo rápido dos antioxidantes da uva no mosto de gota levanta a questão da protecção dos compostos da uva contra a oxidação durante o esmagamento e as diferentes etapas da prensagem. A vinificação em hiper-redução implica o emprego de novos sistemas, de forma a assegurar uma protecção posterior contra a oxidação, sobretudo durante as fases de extracção do mosto, através do uso de gases inertes tais como CO 2, N 2, entre outros. Isto permite obter prensagens fraccionadas de qualidade superior e assegurar uma extracção eficaz de compostos organolépticos interessantes, principalmente os que estão localizados na película. O desenvolvimento desta técnica e a avaliação da sua aplicação e da sua utilidade em enologia foram pouco explorados até hoje. Nos anos 60, conceberam-se prensas experimentais para obter, a partir das uvas inteiras e baixa atmosfera de gás carbónico, mostos não oxidados (Martinière et Sapis, 1967). Mas o esquema tecnológico de elaboração de vinhos brancos não foi optimizado nessa altura, as experiências de prensagem em presença de gás inerte não prosseguiram. Ao longo dos

4 anos 90, o desenvolvimento de procedimentos de inertização das uvas através de gases inertes (principalmente CO 2 sob a forma de gelo seco) associados à técnica de maceração pré-fermentativa permitiram obter mostos de gota não oxidados e caracterizados por uma cor verde. A expressão aromática varietal dos vinhos elaborados a partir destes mostos protegidos da oxidação enzimática e sulfitados apresentam uma maior elegância e, sobretudo, maior estabilidade ao longo do tempo. Durante a prensagem directa, se os primeiros mostos podem estar protegidos da oxigenação enzimática devido à inertização prévia da vindima com a neve carbónica, os mostos seguintes adquirem rapidamente tonalidades castanhas devido à entrada massiva de oxigénio durante a primeira rotação da prensa. Os estudos realizados sobre a natureza do aroma dos vinhos de Sauvignon blanc e outras castas brancas (Petit et Gros Manseng, Chenin, Gewürztraminer, Arvine, Colombard) contribuíram para a interpretação das perdas de tipicidade aromática observada nos vinhos elaborados com mostos castanhos que resultam de vindimas oxidadas. O aroma típico dos vinhos provenientes destas castas deve-se à presença de tióis voláteis, muito aromáticos, presentes em quantidades vestigiais. Na uva, os tióis estão presentes sob a forma de precursores conjugados com a cisteína e a enzimologia da levedura S. cerevisiae que conduz no decorrer da fermentação alcoólica a uma liberação de tióis (Ribéreau-Gayon et al., 2004). Está demonstrado que os tióis, e os seus compostos voláteis em particular, são muito reactivos com as quinonas dos mostos oxidados (Cheynier et al., 1986; Montero-Rodil, 2003), devido à oportunidade de precisar as consequências sobre a composição de mostos e de vinhos associados a uma limitação de fenómenos de oxidação enzimática de polifenóis das uvas graças à prensagem em atmosfera de gás inerte. 2. Prensagem sob gás inerte : avaliação de uma tecnologia inovadora A empresa VASLIN BUCHER desenvolveu os modelos de prensas pneumáticas com um sistema de inertização do mosto por um gás inerte. Este processo denominado INERTYS, patenteado, é o único que permite a transferência do gás de entrada ou de saída da prensa, sem abrandamento das operações. O gás inerte é armazenado num reservatório flexível de igual volume que a prensa, e pode ser restituído à prensa seja qual for o volume e o fluxo necessários. Este sistema apresenta, portanto, a vantagem suplementar, de permitir uma reciclagem do gás. No decorrer do estudo apresentado por Darriet et al., em 2004, realizado com a casta Sauvignon, procurou-se determinar a eficácia da protecção do mosto contra a oxidação durante a prensagem com um aparelho experimental. Foi realizada uma análise da composição química do mosto de uva e uma primeira estimativa da qualidade dos vinhos provenientes de uma mesma colheita prensada sob atmosfera de azoto e em ausência de inertização. 2.1 Principio da prensa pneumática INERTYS O reservatório da prensa está ligado a um depósito flexível de gás através do tegão de recepção de mostos. Os elementos reservatório e tegão e tegão e depósito flexível encontram-se ligados ou separados de acordo com as fases da prensagem. Durante o ciclo da prensagem, há transferências de gás (azoto) entre o reservatório da prensa e o depósito flexível. O volume da reserva flexível é equivalente à capacidade da prensa. Esta reserva, em membrana PVC flexível, está instalada perto da prensa. O sumo escoado ao longo da prensagem é bombeado automaticamente para um reservatório de recepção. A fase chave da prensagem é a eliminação de todo o oxigénio contido na prensa e nas diversas condutas. É a fase de inertização propriamente dita. O controlo desta fase garante um nível de oxigénio bastante baixo, visto que retarda a contaminação do gás armazenado na reserva (aumento do nível de O 2 estimado a 0,1% por ciclo de prensagem), e, desta forma, permite realizar prensagens sucessivas sem purgar a reserva.

5 uvas sob gás inerte durante a rotação Reserva de gás inerte FASE DE DESCOMPRESSÃO Durante a rotação, o gás inerte é aspirado para o reservatório Figura 2 : Esquema do sistema de prensagem sob gás inerte INERTYS 2.2Composição fenólica dos mostos e dos vinhos, teor em glutatião: resultados experimentais 2.2.1 Bordeaux 2004 O estudo (Darriet et al., 2004) foi levado a cabo no Domaine de Chevalier (Appellation Pessac-Léognan) em uvas de Sauvignon, ao longo da vindima de 2004. O teor em oxigénio dissolvido (detecção óptica), nos mostos, foi observado ao longo dos ciclos de prensagem sob azoto e ao ar livre. A medição foi realizada nos mostos sulfitados (5 g/hl - dióxido de enxofre) retirados à saída da prensa. As dosagens evidenciam um teor em oxigénio dissolvido sistematicamente inferior a 1 mg/l nos mostos prensados sob azoto, enquanto que os teores reencontrados nos mostos obtidos classicamente se situam na ordem dos 3 mg/l. Estas medições apresentam, aparentemente, um erro por defeito nos mostos obtidos com prensagem clássica, na medida em que a polifenoloxidase (PPO) da uva consome rapidamente o oxigénio nos mostos de prensa ainda não sulfitados. Contudo, nos 100 primeiros litros de mostos obtidos com a prensa sob azoto, foram determinados teores em oxigénio dissolvido na ordem dos 3 mg/l. Este resultado parece ser consequência da dificuldade em eliminar todo o oxigénio contido nas uvas inteiras. Tal dificuldade não se deverá gerar com a vindima desengaçada e inertizada por um gás inerte antes da sua transferência na prensa. A cor dos sumos das uvas sulfitadas obtidos ao longo da prensagem sob azoto ou ao ar livre confirma as doses de oxigénio dissolvido. O nível de oxidação enzimática dos mostos de uvas encontram-se fortemente limitados durante a prensagem sob azoto e os mostos

6 conservam um componente dominante de cor verde/amarelo, enquanto que os mostos prensados classicamente têm tonalidades castanhas. Os teores em glutatião (um péptido redutor da uva) foram determinados nos mostos de uva obtidos ou não sob atmosfera de azoto (Lavigne et al., 2003). Outras dosagens (ácidos fenóis, densidade óptica a 420 nm) foram realizadas por método espectrofotométrico (figura 3). A DO 420 dá uma indicação da cor amarela dos mostos e do nível de oxigenação dos seus compostos fenólicos. Nos mostos oxidados, os teores em glutatião são nulos visto que este composto reagiu com as quinonas, enquanto que nos mostos obtidos sob azoto, os teores em glutatião se situam em níveis de concentração que podem atingir 40 mg/l nos mostos prensados sob azoto depois de sulfitados. Paralelamente, os teores em ácidos fenóis são mais elevados nos mostos obtidos por prensagens sob azoto, visto que os compostos não são oxidados e a DO 420 nm confirma esta observação com valores mais elevados nos mostos oxidados. Figura 3 Teor em ácidos fenóis, glutatião, DO420 de acordo com as modalidades de prensagem Conclusão O conjunto destas determinações confirma o nível de oxidação limitado dos mostos de uvas durante a prensagem sob azoto. Os resultados, sugerem ainda, uma menor reactividade da fracção polifenólica da uva com o componente aromático tiol, revelado ao longo da fermentação alcoólica dos mostos. O futuro potencial aromático dos vinhos está, devido à concentração em tióis, desta forma protegido. 2.2.2 Trentino (Italia) 2002 O estudo seguinte (Vrhovsek et al., 2004) foi levado a cabo em Faedo (Trento) com a casta Müller Thurgau, ao longo da colheita de 2004. Focalizou-se na composição dos mostos em ácidos fenóis, excelentes indicadores de reacções de oxidação. Com efeito, de acordo com o trabalho precedente, sabe-se que: Os ácidos caftáricos e p-cutáricos são os melhores indicadores da protecção da oxidação enzimática controlados por PPO, dos quais são os substratos preferenciais.

7 O ácido p-cutárico, que está principalmente localizado nas películas, é o melhor indicador da extracção pelicular para evidenciar a protecção efectiva contra as possíveis oxidações das prensagens sucessivas. O sumo de gota é idêntico nos dois ensaios (figura 4), enquanto que os níveis globais de derivados de ácido caftárico são de 2 a 4 vezes mais elevados nas prensas protegidas em relação à testemunha. As taxas de derivados de ácido p-cumárico são de 2 a 5 vezes superiores. Dado que o sumo de gota representa a maior parte do mosto total, este último, assim como o vinho, tem teores mais elevados, respectivamente de 25 e de 60%, em relação à testemunha. 2 bar - II 2 bar - I 1,5 bar 1,0 bar 0,2 bar Sumo de gota Mosto/Lab (mg/l) Uva(mg/kg) Figura 4 : teores globais em derivados de ácido caféico (ácido trans.caftérico, CTA; ácido 2 S glutationil caftárico, GRP; ácido trans caféico, CA) e de ácido p-cumárico (cis- + tran-p-cutárico, p-cota) na uva, o mosto obtido em laboratório em protecção completa da oxidação ao longo das diversas fases da prensagem. Conclusão Estes resultados analíticos confirmam, portanto, que a prensagem por gás inerte permite, não somente proteger os compostos oxidáveis do mosto, mas também extrair mais. Os resultados de degustação mostram uma diferença significativa entre os vinhos elaborados com 15% de sumo da fracção final da prensagem obtido sob azoto (sumo pouco oxidado) em relação aos elaborados com 15% de mosto final da prensagem obtido classicamente (sumo mais oxidado). Perspectivas Uma vantagem importante desta técnica, que tem de ser verificada por ensaios complementares, mas verosímil de acordo com os dados disponíveis, é a redução de SO 2 necessário para assegurar a estabilização do vinho, dado que os compostos sensíveis não são consumidos por oxidação enzimática em fase pré-fermentativa. Além disso, o vinho produzido desta forma tem uma composição mais semelhante à da uva de onde provêm e é particularmente mais rico em compostos antioxidantes que, como se sabe, são benéficos para a saúde.

8 As exigências feitas pelos consumidores actuais incitam cada vez mais à adopção de uma abordagem industrial da vinificação, mesmo que em pequena escala. A extracção do mosto sob gás inerte permite, de maneira complementar à sulfitação, não interromper a cadeia redutora, por analogia com a cadeia do frio para os produtos agroalimentares frescos. A sulfitação é um precioso aliado, mas não permite um controlo total da vinificação em branco e rosé. Dedicar todos os meios para atingir os objectivos de produção requer dedicar uma atenção muito particular no momento de prensagem.