Síndrome do balonamento apical ou síndrome coronariana aguda? Revisão da literatura e relato de caso

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Transcrição:

RELATO DE CASO Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo 2014;59(3):152-157 Síndrome do balonamento apical ou síndrome coronariana aguda? Revisão da literatura e relato de caso Apical ballooning syndrome or acute coronary syndrome: Literature review and case report Martina Cardoso Cattaccini 1, Fernanda Pipitone Rodrigues 2, Abad Oliveira Junior 3, Heloísa de Mesquita Tauil 4, Sandra Regina Schwarzwälder Sprovieri 5 Resumo A síndrome de Takotsubo, também conhecida como cardiomiopatia induzida por estresse ou síndrome do balonamento apical, é descrita como hipocinesia ou acinesia ventricular dos segmentos médio e/ou apical com hipercinesia reflexa da base associado à disfunção ventricular. A síndrome é transitória e apresenta reversão da disfunção ventricular geralmente em 1 a 2 semanas. É um importante diagnóstico diferencial de síndromes coronarianas agudas, representado cerca de 2% dos casos. A exata fisiopatologia permanece indefinida, porém o estresse emocional é reconhecido frequentemente como o fator precipitante. Relatamos um caso de Síndrome de Takotsubo em paciente do sexo feminino, 57 anos, com apresentação clínica típica após importante estresse emocional. Associado, apresentou alteração dinâmica do eletrocardiograma, elevação de marcadores de necrose miocárdica, ausência de lesões obstrutivas em coronárias e balonamento médio-apical à ventriculografia, com evolução benigna. O tratamento se baseia em medidas de suporte hemodinâmico e conduta para insuficiência cardíaca aguda. 1. Médica Residente de Pediatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo 2. Médica graduada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo 3. Médico Residente de Medicina do Trabalho do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo 4. Médica Assistente do Serviço de Emergências em Clínica Médica do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo 5. Coordenadora Clínica do Serviço de Emergência do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Professora Adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Departamento de Clínica Médica Trabalho realizado: Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Hospital Central. Serviço de Emergência Endereço para correspondência: Sandra Regina Schwarzwälder Sprovieri. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Departamento de Clínica Médica. Rua Dr. Cesário Motta Jr., 112 Vila Buarque 01221-020 - São Paulo, SP - Brasil. Telefone: (11) 2176.7300 Descritores: Cardiomiopatia de Takotsubo, Estresse fisiológico, Estresse psicológico, Cardiomiopatias, Disfunção ventricular, Síndrome coronariana aguda Abstract We report a case of Takotsubo syndrome with a typical presentation. Also called apical ballooning syndrome, it reveals during acute phase a hyperkinesia of the apex and lateral part of ventricles while the base is hyperkinetic, along with diminished ejection fraction. Ventricular function is always recovered and usually within days or weeks. The syndrome should be included in the differential diagnosis of acute coronary syndrome. The exact pathophysiology remains incompletely defined, although stress is recognized frequently as a precipitating factor. We describe the case of a 57-year-old woman who developed apical ballooning after emotional stress, with diffuse T wave inversion and myocardial necrosis markers elevation. Despite the severity of the acute illness, stress-induced cardiomyopathy is a transient disorder managed with supportive therapy. Conservative treatment with resolution of the physical or emotional stress usually results in rapid resolution of symptoms. Keywords: Takotsubo cardiomyopathy; Stress, physiological; Stress, psychological; Cardiomyopathies; Ventricular dysfunction; Acute coronary syndrome Introdução Síndrome de Takotsubo, também conhecida como síndrome do balonamento apical ou do coração partido, foi originalmente descrita por japoneses em 1990 (1) e hoje é amplamente reconhecida como diagnóstico diferencial de síndromes coronarianas agudas (SCA) (2,3). Foi descrita como hipocinesia ou acinesia ventricular dos segmentos médio e/ou apical com hipercinesia reflexa da base. Exames de imagem invariavelmente mostram coronárias normais ou com lesões mínimas que não justifiquem um evento isquêmico. A disfunção ventricular normalmente se restabelece em até um mês (2,4-7). A síndrome é mais comum em mulheres em 152

pós-menopausa, entre 60 e 70 anos, e normalmente é precedida por estresse físico ou emocional. Em uma revisão de 10 estudos prospectivos, as mulheres representaram de 80 a 100% dos casos (8). Aventa-se a possibilidade de predisposição genética por relatos de casos recentes que envolvem mais de um caso na mesma família. A síndrome de Takotsubo compreende 1,7-2,2% dos casos que se iniciam como suspeita de SCA (4). Relato do caso Paciente do sexo feminino, 57 anos, branca, natural e procedente de São Paulo, com antecedente pessoal de hipertensão arterial sistêmica, deu entrada no Pronto Socorro do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo com quadro de dor precordial retroesternal em pontada, contínua, de forte intensidade, com irradiação para o dorso, sem fatores de melhora ou piora, iniciada minutos após estresse emocional importante, 12 horas da entrada. Negava náuseas, vômitos, sudorese e palidez cutânea. A paciente já havia procurado dois outros serviços. No primeiro, foi medicada com mononitrato de isossorbida, captopril e diazepam, recebendo alta com melhora parcial dos sintomas após 40 minutos. Devido à persistência do quadro álgico, a paciente procurou um segundo serviço onde apresentou alteração dinâmica do ECG (a princípio normal e com inversão de onda T em V 1 e V 2 após 4 horas) e elevação de marcadores de necrose miocárdica, recebendo diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM) sem supradesnivelamento do segmento ST. Foi medicada com AAS, clopidogrel e clexane. Paciente evadiu após o diagnóstico, procurando nosso serviço. Ao exame físico da entrada, a paciente encontrava- -se em bom estado geral, pressão arterial 110/70 mmhg em membro superior direito e 120/80 mmhg em membro superior esquerdo e frequência cardíaca de 105 bpm. Aparelho cardiovascular sem alterações e à ausculta pulmonar havia estertores finos em ambas as bases com frequência respiratória de 18 irpm. Restante do exame físico sem alterações. O ECG do nosso serviço evidenciou nova alteração dinâmica, com inversão profunda e simétrica de onda T de V 2 a V 6 (Figura 1). Como antecedentes pessoais a paciente referia um episódio prévio semelhante porém de menor intensidade e relacionado a exercício físico há 4 anos, com melhora espontânea ao repouso. Referia uso diário de medicação anti-hipertensiva há 10 anos em tratamento irregular. Negava qualquer outra comorbidade. Havia história familiar de doença arterial coronariana precoce. Devido ao diagnóstico de IAM sem supradesnivelamento do segmento ST, foi indicado cineangiocoronariografia que evidenciou artérias coronárias e todos seus ramos com bom desenvolvimento, sem lesões obstrutivas em nenhum segmento, além de ausência de circulação colateral (Figura 2). Na ventriculografia esquerda encontrou-se evidência de hipocinesia ântero-apical e ínfero-apical 4+/4+ e válvula mitral continente (Figura 3). O ecocardiograma apresentou fração de ejeção de 40% e ventrículo esquerdo com hipocinesia médio-apical, função sistólica diminuída em grau moderado e relaxamento lento, sem evidência de trombos ou vegetações (Figura 4). A paciente foi encaminhada à Unidade de Terapia Intensiva onde evoluiu estável hemodinamicamente e recebeu alta hospitalar após seis dias com retorno ambulatorial. Figura 1 - ECG 12 horas após início do quadro. 153

Figura 2 - Cinecoronariografia de coronária esquerda sem evidência de lesões obstrutivas em tronco, artéria descendente anterior e artéria circunflexa. Discussão A síndrome de Takotsubo é mais comum em mulheres na pós-menopausa e é geralmente precedida por estresse físico ou emocional. Por ser diagnóstico diferencial de SCA, torna-se imprescindível o rastreamento de obstrução coronária, tornando Takotsubo um diagnóstico de exclusão. Os exames de imagens devem mostrar vasos coronários sem obstrução que possa justificar evento isquêmico. O nome Takotsubo (Tako-tsubo) foi originado devido à semelhança da imagem de balonamento apical com uma armadilha de polvo usada pelos japonese (Figura 5). A paciente do caso relatado se enquadrou na descrição típica da síndrome, visto que era do sexo feminino, em pós-menopausa com fator importante de estresse emocional e seus exames de imagem revelaram coronárias sem qualquer obstrução e balonamento apical. A fisiopatologia exata da Síndrome de Takotsubo ainda não foi esclarecida. Os mecanismos mais aceitos são baseados na descarga adrenérgica por estresse físico e/ou emocional. Em uma revisão de literatura, o aumento dos níveis séricos de norepinefrina foi evidenciado em 74% dos pacientes (9). Outro estudo que comparou epinefrina e norepinefrina séricas de pacientes com síndrome de Takotsubo e IAM evidenciou níveis significativamente mais altos Figura 3 - Ventriculografia evidenciando ventrículo esquerdo em diástole (A) e em sístole (B) evidenciando balonamento apical. Figura 4 - Ecocardiograma evidenciando ventrículo esquerdo em diástole (A) e em sístole (B). 154

Figura 5 - semelhança da imagem de balonamento apical com armadilha de polvo japonesa (Tako-tsubo). no primeiro grupo (10). Entretanto, a elevação sérica de catecolaminas não é uniforme e alguns estudos revelaram inclusive níveis normais das mesmas (11). As catecolaminas afetam o miocárdio de dois principais modos: ou por miocardiotoxicidade direta ou indução de vasoespasmo e disfunção da microvasculatura. O atordoamento miocárdico decorrente da intoxicação por estimulantes adrenérgicos é corroborado pelos seguintes achados: (1) nos poucos relatos de caso em que se fez biópsia miocárdica, evidenciou-se na histologia sinais de intoxicação por catecolaminas, (2) em modelo animal com camundongos, adrenalina em altas doses mostrou ter efeito inotrópico negativo. Há algumas evidências de que ocorra também disfunção vascular induzida por catecolaminas: (1) relatos de vasoespasmo coronariano multifocal em angiografia coronariana, (2) disfunção transitória da perfusão miocárdica com reversão completa do quadro, (3) TIMI frame alterado em angiografias coronarianas (5). Em estudo prospectivo realizado com 92 pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) sem história de cardiopatia prévia ou atual, observaram-se em ecocardiogramas seriados realizados na admissão, no terceiro e no sétimo dias de internação, 33% (21/92) apresentaram balonamento apical com diminuição da fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Em 20 dos 21 pacientes o quadro se reverteu em aproximadamente sete dias. Sepse foi o único fator preditivo para o quadro. Aparentemente há uma incidência maior de balonamento em populações de UTI, porém tais resultados requerem estudos de maior amostragem para serem validados (12). A apresentação clínica da síndrome de Takotsubo é similar a do infarto agudo do miocárdio. Tipicamente cursa com dor torácica, alterações eletrocardiográficas e marcadores de necrose miocárdica elevados, porém com valores desproporcionalmente baixos em relação aos demais achados. Em quadros atípicos, o paciente queixa-se de dispnéia, síncope ou até mesmo, choque cardiogênico (2,3,7,13). O eletrocardiograma (ECG) pode mostrar em 34 a 56% dos casos supradesnivelamento do segmento ST de parede anterior (14,15). Pode haver também inversão difusa de onda T, onda Q patológica, segmento QT alongado e anormalidades do sistema de condução (6). No caso relatado a paciente apresentou quadro clínico típico, com dor retroesternal em pontada, contínua, de forte intensidade, com irradiação para o dorso. O ECG não mostrou supradesnivelamento do segmento ST como é mais frequente. Houve alteração dinâmica com inversão de onda T profunda. O diagnóstico diferencial entre Takotsubo e Infarto Agudo do Miocárdico não pode ser feito através do ECG isoladamente, apesar de alguns estudos recentes terem tentado estabelecer tal padrão (6). A cineangiocoronariografia mostra vasos normais ou com alterações que não justifiquem o quadro do paciente, o que foi evidenciado no caso relatado. A ventriculografia também mostrou achados típicos: hipocinesia ântero-apical e ínfero-apical 4+/+, sem obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo. A realização do ecocardiograma tem grande importância no diagnóstico da síndrome. Na fase aguda, mostra uma configuração ventricular com balonamento apical, por hipocinesia/ acinesia apical e/ou do segmento médio com hipercinesia da base. Associa-se também diminuição da fração de ejeção. Especula-se que o balonamento seja decorrente de uma maior densidade de receptores beta-adrenérgicos no ápice cárdico, mas até então não há trabalho em humanos que comprove essa teoria. Além de auxiliar no diagnóstico, o ecocardiograma tem papel no segmento do caso para verificar a reversão da disfunção miocárdica (7). Apesar do ecocardiograma ser um exame não-invasivo e que traz mínimo desconforto para o paciente, pode-se lançar mão de outros exames de imagem como cintilografia miocárdica, tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética (6). Normalmente há acometimento isolado do ventrículo esquerdo, porém há trabalho que mostram incidência de até um terço de envolvimento biventricular com consequente disfunção ventricular severa (5). No caso relatado, o ecocardiograma demonstrou disfunção 155

ventricular importante com fração de ejeção de 40% e alterações de contratilidade compatíveis com a ventriculografia. Nenhum dos achados clínicos da síndrome de Takotsubo é considerado específico isoladamente e não há consenso quanto aos critérios diagnósticos. De acordo com a Mayo Clinic, quatro critérios devem estar presentes (Tabela 1). Nossa paciente preencheu todos os critérios, considerando que não havia qualquer evidência clínica de feocromocitoma ou miocardite. A síndrome de Takotsubo pode evoluir com importante instabilidade hemodinâmica e complicações. Dentre as complicações agudas estão parada cardíaca, taquiarritmias (incluindo taquicardia e fibrilação ventricular), bradiarritmias, edema agudo de pulmão, insuficiência mitral, estenose subaórtica e choque cardiogênico (4). Assim, o caso deve ser conduzido com suporte avançado de vida, conduta para insuficiência cardíaca aguda e para possíveis intercorrências. Não houve qualquer intercorrência no caso relatado. A evolução geralmente é rápida e benigna se retirado o fator estressor que desencadeou o episódio. O quadro tem excelente prognóstico e a taxa de reincidência é menor do que 10% (2). Conclusão Tabela 1 Critérios diagnósticos da Síndrome de Takotsubo segundo a Mayo Clinic (1) Hipocinesia, acinesia ou discinesia transitória dos segmentos médio e apical do ventrículo esquerdo, tipicamente indo além do território de irrigação de uma única coronária. (2) Ausência de obstrução coronária ou evidência angiográfica de ruptura aguda de placa. (3) Alterações eletrocardiográficas ou elevação da troponina. (4) Ausência de feocromocitoma e miocardite. A Síndrome de Takotsubo, ou cardiomiopatia induzida por estresse, é um importante diagnóstico diferencial de síndrome coronariana aguda, sendo, a princípio, um diagnóstico de exclusão. Assim, o relato de fator estressante prévio ao início da precordialgia deve sempre ser valorizado pelo médico. O caso relatado representa um quadro típico da síndrome, tanto por suas características epidemiológicas, quanto pela apresentação clínica e resultado dos exames diagnósticos complementares. O diagnóstico da síndrome de Takotsubo no caso apresentado só foi possível após a realização de cineangiocoronariografia e ventriculografia, que evidenciaram ausência de lesões ateroscleróticas nas artérias coronárias e alteração morfológica típica, com balonamento apical do ventrículo esquerdo. A despeito da gravidade da doença aguda, a síndrome é transitória e o tratamento é essencialmente baseado em medidas de suporte hemodinâmico e conduta para insuficiência cardíaca aguda. A fisiopatologia da síndrome de Takotsubo ainda é pouco esclarecida e requer novos estudos para melhor elucidação. Referências Bibliográficas 1. Sato H, Taiteishi H, Uchida T. Takotsubo-type cardiomyopathy due to multivessel spasm. In: Kodama K, Haze K, Hon M, editors. 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