Direito de acesso do Capital Estrangeiro



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Transcrição:

Direito de acesso do Capital Estrangeiro (Após as Emendas Constitucionais de 1995) Direito do Desenvolvimento Industrial Vol. I

Prefácio O tema do livro Este livro, em seus dois volumes, trata dos aspectos jurídicos de um tema, que, hoje, é certamente impopular, talvez mesmo intelectualmente perigoso: o desenvolvimento industrial e as políticas estatais que lhe favoreçam. Não há, nas bibliotecas jurídicas brasileiras, obra que se dedique a tal matéria, examinando seus pressupostos de Direito interno e internacional, as práticas de outros países e a doutrina e jurisprudência pertinente. Assim é que se analisa, neste primeiro volume, a legislação e as práticas relativas ao investimento estrangeiro no setor industrial, assim como alguns dos pressupostos dos incentivos e controles a ele relativos, assim como a prática e legislação administrativa quanto à importação de tecnologia. No segundo volume, além de analisarmos os pressupostos de uma política de desenvolvimento industrial no contexto do capital estrangeiro, examinaremos o Direito Brasileiro, no âmbito constitucional e infra-constitucional, no tocante ao uso do poder de compra do Estado para promover o desenvolvimento industrial, e os condicionantes de Direito Internacional para uma política de incentivos à industrialização. Com a entrada em vigor do conjunto de acordos da nova Organização Mundial do Comércio (OMC) e um novo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, o GATT 1994, cuja extraordinária repercussão certamente definirá a existência (ou inexistência) do desenvolvimento industrial em cada país, tornou-se necessário um exame de seu texto e de suas conseqüências. Assim é que examinamos o novo estatuto, no âmbito da OMC, da produção industrial que afeta a segurança nacional; percorremos alguns - apenas alguns dos muitos - aspectos de sua vigência no tocante à Propriedade Intelectual, especialmente às patentes do setor químico; e analisamos o novo acordo de subsídios, no que toca ao desenvolvimento industrial. Os assuntos tratados foram objeto de estudos anteriores, no âmbito acadêmico e na prática da advocacia, os quais em considerável parte são aqui incorporados. O capítulo relativo à Licitação e Desenvolvimento Industrial resulta da nota técnica preparada em 1993 e 1994 para o Estudo sobre a Racionalização das Compras Estatais, promovido pela FI- NEP, com as adaptações e modificações exigidas pela forma literária jurídica. O capítulo relativo ao capital estrangeiro também reflete, com as modificações necessárias, nota técnica preparada para projeto acadêmico de grande monta, neste caso, o Estudo sobre a Competitividade da Indústria Nacional, promovido em 1992 e 1993 pela Universidade de Campinas por demanda da União e financiamento do Banco Mundial. Em nenhum

dos dois casos, o texto reflete necessariamente a posição técnica dos relatório final da pesquisa, e recebeu adaptações em face das modificações constitucionais recentes. O tratamento da questão dos contratos de importação de tecnologia e da situação das atividades industriais relativas à segurança nacional traduz, de outro lado, demandas da prática do advogado, em cuja clientela avulta o setor industrial brasileiro, particularmente do setor químico. A análise do impacto dos acordos da OMC no nosso Direito da Propriedade Intelectual igualmente expressa a atuação consultiva e forense do prático da advocacia, ainda que com contribuições relevantes de nota técnica preparada em 1991, em conjunto com Mauro Arruda, para a Universidade de Campinas, sobre a matéria e de pesquisa realizada, em 1987, para o Sistema Econômico Latino Americano e de parecer preparado para o Internal Revenue Service dos Estados Unidos em 1995. O texto sobre subsídios à indústria à luz da OMC aproveita, em boa parte, estudo preparado em 1994 para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Devo certamente meus agradecimentos a Mauro Arruda e Nelson Brasil, pelo trânsito contínuo em matéria jurídica tão inusitada; pela revisão atenta de minha colega, a Procuradora do Município do Rio de Janeiro Vanice Regina Lírio do Vale quanto a algumas propostas relativas à legislação sobre licitações; pela assistência contínua de meus companheiros de prática profissional, os advogados Ricardo Beildeck, Ricardo Fontes Perin, Dárcio Chaves Faria, Fabiani Li Rizzato de Almeida, Adriano Saldanha Gomes de Oliveira, Fabiana Andrada do Amaral Rudge, Tatiana Campello Lucena, Mariana Loja Tápias, Graziela Ferreira Soares e Jaques Wurman. Pressupostos do estudo Cabe apontar, de início, os pressupostos deste trabalho. O tema geral são os aspectos jurídicos da industrial. Neste aspecto há duas questões que não serão discutidas, não obstante sua importância teórica. A primeira refere-se à proporção em que o desenvolvimento industrial pressupõe um processo inovador determinado por estímulos externos, e particularmente pela apropriação de seus resultados 1. A segunda questão trata da importância relativa dos estímulos jurídicos comentados neste trabalho 2. Aparentemente, a aceleração do processo de desenvolvimento (em particular, o incentivo à inovação) não prescinde mais da ação dos entes públicos, mesmo em economias de mercado 3. Hoje em dia, sem esta ação coordenando esforços, investindo, estimulando o 1 Durante muito tempo, o sistema de estímulo à inovação predominante na URSS e em outros países do Leste Europeu foi o da distinção pessoal do inventor: um pequeno prêmio em dinheiro e a concessão de melhores condições de vida - um quarto a mais na residência. 2 Segundo Levin et alii (1987:794-795), o período de aprendizagem de uma nova tecnologia (ou melhor, da capacitado para seu uso), a própria vantagem da anterioridade do inventor, conhecida como lead time, além dos esforços de marketing e serviços, sôo elementos importantíssimos para a apropriação dos resultados da inovação - freqüentemente, muito mais relevantes do que os mecanismos jurídicos. A expansão verificada na indústria de semicondutores antes da criação de qualquer proteção para a respectiva tecnologia - até 1984 - é um caso particularmente relevante neste contexto. 3 "Cette évolution récente concerne tous les pays de l'ocde: l'universalité des responsabilités publiques dans le développement industriel est aujourd'hui un fait. Paradoxalement, ces interventions sont

desenvolvimento industrial e particularmente o tecnológico, a economia corre sérios riscos de declínio e de ser levada à situação de satélite de economias mais poderosas, a ponto do comprometimento da independência nacional não só no plano econômico e técnico, como no político 4. Adotados tais pressupostos, entende-se por política industrial o conjunto de estratégias e comportamentos pelos quais um ente público atua no mercado, com vistas a melhorar a própria competitividade total do sistema onde atua 5. Assim considerada, a política industrial não é uma forma de ignorar ou reprimir as forças de mercado, como possivelmente será visto pelo liberalismo ressurrecto, mas sim o conjunto de métodos destinados à fixação do ente estatal como ator no mercado, agente e paciente do espaço concorrencial. Os condicionantes jurídicos da política industrial, no contexto constitucional e de direito externo é o objeto deste livro 6. O dado novo nesta ação necessária do Estado, que diverge do modelo setecentista de Colbert, é a presença no cenário mundial das empresas multinacionais. Hoje em dia, o próprio conceito de mercado, essencial na doutrina antimonopólio, já não subsiste; com a emergência da empresa multinacional, as fronteiras nacionais deixam de ter a importância d'autant plus nombreuses que les économies sont plus ouvertes, ou du moins que les criteres de compétitivité se basent sur des compairaisons internationales" (Bellon, 1989:41). 4 Tal afirmação não é feita em relação à economia brasileira, nem sequer à dos países latinoamericanos. Neste ponto é essencial verificar a evolução da idéia de política industrial no seio da Comunidade Econômica Européia (CEE). Conforme Cartou (1989): "Le Marché Commun constitue donc une politique industrielle qui repose sur une conception libérale, sur la responsabilité principale des entreprises industrielles, elles mêmes". A concepção inicial do Tratado de Roma foi logo abandonada: "Mais vers la fin des anées 60, les insuffisances du Tratré signé en 1957 sont apparues. Le Marché Commun, tel qu'il avait eté conçu n'avait pas abouti à la constituition d'une industrie européene à la dimension du monde actuel, capable à la fois d'affronter la concurrence des tiers ou d'être en mesure de cooperer avec eux" (...) "Il s'agissait d'abord de faire face à l'evolution des conditions de la production, au renouvellemente rapide des produits, des techniques" (...) "L'absence d'une politique répondant aux problemes de la societé industrielle moderne aurait entrainé pour la Communauté de graves risques de déclin ou de "satellisation" industrielle par de économies plus puissantes, suscetibles de compromettre son indépendance, non seulemente économique, mais aussi politique, technique, etc." O mesmo entendimento parece ser adotado, no relatório da Comissão sobre Política Industrial convocada pela Portaria Interministerial 354/90 (Gazeta Mercantil, 13/09/90). 5 Longe de tentar estabelecer os fundamentos teóricos desta noção, pretende-se apenas lembrar que não só as empresas disputam entre si o mercado, como os entes de direito público internacional - Estados e instituições similares, como o Mercado Comum Europeu (MCE) - competem pelos recursos escassos, pela preponderância política e estratégica, etc., através de "seus" grupos econômicos, com Estados e grupos não submetidos a seu controle ou influência, ou mesmo em colaboração com estes outros Estados e grupos. A capacidade de competição do sistema sob comando ou influência de tais entes públicos - o conjunto de meios jurídicos, econômicos e diplomáticos de que dispõe para atuar - poderia ser chamada de "competitividade sistêmica", em comparação com a competitividade de empresa a empresa. Se fosse precisar o estatuto teórico de tal noção, este trabalho seguramente utilizaria o conceito de significante-zero de Lévi-Strauss (1950), no que ele inaugura como pensamento sobre a causalidade estrutural. 6 Não se entenda que a matéria é de caráter mais econômico que jurídico. Como demonstra José Carlos de Magalhães, O Controle pelo Estado de Atividades Internacionais das Empresas Privadas, in Direito e Comércio Internacional, Ed. Ltr, 1994, p 190, a questão tem importantíssimos aspectos de Direito Constitucional e Internacional Público, sem falar dos óbvios efeitos relativos ao Direito Econômico

econômica de antes 7. Os conceitos tradicionais de organização industrial e as estruturas de mercado têm que ser ampliados para incluir os mercados nacionais e internacionais. A análise puramente microeconômica do comportamento das multinacionais não é mais suficiente 8 : a ação de tais grupos freqüentemente se choca com a política nacional de um dos países receptores de investimento, num exercício de poder de cunho quase político. Tal poder, que pode ser mais vigoroso do que o de muitas soberanias, é resultado da organização e do controle que tais macroempresas mantêm sobre vastos recursos financeiros internacionais, sobre as operações de setores industriais fundamentais, sobre o oligopólio tecnológico e o de matérias-primas e, possivelmente, também da capacidade que possuem de evitar controles governamentais 9. Ao tamanho e poderio das empresas transnacionais deve ser agregado um segundo fator. Com o espraiamento da empresa, via pessoas jurídicas radicadas em numerosos países, parte substancial do fluxo econômico circula no interior da própria macroempresa, submetido ao seu planejamento interno. Perante a racionalização empresarial dos grandes grupos, em particular das multinacionais, que visam à maximização de lucros e ao crescimento máximo em escala mundial, muitas vezes a tentativa de afirmação do poder nacional surge como dado irracional. Dados os objetivos deste trabalho, não se pretende questionar até que ponto tal panorama justifica historicamente o papel do Estado como acumulador de massa de recursos e de poder, num capitalismo de Estado como foi o brasileiro por tanto tempo. No entanto, é indispensável frisar que a presença da macroempresa tem legitimado uma função francamente ativa do Estado, que passa a agir como uma holding poderosa, tutelando os interesses de subsidiárias mais débeis - as empresas nacionais privadas 10. Neste aspecto, o Estado brasileiro atuou, por bastante tempo, como regulador e fiscalizador do mercado, como ator principal nas relações econômicas, interlocutor ou mesmo 7 "Il n'y a plus de frontières. Aucune grande entreprise ne peut se contenter de son marché national; il lui faut non seulement exporter mais aussi s'implanter a l'étranger. Cette internationalisation s'acompagne necessairement d'un accroissement des actifs industriels et des réseaux commerciaux." (Jannic, 1989a). 8 "On peut estimer, grosso modo, que ces entreprises réalisent prés de la moitié de la valeur ajoutée industrielle de l'ocde. Au sein du groupe des 500, les 200 primières réalisent 75% du chiffre d'affaires total; elles en réalisent 50% en 1976. On voit ainsi que la concentration industrielle s'accentue, ce qui entraine deux conséquences: la première conséquence est que les décisions d'investissements des grandes groupes ont une réelle portée macro-économique. (...) La seconde conséquence est le risque de cartelisation (...)". (Crespy, 1989). 9 Depois de décadas como principais beneficiários da internacionalização da economia, os EUA começam, também, a temer o poder dos grandes grupos internacionais. A chamada emenda Exon-Florio permite que o presidente dos EUA possa suspender as operações de taking over, pelas quais uma empresa estrangeira ao assumir o controle de uma empresa americana possa ameaçar a segurança nacional (Defense Production Act of 1950, Sec. 71, 50 USC, App. 2158, et seq., as added by the Omnibus Trade and Competitiveness Act of 1988, 5021, Pub.L. 100-418, 102 Stat. 1107, 1425-26). Voltaremos a este ponto adiante. 10 Ver, precisamente quanto a este ponto, Barbosa (1982).

concorrente no mercado, inclusive mundial, muitas vezes em pé de igualdade com a empresa transnacional 11. Mas a eminência dos grupos transnacionais não foi abatida: os mastodontes pisam cada vez mais forte 12 ; os efeitos externos da atuação das grandes empresas, especialmente as multinacionais, é a principal razão de intervenção dos Estados modernos 13. Tampouco desapareceram as justificativas clássicas de intervenção, que igualmente estão levando os países desenvolvidos de economia de mercado a um processo intervencionista: os grandes objetivos nacionais, a necessidade de restruturação setorial, especialmente devido ao impacto de novas tecnologias, e a pressão das economias externas 14. Portanto, a mutação que se impõe à estrutura estatal brasileira não pode resultar em um processo de desintervenção na economia - sob pena de perda de modernidade - mas sim em nova forma 15 e, principalmente, novos propósitos de intervenção. Nessa perspectiva 16 caberia um papel crucial para a política tecnológica, entendida como parcela da política industrial voltada para a questão do progresso técnico como fator da competitividade sistêmica. A intervenção racional e eficiente do Estado na economia é, neste instante exato, exigência de modernidade. A eficácia da intervenção direta e franca do Estado no tocante à política tecnológica foi empírica e fartamente demonstrada, num dos exemplos mais claros de sucesso de economias nacionais. Estudos econômicos norte-americanos apontam que o uso que o Japão fez do seu sistema de propriedade intelectual como instrumento de política de desenvolvimento - via importação e licenciamento forçado de tecnologias, imitação, adaptação, uso e aperfeiçoamento pelas empresas nacionais, favorecendo mais a difusão tecnológica do que a criação - funcionou de forma brilhante, permitindo que o Japão chegasse a alcançar uma situação de quase paridade tecnológica com os EUA em poucas décadas 17. 11 Esta não é uma singularidade do Estado brasileiro, como demonstra Bellon (1989:43): "Le Pouvoir de marché des collectivités publiques existe au même titre que celui des entreprises, en particulier des multinationales. L'évolution de ce pouvoir de marché engendre des dynamiques nouvelles: parteneriat entre privé et public, stratégies technologiques (...)". 12 13 A imagem é de Jannic (1989b). "La principale justification de l'intervention des gouvernements dans les affaires industrielles est l'existence d'effets externes; les dépenses effectués pour une ou plusiers entreprises ont des rétombées sur l'environnement économique supérieures aux montants dépensés ou aux benefices obtenus par la firme beneficiaire". (Bellon, 1989:42). 14 "Ces trois dimensions prennent des formes plus precises selon s'agit de sauvegarde de l'emploi, de diffusion de la qualité et de diversité des produits, enfin de competitivité commerciale" (Bellon, 1989:42). 15 "Il s'agit donc de politiques productives à l'interieur d'economies de marché". (Bellon, 1989:42). 16 Com a qual os trabalhos mais recentes de especialistas em política industrial parecem concordar. 17 "This characterization of postwar Japanese practice underlies this chapter's simple thesis: Japan's system of intellectual property protection for technology has been discretionarily administered as one component of Japan's developmental industrial policy. Policy favored the import and forced licensing of foreign technology, its rapid imitation, adoption, use, and improvement by domestic companies, as a means of driving rapid economic growth without incurring the costs of autonomous, domestic technology development. The policy worked brilliantly, helping Japan to near technological parity with the US is a few short decades" (Borrus, 1990:262-263).

As próximas considerações quanto ao Direito do Desenvolvimento Industrial partem da concepção de que o Estado brasileiro, neste momento da evolução econômica nacional, não pode renunciar à sua tradição histórica de comandar a economia e deve fazer-se mais eficiente, particularmente no que toca à política de propriedade intelectual. O Estado deve abandonar, em seu processo de modernização, a prática centenária de intervenção no domínio econômico para o favorecimento exclusivo de um determinado estamento social 18. No entanto, deixar de lado tal intervenção, à qual a totalidade dos países desenvolvidos recorre com intensidade, parece resultar, necessariamente, na renúncia à modernidade. Ou, talvez, no favorecimento continuado do mesmo estamento, disposto a se transformar de titular de um cartório majestoso em rentista minoritário de um empreendimento multinacional. 18 "A atividade industrial, quando emerge, decorre de estímulos, favores, privilégios, sem que a empresa individual, baseada racionalmente no cálculo, incólume às intervenções governamentais, ganhe incremento autônomo. Comanda-a um impulso comercial e uma finalidade especulativa alheadores das liberdades econômicas, sobre as quais se assenta a revolução industrial" (Faoro, 1973:22).

DIREITO DE ACESSO DO CAPITAL ESTRANGEI- RO E O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL

Um Engenho chamado Erasmo As multinacionais e a ira de Deus. Eles estão em toda parte. No diário de viagem de Albrecht Dürer, o pintor, em 1520: Fui à casa dos Fugger em Antuérpia. Recém construída, ricamente concebida, com uma torre notável, vasta e alta, em meio a um belo jardim... O gerente da casa Fugger, Bernhard Stecher, nos ofereceu um jantar magnífico. Numa carta do Imperador Maximiliano I a Paul von Lichenstein, em setembro de 1511: Mas, desde que tal matéria não pode ser resolvida sem uma notável quantia de dinheiro, (...) resolvemos (...) agir exclusivamente através do Banco Fugger em Roma. Como não temos tal valor, não está em nosso poder satisfazer os Fugger senão depositando em garantia as jóias da Coroa. O projeto a ser financiado era dos mais ambiciosos: comprar os votos dos cardeais, eleger Maximiliano papa e obter para ele a canonização. Como o imperador dizia a sua filha, numa carta da mesma data, após sua morte o povo teria que adorá-lo como santo, o que lhe parecia extremamente glorioso. Na Descrittione di tutti i paese bassi, de Ludovico Guicciardini, publicado em 1567: Os mais ricos e famosos de todos os mercadores são os Fuggers, alemães de Augsburg; o chefe da família, Anton, morreu recentemente em seu país, deixando a seus herdeiros mais de seis milhões de coroas de ouro Para comprar o papado e a santidade, Maximiliano I tomara um financiamento de apenas trezentos mil ducados... Começando no ramo têxtil em 1367, os Fugger passaram para a ourivesaria, abrindo filiais em Roma e em Veneza. Em 1485, na filial de Insbruck, começou a carreira de Jakob Fugger, o mais famoso dos empresários da família, que investiu em mineração na Silésia e na Tcheco-Eslováquia, antes de lançar as ações da companhia em bolsa - em 1494. Mesmo sem conseguir fazer Maximiliano papa, financiou a eleição de Carlos V como Imperador e, como agora Ford, Calouste Gulbenkian e Guggenheim, estabeleceu fundações beneficentes (a Fuggerei, existente até hoje).

Anton, sucessor de Jakob, apostou também nos financiamentos ao setor público, à custa dos investimentos em mineração; mas entrou no comércio com o Chile e o Peru e estabeleceu joint ventures também em minas na Suécia e na Noruega. A obtenção de mão de obra da África para a América, a importação de gado e de especiarias levaram a companhia a seu maior sucesso, até 1560. Contra os Fugger, levantaram-se os agravos óbvios. Jakob foi acusado de abuso de posição monopolista. No programa revolucionário da revolta camponesa de Brixem, de 1525, preparado pelo seu líder Michael Geismayr, além de estatização das indústrias, lia-se: Todas as fundições e minas de estanho, prata, cobre e outros metais encontrados no país, as quais pertençam aos nobres ou a companhias de mercadores estrangeiros, tais como os Fugger, os Hochstätter, os Baumgartner, serão todas confiscadas e entregues ao patrimônio público. Como se vê da enumeração, os Fugger não eram caso singular. Numa Carta a um Veneziano, escrita por Benedetto Dei em 1472, vê-se a proliferação das multinacionais 19 florentinas: Na corte romana, no Reino de Nápoles, dos Marcos e da Sicília, em Constantinopla e em Pera, em Broussa e Adrianápolis, em Salônica e em Gallipoli, em Chios e em Rhodes, em todos estes lugares há bancos e escritórios florentinos. Pergunte a seus mercadores que visitam Marselha, Avignon, toda Provença, Bruges, Antuérpia, Londres; pergunte-lhes se viram os bancos dos Medici, dos Pazzi, dos Capponi, dos Buondelmonti, dos Corsini, dos Falconeri, dos Portinari, dos Ghini... O paraíso da multinacionais era Antuérpia. De novo Guicciardini: Todos os mercadores observam a lei e as posturas municipais, mas, acima de tudo, vivem, vestem-se e comportam-se livremente, de acordo com o que cada um prefere. Para falar a verdade, os estrangeiros vivem em mais liberdade aqui em Antuérpia, e nos Países Baixos, do que em qualquer outra parte do mundo. Mas é o mesmo autor, que preza tanto a liberdade econômica, que põe reparos às deficiências do poder regulamentar do Estado: Hoje em dia, eles chamam depósito (para esconder com uma linda palavra a sordidez da coisa) quando um dá uma quantia de dinheiro por um tempo determinado por um juro certo, seguindo o decreto do Imperador Carlos V, confirmado por seu filho Felipe, de doze por cento ao ano. Este juro foi permitido por Suas Majestade aos mercadores em tempos difíceis para resolver problemas maiores, mas o tempo e a experiência mostram que este valor exorbitante, continuamente ampliado e distorcido pela esperteza dos empresários, é uma coisa a- bominável, altamente daninha ao povo pobre e ao comércio em bens e mercadorias. Já Jean Bodin, analisando o problema da inflação francesa de 1568, culpa o excesso de moeda trazido pelas multinacionais e propõe a criação de um banco estatal de desenvolvimento, com crédito a juros tabelados: 19 O fenômeno destas casas mercantis e bancárias do período não destoa de pelo menos uma definição de multinacional, corrente na literatura: "an enterprise that controls and manages production establishments - plants - located in at least two countries" - R.Caves, Multinational Enterprise and Economic Analysis, 1982. No caso, o investimento multinacional se configurava em pelo menos duas formas: o estabelecimento extrativo e o bancário ou de câmbio, onde se tomava recursos também do mercado do país hospedeiro.

O Rei Francisco I começou a tomar dinheiro do Banco de Lyon a cinco por cento, e seu sucessor a 10, a 16, até mesmo a 20% em caso de emergências. Subitamente, os florentinos, os de Lucca, os genoveses, os suíços e os alemães, atraídos pela alta taxa de lucro, trouxeram vasta quantidade de ouro e prata à França; e muitos desses bancos se estabeleceram ali, em parte devido ao bom clima, em parte ao temperamento do povo, em parte à fertilidade do país. Acho, porém, que as artes mecânicas e o comércio seriam muito mais servidos se não fossem tolhidos por este tráfico internacional de dinheiro. A cidade seria muito mais rica se fizéssemos como em Gênova, onde a Casa de S.Jorge toma dinheiro do povo da cidade em geral, a cinco por cento, e empresta ao comércio a 6.6 ou 8.3%. Em Portugal, a liberdade dos mercadores estrangeiros não seria a mesma. As Ordenações do Reino de D.Manuel o Venturoso diziam, em seu Livro Quarto, Título II: E o que nos ditos Luguares comprarem, nom o possam vender, nem trocar, nem escaimbar, nem companhia com ninhuu da terra fazer, nem em seu nome poer, salvo o que possam carreguar, e levar para onde quiserem O estrangeiro podia comprar em Portugal para vender fora, ou trazer de fora para vender na terra. Comprar e vender localmente, não. Liberdade de comércio internacional, mas não do local; principalmente, proibição de joint ventures com os empresários do país. A regra, que em substância já se encontrava nas Ordenações de D. Afonso V (Liv. 4, Tít. 4), desaparece depois nas Filipinas, de 1603; mesmo ao fim do reinado de D. Manoel, parecia fazer pouca diferença para os interesses comerciais: Era a Lisboa policroma dos faustosos mercadores de toda a Europa, entre os quais predominavam os elegantes florentinos (...). A veniaga cosmopolita disputava os produtos dos descobrimentos (...). 20 Não havia de ser em horta tão fértil que os Fugger e seus companheiros se omitiriam. Segundo Faoro 21 : A rede se estende e se contrai, envolvendo a Europa, nos impérios dos Fugger, Welser, Hochtöter, Affaitati - cujas unhas acutilam Lisboa, a Itália, a Holanda, a Alemanha, perdendo-se na Índia. O mais próspero dos florentinos estabelecidos em Lisboa, Bartolomeo Marcioni, foi um dos sócios da viagem de Cabral - os bancos multinacionais da época, através das filiais lisboetas, financiavam a ampliação do mundo português. O fluxo não era unidirecional: na análise de Guicciardini, o início do tráfego português com as Índias é que fixara o papel de Antuérpia como centro do capitalismo internacional da época, atraindo em particular as casas alemãs - sempre os Fuggers, os Welsers, os Hochtöters. Mas logo a atmosfera multicolorida do tempo de D. Manoel foi se esbatendo, se diluindo, em favor de um predomínio em Portugal do comércio regulado ou diretamente empreendido pelo Estado. O fluxo de especiarias para a Europa começara, aliás, com um contrato de exclusividade entre a Coroa e a casa de Nicholas Rechtergem em Antuérpia; comércio estatal, assim. Tanto Dürer ( o Sr. Rodrigo Fernandes mandou-me uma caixa cheia de 20 Jaime Cortesão, A expedição de Pedro Alvares Cabral, Portugália, Lisboa, 1967, p. 18. 21 Faoro, Os Donos do Poder, Globo, 4a. Ed., 1973, g. 81

doces... ), como Guicciardini ( Francisco Pessoa tem procuração completa do Rei de Portugal, permitindo-lhe conseguir todo os bens e importâncias que a Coroa necessitar ), referem-se aos feitores do Rei de Portugal em Antuérpia como das maiores influências sociais e comerciais do mundo europeu. O Estado toma a economia portuguesa, toda. Mesmo o mercador estrangeiro se adapta, acocora-se sob as mamas da Coroa; deixa de lado os panos de cor, em favor do cinza ou do castanho burocrático: A árvore, submetida ao oxigênio viciado da estufa, não perece; produz sempre os mesmos frutos, cada vez mais pecos, sem polpa, amarelos. Enquanto o mundo corre o seu destino, a Península Ibérica, mesmo túrgida com as colônias americanas, esfria e congela 22. O ocaso dos Fugger, como a maior multinacional da Renascença, foi menos burocrático, seguramente mais dramático: colhidos pelo conflito entre a prática capitalista de cunho protestante e uma tendência mercantilista de fumos católicos - ou entre a casa austríaca dos Hapsburgs e os príncipes alemães - a empresa foi inteiramente extinta após a Guerra dos Trinta Anos. A ira de Deus contra a multinacional. Nem história, nem teologia Não é história nem teologia, esta, muito menos, em sua vertente corporativa, que se constitui nosso objeto e método de estudo. Foco de atenção é, estritamente, o direito de acesso do investimento direto no Brasil em unidades de produção econômica. Mais, a análise tem o cunho jurídico-institucional e não de teoria econômica: volta-se para as propostas explícitas e implícitas da estrutura normativa e institucional, em suas pertinências e racionalidades, sem alcançar, senão marginalmente, os efeitos empíricos de tais mecanismos na economia como um todo. A visão estará na estrutura legal e de Estado, que implica na regulação do fluxo de recursos heterogerados, enquanto introdutores no espaço econômico de uma novo elemento competitivo. Excluem-se assim do escopo do estudo o aparato normativo concernente às modalidades simplesmente passivas de investimento direto (portfolio, participação tipo portfolio em processo de privatização, privatização, conversão de dívida, investimento imobiliário, etc.) e, com muito mais razão, as normas e mecanismos institucionais relativos ao investimento financeiro - assim como também no setor financeiro, seguros e de mercados de capitais. Exclui-se igualmente do estudo o conjunto normativo e institucional regulatório da própria concorrência e seus abusos. O estudo levará em conta, em especial, o estatuto do capital estrangeiro, no tocante ao registro e outras modalidades de controle cambial; as restrições setoriais ao investimento; enquanto pressupostos ou conseqüentes ao investimento direto, a legislação de propriedade intelectual; os incentivos e, meramente de passagem, as zonas de livre câmbio. A não ser em contextos onde os problemas do investimento no setor extrativo sejam genéricos, similares aos do setor não-extrativo, não se concederá especial atenção a suas questões, pelo limitado efeito que têm as empresas do setor na competitividade dos demais 22 Faoro, op. cit. p. 85.

setores econômicos, já pelas vantagens de localização típicas que, mesmo nos estudos econômicos especializados, põe tal investimento em categoria a parte. A ótica do estudo será o impacto e a possível eficácia do sistema em vigor sobre a competitividade dos setores industriais brasileiros, com vistas à formulação de diretrizes para o tratamento regulatório da matéria. Tal não impede, porém, a rápida incursão diacrônica, se não exatamente histórica, para recolher coerências na análise da estrutura regulatória atual do Capital Estrangeiro. Daí, escavar os testemunhos do investimento estrangeiro no sistema econômico e político luso-brasileiro. O plano Cayru As empresas estatais: Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão 23. A da Vinhas do Alto Douro, que operava com o monopólio do vinho e derivados no Brasil 24. A do Comércio de Pernambuco e Paraíba 25. A da Pesca das Baleyas 26. Conselhos muitos: da Fazenda, da Índia, Ultramarino. A estrutura intrincada regulava, estimulava, constrangia o comércio. O contrabando, quase oficial, estabelecia o contraponto - economia informal, como se diria agora 27. Após os tratados de 1642, 1654 e o de Methuen, em 1703, o comércio inglês se incrusta no Reino. Mas só chega ao Brasil, em força, depois de 1808. No primeiro ato do Príncipe Regente, tão festejado pelos livros de História escolar, abolem-se as vedações absolutas de acesso ao mercado brasileiro, características do regime colonial, impondo-se uma tarifa geral de 24% às mercadorias estrangeiras. As medidas de incentivo à indústria nacional que se seguiram procuravam ajustar-se ao contexto de cessação do privilégio manufatureiro português e da parcial liberalização dos fluxos de comércio. Assim, o famoso Alvará de 28 de janeiro de 1809, que criou, a par do primeiro sistema de patentes de invenção - só para indústrias estabelecidas no País - preferências na compras do Estado, subvenção direta ao setor têxtil e isenção de tarifa para bens importados para produção industrial local. Como já tive oportunidade de mencionar: A era dos incentivos fiscais neste País começa com o Alvará Régio, que foi possivelmente o nosso primeiro Plano Econômico; aliás, igualzinho a todos os outros que se seguiram. Segundo as análises do mentor do Plano - o Visconde de Cayru - o Brasil operava numa situação de incentivos não fiscais: incentivos de mercado de caráter patrimonial. 23 Alvará de 7/6/1757. As Companhias do Comércio do Brasil, em 1649 e do Maranhão, de 1682 foram de caráter privado, com, no último caso, lançamento de ações em Lisboa. Mas, no período pombalino, a iniciativa estatal tomou a área. 24 Alvará de 10/9/1756. 25 Alvará de 13/8/1759. 26 Alvará de 18/02/1765. 27 Note-se que o primeiro exemplo de participação de capital estrangeiro - não reinol - no Brasil foi subreptício: a da empresa belga Schetz de Anvers no engenho Erasmo no litoral paulista - no século XVI.

Com a chegada da Corte, estávamos num momento em que se teria de fazer a reforma patrimonial do Estado. Os privilégios que então havia, monopólios de exploração de indústrias tradicionais, teriam de ser reformados, de forma a funcionalizá-los e fazê-los trabalhar por um objetivo determinado, que é o desenvolvimento econômico, em particular o desenvolvimento industrial. Assim é que esse nosso primeiro Plano Econômico teve três instrumentos principais: o primeiro foi a criação do drawback, ou seja, a eliminação dos impostos incidentes sobre a importação de determinados insumos, quando se tornassem necessários para viabilizar o aumento de exportações ou de abastecimento do mercado interno dos setores primordiais. Segundo o raciocínio do Visconde de Cairú, era absurdo que o Estado fizesse incidir um tributo para obtenção de recursos próprios, em detrimento do próprio desenvolvimento econômico e, particularmente, do desenvolvimento Industrial. O segundo ponto era o controle das compras estatais, basicamente do Exército, direcionado a compra de seu fardamento para as indústrias têxteis nacionais. Em terceiro lugar, criava-se um sistema de incentivos ao desenvolvimento da tecnologia fazendo com que se implantassem as patentes industriais de concessão prevista em lei, em substituição ao sistema de privilégios individualizados, anteriormente existentes, com vistas a trazer para o Brasil novas indústrias. Esta lei de patentes fez com que o Brasil se tornasse o 4o. País do mundo ter um sistema de incentivos tecnológicos 28. O estímulo à indústria nacional, que incluiu o estabelecimento de siderúrgicas estatais em Minas e S. Paulo, assim como de entidades de desenvolvimento regional (inclusive uma Companhia Vale do Rio Doce...) foi no entanto atalhado pela progressiva redução da tarifa, em especial após o Tratado com o Reino Unido, de 1810. Após tal data, a tarifa passou a 15% para os ingleses, enquanto que para os próprios portugueses estava fixada em um ponto a mais. Sem proteção aduaneira, não havia hipótese de implantação de indústria nacional 29. Como se poderia antecipar, o efeito da Abertura dos Portos e - principalmente - da legislação complementar de 1810 foi não só quanto ao fluxo internacional de comércio, mas também quanto ao investimento direto: Tendo-se feito em público em Inglaterra o liberal sistema político (...) logo aqueles ativos e industriosos insulares não perderam um só momento de se aproveitarem de tão grande, e i- nesperado benefício: muitos dos mais respeitáveis negociantes ingleses fizeram entre si uma sociedade, para se interessarem nas remessas de mercadoria (...). Nesta feliz época da vinda de S. Alteza Real data o estabelecimento de muitas casas de negociantes, especialmente ingleses, nesta Corte, na Bahia, em Pernambuco, Maranhão, e Pará, como principais empórios do Brasil 30. Num contexto em que se tinham reduzido enormemente as tarifas alfandegárias, porém, o estabelecimento de estrangeiros não configurava investimento multinacional - investimento produtivo. A função dos negociantes era de importador de produtos estrangeiros, 28 Seminário sobre Incentivos à Industrialização, Confederação Nacional da Indústria, março de 1991. 29 Faoro, op. cit., p. 255 nota que o insucesso da experiência siderúrgica se deveu à dificuldade de transportes, na dispersão dos consumidores, na produção autárquica de ferro em pequenas forjas nas unidades de produção agrária, mas principalmente na eliminação da proteção alfandegária. 30 Padre Perereca, Memórias para servir o Reino do Brasil, Ed. Itatiaia - USP, 1981, Tomo I, p. 198. O autor, partícipe atento de todos os eventos da época, nota que a mudança favorável na tarifa alfandegária inglesa sucedeu imediatamente a visita inaugural do representante da Coroa Britânica a D.João VI.

de simples atacadistas 31. Capital de risco, semeado na terra na produção de bens e serviços, iria esperar ainda algum tempo. O cowboy e o xerife Como seria de se esperar, o primeiro exemplo de investimento não comercial foi no setor minerário - e inglês. A Sociedade de Agricultura, Comércio, Mineração e Navegação do Rio Doce foi constituída com base em captação no mercado do Londres 32 ; em 1830, constitui-se a St. John del Rey, em operação na extração de Ouro Velho até agora. Em 1844, o capital belga surge, em projetos de colonização no Sul e em Campos dos Goitacazes 33 Os americanos chegam em 1867, com uma fábrica têxtil na Província do Rio de Janeiro. Os franceses constituem o Banque Brésilienne-Française em 1872 34, os alemães no ano seguinte, no setor de seguros 35. Os suíços chegam em 1876 36. A era dos bancos A partir de 1860, com a nova Lei das Sociedades Anônimas daquele ano, começam os bancos estrangeiros a se estabelecer no Brasil, antes de qualquer outro país da América Latina 37. Após o London and Brazilian Bank Limited, fundado em Londres em 1862, veio o Brazilian and Portuguese Bank Limited, também fundado em Londres por brasileiros; este último logo teve sua denominação alterada para English Bank of Rio de Janeiro, e sua diretoria integralmente substituída por ingleses. O efeito da Lei de 1860, ao restringir a captação de investimentos nacionais através do mercado de capitais (por isto chamada a lei de entraves), favoreceu, em muito, a eficácia do capital estrangeiro, capacitado a obter no país depósitos do público para operações próprias, oferecendo a imagem de solidez e práticas de concorrência não conhecidas pelos bancos nacionais. Os quais perderam depósitos de uma maneira vexaminosa 38 A atuação destes bancos teve um efeito decisivo quanto ao direcionamento do investimento estrangeiro para o setor de serviços públicos. 31 Maria Graham, em 1822, segundo Gilberto Freyre, Os Ingleses no Brasil, José Olympio, 1945, p. 177: "em geral, os ingleses aqui vendem suas mercadorias em grosso ao retalhistas nativos ou franceses" 32 Decreto de 6/5/1824. 33 Compagnie Belge-Brésilienne de Colonization. 34 Decreto no. 3062 de 28/8/1872. 35 A Cia. Transatlântica de Seguros Marítimos e Terrestres, autorizada pelo Decreto 8283 de 19/5/1873, a qual faliu em 1877. 36 A Companhia de Seguros Lloyd Suisse de Zurich, pelo Dec. 6189 de 26/4/1876. 37 A observação é da historiadora Maria Barbara Levy, em seu livro póstumo A Indústria do Rio de Janeiro através de suas Sociedades Anônimas, Ed. UFRJ 1994. Este capítulo se baseia em muito na colaboração de Barbara Levy, de quem o autor, seu amigo e compadre, teve o privilégio de acesso a fontes documentais raras e importantes. 38 Barbara Levy, op.cit., p. 81. Cabe aqui também mencionar que o mesmo fato ocorreu, a partir de 1862, com o setor de seguros, que foi inteiramente desnacionalizado salvo por duas empresas, estas atuando nos ramos mais perigosos: seguro de vida e de escravos...

A era dos serviços públicos A partir dos anos 1850, começam os investimentos em serviços públicos - estradas de ferro, iluminação, gás, telefone, parâmetro que se manteria até os anos 30 do nosso século 39. A regulação do investimento estrangeiro nos setores não bancários se concentra no regime de concessões de serviço público. É no Código de Águas, nas leis sobre construção dos Portos, nas leis sobre estradas de ferro nas regras sobre os bondes 40, que se encontra o real estatuto do investimento estrangeiro para o setor industrial no período 41. Não era mera sofisticação teórica, assim, a tendência de os legisladores e juristas da época citarem extensamente as normas administrativas e as decisões da Suprema Corte Americana, mas uma atribuição de legitimidade em matéria política e diplomaticamente sensível. Restrições ao direito de acesso Restrições setoriais ao direito de acesso do investimento estrangeiro - possivelmente de menor repercussão prática - datam de muito mais cedo. Já em 1828 o investimento estrangeiro na mineração do ouro foi restrito a 2/3 do capital da empresa 42 ; o mesmo se aplicou às ferrovias 43 ; logo depois do crash de 10 de setembro de 1864, no qual 95 empresas comerciais e 6 bancos faliram num único dia no Rio de Janeiro, a participação do capital estrangeiro nos bancos foi limitada a 25% 44. A vedação absoluta ao capital estrangeiro também ocorre em grande número de setores. A começar pelo comércio - dispositivo de 1811 de rápido desuso. Mas também a exploração do diamante em 1828 45, os seguros de vida 46, a pesca 47, os jornais, rádio e TV 48, 39 Parecer 236 de 1962 da Comissão Mista do Congresso que apreciou a Lei do Capital Estrangeiro. 40 Por exemplo: o decreto 1746 de 13 de outubro de 1869, seguido do Decreto 2917 de 21 de junho de 1898, que regulou a execução dos serviços. 41 A primeira regra é da Resolução de 31 de outubro de 1831, do Regente Feijó, apenas três anos depois do inicio da operação das primeiras linhas comerciais na Inglaterra; Thomas Cochrane, filho do almirante inglês e sogro de José de Alencar, foi o primeiro investidor no setor, sem sucesso na construção da ferrovia Corte-S.Paulo. O Regulamento Geral veio com a Lei de 26 de junho de 1852, garantindo ao capital um retorno fixo de 5%. No caso da Companhia de E.Rice, constituída para a construção da estrada D.Pedro II, o retorno (em 1855) foi fixado em 7%. 42 Dec. de 23/10/1828. 43 Dec. 1983 de 3/10/1857. 44 Dec. 3567, de 20 de dezembro de 1865; segundo Richard Graham, "Os bancos ingleses não eram populares. A concorrência feita por eles aos banqueiros e comerciantes brasileiros auxiliou a propagar o pânico de 1864 (...), Grã-Bretanha e o início da modernização no Brasil, Brasiliense, 1973, p. 104. A tendência persistiu: pelo Dec. no. 14.728 de 16/3/1921 estabeleceu o máximo da participação estrangeira em 1/3 do capital. A Constituição de 1934 (Art.117) estabelecia a regra da nacionalização progressiva dos bancos de depósito, no que foi ampliada pela de 1937, Art. 145 - tanto tais bancos quanto as seguradoras teriam de ter 100% de acionistas nacionais, no prazo que a lei fixar. Pelo Dec. Lei 3.182 de 9/4/1941, em cinco anos os bancos de depósito teriam de cumprir a regra constitucional; mas o Dec.Lei 8.568 de 7/1/1946 eliminou a exigência. Como se verá, a Lei 4131 limitou, em certos casos, a participação estrangeira no capital dos bancos em 30%. 45 Alvará de 8/2/1811. Na verdade, o dispositivo dava exclusividade ao comércio luso-brasileiro.

navegação de cabotagem 49, a exploração de petróleo, gás e outros hidrocarbonetos fluidos, prospecção de minerais, a aquisição de terrenos situados nos 150 km. das faixas de fronteiras. A exigência de capital nacional foi estabelecida em 1940 para o setor minerário 50, regra reintroduzida a partir de 1988 quanto à prospecção e lavra de recursos minerais e o aproveitamento de potenciais hídricos 51. Em um número de casos, a exploração de atividade econômica depende de constituição de sociedade brasileira, ainda que sob controle estrangeiro, ou da residência do estrangeiro no País 52. Limites à participação da mão de obra estrangeira também são tradicionais no nosso direito. Já em 1828, impôs-se a exigência de 50% de mão de obra nacional em mineração de ouro 53 ; em 1850, na extração da borracha, a participação de trabalhadores estrangeiros foi restrita a 10% 54 ; o limite de 50% foi aplicado aos bancos em 1921 55 - para chegar aos 2/3 de nacionais por empresa e por estabelecimento com a CLT vigente. O controle cambial e monetário Também afetavam diretamente e especificamente o investimento externo as regras de câmbio. Numa economia em que o sistema monetário é de baixíssima, ou nula, porosidade às moedas de curso internacional, a regulação de investimento estrangeiro tende a ser regulamento de câmbio 56. 46 Dec. de 5/11/1828. 47 Dec. 3.637 de 22/6/1866. A Const. de 1937, Art. 145, e, na mesma linha, o Decreto Lei no. 2.036 de 4/3/1940 estenderam a vedação de capital estrangeiro a todo o setor de seguros. 48 Dec.Lei 794 de 18/10/1938. 49 Const. de 1946 (Art. 160), de 1967 (art. 174) ; a regra só foi alterada pela emenda no. 5 de 1995. 50 Const. de 1934 e 1937, Lei 2004/53. A refinação, a pesquisa e a lavra de petróleo, gás e outros hidrocarbonetos fluidos, a importação e exportação de tais produtos, o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados produzidos no País, assim como o transporte, por conduto, de petróleo, derivados e gás natural de qualquer origem são cobertos pelo monopólio da União, previsto no Art. 176 da Carta de 1988. A emenda no. 9 de 1995, porém, alterou, como se verá, o alcance do monopólio. 51 Dec.Lei 1895, de 29/1/1940. 52 Dec. Lei 1985 de 25/1/1940, Art. 6o. A partir da Const. de 1946, entendeu-se que sociedades com capital estrangeiro voltavam a ter acesso ao setor minerário; a questão foi tratada em parecer da Consultoria Geral da República, e, em 1961, resolvida no MS 11.869 GB pelo Supremo Tribunal Federal. Vide, quanto ao histórico das restrições ao setor minerário, Alberto Venâncio Filho, A Intervenção do Estado no Domínio Econômico, FGV, 1968, p. 130 e seg. 53 Const. Art. 176. 54 Por exemplo, nos investimentos minerários nas constituições de 1967 e 1969. 55 Decreto de 23/10/1828. O limite é de nacionais livres. 56 Vide Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, Notas sobre o sistema de controle de câmbio no Brasil, RDM no. 78, p. 24 e Câmbio Flutuante e Contas de não Residentes RDM no. 92, p. 93.

A partir de 1905, há intervenção oficial no regime cambial, que se intensifica - com vedação de remessas -, com o desenvolver da I Guerra 57. A autorização para a remessa de divisas toma nova forma em 1921 58, seguido logo depois da revolução de 1930 59 por um regime mais liberal; e o pêndulo foi mais uma vez entre o controle 60 e a liberação 61. A outra vertente necessária do controle do capital estrangeiro era o regime de moeda. Para a estabelecimento do curso forçado da moeda nacional, em 1933, a inspiração foi exatamente o controle do capital estrangeiro investido com garantia de retorno em moeda estrangeira 62. Mas é ainda como restrição cambial que se efetua o regramento do capital estrangeiro após a II Guerra. Com efeito, a primeira norma regular especificamente os pagamentos ao exterior dos frutos do capital estrangeiro aplicado no Brasil entra em vigor apenas em 1952 63. Segundo as regras então baixadas, os registros de investimento estrangeiro já feitos deveriam ser revistos, de forma a limitar o repatriamento do capital a 20% anual sobre o montante registrado, assim como restringir o pagamento de juros, lucros e dividendos a, no máximo, 8% sobre o registro. Tais disposições estiveram em vigor por apenas doze meses. A partir de 1953 64, o controle sobre as remessas passa de restrição quantitativa para seleção qualitativa: as remessas dos frutos do capital financeiro e do risco registrados na SUMOC seriam convertidas a câmbio oficial, e as demais a câmbio livre. De qualquer forma, o limite para a conversão favorecida era 8% para os juros e de 10% para os lucros e dividendos. O registro de capital estrangeiro de risco era restrito a investimentos de especial interesse para a economia nacional, no caso de planos, aprovados pela União, de desenvolvimento regional, e de instalação e desenvolvimento de serviços de utilidade pública em energia, comunicações e transporte. Com a implantação do câmbio livre, a partir de 1953 65, en- 57 Dec. 1455 de 30 de dezembro de 1905, Regulamento do Banco do Brasil. 58 Dec. 13110, de 19/7/1918. O IAB chegou a discutir a possibilidade jurídica da fiscalização 59 Dec. 14.728 de 16/3/1921 60 Dec. 20.451 de 28/09/1931. 61 Dec.Lei 97 de 23/12/1937. 62 Dec.Lei 1.201 de 8/04/39. 63 "A origem da iniciativa tomada pelo Governo Provisório de abolir o pagamento em ouro e as estipulações contractuaes fixando tarifas ou convencionando o pagamento em moeda ouro, foi a necessidade de revêr o contracto celebrado entre o Governo Federal e a Societé Anonyme du Gas", segundo Themistocles Brandão Cavalcanti, Instituições de Direito Administrativo, Freitas Bastos, 1936, p. 309. Apesar de aparentemente violenta, a iniciativa apenas refletia a tendência legislativa geral, inclusive a mais recente legislação americana da época. 64 Lei no. 1807 de 7 de janeiro de 1953. As taxas múltiplas de câmbio foram instituídas pela Res. SUMOC 70 de 9/10/1953, restando em vigor até a lei 3.244 de 14/08/1957. 65 Exceto para o câmbio de importação e exportação de bens, com seu frete e seguro; para as remessas de órgãos públicos; para o pagamento de empréstimos registrados na SUMOC e, como visto, no caso de certos investimentos de especial relevância.

tendia-se que teriam sido eliminadas as fraudes na remessa de lucros, tese reiterada seguidamente no Parecer do Congresso na Lei do Capital Estrangeiro de 1962. Elemento importante da equação do investimento estrangeiro era, na década de 50, o investimento em bens de capital, regulado pelo decreto 42.820/57, que Regulamenta a Execução do Disposto nas Leis números 1.807, de 7 de janeiro de 1953, 2.145, de 29 de dezembro de 1953, e 3.244, de 14 de agosto de 1957, relativamente às Operações de Câmbio e ao Intercâmbio Comercial com o Exterior e dá outras Providências. A repressão das atividades deste tipo, tidas como contrárias ao interesse nacional, ocupou em muito o legislador de 1962. Propriedade Industrial e Tecnologia Não havia, assim, por essa época, normas específicas seja na área cambial, seja na tributária, cobrindo o pagamento de royalties por patentes e marcas e tecnologia. O fisco, no entanto, já estava preocupado com os excessos incontrolados de dispêndios a título de regalias e de assistência técnica, como mostra um acórdão do Supremo Tribunal confirmando a legalidade da ação da Receita nesta época, ao glosar a remessa de royalties de subsidiária a matriz no exterior entre 1952 e 1965. 66 Assim é que, em 1958, surge a primeira norma específica sobre dedutibilidade de pagamentos de royalties e assistência técnica. Com a Lei 3.740/58, a dedutibilidade passou a ser limitada num valor máximo, calculado sobre a renda bruta de produção. Pela Portaria 436 do Ministério da Fazenda, tal limite foi distribuído pelos setores produtivos de tal forma que as indústrias de maior importância econômica tivessem valores permitidos mais altos. Lançando as sementes de uma das grandes controvérsias relativas ao capital estrangeiro de nossos dias, o Código da Propriedade Industrial de 1945 67 proibia a patenteabilidade dos produtos químicos em geral, dos farmacêuticos e alimentares. O regime aduaneiro Seguramente o mais importante fator de criação de vantagens de localização 68 nas décadas de 50 a 80 foi a política tarifária, invariavelmente elevada no tocante aos produtos industrializados, especialmente quando viável a produção nacional, em mercado protegido. Tanto o investimento direto, de risco, como o comércio de tecnologia derivaram e- 66 RE 75829 (GB), RTJ 72/124 67 O Dec. Lei 7903/45, o Código da Propriedade Industrial de 1945, assim dispunha nos pontos pertinentes: "Art. 8o. - Não são privilegiáveis... 2o. - as invenções que tiverem por objeto substância ou produtos alimentícios e medicamentos de qualquer gênero; (...) 3o. - as invenções que tiverem por objeto matérias ou substâncias obtidas por meio ou processos químico. 68 As vantagens de localização seriam, segundo The Determinants of Foreign Direct Investment, United Nations, 1992, p. 3, os fatores que levam uma empresa, que detém condições de competição num outro mercado no exterior, a produzir neste mercado em vez de para ele exportar produtos ou serviços; a produção pode ser direta, quando a empresa se instala no outro país, ou indireta, quando a exploração se dá a- través de licenciamento de patentes ou marcas, etc.

norme incentivo da barreira alfandegária, tarifária ou não tarifária, administrada pela CACEX 69 - através do licenciamento de importação. 69 No sistema em vigor neste longo período, dentre os entes estatais, a CACEX funcionava como o principal indutor de investimento, enquanto que a SUMOC, depois Banco Central, zelava pelos controles de saída de rendimentos.