DIFERENÇAS NA MOTRICIDADE AMPLA E FINA DE LACTENTES DE RISCO PARA DESVIOS NO DESENVOLVIMENTO NEUROMOTOR Josy Paula Souza Vieira 1,4 ; Martina Estevam Brom Vieira 2,4 ; Cibelle Kayenne Martins Roberto Formiga 3,4 ; Maria Beatriz Martins Linhares 3,5 1 Voluntário Iniciação Científica PVIC/UEG 2 Bolsista PBIC/UEG 3 Pesquisadora-Orientadora 4 Curso de Fisioterapia, Unidade ESEFFEGO, UEG. 5 Docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/FMRP-USP RESUMO Os objetivos do presente estudo foram identificar os lactentes de maior risco para atraso no desenvolvimento motor amplo e fino, comparar o desempenho destes bebês quanto às habilidades motoras amplas e finas e verificar possíveis diferenças. Foram avaliados 112 bebês com média de idade cronológica de cinco meses e 11 dias (DP: dois meses e 25 dias) e três meses e 18 dias de idade ajustada (DP: dois meses e 26 dias). Estas crianças foram avaliadas em uma sala do ambulatório do Hospital Materno Infantil de Goiânia no período de outubro de 2004 a setembro de 2005. Como instrumento de avaliação foi utilizado o Teste de Triagem do Desenvolvimento de Denver II. De acordo com os resultados obtidos, tanto o desenvolvimento motor fino quanto o amplo podem ser prejudicados em bebês que nasceram em condições de risco. Verificou-se maior atraso no desempenho motor amplo e uma quantidade considerável da amostra apresentou prejuízos em ambos os desenvolvimentos motor fino e amplo. Estes resultados destacam a necessidade de avaliação fisioterapêutica no acompanhamento dessas crianças, a fim de detectar precoce e oportunamente os atrasos e encaminhar para o tratamento específico. Palavras-chave - Lactentes de risco, comparação, motricidade fina e ampla. Introdução Apesar de muitas vezes serem mencionados como sinônimos, o desenvolvimento e o crescimento são fenômenos distintos na vida de uma criança (GALLAHUE & OZMUN, 2003; MARCONDES, 1994). O crescimento refere-se ao aumento físico do corpo (hiperplasia e hipertrofia), enquanto que desenvolvimento significa ampliação da funcionalidade e 1
capacidade do indivíduo na realização de tarefas cada vez mais complexas. Assim, o desenvolvimento é um processo que abrange alterações, ajustamentos e compensações com a finalidade de ampliar as habilidades do indivíduo. De acordo com BEHRMAN (1997), o desenvolvimento depende da influência de fatores intrínsecos e extrínsecos. Sendo intrínsecos a herança genética e o processo de maturação em si; e os extrínsecos estão relacionados ao ambiente, tais como condições sócio-econômicas, geofísicas, dieta nutricional e estimulação biopsicosocial. O desenvolvimento é um processo contínuo e permanente que possibilita à criança ter domínio sobre seu corpo e sobre o ambiente em torno da mesma. Essa melhora constante das habilidades motoras representa aquisição de independência e adaptação social para a criança. O bebê nasce relativamente imaturo, assim, todos os seus sistemas biológicos esforçam-se para se adequar aos fatores ambientais, sendo que o sistema motor necessita de mais tempo para se adaptar (FLEHMIG, 1997), motivo pelo qual o acompanhamento da aquisição das capacidades motoras da criança deve ser enfatizado, pois o bebê de risco pode não ter esse desenvolvimento normal. BERTGNON & SEGRE (1995) definem risco como qualquer situação na qual há maiores chances de ocorrência de um resultado desfavorável, de um fenômeno indesejado ou de uma lesão. Por conseguinte, o grupo de risco é constituído por recém-nascidos que possuem a maior probabilidade de apresentarem prejuízos no seu desenvolvimento neuropsicomotor, ou seja, são aqueles que apresentaram condições adversas antes, durante ou após o nascimento e que devem permanecer sob observação estrita da equipe multidisciplinar do hospital. Essas condições adversas podem ser: as intercorrências clínicas do neonato, como os distúrbios respiratórios, as infecções, a hiperbilirrubinemia, dentre outras; ou decorrentes de uma gravidez de alto risco, como por exemplo: mãe que fazia uso de tabaco e etilismo durante a gestação ou hipertensão induzida pela gravidez; ou várias outras complicações que envolvem desde mal-formações congênitas até aspectos sociais e psicológicos. Conseqüentemente, estes bebês de risco podem desenvolver atrasos ou anormalidades na aquisição de suas habilidades motoras amplas e finas, na linguagem e no comportamento pessoal-social. A aquisição dessas habilidades é organizada em uma sucessão determinada desde o nascimento, obedecendo à maturação do indivíduo e ao progresso do controle neuromuscular, da destreza e dos traços de caráter. Este estudo foi voltado para a análise do desenvolvimento motor amplo e do fino dos bebês de risco. A motricidade ampla ou grosseira envolve a estabilidade (ativação muscular contra a gravidade para atingir uma postura ereta) e a locomoção. E a motricidade fina é a 2
habilidade manipulativa (alcançar, segurar e soltar), fornecendo ao bebê o primeiro contato com os objetos a sua volta (GALLAHUE & OZMUN, 2003). Os objetivos do presente estudo foram identificar os lactentes de maior risco para atraso no desenvolvimento motor amplo e fino, comparar o desempenho destes bebês quanto às habilidades motoras amplas e finas e verificar possíveis diferenças. Material e métodos Participantes - A amostra constituiu-se de 112 bebês, sendo 57 do sexo masculino e 55 do sexo feminino, com média de idade cronológica de cinco meses e 11 dias (DP: dois meses e 25 dias) e três meses e 18 dias de idade corrigida (DP: dois meses e 26 dias). Estas crianças freqüentaram o serviço do ambulatório do Hospital Materno Infantil de Goiânia no período de outubro de 2004 a setembro de 2005 e foram selecionadas para o projeto Follow up do desenvolvimento do bebê de risco, que é um trabalho voltado para o acompanhamento de bebês de risco desde o período de internação até um ano de idade cronológica. Instrumento - Para a avaliação desses bebês foi utilizado o Teste de Triagem do Desenvolvimento de Denver II (FRANKENBURG & DODDS, 1992) que é um instrumento de avaliação norte-americano utilizado como triagem, ou seja, acompanhamento longitudinal do desenvolvimento de crianças de zero a seis anos de idade. Este teste avalia acriança em quatro aspectos: linguagem, comportamento pessoal-social, motricidade ampla e motricidade fina-adaptativa, classificando-a como normal ou risco. Neste trabalho foi utilizada apenas a avaliação do desempenho motor amplo e fino. Materiais Os bebês foram avaliados sobre uma maca em uma sala do referido hospital e foram utilizados oito brinquedos de diferentes tamanhos, formas e cores para a observação das capacidades dos bebês durante o teste. Aspectos Éticos O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital, e os pais das crianças autorizaram a participação das mesmas por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Ao final de cada avaliação todas as mães receberam informações acerca do desempenho da criança no teste e orientações de como promover o desenvolvimento do seu bebê em casa. As crianças que se apresentaram muito atrasadas foram encaminhadas para a fisioterapia. Resultados e Discussão Os resultados apresentados na Tabela 1 indicam que as pontuações obtidas pelas crianças na motricidade ampla e fina apresentaram diferenças estatisticamente significativas 3
em todos os parâmetros analisados (itens considerados, itens pontuados pela criança, cálculo da relação entre itens pontuados e considerados e classificação final). Assim, os lactentes estudados apresentaram maior atraso no desempenho motor amplo em relação ao desempenho motor fino. Tabela 1 - Resultados da análise estatística da motricidade ampla e fina Valores Itens Considerados Itens Pontuados Cálculo da Relação Classificação Fina Ampla Fina Ampla Fina Ampla Fina Ampla n 112 112 112 112 112 112 112 112 média 5,73 7,54 4,88 5,54 0,79 0,68 1,15 1,40 variância 12,49 12,93 14,34 17,78 0,10 0,09 0,13 0,24 p valor * 0,0000 0,0001 0,0003 0,0000 * p valor < 0,05. A Tabela 2 apresenta os resultados da frequência do atraso entre as crianças estudadas. Observa-se que desenvolvimento motor amplo apresentou-se mais atrasado que a motricidade fina. Da amostra total, 40,18 % são classificados como risco para desvio no desenvolvimento motor amplo. Cabe ressaltar que houve uma porcentagem considerável de bebês que apresentaram risco em ambos os desempenhos motor grosso e fino, e, portanto, estes bebês necessitam de atenção redobrada. Tabela 2 - Resultados da análise do atraso na motricidade ampla e fina. Classificação Freqüência % Risco em ambos 13 11,61 Normal em ambos 63 56,25 Risco somente no fino 4 3,57 Risco somente no amplo 32 28,57 Estes achados são considerados de grande importância nos programas de acompanhamento do desenvolvimento dos bebês de risco, pois alerta tanto aos pais e profissionais da área da saúde de que os lactentes de risco podem estar apresentando uma boa evolução em suas habilidades motoras finas (como por exemplo, na relação da criança com os objetos) e apresentar um déficit nas habilidades motoras grosseiras (controle postural e atividades locomotoras). 4
Além disso, este atraso nas habilidades motoras grosseiras pode ser atribuído a três fatores principais: a) ao pobre desenvolvimento osteomuscular dos bebês pré-termo de baixo peso, pois levam um período maior para recuperarem o peso e a massa muscular nos primeiros meses de vida; b) ao tempo de internação hospitalar prolongado devido às complicações clínicas que estes bebês apresentam; e por último c) aos estímulos ambientais nos primeiros meses de vida, tendo em vista que os pais de bebês de risco apresentam receios de desafiarem o desenvolvimento dos filhos, em colocá-los na postura prona, sentada ou até mesmo na postura em pé. Pôde-se ainda verificar que os principais itens atrasados na motricidade ampla foram: elevar a cabeça, manter a cabeça a 90, sustentar a cabeça na posição sentada e elevar o peito. Quanto à motricidade fina, os principais atrasos foram: segurar um chocalho, juntar as mãos na linha média, movimento de pinça polegar-dedo e acompanhar estímulo com a cabeça até a linha média ou ultrapassá-la. A evolução das habilidades motoras do desenvolvimento do bebê requer a avaliação do processo evolutivo ou da maturação do comportamento motor com o passar do tempo. E, segundo LOPES (1999), é importante que o profissional esteja familiarizado com esse processo evolutivo normal do desenvolvimento neuropsicomotor dos bebês de risco, com a finalidade de detectar precoce e oportunamente os desvios e encaminhar para o tratamento específico, pois existem evidências suficientes de que quanto mais precoce for o diagnóstico de atraso no desenvolvimento e a intervenção, menor será o impacto desses problemas na vida futura da criança. Conclusão Tanto o desenvolvimento motor fino quanto o amplo podem ser prejudicados em bebês que nasceram em condições de risco, entretanto houve maior atraso no desempenho motor amplo que no do fino destes bebês e uma quantidade considerável apresentou prejuízos em ambos os desenvolvimentos motor grosso e fino. Destacando assim, a necessidade de avaliação fisioterapêutica no acompanhamento longitudinal dessas crianças e a importância de se reconhecer os aspectos do desenvolvimento que se encontram mais atrasados afim de direcionar a intervenção. 5
Referências Bibliográficas BERTAGNON, J.R.D.; SEGRE, C.A.M. Terminologia Técnica do Período Neonatal. In: SEGRE, C.A.M.; ARMELLIN, P.A.; MARINO; W.T. RN. 4.ed. São Paulo: Sarvier, 1995. p.3-8. 743 p. FLEHMIG, I. Desenvolvimento normal e seus desvios no lactente. Rio de Janeiro: Atheneu, 1997. 316 p. FRANKENBURG, W.K; DODDS, J.; ARCHER, P.; SHAPIRO, H. & BRESNICK, B. (1992). The Denver II: A Major Revision and Restandartization of the Denver Development Screening Test. Pediatrics, v.89, n1, pp.91-97. GALLAHUE, D.L. Compreendendo o Desenvolvimento Motor. 2.ed. São Paulo: Phorte Editora, 2003.641 p. LOPES, S.M.B. Organização de um Programa de Acompanhamento do Recém-nascido de Risco. In: LOPES, S.M.B.; LOPES, J.M.A. Follow up do Recém-nascido de Alto Risco. Belo Horizonte: MEDSI, 1999. p.5-16. 335 p. MARCONDES, E. Pediatria Básica. 8.ed. São Paulo: Sarvier, 1994. v.1. 919 p. NEEDLMAN, R.D. Crescimento e Desenvolvimento. In: BEHRMAN, R.E.; KLIEGMAN, R.M.; ARVIN, A.M. Tratado de Pediatria. 15.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. v.1. p. 35-83. 1196 p. 6