PELA EFETIVIDADE MATERIAL DO ART. 185 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL



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PELA EFETIVIDADE MATERIAL DO ART. 185 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL Rodrigo da Rocha Bezerra 1 RESUMO: O Código Tributário Nacional, em seu Art. 185, disciplina o instituto da fraude à execução aplicado à demanda voltada ao resgate do crédito da Fazenda Pública. A investigação proposta trava-se na análise do dispositivo legal, sob o enfoque prioritário da demarcação temporal fixada pela norma para a caracterização do evento fraudulento. Para tanto, se abordará as raízes e consectários legais que contornam a natureza jurídica do instrumental posto em desfavor dos atos que visam burlar o direito creditício fazendário. Ademais, os posicionamentos de doutrina e as decisões dos tribunais serão levantados como fontes cruciais à apreensão da temática. Palavras-chave: Direito creditício. Fazenda Pública. Fraude à execução fiscal. SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. DO INSTITUTO DA FRAUDE À EXECUÇÃO; 2.1.Características e Diferenciação com a Fraude contra Credores; 2.2. Pressupostos e Delimitação Conceitual; 2.3. Hipóteses Legais; 3. PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL: CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO À SUA COBRANÇA JUDICIAL (LEI 6830/80); 3.1. Fraude na Execução; 4. DO EMBATE DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL ACERCA DO MARCO TEMPORAL CARACTERIZADOR DA FRAUDE NO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL; 5. A INADEQUABILIDADE JURÍDICA AO SE ASSUMIR INTERPRETAÇÃO DIVERSA DA EXTRAÍDA DO ART. 185 DO CTN. O INTERESSE PÚBLICO REVESTIDOR DA NORMA; 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 1. INTRODUÇÃO Proveniente da experiência jurídica da Península Ibérica, o instituto da fraude à execução é contemporaneamente indissociável ao sistema legal brasileiro, o qual houve por bem oportunizá-lo para a defesa do direito de crédito, tanto de origem privada quanto pública, nos diplomas infraconstitucionais. Tamanho é o relevo que se atribuiu ao mecanismo, que o mesmo se encontra albergado nas seguintes compilações normativas: Código de Processo Civil, Código Tributário Nacional (CTN) e Código Penal. 1 Advogado, Especialista pela Fundação Escola do Ministério Público Fempar

2 Apesar da extensão que comporta a temática, o estudo tão-somente se verterá sobre o primeiro e o segundo diplomas legais, com absoluta ênfase no preceptivo que se destaca: Art. 185, do CTN, o qual fornece, de per si, o substrato necessário ao empreendimento dialético desta obra, em virtude dos embates travados no seio de doutrina e jurisprudência acerca de sua aplicabilidade social. 2. DO INSTITUTO DA FRAUDE À EXECUÇÃO. Não se contesta que as inspirações que deram ensejo à criação do instituto como é hoje se colhem do ordenamento romano. Aliás, aquele sistema normativo já contemplava outros mecanismos de defesa do direito creditório, que refletiam efeitos muito similares ao que se tem hoje, são exemplos: o interdictum fraudatorium, a restitutio in integrum e a actio pauliana. Todos voltados à anulação dos atos de disposição praticados pelo devedor em detrimento do direito subjetivo do credor Entretanto, é forçoso anotar que o nascedouro de fato da fraude à execução deu-se com as Ordenações (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) emanadas pelo Estado português, as quais influíram diretamente a formatação do ordenamento jurídico do Brasil Colônia (SALAMACHA, José Eli, 2005, p. 126-127). Inclusive, foi mediante o Regulamento 737, em meados de 1890, amparado pelos regimentos processualísticos das Ordenações Filipinas, que a ordem jurídica nacional assentou o Art. 494, o pioneiro dispositivo legal a assentar e disciplinar o instituto 2. Após isso, o instituto sofreu reiteradas modificações até alcançar a roupagem atual do Art. 593 do Código de Processo Civil (CPC) e Art. 185 do Código Tributário Nacional. 2 Art. 494. Considerar-se-ão alienados em fraude de execução os bens do executados: 1.º Quando são litigiosos, ou sobre eles penda demanda; 2º Quando a alienação é feita depois da penhora, ou proximamente a ela; 3º Quando o possuidor dos bens tinha razão para saber que pendia demanda, e outros bens não tinha o executado por onde pudesse pagar.

3 2.1. Características e Diferenciação com a Fraude contra Credores Antes de se traçar as linhas mestras que desmistificam a estrutura do instituto, é certamente indispensável que se traga à colação o preceptivo-base que lhe confere a silhueta de normatividade, isto é, o Art. 593, do CPC: Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III - nos demais casos expressos em lei. Por se tratar de norma inserta ao diploma processualista civil, pode-se afirmar que trata-se de regra adepta ao Direito Público. Neste linear, emerge a principal diferença que a distancia da fraude contra credores, a qual se tem por exclusiva do Direito Civil, portanto Direito Privado. Em razão de sua sujeição ao regime de Direito Público, o legislador infraconstitucional inseriu no espírito do instituto da fraude à execução efeitos jurídicos de maior repreensão contra o ato fraudulento que lhe confronta do que se pôs em prol da fraude contra credores. Como v. g. a instituição de multa pecuniária até 20% (por cento) sobre o valor da causa, a ser arbitrada pelo juiz, ao devedor que se portar de modo ardiloso no processo (Art. 601, do CPC), por considerar a fraude à execução não só um ato atentatório ao direito de crédito do indivíduo, mas um desiderato violador da atividade jurisdicional promovida pelo Estado. No que tange ao modo de invocação dos institutos e decretação de seus efeitos, na sistemática processual: a fraude contra credores demanda ação específica (autônoma) para fins de se declarar a ineficácia dos atos de disposição do devedor, a denominada ação pauliana (Art. 161, do Código Civil), ao passo que a fraude à execução é apreciada e declarada pelo magistrado no curso de demanda, qualquer que seja sua natureza, incidentalmente, via simples requerimento do credor. Na fraude contra credores é exigível que o crédito seja anterior ao ato dispositivo praticado pelo devedor e não seja ele objeto de demanda. Além disso, são requisitos cogentes à sua constituição: a) a intenção fraudulenta do devedor (animus

4 fraudi); b) o conluio com terceiro (consilium fraudis); e, c) a obtenção por aquele do estado de insolvência (eventus damni). De outro lado, ajuizada uma demanda tendente à declaração, constituição ou cobrança de crédito, seja sua finalidade de conhecimento, executória ou cautelar, desde que realizada em seu curso a dilapidação patrimonal, pelo devedor, que o leve à insolvência, o que se afigura é a fraude à execução, consoante a prescrição do Art. 593, do CPC. Isto se dá independentemente de se perquirir ou não a intenção do devedor em se fazer insolvente (animus fraudi), assim como a efetiva participação de terceiro (consilium fraudis), sendo presumidas na hipótese. Humberto Theodoro Junior (1988, p. 198), sobre os efeitos e finalidades das fraudes em comento, sintetiza: o legislador criou a fraude à execução como uma solução mais enérgica e eficaz do que a ação pauliana, visando a fazer frente à fraude quando o processo já existe e os bens do devedor são desviados de forma a impedir que a prestação jurisdicional cumpra sua função. 2.2. Pressupostos e Delimitação Conceitual Da leitura do Art. 593, do CPC, se extraem os dois requisitos que permitem, por sua vez a configuração da fraude à execução fiscal, são eles: a litispendência e a insolvência. O primeiro, a litispendência, é retratada nos Arts. 219, caput e 263, 2.ª parte, ambos do Código de Processo Civil: Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. Art. 263. Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no artigo 219 depois que for validamente citado.

5 Tal requisito se verifica com a regular citação do réu e tem como efeito imediato instituir a pendência da lide em face do referido. Embora antes do aperfeiçoamento da citação já haja relação processual formada, entre autor e Estado, é somente com o implemento da citação válida que se dá ensejo a angularização da relação jurídico-processual, e, por conseguinte o desencadeamento do fenômeno da litispendência. Isto é: para que se prospere a fraude à execução faz-se necessário como primeiro condicionante que haja uma demanda judicial instituída, cuja citação do réu se deu de forma válida. Neste aspecto, cumpre destacar, conforme aponta José Eli Salamacha em sua obra Fraude à Execução. Direitos do credor e do adquirente de boa-fé (2005, p.142-146), as duas correntes doutrinárias que compreendem diversamente o pressuposto da litispendência. A primeira, liderada por Yussef Said Cahali e Ernesto Antunes de Carvalho, defende a prescindibilidade da citação para a caracterização da litispendência em fraude à execução fiscal. Argúem que o simples ajuizamento da ação basta para a constituição do estado de litispendência, valem-se do postulado da efetividade máxima do processo. Enquanto isso, a segunda doutrina, representada por Cândido Rangel Dinamarco, Humberto Theodoro Junior e o próprio Salamacha, acompanhada pelos tribunais, consolida a posição que admite a ocorrência da fraude à execução tão-somente a partir da angularização da demanda, que só se efetiva com a citação válida do réu e sua inclusão no pólo passivo da lide, sendo o entendimento predominante. Se paira alguma dúvida quanto ao exato momento de ocorrência da litispendência, entre os estudiosos, esta inexiste no que atine às modalidades de demandas que admitem a fraude à execução, seguindo-se a lição de Araken de Assis (2007, p. 247): o ato fraudulento do obrigado deve se ajustar a um processo pendente (art. 219, caput, primeira parte, do CPC), independentemente da sua natureza (cognição, execução ou cautelar). É desnecessário, portanto, que se cuide de ação executória. Também na pendência de ação penal, que outorga título executivo civil (art.475-n, II).

6 Além de processo, cuja natureza é indiferente, posto em desfavor do réu (devedor), com citação regular, o aperfeiçoamento do instituto ainda requer a demonstração da insolvência daquele. A figura legal da insolvência está compreendida no Art. 748, do CPC: Dáse a insolvência toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor. O enunciado normativo é auto-explicativo: ocorrerá insolvência quando o devedor não possuir acervo patrimonial suficiente para arcar com seus débitos, quaisquer que sejam. Assim, demonstrado pelo credor que a alienação/disposição efetuada pelo devedor reduziu-lhe a capacidade patrimonial para patamar inferior ao de seu débito (insolvência), na pendência de uma lide (litispendência), caracterizada estará a situação fraudulenta. Uma vez apreendidos os pressupostos de existência do instituto, pode-se assim então definir a fraude à execução: instituto de direito público, cujo escopo é o de inibir os atos de alienação/oneração, maliciosamente praticados pelo devedor, durante o curso de uma demanda judicial devidamente angularizada, e capaz de lançá-lo ao estado de insolvência, mediante declaração judicial incidental de ineficácia do ato de disposição, com vistas a resguardar o direito subjetivo do credor, bem como a atividade jurisdicional exercida pelo Estado. 2.3. Hipóteses Legais A primeira hipótese elencada pela lei processualista civil é a do inciso I, do Art. 593, que trata da fraude quando da pendência de ação fundada em direito real. Para a ocorrência deste modal é desnecessário que se comprove o requisito da insolvabilidade do devedor, importa apenas ao credor que demonstre que o bem alienado/onerado estava vinculado a uma demanda fundada em direito real (litispendência). Pode-se afirmar então, prescindível o fato de o devedor possuir ou não outros bens hábeis a satisfazer o direito do credor, porquanto a proposição legal se impõe exclusivamente sobre o bem objeto da demanda de direito real. Em realidade, tal hipótese mostra-se como um corolário direto do direito de seqüela abrigado pelo direito

7 civil, inexigindo a comunhão de litispendência e insolvência, é uma situação sui generis elencada pela norma. A hipótese prevista no inciso II, do Art. 593, do CPC, trata da pendência de ação capaz de reduzir o devedor ao estado de insolvência como situação apta a configuração do fenômeno fraudulento. Neste caso, além da comprovação do prérequisito da litispendência, intrínseco ao gênero do instituto, faz-se imperioso, por parte do credor, a comprovação da insolvabilidade do devedor. Incumbe-se ao credor, portanto, a citação do devedor na lide que pleiteia o seu crédito a fim de configurar a litispendência, bem como a prova de que da alienação/oneração operada pelo devedor, no decurso da demanda, lhe acarretou o estado de insolvência. Estado esse que se presume (presunção relativa - iuris tantum) em prol do credor, conforme disposição do Art. 750, I, do CPC: Art. 750. Presume-se a insolvência quando: I o devedor não possuir outros bens livres e desembaraçados para nomear à penhora; II forem arrestados bens do devedor, com fundamento no artigo 813, I, II e III. Quanto à hipótese do inciso III, do Art. 593, do CPC, nada mais é do que uma abertura legislativa posta pelo legislador infraconstitucional a que se construa novos pilares legais anti-fraude, de acordo com as necessidades sociais. São filiados ao imperativo legal: o Art. 185 do CTN e o Art. 179 do Código Penal. 3. PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL: CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO À SUA COBRANÇA JUDICIAL (LEI 6.830/80). O processo de natureza executória pretende a satisfação do direito do credor, através de mecanismos envoltos de coatividade, sem com isso suprimir o direito do devedor à fiel submissão da ritualística aos postulados de devido processo legal (ampla defesa e contraditório), constitucionalmente albergados no art. 5º, LIV, da Constituição Federal. Especialização do processo de execução ordinário, o processo de execução fiscal visa à cobrança judicial do crédito público concernente à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme prevê a Lei de Execuções Fiscais (6.830/80).

8 O crédito a que se refere é aquele contemplado pelo Art. 2º, da Lei 6.830/80, sob o conceito de dívida ativa, que envolve tanto a dívida ativa tributária (Art. 201, caput, do CTN) 3 como a não tributária disposta pelo Art. 39, da Lei n. 4.230/64. Para revestir-se desta qualificação, dívida ativa tributária, o crédito público percorre procedimento administrativo específico, que disciplina desde sua concepção até sua rotulagem derradeira como tal. Aqui se aventa apenas o rito do crédito de origem tributária, em razão de ser o mais comum objeto das execuções fiscais, além de sua ampla repercussão prática. A constituição do crédito tributário se dá mediante o ato administrativo de lançamento, nos termos do Art. 142, do CTN. Conceitua o ato de lançamento, Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 404): Lançamento tributário é ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como conseqüente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido. Realizado o lançamento e constituído o crédito tributário, dá-se ensejo ao aperfeiçoamento do liame obrigacional entre o Estado (Fazenda Pública sujeito ativo) e o contribuinte (sujeito passivo), tornando-se efetivamente exigível o objeto da relação obrigacional. Uma vez recolhida a prestação tributária devida, pelo contribuinte, a quem lhe for de direito (União, Estado, Distrito Federal ou Município), extingue-se o crédito e cessa a atividade tributante. De outro modo, não adimplida a obrigação tributária, voluntariamente, pelo sujeito passivo, nasce para o ente público o dever-poder de exigir judicialmente seu direito creditício. No entanto, para socorrer-se ao processo judicial, caminho constitucionalmente eleito para a adjudicação do patrimônio particular, a fim de resgatar o crédito público, a Fazenda Pública é compelida ao atendimento de alguns requisitos. 3 Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito desta natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.

9 Dentre eles sobressalta-se: a inscrição do crédito em dívida ativa tributária, que constitui atividade administrativa vinculada da maior relevância, por se tratar de controle de legalidade sobre o crédito tributário que fora constituído. Mediante a inscrição se executa a apuração e revisão do crédito, formalizando-o para a superveniente expedição da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial necessário à propulsão do processo de execução fiscal. A respeito do ato de inscrição e certidão de dívida ativa, abrevia muito bem Araken de Assis (2007, p. 1000): a inscrição se realiza no livro ou fichário do órgão administrativo, por qualquer processo manual, mecânico e eletrônico (art. 2.º, 7.º, da Lei 6.830/80), e, na esfera federal, quanto aos créditos tributários, compete ao Procurador da Fazenda Nacional (art. 12, I, da LC 73/1993). Dela se extrairá um traslado designado de certidão de dívida ativa (art. 2.º, 6. º), que, comprovando a causa de pedir da demanda executiva, guarnecerá a respectiva inicial (art. 6.º, 1.º e 2.º). A Certidão de Dívida Ativa autenticada pela autoridade competente possibilita à Fazenda Pública o ingresso em juízo, mediante petição inicial que deverá indicar o juiz a quem se dirige, o pedido, o requerimento para citação, as provas que se pretende produzir, além é claro de estar acompanhada da própria CDA (art. 6º, Lei 6.830/80). Deferida a exordial executiva, seguem-se os ditames da Lei de Execuções Fiscais, que pelas modalidades expropriatórias (penhora, arresto) propiciarão o alcance do crédito, caso não seja feito o pagamento deste espontaneamente pelo contribuintedevedor. 3.1. FRAUDE NA EXECUÇÃO FISCAL Repousa no Art. 185, do CTN, o instituto particularizado da fraude à execução fiscal, cujo cerne normativo se extrai do Art. 593, III, do CPC. Foi prescrito pelo legislador no Capítulo VI, do Título III, do Código Tributário Nacional, que trata das garantias e privilégios atinentes ao crédito tributário. À preliminar compreensão do tema, calha-se indispensável a lição de Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 536):

10 O Código Tributário Nacional reservou aos arts. 183 a 193, em duas seções do Capítulo VI, para disciplinar as garantias e privilégios inerentes ao crédito tributário. Por garantias devemos entender os meios jurídicos assecuratórios que cercam o direito subjetivo do Estado de receber a prestação do tributo. E por privilégios, a posição de superioridade de que desfruta o crédito tributário, com relação aos demais, excetuando-se os decorrentes da legislação do trabalho. Vê-se aqui, novamente, a presença daquele princípio implícito, mas de grande magnitude, que prescreve a supremacia do interesse público. Como bem registrou o mestre tributarista, ao crédito tributário se asseguram tais condições legais de favorecimento, em virtude do postulado máximo que lhe dado a defender: a supremacia do interesse público. Sendo uma delas, na forma de garantia, a presunção de fraude estampada pelo enunciado legal do Art. 185, do CTN, que se transcreve a seguir: Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. Da leitura da norma encerra-se a interpretação de que reputar-se-á fraudulenta toda e qualquer alienação/oneração de bens ou rendas, pelo contribuintedevedor, a partir da inscrição do crédito tributário como dívida ativa (baliza temporal), que se fizer em detrimento do crédito cobrado pela Fazenda Pública, exceto na hipótese de se terem reservados outros bens para garantir seu pagamento. Tem-se em vista uma presunção iuris tantum de fraude, assim como se dá com a presunção de liquidez e certeza que envolve a dívida regularmente inscrita em dívida ativa (Art. 204, do CTN). Dado por comprovado, pelo devedor, que reservou outros bens para garantir a satisfação do crédito fazendário, a incidência da norma restará prejudicada. Numa primeira análise, se parece tranqüilo vislumbrar o âmbito de abrangência, assim como o intuito realizado pela norma. Todavia, a aplicabilidade do dispositivo, em sua seara material-social, não tem encontrado pacificidade, tornando-se uma operação exegética deveras desgastante aos aplicadores e estudiosos desta ramificação pública do Direito.

11 Isto se dá muito em razão da prescrição legal que antecedia a esta, melhor articulando: antes da vigência da Lei Complementar n. 118/05. A discussão interpretativa germinava no campo atinente ao marco temporal caracterizador do início da presunção de fraude à execução fiscal. Delineavam-se, naquela oportunidade, três momentos conflitantes considerados pelos juristas como ensejadores do evento fraude: quando da inscrição em Dívida Ativa; ao tempo do ajuizamento da demanda fiscal e dada a citação válida no processo de execução fiscal. 4. DO EMBATE DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL ACERCA DO MARCO TEMPORAL CARACTERIZADOR DA FRAUDE NO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL. A fraude à execução como era disposta no antigo texto do Art. 185, do Código Tributário Nacional, afligia em muito os operadores jurídicos, em função de sua disciplina controvertida tocante ao termo estabelecido como inaugural para a declaração de ineficácia dos atos de dilapidação patrimonial praticados pelo devedor contra o crédito público. Rezava o vetusto dispositivo: Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados pelo devedor bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida em fase de execução. A princípio, em uma análise pouco descuidada, pode parecer que a prescrição legal revogada guarda boa dose de compatibilidade com a atual; entretanto, há uma distância abissal entre elas. Observa-se que o texto legal pretérito fazia menção ao marco temporal como sendo do crédito tributário regularmente inscrito em dívida ativa em fase de execução. A expressão em fase de execução era absolutamente vaga e sem tecnicidade alguma, de modo que não viabilizava a determinação escorreita do instante de fluência da presunção de fraude.

12 É dizer: não se sabia se termo se dava com a inscrição, com ajuizamento da demanda fiscal, ou, ainda, somente com a citação válida do devedor no processo de execução fiscal. Em âmbito doutrinário, encampava-se o entendimento de que o termo para constituição da fraude era o do ajuizamento da execução fiscal, quando não da inscrição em dívida ativa. A lição de Luciano Amaro (2003, p. 456-457) agrega o seu posicionamento sobre a controvérsia a de outros doutores expressão nacional: A presunção só opera se tratar de crédito tributário já em fase de execução. Não basta estar inscrito como dívida ativa; se isso fosse suficiente, a norma não teria acrescido a qualificação expressa, referida à execução, e teria falado apenas em dívida ativa. No mesmo sentido, Bernardo Ribeiro de Moraes, Celso Cordeiro Machado e José Eduardo Soares de Melo [...] Paulo de Barros Carvalho, não obstante registre que a execução começa com o ajuizamento da ação e a citação do devedor, e, ao pé da letra, só a partir daí operaria a presunção, anota que o entendimento corrente estabelece a inscrição da dívida como baliza da fraude. Hugo de Brito Machado, que, ao contrário, sustenta que a presunção opera a partir da inscrição da dívida, já reconhece que há doutrina e jurisprudência em sentido oposto Caminhava ao lado do posicionamento doutrinário alguns decisórios prolatados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), na década de 1990, conforme adiante se transcreve: EXECUTIVO FISCAL - FRAUDE DE EXECUÇÃO - CARACTERIZAÇÃO (CTN, ART 185/LEF, ART. 40) DESNECESSIDADE DE CITAÇÃO. (STJ, 1ª T., REsp 33993/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 23.05.1994) Para que se caracterize fraude a execução fiscal, basta a existência de pedido executivo, despachado pelo juiz (CTN, art. 185 e LEF, art. 40). PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FRAUDE A EXECUÇÃO FISCAL. CARACTERIZAÇÃO. (STJ, 3ª T,. AG 93.04.43528-5/RS, Rel. Min. Fábio Rosa, 11/10/1994). 1. Há fraude à execução na hipótese de o devedor alienar bem, quando pendente execução fiscal, salvo se ele tiver reservado bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida. 2. Tendo sido a presente execução fiscal ajuizada em 09.07.86, e a alienação do telefone do executado ocorrido em 15.09.87, caracterizada restou a fraude à execução. 3. O ato praticado em fraude a execução é ineficaz em relação ao credor. assim, é inaplicável o prazo de prescrição previsto no art. 278, parágrafo 9.º, inciso V, letra "b", do CCB 4. A ineficácia do ato pode ser declarada no próprio processo de

13 execução, não importando o tempo transcorrido desde a alienação. 5. Agravo de instrumento provido. TRIBUTARIO. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FRAUDE A EXECUÇÃO FISCAL. BEM IMÓVEL. ALIENADO QUANDO JÁ INICIADA A EXECUÇÃO, EMBORA NÃO PROCEDIDA A CITAÇÃO. ART. 185 DO CTN. A PRESUNÇÃO DE FRAUDE PREVISTA NO ART. 185 DO CTN "JURIS ET DE JURIS". (STJ, 1ª T., REsp 59659 / RS,Rel. Min. César Asfor Rocha, 19.04.1995). Considera-se fraude à execução fiscal a alienação de imóvel quando já tiver sido iniciada a execução, ainda que não procedida a citação do executado. Recurso provido. Frise-se que a jurisprudência marchava uníssona no sentido de demarcar a propositura da demanda executiva como o marco de deslinde da presunção de fraude. Quiçá por entender que a expressão legal em fase de execução exigia inflexivelmente ao menos o trâmite inicial do processo executivo-fiscal, sem com isso exigir, no entanto, o aperfeiçoamento da citação. Com o transpassar dos anos 90 e início do século XXI, percebeu-se uma significativa mudança de rumo, na jurisprudência emanada pelo Tribunal Superior. Consolidou-se o entendimento sobre a necessidade da citação do devedor para a concepção da hipótese de fraude elencada no art. 593, II, do CPC, e assim também se estabeleceu para a consumação da fraude à execução fiscal. Não bastava mais a simples propositura da ação, com despacho inicial do magistrado, tornou-se imprescindível a angularização da lide, pela realização da citação válida e regular do devedor. PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO - FRAUDE À EXECUÇÃO (ARTS. 185 CTN E 593 CPC) - INTERPRETAÇÃO. (STJ, 2ª T., REsp 448119/MG, Min. Rel. Eliana Calmon, 20.09.2004). 1. A jurisprudência do STJ pacificou-se, por entendimento da Primeira Seção (EREsp 40.224/SP), no sentido de só ser possível presumir-se em fraude à execução alienação de bem de devedor já citado em execução fiscal. 2. A presunção que se estabelece após a citação, pode antecedê-la se provar a Fazenda que, mesmo antes da citação, após a propositura da execução fiscal, deu-se o conluio entre alienante e adquirente, para realizar a fraude. 3. Recurso especial improvido. Ao notar o descompasso havido entre a finalidade que se intentava com a norma, quando de sua promulgação, e o modo de sua aplicação pelos órgãos

14 jurisdicionais, decidiu o legislador infraconstitucional por editar a Lei Complementar n. 118/05, com o escopo de afastar a incongruência. A alteração do conteúdo normativo do Art. 185, do CTN, com a LC 118/05, visou, certamente, a prestigiar o crédito fazendário. Neste momento, reinsere-se a prescrição atual, para que seja possível uma análise comparativa mais dinâmica e pontual com relação ao antigo enunciado: Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. A norma desta vez fincou de modo inequívoco o marco inicial da presunção de fraude à execução ao momento da inscrição do crédito em dívida ativa, abolindo o termo tormentoso em fase de execução. Pela regra passou-se a exigir que o devedor compulsoriamente reserve bens ou rendas suficientes à satisfação do crédito público, dada a inscrição do crédito em dívida ativa, sob pena de lhe se tornarem ineficazes os negócios jurídicos assumidos desde então. Não lhe obsta, contudo o direito de disposição, apenas força que o seja feito nos limites do crédito inscrito, como já se apôs anteriormente. A doutrina majoritária tem-se mostrado serena e uniforme, acompanhando a nova redação do Art. 185 do CTN. Prova disto são os pareceres que seguem fielmente a aspiração empreendida pela norma. Leandro Paulsen (2007, p. 1146-1147) assinala: Na redação original, havia referência à dívida ativa em fase de execução. Estabeleceu-se, então, enorme discussão acerca da suficiência da inscrição, ou da necessidade de ajuizamento ou, ainda, de citação para a presunção de fraude. Com a nova redação da LC 118/05, que se refere simplesmente crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa a questão se resolve, considerando-se como marco o momento da inscrição em dívida ativa. O termo fixado no caput do art. 185 não impede o reconhecimento de fraude decorrente de venda anterior. Neste caso, porém, ausente a presunção legal, o Fisco terá de prová-la.

15 Láudio Camargo Fabretti (2005, p. 232) caminha no mesmo sentido ao afirmar que: a alienação ou oneração de bens ou rendas do devedor passa a ser presumida mesmo antes de ajuizada a ação de execução fiscal e, ainda adverte que a presunção jurídica que se verifica é sempre relativa, podendo ser elidida por prova eficaz em contrário. posicionamento: João Damasceno Borges de Miranda (2005, p. 1312) se põe firme neste A nova redação do art. 185 foi concebida pela recém-editada Lei Complementar nº 118/05 de 09.02.2005 e teve o cuidado de suprimir a última frase tanto do caput quanto do seu único...em fase de execução. Nesse caso, o Fisco não mais estará limitado as suas próprias deficiências quanto à demora em proposituras de ações de execução, tendo em vista a notória desarmonia que há entre Receitas e Procuradorias Fiscais, com raras exceções de fiscos estaduais. Assim, a presunção de fraude contra o privilégio do crédito tributário já se pode conceber desde o momento que o mesmo é lançado em dívida ativa. (2007, p. 539-540): Outrossim, não se poderia deixar de mencionar Paulo de Barros Carvalho Inscrito o débito tributário pela Fazenda Pública, no livro de registro da dívida ativa, fica estabelecido o marco temporal, após o que qualquer alienação de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito devedor, será presumida como fraudulenta. Este é o teor do art. 185. A presunção de fraude também não é absoluta, segundo acreditamos. Uma série de razões pode ser levantada para demonstrar que independeu da vontade do devedor. Todavia, a prova haverá de ser rigorosa e contundente. Caso contrário, prevalecerá o aspecto de fraude presumida. Válido relembrar que a natureza da presunção continua relativa, sendo afastada somente pela apresentação de prova em contrário, pelo contribuinte-devedor. Adverte-se, também que a Fazenda Pública poderá, antes da ocorrência da presunção, isto é, da inscrição em dívida ativa, pleitear a ineficácia dos atos dispositivos do devedor, contudo competir-lhe-á a prova da fraude em demanda autônoma (ação pauliana fraude contra credores). Conquanto clara e irrefragável a dicção do novel enunciado normativo, não tem sido esta admitida no que atine ao marco temporal inicial da fraude, nos recentes

16 decisórios proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo ainda utilizada a citação do devedor como parâmetro legal: PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL EMBARGOS DE TERCEIRO. BOA-FÉ DO ADQUIRENTE. FRAUDE À EXECUÇÃO. NÃO-CONFIGURAÇÃO. ARTS. 185 DO CTN E 593, II, DO CPC. (STJ, 2ª T., REsp 604118/MG, Min. Rel. João Otávio Noronha, 13.02.2007). 1. Para se configurar a fraude à execução é necessário que a alienação do bem ocorra após a citação válida do devedor e o conluio entre devedor/alienante e adquirente do bem. 2. A alienação em fraude à execução não pode ser oposta a terceiro de boa-fé. 3. Presume-se de boa-fé o adquirente de veículo automotor objeto de sucessivas vendas após a iniciada pelo executado, sem que haja qualquer indicação da ocorrência de conluio fraudulento. 4. Recurso especial provido. TRIBUTÁRIO PROCESSUAL CIVIL FRAUDE À EXECUÇÃO ALIENAÇÃO ANTERIOR À CITAÇÃO VIOLAÇÃO DO ART. 185, DO CTN NÃO-OCORRÊNCIA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. (STJ, 2ª T., REsp 902955/RS, Min. Rel. Humberto Martins, 06.03.2007). 1. Esta Corte tem o entendimento pacífico de se caracterizar a fraude à execução, nos termos do art. 185, do CTN, somente com a alienação do bem após a citação do executado. Precedentes. 2. O recorrente não colacionou as certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos apontados divergentes, nos termos do art. 255, 1º, alínea "a", do RISTJ; não podendo, portanto, o recurso, nessa parte, ser conhecido. 3. Recurso especial conhecido em parte e improvido. Processo Com efeito, a velha e emblemática celeuma se põe novamente à tona, deflagrando novamente a incoerência entre Direito positivado e Direito aplicado. O que ocorre é que nesses julgados tem se conferido uma interpretação extensiva do Art. 593, II, do CPC, à fraude contra a execução fiscal, retirando-lhe a especialidade que lhe é inerente em função do crédito que visa a assegurar. É sabido que a fraude prescrita no inciso II do Art. 593, do CPC, irradia significativa influência sobre a fraude à execução fiscal, por sua posição de gênero do instituto, como v.g. a exigência do requisito de constatação do estado de insolvência do para consumação do evento fraudulento. Apesar disso, com o presente comando do Art. 185 do CTN, as semelhanças entre gênero e espécie se esgotam por ai, não vingando efeitos v.g. quanto ao instante de

17 impetração da fraude, divergente em virtude da expressa disposição. Não haveria, portanto razão para a concessão de interpretação equitativa a institutos cujas prescrições legais são distintas. Registre-se ainda que os tribunais não só tem dado tratamento igualitário a figuras jurídicas distintas, como têm imputado à caracterização da fraude à execução fiscal um pressuposto que a ela não atine: o consilium fraudis (conspiração fraudulenta entre devedor e terceiro), o qual sempre se precumiu para todo o gênero da fraude à execução. Além disso, tem sido ordenada a inscrição da execução fiscal proposta pela Fazenda Pública nos Registros de Bens (Imóveis e Móveis, especialmente bens automotivos), para fins de operar a presunção de fraude em face de terceiros adquirentes. 5. A INADEQUABILIDADE JURÍDICA AO SE ASSUMIR INTERPRETAÇÃO DIVERSA DA EXTRAÍDA DO ART. 185 DO CTN. O INTERESSE PÚBLICO REVESTIDOR DA NORMA. Conforme se verificou da jurisprudência colacionada, a aplicabilidade da norma jurídica (Art. 185, do CTN) tem se estreitado aos ditames positivados pela norma processualista civil (Art. 593, do CPC), mormente no que tange ao marco de ocorrência do fenômeno fraudulento. Isto tem demonstrado senão uma predileção pelos interesses individuais, representados pela boa-fé de terceiros adquirentes (dos bens alienados/onerados pelo contribuinte-devedor), por parte dos magistrados. É de se concordar que a boa-fé não só ocupa assento inderrogável no ambiente privatístico do Direito, como princípio positivado de observância e respeito obrigatórios pelos indivíduos no exercício dos atos da vida civil, como é também um dos princípios gerais de direito exercente da função de integrativa de normas, o que aponta sua acentuada relevância à ordem jurídica como um todo. Nas palavras de Maria Helena Diniz (2002, p. 125): Esses princípios que servem de base para preencher lacunas não podem opor-se às disposições do ordenamento jurídico, pois devem fundar-se na natureza do sistema jurídico, que deve apresentar-se como um organismo lógico, capaz de conter uma solução segura para o caso duvidoso. Com isso se evita que o emprego dos princípios

18 seja arbitrário ou conforme as aspirações, valores ou interesses do órgão judicante. Embora, in casu, o princípio da boa-fé não venha a ser exatamente objeto de manejo, pelo Superior Tribunal de Justiça, como critério de integração de lacuna normativa (por incompletude), pois esta não há num plano aparente, se tornou uma referência princípiológica à redução dos efeitos da norma tributária. Essa situação sequer configuraria uma lacuna ideológica que, na exímia lição do mestre Norberto Bobbio (1999, p. 139-143), ocorre quando não se tem a falta de norma a se aplicar, mas a falta de critérios válidos para decidir qual a norma deve ser aplicada a fim da obtenção de uma justa solução; pois que critérios hão a serem adotados. A prevalência da jurisprudência por uma interpretação que mais se aproxima ao Art. 593, do CPC, indica que houve um processo de sopesamento de valores incidentes sobre a hipótese em trato, no qual decidiu-se pela consagração da boa-fé como o ponto de aferição da justeza da balança. Ao se fazer isso não observou-se os critérios interpretativos que precedem ao sopesamento axiológico, os quais envolvem a solução da antinomia aparente de normas, que é a ocasião jurídica que se afigura. Pela singela aplicação destes critérios (hierarquia, cronologia e especialidade) de plano emerge a norma e, por conseguinte a interpretação que deveria se conferir à situação. Neste sentido, aplicando-se os mecanismos de interpretação, tem-se a prevalência do Art. 185, do CTN, não só por ser hierarquicamente superior ao Art. 593, do CPC, pois descende de Lei Complementar, ao passo que o segundo decorre de Lei Ordinária, mas também por ser posterior e especial ao trato da fraude contra o crédito tributário. Assim, aplicar interpretação diversa da qual se extrai da literalidade do Art. 185, do CTN, é senão uma violação ao próprio procedimento exegético acolhido pelo ordenamento jurídico (Art. 2º, Lei n. 10.406 Lei de Introdução do Código Civil). Poderia se aventar, ainda, como justificante da exegese entabulada, que os decisórios não tratam de não aplicar o ditame tributário, mas que o fazem de modo restrito. Aí se assemelhando deveras ao tratamento dispensado pela jurisprudência ao Art. 593, do CPC.

19 Conforme sedimentou Miguel Reale, em sua gloriosa obra Lições Preliminares de Direito (1980, p. 285-289), à interpretação restritiva deve-se socorrer o intérprete, para impedir resultados danosos advindos da norma mediante a limitação de sua incidência. Pela leitura da norma não se depreende nenhum efeito danoso vultoso imediato. O único conseqüente pernicioso que se pode vislumbrar repousa sobre o terceiro adquirente de boa-fé, que poderá ver seu bem excutido em processo de execução fiscal; mas que, todavia, poderá ser amparado pela ordem jurídica, mediante ação de regresso a se intentar contra o devedor-alienante. Observando-se esse possível reflexo, se torna até justificável, de certo modo, a atenção que os julgadores têm dedicado ao princípio da boa-fé, mas ainda assim insuficiente a justificar o descaso com o Art. 185, do CTN. É inadmissível a total limitação da incidência da norma, que se sujeitou a prévio procedimento legislativo rigoroso, e cuja verificação de compatibilidade com a Constituição foi formalmente realizada. Relegar o dispositivo ao ostracismo jurídico é vendar-se ao postulado da supremacia do interesse público. Celso Antonio Bandeira de Mello (2004, p. 60) pondera que o princípio da supremacia do interesse público traduz-se posição privilegiada que encarna os benefícios que a ordem jurídica confere a fim de assegurar conveniente proteção aos interesses públicos, instrumentando os órgãos que os representam para um bom, fácil, expedito e resguardado desempenho de sua missão. A intenção do legislador infraconstitucional foi nítida no sentido de se criar uma modalidade mais rígida de controle à fraude contra o crédito público, vislumbrando justamente uma tutela especial ao interesse público que o circunda. Interesse público que, segundo a definição irretocável do excelso administrativista é resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem (2004, p. 53) Sendo o conjunto dos interesses qualificados dos indivíduos, o interesse público representado no Art. 185, do CTN, explicita a finalidade de se buscar o resgate do crédito público a fim de que os serviços públicos possam ser desempenhados com eficiência e as necessidades públicas atendidas em sua totalidade.

20 Dispensar o preceito de sua eficácia, conforme a finalidade pretendida em sua elaboração, é subestimar o próprio interesse público (de toda a coletividade) inerente à atividade arrecadatória do Estado; e, com isso também comprometer o ciclo financeiro estatal. Indaga-se: quais resultados seriam mais danosos à coletividade a ensejar a limitação da incidência da norma do que o franco prejuízo arrecadatório estatal que se tem com as fraudes contra o crédito público? 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A prática fraudatória vem se estendendo no terreno da cobrança fiscal do crédito público, especialmente entre os denominados Grandes Devedores, que configuram os contribuintes com as maiores capacidades de contribuição tributária. Usando de artifícios ardilosos e dos liames defectivos da aplicação da norma, provocam significativos déficits de arrecadação fiscal, comprometendo toda a cadeia de gestão pública. O panorama é preocupante dado a carência de provisões legais mais enérgicas passíveis de prevenir e reprimir o fenômeno fraudulento. Nesta senda, dispensar-se a incidência do mecanismo retratado no Art. 185, do CTN, é coadunar, ao menos tacitamente, com a circunstância de burla à lei e ao erário público. Frisa-se que só o emprego isolado do preceptivo não é hígido o bastante para solucionar o quadro atual, contudo é imprescindível que se dê esse primeiro passo mais robusto contra a fraude. A criação de outras estruturas voltadas à inibição de atos fraudulentos sem dúvida são indispensáveis, mormente quanto ao aspecto pragmático da atividade administrativo-fiscal estatal, como por exemplo: aperfeiçoamento da fiscalização sobre as rendas e patrimônio dos indivíduos, aprimoramento no convênio entre repartições registrais de bens e a Fazenda Pública. Intentar-se a mens legis imbuída na norma sugere mais do que um mero posicionamento jurídico, mas sim a busca da real efetividade do Direito, da justiça social: pela efetividade material do Art. 185, do CTN!