Sexualidade e Adolescência : Educação ou Repressão? Heloísa Helena Daldin Pereira * Foi a partir do século XVIII, que o adolescente passou a ocupar um papel de destaque na vida social humana, como coloca ARIÈS (1981), a juventude era identificada como um período de características próprias com relação ao corpo, ao crescimento, ao desenvolvimento e a certos comportamentos e funções em relação à sociedade. As idades da vida não equivaliam apenas às etapas biológicas, mas a funções sociais. Juventude significava força da idade e sua idéia estava relacionada com independência. Tornar-se independente decidia o final da infância. Ainda hoje, a sociedade espera do adolescente, desenvolvimento e independência emocional, simultaneamente a capacitações na interação de preceitos éticos, competência em função intelectual e um sentido de responsabilidade social e pessoal. Não suficiente tudo isso, o adolescente precisa confrontar-se com uma variedade de questões relacionadas à sexualidade, como lidar com sensações sexuais novas ou mais poderosas, participar de vários tipos de comportamentos sexuais, conhecer o amor, evitar a gravidez indesejada e as doenças sexualmente transmissíveis e ainda definir papéis sexuais apropriados à sua idade. Na sociedade atual, uma das principais características é a exigência de que o cidadão exercite sua capacidade de escolha entre as opções possíveis para resolver um problema. Essa capacidade ocorre cada vez mais cedo entre os jovens, na formação de sua personalidade. Para TEDESCO (2002), adiantou-se significativamente o momento de escolher aspectos que pertencem ao âmbito da vida privada: a sexualidade, as roupas, a escolha de atividades (esportes, lazer, etc). Os jovens de hoje são convocados a escolher, a tomar decisões que até há pouco tempo eram definidas por autoridades externas ao indivíduo como o Estado, a família, a Igreja, e até mesmo a empresa. A revolução de costumes iniciadas na década de 1960, o sexo utilizado como veículo publicitário pela comunicação de massa, a tendência de casar cada vez mais tarde, estimulando o sexo pré-conjugal e um amadurecimento sexual cada vez precoce, são fatores que contribuíram para as mudanças no comportamento dos jovens.
A distinção entre a infância e vida adulta apoiava-se na existência de âmbitos desconhecidos de segredos e, mais simplesmente da idéia de vergonha. Os segredos da vida sexual, do dinheiro, da violência, da morte e das doenças eram mantidos e iam sendo revelados de forma progressiva, à medida que a criança estava em condições de ter acesso a seu conhecimento.( Tedesco, 2002). O acesso a informação, através dos meios de comunicação cada vez mais disponíveis acarretam a perda do segredo, ultrapassam a barreira dos tabus, deixando expostas a sexualidade, a violência e a capacidade dos adultos para dirigir o mundo. O advento da televisão suprimiu a barreira entre a leitura e a informação, abrindo a todos, crianças e adultos o acesso a todas as informações indiferentemente, chegando muitas vezes a revelar aspectos da vida adulta sem respeitar idades nem sensibilidades. Também as mudanças na composição e no funcionamento da família influenciam no processo de socialização. Na família moderna, cujo maior fenômeno foi a inclusão da mulher no mercado de trabalho, conseqüentemente a redução do número de filhos, o aumento das separações, pais sozinhos vivendo com seus filhos, ou ainda a chamada família agregada, composta por pares que trazem filhos de relações passadas, há uma tendência de que haja uma diminuição do tempo real que uma criança passa com os pais, e esse tempo acaba ocupado pelo ingresso prematuro em instituições como escola, creches, clubes, etc, ou pela exposição aos meios de comunicação, em especial a televisão, sem a ajuda de um adulto para interpretá-la. Uma das dificuldades existentes era e ainda hoje é o discernimento dos pais entre a liberdade e a permissividade, levando a criança a desenvolver-se de maneira insegura quanto às suas reais necessidades de afeto, território e pertinência no sistema familiar e social. Esse fator faz com que a família acabe por requerer da escola a extensão de seu papel educador e esta, por sua vez, torna-se o contexto central do desenvolvimento individual, das funções sociais e emocionais das crianças e jovens. Apesar da já citada crise da família, é no neste núcleo que a criança se dá conta da sua dimensão sexuada. De alguma forma, recebe dos pais uma visão do mundo e introjeta um sistema de valores que irá ser confrontado no processo de socialização.
Portanto, quando chega à escola já traz uma série de informações, valores e preconceitos aprendidos na família. Esta, por sua vez, esperando que o núcleo básico de socialização já esteja dado pela família, depara-se com o fato de que este é insuficiente, constatando que, como a família já não cumpre plenamente seu papel socializador, cabe a ela novas demandas para as quais ainda não está preparada. Dessa maneira, torna-se impossível ignorar a importância de colocar a sexualidade em debate na escola e na família tratando-a como parte fundamental da dimensão humana. A educação sexual não está isolada do contexto, estrutura e momento histórico que a criança vive. Corresponde à educação de como o indivíduo deve viver a vida, pois é também a educação de seu movimento emocional e energético. Procurar inibir atividade sexual e gerar culpa é uma das formas universais de controle. A inibição da atividade espontânea, em virtude da repressão do movimento emocional sexual empobrece, gera medo e aumenta a dependência. Segundo ALBERTINI (1994) Reich, no artigo Os pais como educadores: a compulsão para educar e suas causas faz uma forte crítica ao papel do educador analisando suas motivações inconscientes, capazes de implicar numa prática educativa repressora, denunciando toda e qualquer frustração desnecessária que ocorra no processo educativo. Para tanto, pais e educadores não devem julgar a sexualidade vivida pelo jovem, antes de tudo devem repensar sua própria sexualidade e estar cientes de que muitas vezes podem servir como identificação do modelo de homem ou mulher, portanto devem assumir diante do jovem uma postura sem medo, preconceito ou tabu em relação às questões sexuais. Reich propôs que às crianças deveria ser dada a oportunidade de satisfazer todos os seus impulsos naturais; assim não se tornariam reprimidos e neuróticos. Em seu livro "Crianças do Futuro" (1987), propõe treinamento de pais e educadores, para levá-los a atingir o 'bom estado emocional do educador", pré-requisito fundamental para um contato sensível e sintonizado com a criança. O destino da raça humana dependerá das estruturas de caráter das "Crianças do Futuro". Em suas mãos e em seus corações repousarão as grandes decisões. Elas terão que colocar em ordem a confusão deste século XX. Nós não podemos dizer às nossas crianças o tipo de mundo que elas devem construir. Mas podemos equipá-
las com o tipo de estrutura de caráter e vigor biológico que as tornaria capacitadas a tomar suas próprias decisões, encontrar seus próprios caminhos, construir seu próprio futuro e o de suas crianças de modo racional. No livro "O Combate Sexual da Juventude" (1975), espécie de manual educativo, Reich queria trazer aos jovens, sob uma forma clara e precisa, informações sobre um assunto que o afetado pudor burguês recobre sempre com um espesso véu: o papel da sexualidade, da sua repressão, da sua utilização na sociedade capitalista. Constata-se nos últimos escritos reichianos a presença de duas posturas básicas, uma delas a tomada de consciência das enormes dificuldades existentes, pois em última análise a boa educação depende do grau de saúde do educador e a outra na direção da infindável confiança no potencial de vida da criança.(albertini, 1994,p.77) Reich acreditava que as crianças seriam capazes de transformar e revolucionar o mundo, desde que a alienação da sociedade e suas contradições pudessem ser contidas. Hoje ninguém sabe como um ser humano se desenvolveria se não encontrasse obstáculos em seu livre desenvolvimento. As idéias de Reich sobre educação demonstram que quanto mais livremente vive um ser humano, tanto maior é sua capacidade de apreender a realidade e utilizá-la de maneira eficaz, de mobilizar as emoções necessárias para um comportamento adequado e racional de ação e reação, e de ter uma relação empática com os próprios semelhantes com a natureza e com o universo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERTINI, Paulo. Reich. História das Idéias e Formulações para a Educação. São Paulo: Agora,1994. ARIÈS, Phillipe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar Editores. REICH, Wilhelm. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1989. O Combate Sexual da Juventude. 1. ed. Porto: Textos Marginais, 1975. Bambini del Futuro. Milão: Sugar Co, 1987. TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo. São Paulo: Ed. Ática, 2002.
* Psicoterapeuta Corporal, membro do IIBiossíntese, diretora clínica da Orgone Psicologia Clínica/Curitiba, mestranda em Educação pelo PPG/UTP/PR.