A IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO NA EDUCAÇÃO INFANTIL RESUMO



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Transcrição:

1 A IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Fernanda de Falco Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Maria da Glória Porto Kok Orientadora RESUMO Discute-se aqui a importância da organização do espaço escolar no processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças a partir de referenciais teóricos e utilizando como exemplo uma escola privada de São Paulo, a Escola Viva. Deste trabalho, foi possível extrair quatro fatores importantes para o planejamento de espaços: possibilidade de transformação; possibilidade de interação entre crianças; possibilidade de movimento; e, oportunidade de apropriação do espaço.daquilo que foi observado, destacam-se alguns exemplos e soluções práticas que, atendendo a esses fatores de forma essencialmente simples, podem ser replicadas em diferentes situações e contextos. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo discutir a importância da organização do espaço escolar no processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. O interesse por esse tema começou durante a realização de algumas práticas curriculares, realizadas durante o curso de pedagogia, em que pude observar algumas escolas de Educação Infantil. A forma como algumas das escolas observadas, principalmente as que pertencem à rede pública de São Paulo, organizam os espaços e a pobreza frequêntemente encontradas nas salas de aula, em relação aos materiais, à decoração, às possibilidades de interações entre as crianças, à falta de desafios corporais e cognitivos, e o mal uso dos espaços, foram questões que sempre chamaram atenção.

2 Nesse sentido, este trabalho procura refletir sobre a importância do espaço na Educação Infantil e como a forma como o espaço é organizado pode facilitar, limitar e orientar a prática educativa. Como um possível exemplo positivo em relação à organização de espaços na Educação Infantil, foi escolhida a Escola Viva, uma escola privada de São Paulo. A escolha pela Escola Viva se deu pela facilidade de acesso, pois trabalho nesta instituição, e por que o espaço é pensado e planejado pela escola como uma importante ferramenta no processo educativo que deve favorecer as experiências e manifestações infantis. Para isso, o trabalho pretende estudar a questão em foco a partir de referenciais teóricos e utilizar como exemplo a forma como o espaço é pensado e organizado na Escola Viva, fazendo relações entre teoria e prática. 2 A IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL A discussão sobre a importância do espaço no desenvolvimento infantil tem, nas diversas correntes da psicologia, um suporte fundamental. A corrente cognitivista, por exemplo, enfatiza a função desempenhada pelas experiências espaciais primárias na construção das estruturas sensoriais das crianças. Frago (appud HORN, 2004, p.15) cita como um dos exemplos dessa vertente os estudos piagetianos sobre a psicogênese das estruturas topológicas na infância, nos quais destaca a valorização das primeiras experiências sensoriais na casa e na escola como fatores essenciais do desenvolvimento sensorial, motor e cognitivo. Segundo Piaget (appud HORN, 2004, p.16), a representação do espaço para a criança é uma construção internalizada a partir das ações e das manipulações sobre o ambiente espacial próximo do qual faz parte. Portanto, não basta a criança estar em um espaço organizado de modo a desafiar suas competências; é preciso que ela interaja com esse espaço para vivê-lo intencionalmente. Isso quer dizer que essas vivências, na realidade, estruturam-se em uma rede de relações e expressam-se em papéis que as crianças desempenham em um contexto no qual os móveis, os materiais, os rituais de rotina, a professora e a vida das crianças fora da escola interferem nessas vivências ( ROSSETTI FERREIRA, appud HORN, 2004, p.16). A discussão acerca da importância do meio no desenvolvimento infantil tem em Wallon (1879-1962) e Vygotsky (1896-1934) seus principais representantes. A partir da

3 perspectiva sócio-histórica de desenvolvimento, esses teóricos relacionaram afetividade, linguagem e cognição com as práticas sociais, ao discutirem a psicologia humana em seu enfoque psicológico. Desse modo, na visão de ambos, o meio social é fator preponderante no desenvolvimento dos indivíduos. Na abordagem de Wallon (appud HORN, 2004, p.18), o conceito de meio e suas implicações no desenvolvimento infantil são fundamentais. Para ele, a atividade humana é eminentemente social, e a escola é o lugar mais adequado para que essa atividade se desenvolva além do ambiente familiar, por ser um meio, muitas vezes, mais rico, na medida em que é mais diversificado e pode oportunizar às crianças a convivência com outras crianças e com outros adultos além de seus pais. Os exercícios da vida em sociedade se iniciam na família e ampliam-se quando a criança começa a frequentar a escola, a escolher os amigos, a ter a solidariedade do grupo, a enfrentar desavenças. De acordo com Wallon, o grupo social é indispensável à criança não somente para sua aprendizagem social, como também para o desenvolvimento da tomada de consciência de sua própria personalidade. A confrontação com os companheiros lhe permite constatar que é uma entre outras crianças e que, ao mesmo tempo, é igual e diferente delas. Tendo em vista as idéias de Wallon, cabe ao professor organizar sua prática junto aos seus alunos, de modo que as relações do grupo possam ocorrer de forma que ele não seja a figura central. As crianças necessitam de espaço para exercerem sua criatividade e para contestarem o que desaprovam. Ao mesmo tempo, é necessário ter a clareza de que, nos primeiros anos de vida, o indivíduo apresenta reações descontínuas e esporádicas que precisam ser completadas e interpretadas. Devido a essa capacidade, ele é manipulado pelo outro, e é através desse outro que suas atitudes irão adquirir forma. Assim, segundo Horn ( 2004, p.17), estabelece-se uma reciprocidade que o acompanhará pelo resto da vida, e, nesse aspecto, a união do sujeito com o ambiente desempenha um papel fundamental. Por isso, em um ambiente sem estímulos, no qual as crianças não possam interagir desde tenra idade umas com as outras, com os adultos e com objetos e materiais diversos, esse processo de desenvolvimento não ocorrerá em sua plenitude. Considerando que cada estágio do desenvolvimento representa um sistema de comportamentos, é na relação com o ambiente que o indivíduo assume determinadas ações, considerando os recursos e as competências que já desenvolveu. O meio social também foi para Vygotsky fator preponderante na construção e no desenvolvimento dos indivíduos. Em sua perspectiva, o desenvolvimento das funções

4 tipicamente humanas é mediado socialmente pelos signos e pelo outro. Desse modo, o sujeito produtor de conhecimento não é apenas um receptor; é, ao contrário, um sujeito ativo que, em interação com o meio social, constrói e reconstrói o mundo em uma relação dialética. A partir desse entendimento, acredita-se que o comportamento das crianças pequenas é fortemente determinado pelas características das situações reais em que se encontram. Assim, nas situações imaginárias vividas pela criança, como o faz-de-conta, ela é levada a agir no âmbito da zona de desenvolvimento proximal, tendo em vista que se comporta de maneira sempre mais avançada do que na vida real. Nesse processo, a brincadeira aparece como importante promotora de desenvolvimento, constituindo-se em uma atividade em que a criança aprende a atuar em uma esfera cognitiva que depende de motivações internas. Como consequência disso, constrói aprendizagens ao desenvolver ações compartilhadas com outras crianças, apropriando de um saber construído em uma cultura. A cultura acontece em espaços que retratam seus símbolos e signos, os quais não são criados ou descobertos pelo sujeito, mas por ele apropriados. Tal processo inicia quando a criança nasce e vai se constituindo em sua relação com parceiros mais experientes, os quais lhe fornecem determinadas significações. Portanto, é fundamental a criança ter um espaço povoado de objetos com os quais possa criar, imaginar, construir e, em especial, um espaço para brincar. Vygotsky (appud HORN, 2004, p.19) afirma que apesar da relação brincadeiradesenvolvimento poder ser comparada à relação instrução-desenvolvimento, o ato de brincar proporciona um suporte básico para as mudanças das necessidades e da consciência. A atuação da criança no âmbito da imaginação, em uma dada situação imaginária, oportuniza a criação das intenções voluntárias e a formação dos planos de vida real e das motivações da vontade. Nesse sentido, tudo surge ao brincar, o que se constitui, assim, no mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar. É através da atividade de brincar que a criança se desenvolve. Somente nessa dimensão a brincadeira pode ser considerada uma atividade condutora que determina o desenvolvimento da criança. Para Horn (2004, p.20), uma implicação pedagógica importante que emerge das idéias de Vygotsky é a de que, para a criança brincar e exercitar sua capacidade de compreensão e produção de conhecimento, é essencial que haja um espaço em sala de aula organizado visando a esse objetivo. Sendo assim, um espaço despovoado de objetos e de materiais instigantes e desafiadores, ou seja, de brinquedos que evoquem enredos de jogo simbólico, é a própria negação do que Vygotsky considera fundamental para o desenvolvimento infantil. Segundo Vygotsky (appud HORN, 2004, p.20), o desenvolvimento humano é uma tarefa conjunta e recíproca. No caso da criança em idade pré-escolar, o papel do adulto é o de

5 parceiro mais experiente que promove, organiza e provê situações em que as interações entre as crianças e o meio sejam provedoras de desenvolvimento. Nessa dimensão, o espaço se constitui no cenário onde esse processo acontece, mas nunca é neutro. Tendo como referência as idéias de Vygotsky, entende-se que o papel do professor é de interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam de forma espontânea. Essa intervenção, sobretudo na escola infantil, dependerá do modo como o professor, o parceiro mais experiente, organiza, por exemplo, jogos e materiais relacionados aos mais diferentes campos do conhecimento ( linguagens, matemática, ciências, artes) que, em tal estágio de desenvolvimento das crianças, serão os mais adequados e do modo como organizam os cantos da sala de aula, como o canto dos livros, do faz de conta, das construções, os quais permitirão enredos com a participação em duplas, trios ou grupos maiores de crianças. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), a organização do espaço físico, os materiais, brinquedos, instrumentos sonoros e o mobiliário não devem ser vistos como elementos passivos, mas como componentes ativos do processo educacional. O espaço físico das instituições sempre reflete os valores que elas adotam e são marcas sugestivas do projeto educativo em curso. Para Zabalza (appud MELIS, 2007, p.11), o espaço educa, assim como faz a linguagem ou as relações interpessoais. E atua como marco de condições, isto é, tem capacidade para facilitar, limitar e orientar tudo o que se faz na escola infantil. Tudo o que a criança faz e aprende acontece em um ambiente, em um espaço cujas características afetam tal conduta ou aprendizagem. De acordo como é organizado o ambiente, podemos obter experiências formativas ou outras que serão mais ou menos ricas e enriquecedoras segundo a organização feita dos espaços e dos recursos. O espaço é também um contexto de significados e emoções. Cada zona, cada elemento ou condição do espaço, significa coisas diferentes e o vivenciamos de formas diferentes. Há espaços para a brincadeira e para o repouso, para compartilhar e para estar só, para o trabalho e para o ócio, espaços de prazer e de obrigações, próprios e alheios. Para os educadores, os espaços são, principalmente, fonte de oportunidade, a condição externa que favorecerá ou dificultará o processo de crescimento pessoal, dos educadores e das crianças, e condicionará o desenvolvimento das atividades educativas que desejam realizar.

6 3 BREVE HISTÓRICO SOBRE A QUESTÃO DO ESPAÇO NA EDUCAÇÃO INFANTIL O espaço físico isolado do ambiente só existe na cabeça dos adultos para medí-lo, para vendê-lo, para guardá-lo. Para a criança, existe o espaço-alegria, o espaçomedo, o espaço-proteção, o espaços-mistério, o espaço-descoberta, enfim, os espaços de liberdade ou de opressão (LIMA, 1989, p.30). Pensando em discutir o espaço educacional sob a perspectiva da arquitetura, a contribuição de Mayumi Souza Lima (appud HORN, 2004, p.25) arquiteta brasileira que trouxe importantes contribuições ao estudo dos ambientes escolares, deve ser considerada, sobretudo no destaque que dá à abordagem histórica do espaço escolar. Sua ênfase recai sobre o modo como o espaço interfere no disciplinamento das crianças e no controle dos movimentos corporais. Suas considerações acerca desse tema nas décadas de 1950 e 1960, resultado de estudos realizados nas escolas públicas de São Paulo, mostram que os espaços escolares não eram muito diferentes dos da França e da Inglaterra no século XIX. Tais espaços impunham ordem e disciplina em detrimento das necessidades das crianças. A própria planta dos prédios escolares previa os espaços como modo de controle da disciplina, com as salas de aula organizadas com filas de classes, corredores de circulação estreitos, cores frias, etc. Segundo Mayumi, qualquer organização dos espaços escolares buscava, em última análise, tornar-se um poderoso aliado para poder controlar e vigiar a ação infantil. Em nome da economia, muitos prédios escolares eram construídos com corredores e passagens com pouca largura, induzindo os alunos a andarem em filas. Ao lado, as janelas pequenas impediam um maior contato com o mundo exterior, cuja existência era justificada pela necessidade de segurança. É importante considerar que tais constatações não refletem apenas a realidade do Brasil e não estão distantes da nossa realidade. Hoje é comum encontramos nas escolas, principalmente as privadas, sistemas eletrônicos de controle sobre todos seus espaços. No entanto, Lima (appud HORN, 2004, p.27) apontou algumas modificações no modo como as escolas, mais especificamente as salas de aula, organizaram seus espaços. Os estrados foram retirados, e os cantos de castigo desapareceram; porém, na realidade, isso não significou que tenham, de fato, sido retirados. Muitas vezes, o modo de conduzir a prática

7 docente por parte dos professores reflete a existência do estrado e das classes enfileiradas, mesmo sem a concretude disso. A dificuldade de alguns educadores em trabalhar com corpos que se movimentam é muitas vezes evidente. Por muito tempo, se afirmou a estratégia de se controlar o pensamento das crianças por meio do controle dos movimentos. Um dos meios encontrados para isso em São Paulo, na década de 1960, foram carteiras escolares chamadas de pé-de-ferro : literalmente, elas eram pregadas ao piso de duas em duas, inspiradas em modelo inglês. A maioria das escolas brasileiras ainda oferece um espaço que determina a disciplina, em uma relação de mão única, na qual a criança é mantida em uma imobilidade artificial. Na Educação Infantil, é comum os arranjos espaciais não permitirem a interação entre as crianças, impossibilitando sua apropriação dos espaços através de objetos, desenhos e nomes. A própria prática docente desenvolvida em muitas instituições de educação infantil defende o espaço como aliado ao controle dos corpos e dos movimentos considerados importantes no que é entendido como pré-alfabetização. Para Horn (2004, p.28), é no espaço físico que a criança consegue estabelecer relações entre o mundo e as pessoas, transformando-o em um pano de fundo no qual se inserem emoções. Essa qualificação do espaço físico é que o transforma em um ambiente. Segundo Escolano (appud HORN, 2004, p.28), a escola é um lugar construído que se decompõe e recompõe à luz das energias e das relações sociais que se estabelecem. Com elementos simbólicos próprios e adquiridos, a arquitetura da escola, sua fachada externa ou interna, responde a padrões culturais e pedagógicos que as crianças vão internalizando e aprendendo. Portanto, a arquitetura escolar é, por si só, o que materializa todo um esquema de valores, de crenças, bem como os marcos da atividade sensorial e motora. Sendo assim, ela está inserida em uma cultura e a desvela, em suas formas, arranjos e adornos, cujos estímulos seriam transmitidos por mediação dos adultos e de práticas culturais. Essa idéia já estava presente na educação infantil há muito tempo atrás, através das teorias de Froebel (1837) e Montessori (1907) que legitimavam um espaço organizado para crianças pequenas, o qual procura integrar princípios de liberdade e harmonia interior com a natureza, propondo um arranjo espacial em ambientes muito diferentes dos vividos na época deles por crianças com menos de seis anos. Esses teóricos, planejaram um espaço que fez parte integrante de suas metodologias, definindo-o à luz das necessidades infantis. Segundo Horn (2004, p.29) a grande inovação, naquela época, foi o fato de adequar os espaços às necessidades das crianças pequenas. Fazendo uma verdadeira revolução no que diz respeito aos espaços e aos ambientes destinados à Educação Infantil, Froebel e Montessori

8 foram grandes precursores da importância da organização do espaço na metodologia do trabalho com crianças pequenas. Friedrich Froebel, conhecido como o pedagogo dos Jardins-de-infância, defendia a idéia de que as crianças seriam como flores a serem regadas e cuidadas, por isso, as professoras eram conhecidas como jardineiras. Além disso, o nome, Jardim-de-infância também tinha como referência o lugar onde se desenvolveria a ação educativa. Desse modo, a escola para crianças pequenas deveria ser um lugar onde elas pudessem ter um contato mais próximo com a natureza, conviver com animais e plantas e mexer na água e na terra. Alguns espaços encontrados hoje em algumas escolas infantis, inclusive o da escola observada, guardam essas influências. É importante lembrar que, as idéias de Froebel definem o primeiro modelo formalizado de educação pré-escolar. A pedagogia de Froebel valorizava os espaços não-edificados e a necessidade de haver locais específicos para a prática de jogos, de jardinagem e de agricultura. Ao mesmo tempo, esses espaços seriam utilizados para lazer e recreio. Desse modo, o modelo educativo de Froebel previa uma educação integral e harmônica que terá correspondência em um projeto arquitetônico em espaços abertos e fechados. Os chamados Jardins-de-infancia deveriam ter diferentes espaços, destacando-se os externos como os maiores e mais significativos. Neles, havia algumas divisões. Aquele destinado às atividades individuais era subdividido em metros quadrados, um para cada criança, onde ela trabalhava sozinha, cultivando seu canteiro como melhor desejasse. O segundo espaço era dedicado ao trabalho coletivo, onde os alunos também plantavam, mas de forma conjunta. Nesses espaços estavam previstos locais fechados, para guardar os instrumentos de trabalho. Havia também espaços destinados à criação de animais, como peixes, aves, entre outros, para serem observados e estudados pelas crianças, conforme já mencionado. Além disso, um amplo pátio com árvores e fontes de água completavam um cenário para lazer, juntamente com uma área coberta para os dias de chuva. Em relação à parte interna, as salas de aula eram amplas e bem iluminadas, com capacidade para 25 alunos, tendo comunicação direta com o pátio aberto, o que possibilitava que as atividades propostas pela professora pudessem ser realizadas ao ar livre. As mesas de trabalho acomodavam cinco crianças e podiam ser reunidas em grupos maiores. As salas de aula possuíam, nas paredes, um quadro para o ensino do desenho, frases com mensagens de cunho moral, mapas, além de armários com portas de vidro para guardar materiais e trabalhos realizados pelas crianças.

9 Vale destacar que o modelo de organização proposto por Froebel está atrelado a uma proposta pedagógica pautada no desenvolvimento da natureza interna da criança, iniciando-se no nascimento e prolongando-se no decorrer da vida. Assim, o objetivo maior da educação será a unidade harmônica da natureza-humanidade-universo, meio este que conduz o homem a ser inteligente e racional de acordo com uma lei universal e divina. Baseada nas idéias de liberdade, de atividade e de independência, Maria Montessori, médica italiana, desenvolveu, entre o final do século XIX e início do século XX, uma metodologia para trabalhar com crianças de três a seis anos, na qual se destacavam os cuidados físicos e a educação dos sentidos. De acordo com Montessori (appud HORN, 2004, p.31), uma das condições essenciais de sua proposta era permitir as manifestações livres das crianças. Em primeiro lugar, essa liberdade se explicava na supressão de coações exteriores, como aquelas exercidas por um mobiliário fixo, e das interiores, como prêmios e castigos. Quando surgiu, tal proposta se revelou revolucionária, já que se contrapunha a uma disciplina rígida, fundamentada, principalmente, na imobilidade das crianças. Ao contrário disso, um dos principais objetivos da metodologia montessoriana era disciplinar pela atividade e pelo trabalho, em um espaço onde os alunos se movimentassem com liberdade na escolha de tarefas a serem realizadas. Sob essa ótica, o planejamento considera a criança em sua relação com os objetos. Por isso, os materiais eram espacialmente construídos a fim de desenvolver todos os sentidos e todas as noções espaciais, os quais refletiam a vida doméstica e foram pontos referenciais da metodologia. No espaço interno da sala de aula, os lugares e os materiais se destinavam à realização de atividades de desenhar, de modelar e de reproduzir atividades domésticas (como lavar, passar, cozinhar). Hoje em dia, a organização dos espaços encontrados em algumas salas de aula de escolas infantis, mesmo que de modo tímido, como a casa da boneca, dos jogos, da biblioteca, tem sua origem, certamente, em Montessori. Na metodologia montessoriana, evidencia-se uma preocupação constante com a organização de um ambiente onde as crianças pudessem se descentrar da figura do adulto. Isto é, o controle passa do educador para o ambiente. Montessori afirmava que deveríamos organizar o espaço de modo que a vigilância do adulto e seus ensinamentos fossem minimizados, pois, consequentemente, a interferência do adulto seria reduzida. Desta forma, a beleza do ambiente e o desafio dos objetos, por si só, deveriam estimular as crianças a agir. A condição fundamental da organização desse ambiente deveria ser a harmonia, o colorido, a disposição de móveis e objetos que convidassem as crianças a interagirem, a brincarem e a trabalharem.

10 O destaque especial na metodologia montessoriana era o equipamento, os materiais e o mobiliário. Além de tudo ser adequado ao tamanho das crianças, também permitia que mesas, cadeiras e poltronas de palha ou de madeira fossem transportadas por elas. Pias com altura acessíveis aos alunos, estantes com cortinas coloridas, aquário com peixes e quadro-de-gis compunham o ambiente. O grande avanço desta proposta é o fato de o planejamento espacial ser parte constitutiva de um novo modo de considerar e de ver a criança pequena. Além disso, o significado histórico do método de Montessori se traduz também, entre outros aspectos, pela valorização da arte e da estética. Os ambientes infantis eram decorados com obras de arte, o que, de certo modo, aproximava e introduzia as crianças ao mundo das artes. O fato de colocar as crianças em contato com a arte é, até os dias de hoje, um aspecto muito valorizado nas escolas infantis italianas. Nas pertencentes à rede pública da região de Reggio Emilia, por exemplo, isso é marcante. Hoje, o reconhecimento da importância dos componentes do ambiente sobre o desenvolvimento infantil e, consequentemente, sua influência sobre a prática pedagógica nas instituições de educação infantil, vem-se acentuando. Atualmente, a organização dos espaços internos das instituições de educação infantil em canto de atividades tem sido cada vez mais presente em escolas de diferentes partes do mundo, envolvendo o Brasil. Recentes estudos sobre a organização de espaços, também constataram a importância do papel da organização de espaços na prática pedagógica desenvolvida com crianças de zero a seis anos pelos educadores. Zabalza & Fornero (appud HORN, 2004, p.35) fazem uma interessante distinção entre espaço e ambiente, apesar de terem a clareza de que são conceitos intimamente ligados. Afirmam que o termo espaço refere-se aos locais onde as atividades são realizadas e caracterizam-se pelos objetos, pelos móveis, pelos materiais didáticos e pela decoração. Por sua vez, o ambiente diz respeito ao conjunto desse espaço físico e às relações que se estabelecem no mesmo, as quais envolvem os afetos e as relações inter-pessoais envolvidas no processo, adulto e criança. Nesse entendimento, não se considera somente o meio físico ou material, mas também as interações que se produzem nesse meio. É um todo indissociável de objetos, odores, formas, cores, sons e pessoas que habitam e se relacionam dentro de uma estrutura física determinada, que contém tudo, e que ao mesmo tempo é contida por esses elementos que pulsam dentro dela como se tivessem vida. Fornero & Zabalza (1998, p.233) afirmam que o

11 ambiente fala, transmite-nos sensações, evoca recordações, passa-nos segurança ou inquietação, mas nunca nos deixa indiferentes. O espaço é entendido sob uma perspectiva definida em diferentes dimensões: a física, a funcional, a temporal e a relacional, legitimando-se como um elemento curricular. A partir desse entendimento, o espaço nunca é neutro. Ele poderá ser estimulante ou limitador de aprendizagens, dependendo das estruturas espaciais dadas e das linguagens que estão sendo representadas. Na região da Reggio Emília, norte da Itália, em escolas públicas municipais infantis, o conceito de ambiente também é entendido como um sistema vivo, em constantes transformações. Algumas idéias são básicas na organização desses ambientes: o planejamento de como os espaços e os ambientes serão estruturados é discutido e pensado por toda a comunidade escolar: pais, alunos, funcionários; os espaços e os ambientes refletem uma cultura que é própria de cada realidade, o que determinará diferenças significativas de uma escola para outra; as interações sociais que a organização espacial permite serão fatores preponderantes nas aprendizagens que as crianças realizam; o ambiente de uma escola infantil deverá ser acolhedor através das cores, dos objetos, dos aromas, da harmonia e da calma que tudo isso transmitirá às crianças. O planejamento desse espaço foi pensado em parceria com professores, pais, crianças e administradores, perpassando a idéia de que as crianças devem sentir que toda a escola, incluindo espaço, materiais e projetos, valoriza e mantém sua interação e comunicação ( RINALDI, 1999, p.46). Outro dado importante a ser considerado no trabalho realizado em Reggio Emilia é a idéia de que o espaço escolar não se restringe às paredes da sala de aula. Os espaços externos são considerados prolongamento dos espaços internos, sendo utilizados por meio de uma perspectiva pedagógica. A importância do espaço e do ambiente dada pela concepção de ensino de Reggio Emília, em um sentido mais amplo, é que não se pode considerá-los fixos ou imutáveis, mas, pelo contrário, como parte de um processo de mudança e crescimento. Portanto, o espaço está sempre pronto para mudar com os sujeitos, as crianças que o habitam. Para Horn (2004, p.37), o espaço é algo socialmente construído, refletindo normas sociais e representações culturais que não o tornam neutro e, como consequência, retrata hábitos e rituais que contam experiências vividas. Até então, na história, os espaços foram se construindo como uma das formas de controlar a disciplina, constituindo-se como uma das dimensões materiais do currículo.

12 A partir dessas premisas, Horn (2004, p.39), afirma que o lugar de sala de aula está organizado com suas paredes, aberturas, com sua iluminação, com seu arejamento. Entretanto, existe um espaço a ser povoado, com cores, com objetos, com distribuição de móveis. Ele deveria ser definido pelo professor e por seus alunos em uma construção solidária fundamentada nas preferências das crianças, nos projetos a serem trabalhados, nas relações inter-pessoais, entre outros fatores. O que se observa, via de regra, é que os professores muitas vezes se apoderam dos espaços, decorando-os e organizando-os a partir de uma visão centralizadora da prática pedagógica, excluindo as crianças disso. Na educação infantil, é comum encontrarmos escolas decoradas com personagens da Disney ou da turma da Mônica, colados ou pintados nas paredes, sem nenhuma interferência das crianças, que, cotidianamente, passam algumas horas de seu dia nestes espaços, como se as crianças não pudessem trabalhar com outros temas que não esses, e como se elas não pudessem ter vontade própria. Para Zabalza ( 2007, p.11) a forma como organizamos e estruturamos o espaço físico da nossa sala de aula constitui em si só uma mensagem curricular, reflete nosso modelo educativo e reflete direta e indiretamente nosso estilo de trabalho, isto é, a forma como entendemos qual deve ser o papel educativo do professor e o que esperamos das crianças com as quais trabalhamos. 4 O EXEMPLO DA ESCOLA VIVA 4.1 Um pouco da história da Escola Viva A Escola viva foi criada em 1973 por três educadoras que se uniram para criar o Atelier Arte Expressão, um espaço de complementação à escola, voltado para a expressão, onde desenvolviam trabalhos com música, expressão corporal e artes plásticas. Tempos depois, a partir de uma demanda dos pais e alunos e da vontade das fundadoras, o Atelier transformou-se em escola de Educação Infantil, que hoje está localizada na zona sul de São Paulo no bairro da Vila Olímpia e atende, em sua maioria, famílias que pertencem à classes média alta e alta.

13 Atualmente, a escola também inclui o Ensino Fundamental, que funciona em uma unidade próxima ao Infantil. Ao todo a Escola Viva atende cerca de 1100 alunos, sendo 660 só na Educação Infantil. Para Helô Pavan, diretora da Escola Viva e uma de suas fundadoras, o jeito de se organizar da Escola Viva, fala sobre o seu princípio filosófico, qual a sua base, por onde as idéias trafegam e tem muito a ver com o desenvolvimento e a trajetória da escola. A escola começou em uma casinha geminada com um Flamboyant na frente, na época do movimento hippie em que havia um contexto de aproveitamento. Móveis velhos foram cortados e a organização do espaço foi sendo improvisada com idéias que se mantém até hoje, como a organização dos cantos, do mobiliário e da organização de modo funcional favorecendo o acesso das crianças. Com o tempo, o espaço começou a ficar pequeno e uma casa ao lado foi alugada. Para Helô, a idéia de se construir devagar, aos poucos, se apropriando do espaço, tem a ver com o jeito de ser da Escola Viva, a escola foi crescendo na medida em que podíamos, com a colaboração das pessoas, acreditando que o elemento humano é muito importante, prevendo uma organização de tempo, espaço e da estrutura. (Helô). Hoje, a escola cresceu bastante e possui diversos espaços, todos localizados na mesma rua. 4.2 Como o espaço é pensado e organizado na Escola Viva A partir da pesquisa realizada na Escola Viva pôde-se observar que a preocupação com a organização dos espaços é uma marca da instituição. Segundo Helô, pensar espaços, objetos e materiais faz parte da proposta pedagógica da escola e é entendida como uma questão educativa e curricular, pois o espaço informa, provoca pensamentos, cuida de uma ou outra competência e estabelece prioridades. O projeto arquitetônico da escola é composto de construções aparentemente simples e com paredes neutras. Desta forma, são ressaltados os trabalhos e as relações das crianças, que são protagonistas deste espaço. No início do ano, as crianças encontram a escola nua, as paredes da escola tanto das salas de aula como da parte externa, estão brancas e não há nenhum material exposto. Desta forma, ao longo do tempo, o espaço vai ganhando a cara dos grupos e sendo composto pelas

14 produções das crianças, individuais e coletivas, de forma a comunicar a história de cada grupo, suas descobertas, suas pesquisas, indagações e produções. As crianças participam deste processo. São elas quem decoram a escola com seus trabalhos e exposições, desse modo, a decoração passa a ter sentido para as crianças e também para o professor. No parque, por exemplo, está instalada uma mandala feita por alunos, uma formiga de tamanho gigante feita de arrame está em cima de uma árvore além de móbiles e outras instalações. Foto 1. cabides para colocar as mochilas com mural em cima Foto 2. casa de papelão no quintal Figura 3. crianças observando mural da sala Figura 4. instalações de sucatas A estrutura das salas é composta por vários espaços: um mais circunscrito, mais fechado, outro intermediário, que é como um prolongamento da sala chamado de varanda, e o espaço externo. Todas as salas tem essa estrutura e possuem amplas janela de forma que as crianças possam ter contato com o espaço externo.

15 Foto 5. sala de aula com porta de correr fechada. Foto 6. sala de aula com a porta de correr aberta Além disso, existem os espaços comuns, especialmente pensados para cada atividade: uma sala mais funcional para experiências, uma mais confortável para assistir vídeos, uma outra mais acolhedora, com uma possibilidade acústica interessante para ouvir música, e alguns cantos de faz-de-conta coletivos. Grande parte dos móveis encontrados nas salas da Escola Viva, são flexíveis, fáceis de transportar e exercem diversas funções, desta forma estão diretamente relacionados às situações imprevisíveis, que ocorrem ao longo da rotina de trabalho. Foto 7. armário com espelho Foto 6. do outro lado com livros Foto 8. meninas atrás do armário e rodinhas O espaço é organizado de diversas formas, procurando atender as necessidades dos alunos e também do professor. Pequenos cantos num momento, afastar tudo para organizar um roda em outro momento, transformar a mobília num grande faz de conta ou então em um suporte para a realização de atividades de artes.

16 Foto 9. mesas viram suporte para atividade de pintura vertical Foto 10. desenho no chão Também existe uma grande flexibilidade em relação à realização de atividades que não precisam acontecer em lugares fixos. Foto 11. atividade de atelier na parte interna Foto 12. atividade de atelier na parte externa Todas as salas possuem um mural fora da classe com exposições permanentes organizadas pelo grupo, estes murais informam e também transmitem valores cultivados pela escola pois, através da leitura das paredes e dos murais das salas, é possível entender e presumir o que acontece no cotidiano de cada grupo.

17 Foto 13. mural na entrada da escola Foto 14. mural na entrada da sala O espaço também está organizado de tal forma que favorece momentos de brincadeiras coletivas, cantinhos para brincadeiras solitárias e momentos de privacidade e aconchego. Foto 15. brincadeira coletiva Foto 16. menino brincando sozinho Foto 17. momento de aconchego O parque da escola é de terra batida, tem lama, galhos, folhas secas e frutas caídas como pitanga e amora, viveiro de animais como, marrecos, coelhos, galinhas e tartarugas, horta, latões de sucata e alguns espelhos em cantinhos estratégicos. O momento do parque é organizado, pelos professores, em cantos como, areia, faz de conta, brinquedão, jogos corporais, casa na árvore e meio ambiente e é repensado pela equipe da escola o tempo todo, com o objetivo de propor novos desafios quando necessário. Para a equipe pedagógica, o momento do parque, chamado de hora do quintal, é visto como um momento rico e que deve ser explorado e observado de forma reflexiva pelos professores porque é neste momento que as interações entre as crianças mais acontecem.

18 Foto 18. brincando com a sombra Foto 19. fazendo um rio Foto 20. passeando de canoa Segundo a diretora da escola, as crianças atendidas por eles são bastante estimuladas intelectualmente, incentivadas em casa, mas o aspecto mais relacionados à autonomia, à mobilidade, ficam prejudicados, porque, em geral, essas crianças têm muitas empregadas, são mais tuteladas. Desta forma, a escolha por ter um chão de terra batida, viveiro de animais, possibilidades de plantio, árvores, latões de sucata, vem ao encontro às necessidades das crianças que a escola atende. Por isso é tão importante, para os educadores da escola, manter espaços onde as crianças possam fazer experiências, se sujar, estar mais próximas da natureza. O parque também oferece uma grande diversidade de materiais como, plantas com cheiro, com flor, de tamanhos diferentes, materiais com diferentes texturas como bambus, toras, pedras, umas coisas mais quentes, outras mais frias, etc.tudo isso enriquece o universo da criança. Foto 21. sentindo o cheiro Foto 22. pisando na lama Foto 23. subindo na árvore da planta Segundo a coordenação pedagógica da escola, o professor é visto como modelo, uma referência muito importante enquanto pensador e organizador de espaços, já que ele observa e conhece as demandas de seu grupo.

19 Os depoimentos das coordenadoras pedagógicas e da direção da instituição escolar, assim como, a prática observada, demostram que a Escola Viva entende o espaço como um agente educador, que acolhe, organiza, provoca e favorece o desenvolvimento de seus alunos. Pôde-se observar que a organização do espaço na Escola Viva procura favorecer questões como o auto-conhecimento e a construção da identidade, a sensação de segurança e confiança, pois acolhe seus alunos e suas famílias, a mobilidade das crianças pelo espaço, favorecendo o desenvolvimento da autonomia, o contato social, momentos de privacidade, oportunidades para movimentos corporais, contato com a natureza, valorização dos padrões estéticos, estimulação dos sentidos, através da diversidade de materiais acessíveis as crianças, oportunidades para o crescimento, o desenvolvimento da independência e da autonomia e a possibilidade de participação das crianças na organização, montagem e manutenção de espaços coletivos e individuais. Para Helô Pavan, os detalhes fazem diferença na dinâmica escolar e é importante que a equipe pedagógica de um planejar o espaço, de modo que pense nos objetivos, nos indivíduos que estão envolvidos, na forma de fazer a passagem de uma atividade para outra, na luz, os objetos, o mobiliário, a quantidade de pessoas, a disposição das crianças, a organização de um painel são coisas importantes de serem pensadas. Ao mesmo tempo que o ambiente tem que ser uma unidade, tem que falar do grupo. Da mesma forma, as várias idades, a integração das turmas, a junção precisa ser prevista. Uma dupla pode funcionar bem para um jogo, em outros, três é um bom número para que ocorra o impasse. Para ela, é importante estar sempre revendo, ver se está funcionando realmente. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS No Brasil, a educação infantil percorreu um longo caminho, o qual, em certos momentos vinculou-se à saúde em seus pressupostos higienistas; em outros, à caridade e ao amparo à pobreza e, em outros ainda, à educação. Como conseqüência da própria trajetória histórica da educação infantil, diferentes momentos emergiram nas propostas de trabalho desenvolvidas nas instituições de educação infantil no Brasil. A produção científica foi ampliada, e as pesquisas sobre infância, em diferentes dimensões, influenciaram muito o referencial pedagógico para essa etapa de ensino.

20 Segundo Horn (2004, p.13), temos hoje um novo ordenamento legal iniciado com a Constituição de 1988 que se desmembra através do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), pela Lei Orgânica da Assistência Social (1993) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, 1996). Como resultado disso, um novo status é conferido à criança, garantindo-lhe direitos e tratamento de cidadã. No atual contexto, sem dúvida, a LDB significou um grande avanço nessa área, rompendo com toda normatização até então encontrada no país. Anos e anos de uma prática voltada somente para guarda e para o cuidado, de pouca atenção à formação profissional dos educadores infantis e de um atendimento precário em todos os sentidos não se dissiparão como em um passe de mágica. É necessário muito trabalho e muitas modificações, tanto estruturais quanto pedagógicas. Para Horn (2004, p.14), neste momento tão crucial para a educação infantil, podemos perguntar: Por onde começar? Que caminhos trilhar para dar às crianças de zero a seis anos uma educação de qualidade? Qual poderia ser o fio condutor nas mudanças? Investir na formação dos profissionais que atuam nessa área é um dos caminhos a serem seguidos. Perrenoud (appud MELIS 2007, p.55), afirma que formar professores, a partir de situações de aprendizagem, deveria ser a meta desses programas, da educação infantil até a universidade, tornando-os profissionais que dominam as habilidades de seu ofício. Esse autor aponta que o desenvolvimento de algumas competências são fundamentais nesse processo, como aprender a ver e a analisar; aprender a ouvir; a escrever, a ler e a explicar; aprender a fazer; aprender a refletir. Para Horn (2004, p.21), a precariedade na formação de educadores infantis no Brasil, de modo geral, é de toda ordem. Vários motivos podem ser apontados, desde os aspectos históricos da trajetória dessa etapa de ensino até a cultura ainda muito forte de que, para trabalhar com crianças, basta gostar e ter paciência com elas. Um dos aspectos mais evidentes dessa difícil situação diz respeito à organização dos espaços nas instituições de educação infantil. Sem contar com o espaço como fio condutor, o debate sobre formação de professores se perde em um labirinto dos mecanismos institucionais e disciplinares. (PERRENOUD, appud MELIS, 2007, p.71). Para Horn (2004, p.15), o olhar de um educador atento é sensível a todos os elementos que estão postos em uma sala de aula. O modo como organizamos materiais e móveis, e a