Revista Raça Brasil nos 10 anos de identidade e afirmação

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Transcrição:

Revista Raça Brasil nos 10 anos de identidade e afirmação (*) Suzana Tavares É com grande prazer e orgulho que na semana da Consciência Negra onde relembramos 200 anos da imortalidade do guerreiro Zumbi dos Palmares e 96 anos da Revolta da Chibata chefiado por João Cândido Felisberto, o nosso Almirante Negro que no dia 23 de novembro apresento a minha monografia de tema: As representações sociais na ressignificação da identidade étnica do povo negro: no caso da revista Raça Brasil como trabalho de conclusão do curso de jornalismo. Para mim é uma grande honra encerrar a minha graduação falando da Raça Brasil, que neste contexto, fez da luta e do sonho de Zumbi e de João Cândido uma realidade que é dá visibilidade, posicionar o lugar do negro na estrutura social e despertar uma consciência racial. Durante muito tempo acreditou-se na inferioridade dos negros aos brancos, com relação à sua estética, comportamento, cultura, economia e política. Essa imagem estereotipada imputou a esse grupo étnico o desenvolvimento da baixa estima. Sem referência positiva da sua imagem, o negro começou abdicar de sua raça, sua cultura, seus valores, iniciando um processo de branqueamento cultural, estético e comportamental. Nesse sentido, a exclusão da população afro-descendente das aparições em mídia somente reforça a idéia de que essa população formaria uma massa de receptores dominados (consumidores passivos) frente a um pequeno grupo de emissores dominantes (produtores e consumidores ativos) quando, na verdade, o surgimento no Brasil de indústrias étnicas e o aparecimento da chamada Afromídia e mercados segmentados, trazidos no bojo da globalização, prova que a população Afro-descendente brasileira é merecedora de especial atenção num mercado de economia formal mundial, já que movimenta um mercado que hoje se distribui por quase todos os setores de produção industrial brasileira especial atenção à indústria editorial, beleza e moda, alimentação e entretenimento. Faz parte do processo de racialização da sociedade brasileira a descoberta de uma classe média negra

pela mídia. Muitos derivam a sua dignidade como cidadãos do fato de poderem se ver e serem vistos como iguais. Não há dúvida de que a ação afirmativa produz mobilidade educacional para alguns poucos, que tiveram condições para concluir o ensino médio. Os cargos governamentais que surgem no bojo dos programas de ação afirmativa também oferecem oportunidades para ascensão social. Procurando denunciar o chamado mito da democracia racial, surgiu na década de 1970 o que hoje denominamos movimento negro contemporâneo. A parti de 1990 a imprensa negra questiona a nova tendência da indústria de consumo nacional envolvendo produtos e serviços que, além de propagar a idéia de que os negros podem e têm o direto de consumir como qualquer pessoa no Brasil. E com isso, a ênfase das linhas editoriais da chamada Afromídia caminharam muito mais na direção de discussões sobre música, saúde, beleza comportamento. Não que o mercado não soubesse da sua existência, mas ignorava, até surgir um veículo, de caráter mercadológico que mostrou ser possível trabalhar a imagem do negro sem soar agressão amoral da classe dominante. Tal postura agregou adeptos à idéia e, desde então, começaram a surgir ou evidenciar segmentos valorizando a imagem étnica negra. O estudo das publicações permite afirmar que o negro representado na revista Raça Brasil corresponde, entre outros aspectos, a uma pequena parcela dos afro-descendentes que conseguiu alcançar uma condição melhor de vida. Porém, o discurso da revista valoriza o carisma da raça negra e visa a formação de uma identidade racial étnica, levando a cultura afro a uma visibilidade perante a sociedade, resgatando a sua herança cultural. Os produtores da revista Raça Brasil constroem uma representação com o propósito de que o leitor se identifique com exemplos de ascensão social do negro, auto-estima e a valorização da cultura étnica negra. Sendo assim, a revista pode ser compreendida como uma estratégia de ver o negro com um novo olhar e despertar uma consciência étnica entre seus leitores, levando-os uma reflexão sobre sua cultura e sua posição na sociedade.

A introdução da revista Raça Brasil no mercado editorial brasileiro quebrou muitos paradigmas. A revista se revela por tentar reverter estereótipos como as do negro preguiçoso, pobre, sujo, feio e burro, trazendo matérias nas quais uma composição de valores mostra o contrário: negros bem-sucedidos e bonitos. E para muitos, reverter esse quadro de valores é uma luta importante, na tentativa de resgatar a estima dos afrodescendentes. A revista Raça trouxe um novo conceito da imagem do negro e, com ela, a existência de uma comunidade negra. A Raça Brasil tem cumprido o importante papel de trabalhar a auto-estima dos negros e negras, valorizando a cor da sua pele, o seu cabelo, as suas feições. Ajudando hoje os movimentos negros e os diversos movimentos de resistência cultural na luta pelo respeito e ascensão do negro na estrutura social. É desta forma que vemos a atuação da revista Raça, um meio de comunicação voltado para despertar uma consciência étnica nos seus leitores, tendo o propósito de ajudar a resgatar a história do povo negro, dando em suas publicações informações cruciais sobre o papel dos negros no desenvolvimento deste país. Como foi mostrado no capítulo cinco deste estudo, na análise do discurso sobre cultura no artigo Heróis das Letras (Edição 95 - Fevereiro/2006), que trata de mostrar como deve ser implantada a execução da disciplina História da África nas escolas. Na verdade esta publicação vem no bojo de um projeto chamado Raça Educação, que tem o propósito de ajudar a resgatar a história da população negra brasileira, onde a revista acredita que será proveitosa para os leitores saberem informações sobre o papel dos negros no desenvolvimento do Brasil. O interesse pela temática cultura popular e identidade liga-se à percepção de que o lugar do indivíduo no mundo passa por investimentos simbólicos - comportamentos, atitudes, opiniões - pelos quais ele se afirma e negocia com os demais atores, sua forma de inserção na sociedade. Desta forma, a valorização das diferenças e a afirmação da cidadania através da igualdade universal de direitos e deveres são os parâmetros centrais da revista, assim como a defesa do sistema de cotas, como resultado das reivindicações e denúncias das organizações do Movimento Negro, que nos últimos anos, ganharam espaço nos meios de comunicação,

sendo este um ponto forte que a revista argumenta como forma de minimizar a distância econômica e social entre negros e brancos, a partir de uma educação interétnica, visando a uma modificação de atitudes racistas através do processo educacional. A discussão sobre políticas afirmativas e promoção dos afro-brasileiros é salientada pela revista para dar visibilidade ao negro, sendo este o primeiro passo para reverter o quadro real da desigualdade social. As representações são idéias, conceitos, concepções, valores, princípios e imagens com os quais pensamos sobre a realidade, sobre nossas condições de existência. As nossas práticas, as nossas atitudes cotidianas são orientadas pelas representações que formamos em nossas mentes sobre quem somos, o que devemos fazer e como devemos interagir com as outras pessoas. As representações estão entre os elementos que formam a identidade de cada um, mas não são pensamentos inatos que definiriam a essência de cada ser humano, ou seja, elas são construídas relacionalmente nas trocas intersubjetivas. Não é possível viver sem representar, isto é, sem construir um conjunto de idéias em nossas mentes a respeito de tudo que se apresenta para nós. Os negros, como mostrados na análise do discurso da revista, estão lutando pela alteração das representações presentes na identidade nacional brasileira, segundo as quais são ainda vistos como cidadãos inferiores. Precisamos continuar o trabalho de desconstrução das representações dominantes sobre o ser negro em nosso país, que quase sempre os associam às situações hierárquicas econômicas, religiosas, culturais e estéticas herdadas de nosso passado colonial de forma negativa. A associação do termo negro à crise, feiúra, pobreza, ignorância e marginalidade deve ser revertida. Os meios de comunicação de um modo geral, atuando no campo da cultura e suas diferentes expressões, capta algumas tendências e as dissemina. Assim, sua atuação pode reforçar preconceitos reproduzindo estereótipos dominantes no discurso social; ou promover e fortalecer novos valores e visões de mundo abrindo espaço para outras versões da realidade.

A crítica cultural, presente nas linhas editorias da revista para defender os direitos da população negra, pode dar uma grande contribuição para a superação das representações que dominam estas identificações e para a construção de um novo senso comum sobre os negros brasileiros. A identidade de projeto que se institucionaliza, a exemplo, a criação da revista Raça Brasil, na qual os atores, com base nos materiais culturais disponíveis, constroem novas identidades, redefine seu local social e buscam mudanças na estrutura social. É interessante ressaltar que acompanhei as edições da revista de janeiro de 2005 a setembro de 2006 e não encontrei nenhuma matéria que falasse efetivamente, de forma mais profunda, a história do povo negro, das sua significativas lutas de resistência, como a vida de Zumbi dos palmares ícone da luta contra a escravidão, o libertador de escravos que morreu para defender a soberania do Quilombo dos Palmares, com seus ideais de igualdade, liberdade e justiça. A Revolta dos Malês que explodia na província da Bahia a mais importante da região, uma rebelião de caráter racial, contra a escravidão e a imposição da religião católica, que ocorreu em Salvador, em janeiro de 1835. Revoltas no Norte: Cabanagem, Balaiada e Sabinada na Província do Grão-Pará entre 1835 1840. Entres outras revoltas no período regencial que demonstrava o anseio das camadas popular e média, por uma maior participação política. Nenhum desses episódios foram narrados pela revista no período estudado. De acordo com o jornal online Írohín de 16/10/2006, 70% dos jovens assassinados no Brasil são negros.o jornal transcreve a matéria que saiu no jornal Folha de São Paulo: A reportagem da Folha de S. Paulo reproduz dados de Relatório sobre a Violência contra a Criança, produzido pelas Nações Unidas. Além dos assassinatos, as crianças negras são 70% das crianças brasileiras sem registro civil e têm elevadas taxas de mortalidade infantil 1. Nas edições estudadas da revista Raça senti falta de uma maior explanação na realidade dramática em que os negros sobretudo crianças vem passado o tema do genocídio 1 Disponível no endereço: http://www.irohin.org.br/onl/new.php?sec=news&id=199. Acessado em 20 de Outubro de 2006.

porque, afinal, é do extermínio de uma população que estamos tratando sem nenhum resultado prático. Também senti falta de matérias que falassem das religiões afros (candomblé e umbanda) já que em especial esta manifestação integra a cultura negra. Percebo que o discurso anti-racista empreendido hoje pelo movimento negro no Brasil que é a temática central da revista, perde-se por vezes em labirintos e armadilhas do sistema capitalista do consumo pleno. Um paradoxo pode ser identificado a partir desses novos espaços de comunicação e expressão, que por um lado buscam veicular a informação, mas, por outro, reforçam as práticas de consumo, não veiculando algumas realidades presentes da vida da população negra. O jornalismo não pode lidar apenas com as coisas belas da vida, mas precisa tratar da crescente complexidade humana e dos conflitos sociais" ( FRANCISCO JOSÉ, 1997). Destaco também uma observação de que a revista está voltada muita mais para uma produção centralizada em São Paulo, me oferecendo para ser a correspondente de Salvador para publicações sobre a temática racial, trazendo de fato uma articulação democrática na informação, já que a revista tem este caráter da abordagem racial e da exaltação da cultura negra, pouco se vê nas publicações assuntos ligados a esta cidade tão evidente por suas heranças marcantes da cultura negra. Percebo que a revista Raça Brasil não tem em sua redação jornalistas da maior cidade negra fora da África. Precisando afirmar esta identidade coletiva com profissionais de outras regiões que se preocupam com a causa. Encerrando estas conclusões e recomendações, vou terminando com uma frase do jornalista tcheco Vladimir Hudec, "o jornalista compromete-se sempre, no exercício de sua profissão, com a classe a que pertence". E este presente trabalho é importante para dar prosseguimento a reflexões acerca da temática étnico-racial ao mesmo tempo objetiva também ampliar um debate que fortaleça a luta contra as desigualdades raciais que imperam em nosso seio social, evidenciando o negro na penetração nas esferas da economia e política.

O tema prima pela valorização da diversidade étnica. Com isso, vislumbramos a saída de uma perspectiva meramente eurocêntrica para galgar outros modos de sentir, expressar, viver, compreender e socializar ideais e valores sócio-culturais denegados secularmente. O estudo coloca o negro como participante de uma narrativa, falando de negro para negro. Nessa linha de pensamento, saliento, a meta não é inverter o eurocentrismo pelo afrocentrismo, mas, sim, ampliar o leque de concepções e proposições pertinentes às questões que afetam a população negra no Brasil, fazendo os negros se verem, se redescobrirem, se admirarem e acima de tudo que exijam e lutem por uma posição melhor na sociedade. Como diz a sabedoria popular quem não reage, rasteja. (*) Suzana Tavares - Jornalista