ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO 1

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Transcrição:

ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO 1 Carlos Eugênio Ellery Lustosa da Costa 2 Rodrigo De Losso da Silveira Bueno 3 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS Primeira Versão: Agosto de 2005 30 de Julho de 2008 1 Esta apostila, ainda está em processo de elaboração. Aprecia-se a comunicação de erros e encorajam-se as críticas. Não citar sem autorização. 2 Escola de Pós-Graduação em Economia. Email: cdacosta@fgv.br 3 Escola de Administração de Empresas de São Paulo - EAESP/FGV. Centros de Estudos de Política e Economia do Setor Público - CEPESP. Email: rdbueno@fgvsp.br

Conteúdo I Introdução 6 1 Introdução à Economia do Setor Público 7 1.0.1 Escopo e Metodologia....................... 7 1.0.2 Justi cativas para Existência e Escopo do Setor Público.... 11 1.0.3 Visão do Estado.......................... 13 2 Revisão de Microeconomia 14 2.1 Teoria do Consumidor........................... 15 2.1.1 Bem-Estar............................. 31 2.2 Teoria da Produção............................. 34 2.2.1 Tecnologia.............................. 34 2.3 Equilíbrio Geral e Economia de Bem-Estar............... 48 2.3.1 A Economia de Arrow-Debreu.................. 48 3 Bens Públicos 56 3.1 Provisão Ótima de Bens Públicos Puros................. 57 3.2 Provisão de Bens Públicos de Equilíbrio................. 59 3.2.1 Provisão Privada.......................... 59 3.3 Implementando o Ótimo.......................... 64 3.3.1 Impostos distorcivos........................ 64 3.3.2 Votação............................... 66 3.3.3 Equilíbrio de Lindahl....................... 67 3.3.4 Revelação das Preferências.................... 71 3.4 Bens de Clube............................... 79 3.4.1 Clubes de Produto Único..................... 79 3.4.2 Clubes e a economia........................ 83 3.5 Bens Públicos Locais............................ 85 1

CONTEÚDO 2 4 Externalidades 88 4.1 Introdução.................................. 88 4.1.1 Externalidades no consumo.................... 89 4.1.2 Externalidades Pareto-irrelevantes................ 90 4.1.3 Externalidades na Produção.................... 91 4.1.4 Outros Exemplos de Externalidades............... 92 4.2 Implementando o Ótimo.......................... 93 4.2.1 Licenças............................... 93 4.2.2 Tributo Piguviano......................... 99 4.2.3 Internalização............................ 99 4.2.4 Regular quantidades ou preços?.................. 100 4.2.5 Teorema de Coase......................... 101 4.2.6 Não-convexidades.......................... 103 5 Não-convexidades e Competição Imperfeita 104 5.1 Não-Convexidades............................. 104 5.1.1 Não convexidades nas preferências................ 104 5.1.2 Não convexidade nos conjuntos de possibilidades de produção. 105 5.1.3 Pequenas não-convexidades: convexi cação por grandes números.106 5.1.4 Grandes não-convexidades..................... 106 5.2 Competição Imperfeita........................... 110 5.2.1 Introdução............................. 110 5.2.2 Conceitos de Competição..................... 110 5.2.3 Monopólio.............................. 111 5.2.4 Oligopólio.............................. 120 5.2.5 Estrutura de Mercado....................... 124 6 Bem-Estar Social e Comparabilidade 125 6.0.6 Os Limites do Critério de Pareto................. 126 6.0.7 Função de Bem-estar Social de Bergson-Samuelson....... 127 6.0.8 O Teorema da Impossibilidade de Arrow............. 128 6.0.9 Outros Critérios: Igualitarismo, Eqüidade............ 131 6.1 Preferências Sociais e Alocações Implementáveis............ 131 6.1.1 Comentários Finais......................... 134 6.2 Desigualdade e Pobreza.......................... 135 6.2.1 Como medir renda?........................ 135

CONTEÚDO 3 6.2.2 Escalas de equivalência - variáveis demográ cas......... 136 6.3 Medidas de Desigualdade......................... 137 6.3.1 Desigualdade e bem-estar...................... 139 6.4 Pobreza................................... 139 7 Incidência e Perdas de Bem-estar 142 7.1 Incidência.................................. 143 7.1.1 Tributação da Renda do Capital................. 143 7.1.2 Tributação da Renda do Trabalho................ 146 7.1.3 Tributação e Escolha com Risco................. 149 7.1.4 Equilíbrio Geral: O modelo de Harberger............ 150 7.2 Perdas de Bem Estar............................ 159 7.2.1 Medidas de mudanças de Bem-estar............... 159 7.2.2 Custo de Peso Morto........................ 164 8 Tributação dos Bens 166 8.0.3 Tributação Ótima como Problema de Principal e Agente.... 166 8.0.4 O Probelma de Ramsey...................... 168 8.0.5 Normalizações e Bens Não-tributáveis.............. 169 8.0.6 Tributação somente de Transações................ 170 8.0.7 A Regra do Inverso da Elasticidade................ 171 8.0.8 Corlett-Hague............................ 171 8.0.9 Modelo de Ramsey com Agentes Heterogêneos......... 174 8.0.10 Preços ao Produtor Variáveis................... 176 8.0.11 E ciência Produtiva........................ 178 8.0.12 O Modelo de Stokey e Lucas (1983)............... 182 9 Reformas Tributárias 186 9.0.13 O problema da Reforma...................... 186 9.0.14 Factibilidade Produtiva...................... 187 9.0.15 Caracterizando Possibilidades................... 189 9.0.16 Interpretação Geométrica..................... 190 9.0.17 E ciência Produtiva e Reformas Maximizadoras........ 193 10 Tributação sob Incerteza 195 10.0.18 Modelo de Equilíbrio Geral.................... 195 10.0.19 E ciência.............................. 197

CONTEÚDO 4 10.0.20 Atitudes Sociais e Privadas em Relação ao Risco........ 198 10.0.21 Escolha das Famílias e Taxação.................. 202 10.0.22 Oferta de Trabalho......................... 205 10.0.23 Taxação Ótima Privada...................... 206 11 Tributação da Renda do Trabalho 208 11.0.24 Solução de First-Best....................... 209 11.0.25 Tributação Ótima......................... 211 11.0.26 Contínuo de Agentes........................ 213 12 Tributação Conjunta: Renda e Bens 219 12.0.27 Tributação Não-linear....................... 219 12.0.28 Tributação Mista.......................... 222 12.0.29 Interpretando a Regra....................... 224 12.0.30 O Teorema de Atkinson-Stiglitz.................. 225 12.0.31 Contínuo de Agentes........................ 226 13 Tributação da Renda do Capital 228 13.0.32 O Probelma de Ramsey...................... 229 13.0.33 Vidas In nitas........................... 230 13.0.34 Modelo de Gerações Superpostas................. 235 13.0.35 O Modelo de Ordover-Phelps (1979)................ 239 14 Seguro Social 242 14.0.36 Seguro Invalidez.......................... 244 14.0.37 Imposto de Renda......................... 245 14.0.38 Implementação........................... 246 14.1 Múltiplos períodos............................. 247 14.2 Efeitos de Longo Prazo........................... 248 15 Federalismo Fiscal 250 15.0.1 O Modelo de Gordon (1983).................... 250

CONTEÚDO 5 Notação: Usamos negrito para denotar vetores. Assim, p i é o preço do bem i; enquanto p o vetor de preços. Preços são vetores linha e quantidades, colunas. E.g., o produto interno px é igual aos gastos do agente, P i p ix i : A derivada parcial da função u () com relação à variável x i no ponto x 0 será representada por @ xi u x 0 : No caso de derivada parcial com relação ao preço do bem i, e desde que não haja ambigüidade, utilizaremos a notação @ i v (p; y) :

Parte I Introdução 6

Capítulo 1 Introdução à Economia do Setor Público A Economia do Setor Público estuda o governo e a forma como suas políticas afetam a economia. Em um sentido mais amplo, investiga desde a teoria pura da tributação às explicações da escola da escolha pública para o comportamento da burocracia. A conexão muito estreita entre análise e aplicação e política é o que torna o assunto tão fascinante. Porém, uma boa política demanda o desenvolvimento de uma teoria adequada. Este é o grande desa o dos economistas do setor público. 1.0.1 Escopo e Metodologia A economia do setor público envolve o estudo não somente do que o governo faz mas também do que deveria fazer. Ou seja, há aspectos normativos e positivos envolvidos no estudo. De um lado, aspectos positivos são indispensáveis porquanto constituintes dos alicerces da análise dos efeitos das políticas públicas. Do outro, normativo, procede-se a uma avaliação de e ciência e eqüidade das políticas públicas. Porém, em um outro nível a propria avaliação do comportamento do governo pressupõe uma análise positiva do processo pelo meio do qual as decisões são efetivamente tomadas. Em princípio, portanto, a economia do setor público deveria envolver o estudo das causas e conseqüências de toda forma de ação do governo. A necessidade de especialização, porém, acaba por limitar o escopo do campo, o que não quer dizer que este processo de estreitamento seja monotônico. De fato, o que se observa é que 7

CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO 8 vários ramos são adicionados e outros excluídos de tal forma que historicamente o escopo da economia do setor público apresente grande variação. Do ponto de vista metodológico, como na maior parte dos estudos em economia, faz-se uso constante de modelos econômicos, entendidos como peças indispensáveis para que os argumentos sejam construídos de forma coerente, e para que as hipóteses geradoras das conclusões obtidas sejam facilmente identi cadas. A idéia subjacente a toda a discussão em economia do setor público é que estamos lidando com uma economia mista, no sentido de que há um setor privado, no qual os agentes são livres para fazer suas escolhas. Por outro lado, há também um governo 1 que procura estabelecer políticas de maneira a induzir (ou estimular) determinadas escolhas. Desta forma, para que possamos avaliar políticas dos governos precisamos primeiramente saber quais os efeitos das intervenções do governo sobre as ações das pessoas, i.e., precisamos de uma teoria sobre como os agentes tomam suas decisões, como as decisões individuais são compatibilizadas e como as intervenções do governo afetam essas decisões. A teoria econômica nos oferce o arcabouço fundamental para tal tarefa. Exploraremos a teoria do consumidor a partir da hipótese de racionalidade em geral, e a teoria da rma geralmente pressupondo que seu objetivo fundamental é a maximização do lucro. Estaremos availando o resultado da interação dos indivíduos com as rmas a partir da idéia de equilíbrio, principalmente o equilíbrio competitivo. Obviamente, em vários momentos alguns desses pressupostos representam uma aproximação pobre da realidade. Em outros a violação dos pressupostos é a própria essência da motivação da intervenção do governo. Neste sentido, freqüentmente algumas das hipóteses do modelo básico serão relaxadas para que possamos motivar a intervenção do governo e/ou veri car a robustez dos resultados alcançados. Conhecer os resultados de diversas intervenções pode não ser bastante. Assim, uma vez estabelecidas as conseqüências sobre o comportamento privado e sobre o equilíbrio daí resultante, o julgamento das diferentes políticas deve ter por base os objetivos dos formuladores de política. Há várias di culdades conceituais relacionadas ao estabelecimento de um critério ou uma função objetivo derivada a partir das hipóteses mais básicas sobre o comportamento humano. Discutiremos essas di culdades e mostraremos algumas soluções parciais do problema. 1 O sentido de governo é amplo, gurando como o conjunto constituído pelos três poderes e ministério público.

CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO 9 Em geral, porém, tomaremos o caminho mais pragmático de supor a existência de uma função objetivo para o governo. Esta postura, ainda que bastante útil do ponto de vista normativo, deixa de lado uma das questões de grande interesse prático, qual seja, a questão de como as políticas são de fato escolhidas. A evolução do nosso entendimendo acerca desta pergunta é, talvez, um dos grandes avanços recentes da economia do setor público, como veremos a seguir no breve histórico da área. Breve História da Economia do Setor Público Até recentemente, Musgrave (1959) era considerada a bíblia das nanças públicas. O mencionado autor dividia a atuação do Estado em três ramos distintos: e ciência; distribuição ou eqüidade (separado de e ciência), e; estabilização. Havia uma total separação entre as discussões de e ciência e distribuição. Essa separação deve ser contrastada com a moderna agenda de pesquisa da área, em que o trade-o e ciência-eqüidade está presente em quase todos os modelos. Vale então constatar o fato de que o campo estava principalmente focado no problema de falhas de mercado, i.e., situações em que alguma das hipóteses necessárias ao primeiro teorema do bem-estar não é válida. Uma outra característica do escopo da economia do setor público diz respeito ao ramo da estabilização. Trata-se de estabilização macroeconômica tal qual introduzida na ciência econômica com as idéias keynesianas. Esse aspecto da política econômica praticamente desapareceu da agenda dos pesquisadores de economia do setor público, por necessidade de especialização. Não obstante, outros aspectos da política macroeconômica voltaram a ser incorporados na agenda dos pesquisadores de economia do setor público como a política monetária, em que regras de política são adotadas num contexto de tributação ótima. Além disso, a inclusão dos modelos de economia política para a determinação das políticas macroeconômicas efetivamente adotadas tem sido também importante objeto de pesquisa. Um outro campo mais recentemente sendo desenvolvido é a economia da regulação, em que se procura estabelecer parâmetros de e ciência que buscam incentivar a competição e estabelecer marcos regulatórios pelos quais os agentes econômicos tomam decisões.

CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO 10 Evoluções decorridas do m dos anos 60 A partir do m dos anos 60 a economia do setor público experimenta uma grande mudança em seu escopo e em alguns de suas abordagens metodológicas. Do pondo de vista do escopo, a preocupação com a eqüidade e aspectos distributivos das políticas governmentais em geral, voltam para o centro da agenda, após um período em que estes aspectos caram em segundo plano. Esta mudança baseou-se uma visão pragamtática quanto à di culdade de produzir qualquer avanço na de nição de políticas públicas quando julgamentos de valor são vistos como arbitrários sob as amarras do teorema de impossibilidade de Arrow. Uma outra mudança relevante foi a crítica à gura do governo benevolente utilizado nos modelos de nanças públicas a partir da escola da Escolha Pública (Public Choice Theory) erguida sobre as obras de Buchanan, Tullock e North. O ponto fundamental dessa literatura é o reconhecimento de que os governantes e os burocratas são também agentes racionais e motivados por interesses próprios, os quais podem ou não estar alinhados com os da sociedade. Entender os incentivos desses agentes e a maneira como as instituições políticas determinam suas escolhas é fundamental para que se conheça a forma como as políticas são efetivamente determinadas. No entanto, com algum risco de sermos por demais simplistas, coloca-se no centro das mudanças de nanças públicas um aspecto puramente metodológico: a incorporação das restrições informacionais na de nição do papel e nos instrumentos do governo. Neste sentido, destacam-se as contribuições a seguir. Vickery, Clark-Groves, Tiebout. Os agentes têm informações privadas acerca de suas preferências por bens públicos, e fazem uso dessa informação privada para pegar carona nos programas de governo. Os autores mostraram como mecanismos semelhantes aos de mercado para revelar as preferências por bens públicos e/ou como mecanismos especí cos podem ser desenhados para a revelação de preferências. Diamond-Mirrlees. Desenvolveram metodologia capaz de calcular regras de "secondbest". Em particular, o uso de dualidade para resolver o problema de principalagente, característico das funções do governo, permitiu simpli car problemas de tributação ótima e generalizar a abordagem de Ramsey. Também de niram regras para alocação de recursos do e para o setor público: Custo Marginal dos Fundos Públicos (MCF) e Teorema da E ciência Produtiva.

CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO 11 Mirrlees. Extensão da preocupação com o problema distributivo e a teoria da tributação ótima da renda. Emergência da teoria baseada nos problemas informacionais. As imperfeições na estrutura informacional consitutem a razão fundamental para a violação dos pressupostos do 2 teorema do bem-estar social. A tributação lump-sum não é suposta impossível como no modelo de Ramsey. É a estrutura informacional que determina endogenamente os instrumentos, gerando de forma endógena o trade-o eqüidade-e ciência. La ont, Guesnerie, Tirole e outros. Teoria da regulação dos serviços públicos. Essa literatura é também fundamentada em problemas de assimetria informacional e na moderna teoria dos contratos. Estas contribuições, datando de períodos diferentes, formam a base da moderna teoria do second-best, onde se situam as escolhas fundamentais de políticas públicas. 1.0.2 Justi cativas para Existência e Escopo do Setor Público Antes mesmo de começarmos a estudar e economia do setor público, cabe perguntar: para quê precisamos de governo? Ou, ainda, qual o papel, se é que existe algum, para a ação do estado? As respostas a estas perguntas não são consensuais e em diferentes momentos do tempo visões diferentes dominaram o debate. Vejamos a seguir algumas delas. Estado Mínimo Para que a sociedade se organize com um mínimo de e ciência e organização econômica são necessários recursos, que, por sua vez, requerem nanciamento, para o cumprimento dos contratos, garantia dos direitos de propriedade, garantia do cumprimento das leis criminais, etc. Os custos têm que ser arcados por todos, já que os benefícios desse "enforcement"se distribui entre os membros da sociedade. De fato, sem qualquer regulação, a atividade econômica seria caótica e as relações de troca seriam muito custosas. Em muitos casos, é mais barato (conseqüentemente mais e ciente) centralizar a arrecadação e distribuição desses recursos. Os objetivos da economia do setor público nesse caso seriam simplesmente a deteminação de como esse nanciamento pode ocorrer a um custo mínimo.

CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO 12 Um estado mínimo no sentido proposto é defendido em tempos recentes por Nozick (19??), por exemplo, mas o argumento central para pelo menos este mínimo de intervenção está presente na visão de contrato social de Hobbes. Além do Estado Mínimo Além das atividades básicas, a intervenção estatal pode ser justi cada em dois tipos de situações distintas: 1. Quando a intervenção é aprovada por unanimidade, associada à idéia de melhorias de Pareto causada pela existência de falhas de mercado como paradigma competitivo inválido, externalidades, bens públicos, assimetria de informação, incompleteza de mercados, etc.; 2. Quando não há falhas de mercado, a intervenção se justi ca devido a critérios distintos de bem-estar como eqüidade, existência de bens meritórios, etc. Falhas de Mercado Há várias situações em que os pressupostos do primeiro teorema do bem-estar não são válidos. Portanto, não é genericamente verdade que o equilíbrio de mercado seja e ciente no sentido de Pareto. É costumeiro referir-se a esses ambientes como sendo aqueles em que existem falhas de mercado. Exemplo típico é a produção de poluição, geradora de externalidades negativas. Isso não é socialmente desejável e justi ca a intervenção estatal regulando essa produção de alguma forma. Todavia, é importante ter em mente que a simples existência de falhas de mercado não garante um papel para o governo, já que ele pode estar sujeito às mesmas restrições que os agentes privados. Muitas vezes, porém, o governo, com seu poder de coerção (cujo exemplo máximo é o poder de tributar), é capaz de implementar alocações que não seriam possíveis simplesmente se deixadas às forças de mercado. Pouca controvérsia há, neste caso, quanto ao mérito de tal intervenção 2. A grande maioria dos pensadores defende a intervenção do governo em situações nas quais alguém ganhe sem que ninguém mais perca. Cabe notar, no entanto, que o escopo de ação governamental é bastante limitado. Além disso, a mencionada unanimidade é somente garantida para o caso em que não haja várias intervenções alternativas, pelas quais diferentes ganhos para as diferentes pessoas sejam possíveis. 2 Ainda assim, nada na formulação de Nozick, por exemplo, legitima a ação do governo.

CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO À ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO 13 Eqüidade Eqüidade, no sentido mais convencional, relaciona-se a espectos distributivos da renda. O critério de Pareto de e ciência só de ne um ordenamento parcial, nada dizendo sobre questões distributivas e sendo omisso a respeito da maior parte dos julgamentos interessantes, justamente quando duas alocações não são comparáveis do ponto de vista de Pareto. Assim, costuma-se de nir uma função de bem-estar social que é Paretiana, mas que também permite a comparação de utilidades entre os agentes. Há algumas tentativas de justi car a adoção de criterios de comparaçã. Em tempos recentes, a mais conhecida justi cativa ética para a adoção de um critério é de comparação entre os indivíduos é encontrada no livro Rawls (1972). Para os economistas, porém, a abordagem de Harsanyi (???) talvez seja ainda mais clara. Finalmete, há bens (ou males) meritórios, que podem ser justi cados com base na idéia de que as pessoas simplesmente não sabem o que é bom para elas. Neste caso, existe uma pressuposição de que aquilo que faz as pessoas mais felizes não é necessário aquilo que elas preferem. Estes modelos costumam invocar algum tipo de irracionalidade por parte dos agentes. Por limitação de espaço, deixaremos de abordar este tipo de motivação. 1.0.3 Visão do Estado O fato de que o Estado pode aliviar (ou, em alguns casos, eliminar completamente) problemas de falha de mercado, além de promover eqüidade, não quer dizer que ele o faça, nem necessariamente explica a sua existência. Não abordaremos a visão positiva do Estado, que discute o que o Estado faz, mas tão somente a visão normativa que discute o que deve fazer num sentido bem especí co, a saber: não se pretende dizer quais os objetivos do governo, mas de entender como as recomendações de política variam como função dos objetivos. A discussão sobre o que o Governo efetivamente faz costumava situar-se na esfera da ciência política, mas o campo da economia política permite o exame desses assuntos a partir dos pressupostos usuais da ciência econômica. Como vimos esta é a grande inovação produzida pela escola da Public Choice. A não-discussão desses temas devese não à menor relevância do tema, mas à menor competência dos autores em tratá-lo.

Capítulo 2 Revisão de Microeconomia Porque revisão de microeconomia e não de macroeconomia? Estaremos nos concentrando em microeconomia por ser o comportamento individual a base de todo modelo, e da métrica de análise de bem-estar. Obviamente, estaremos interessados também no comportamento agregado, mas este é derivado do equlíbrio da economia e de como este equilíbrio é alterado pelas políticas diversas. Em muitos casos, tomaremos a postura pragmática de supor que a agregação de preferências é possível e faremos uso da gura do agente representativo. Isto será particularmente útil quando do estudo dos aspectos dinâmicos da tributação. Neste caso, pode-se dizer, estaremos utilizando modelos macroeconômicos, ainda que achemos esta distinção um tanto arbitrária e de pouca utilidade prática. Assim, no que se segue, estaremos fazendo uma revisão de economia, e da forma como economistas pensam. O que distingue o pensamento econômico das demais abordagens de ciências sociais é que (seguindo Lazear, 2000) a visão do economista é baseada três ingredientes: Otimização; Equilíbrio; e E ciência. Ver-se-á que existe uma teoria de escolha, o que pressupõe a existência de alternativas. A idéia de otimização está associada ao fato de que os agentes consumidores, rmas, etc. escolhem a melhor alternativa dentre todas aquelas factíveis. O conceito de melhor alternativa pode variar, mas, em geral, consideramos maximização de utilidade e de lucro como objetivos dos consumidores e das rmas, respectivamente. 14

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 15 Os agentes interagem no mercado e o resultado dessa interação gera a idéia de equilíbrio. O conceito de equilíbrio varia de acordo com o ambiente. Assim, enquanto em algumas situações estaremos falando de equilíbrio competitivo, em outras estaremos pensando em um equilíbrio de Nash para um jogo. Finalmente, os teoremas de bem estar oferecem uma série de condições que garantem que o equilíbrio é e ciente no sentido de Pareto. Isso permite uma grande disciplina para o economista quando se quer falar de ine ciência, já que um ou mais dos pressupostos do primeiro teorema precisam estar sendo violados. 2.1 Teoria do Consumidor Há duas abordagens distintas para a modelagem. Em primeiro lugar existe uma teoria que de ne os gostos ou relações de preferência como as características primitivas do indivíduo. Então axiomas de racionalidade são impostos e veri ca-se as conseqüêncais para as escolhas observáveis. Uma abordagem alternativa considera a escolha em si como característica primitiva e impõe restrições diretamente sobre esse comportamento. A hipótese central dessa abordagem é o axioma fraco da preferência revelada, que impõe restrições ao tipo de comportamento que se espera observar. Concentrar-nos-emos na abordagem tradicional formada por quatro elementos básicos: 1. O conjunto de consumo; 2. O conjunto factível (ou conjunto orçamentário); 3. A relação de preferência; e 4. A hipótese comportamental. O Conjunto de Consumo O conjunto de consumo de ne a totalidade de possibilidades de consumo que um agente pode conceber. O que se pretende captar com esse conceito é todo o universo de alternativas sobre as quais o consumidor possa divagar, sem restrições relativas às possibilidades efetivas de consumo.

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 16 De na x = (x 1 ; :::; x n ) 2 R n + como a cesta de consumo (plano de consumo, cesta de bens). Neste caso, x i 0 é a quantidade consumida do bem i (good, commodity). Se x i < 0, considera-se tal bem como insumos na teoria da rma. O conjunto de todas as cestas que podem ser consumidas é chamado de conjunto de consumo. Restrições físicas e/ou institucionais (por exemplo, jornada de trabalho de 44 horas semanais) de nem o conjunto de consumo. Seja X o conjunto de consumo. Supõe-se que: 1. ; 6= X R n +; 2. X é fechado e convexo, e; 3. 0 2 X: Na maioria dos casos trabalharemos com X = R n +: O Conjunto Orçamentário O conjunto orçamentário também é conhecido como conjunto de oportunidades. em que px = P n i=1 x ip i y; p é o vetor de preços correspondente à cesta x 1 ; y é a renda total. Exemplo 1 Com dois bens: x 1 p 1 + x 2 p 2 y: Assim, a reta orçamentária é de nida por x 2 = y p 2 p 1 p 2 x 1 : Esse é o conjunto orçamentário competitivo em que os preços não dependem da quantidade demandada, gerando uma restrição orçamentária linear. Observe que é o relativo de preços que determina a inclinação da restrição orçamentária. O conjunto orçamentário walrasiano pressupõe implicitamente a existência de mercados e cientes e sem custos de transação. Quando essas hipóteses são relaxadas, surgem as restrições não lineares. Restrições Não-lineares 1 Ocasionalmente poderemos usar p e x em negrito de forma equivalente a p x = px

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 17 Nem todos os casos são abarcados por restrições lineares. Em verdade, é possível que as não lineares sejam as restrições mais gerais. Entretanto, o caso de restrição linear nos serve como referencial e ponto de partida para raciocinarmos os problemas microeconômicos. Considere alguns casos mais ou menos elementares de restrições não lineares, não obstante não vamos trabalhar neles imediatamente. Numa economia de escambo, preços de compra e venda podem ser diferentes, pois há custos em encontrar pessoas que queiram comprar os bens que você quer vender, ou pessoas que queiram vender os bens que você quer comprar [existem custos de transação]. Um motivo para a existência de restrições não-lineares em economias monetizadas é a imposição de tarifas de duas partes [mercados não são competitivos e existem custos de transação]. Problemas de escolha entre renda e lazer (i.e., oferta de trabalho) normalmente apresentam quebras na restrição orçamentária [idem]. Escolha intertemporal quando o mercado de capitais é imperfeito [existem custos de transação]. Escolha social quando redistribuição afeta a estrutura de incentivos [mercados não competitivos e custos de transação]. Preferências Preferências são caracterizadas de forma axiomática. Formalizam a idéia de que os consumidores podem escolher e que essas escolhas são consistentes em certo sentido. As preferências são representadas por uma relação binária 2, de nida em X tal que se x 1 x 2 ; dizemos que x 1 é preferível à cesta x 2 (ou pelo menos tão boa quanto ). Os axiomas principais são: Axioma 1 Completeza: 8x 1 ; x 2 ; ou x 1 x 2 ou x 1 x 2 (ou ambos). Axioma 2 Transitividade: 8x 1 ; x 2 ; x 3 ; se x 1 x 2 e x 2 x 3 ; então x 1 x 3. 2 Uma relação binária de nida em um conjunto X é uma regra que de ne subconjuntos especí cos de X X:

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 18 O primeiro axioma diz que o agente consegue tomar uma decisão. Ou seja, ele consegue dizer que prefere uma cesta a outra ou que é indiferente entre duas cestas. Embora aparentemente trivial, nem sempre ocorre a um agente como decidir-se entre duas opções. Introspectivamente, é comum encontrarmos decisões adiadas, o que signi ca que demoramos a escolher uma das opções à disposição. Também é comum termos di culdades para ordenar as cestas, ou tomar uma decisão diante de várias alternativas. Muitas vezes, podemos pensar que seria melhor não ter que escolher ou que talvez fosse mais conveniente se o processo de escolha fosse exógeno, no sentido de que alguém poderia nos dizer o que escolher ou escolher por nós próprios. Há casos médicos em que o agente, ainda que pareça racional em certos problemas, não consegue decidir-se sobre sua própria vida como, por exemplo, se prefere uma consulta na quinta-feira às 16h ou 17h (ver Damásio,???). O caso da violação da transitividade é comum. Por exemplo, havendo 3 candidatos para um cargo, mas a escolha é dois a dois, é comum encontramos um processo em que não se pode concluir qual é o melhor dos 3 segundo esse axioma. De nição 1 A relação binária de nida no conjunto de consumo X é chamada uma relação de preferência racional se satis zer os axiomas 1 e 2. A relação binária representa: x 1 x 2! x 1 é estritamente preferível à x 2 (ou é melhor do que ). É de nida da seguinte maneira: x 1 x 2 () x 1 x 2 e x 2 x 1 : A relação binária representa: x 1 x 2! x 1 é indiferente à x 2 : É de nida da seguinte maneira: x 1 x 2 () x 1 x 2 e x 2 x 1 : Axiomas adicionais garantem que as preferências sejam bem comportadas. Axioma 3 Continuidade: 8x 2 R n +; o conjunto das cestas pelo menos tão boas quanto x ; (x) ; e o conjunto das cestas que não são melhores que x; (x) ; são fechados em R n +. Ou seja, uma seqüência de cestas fx n g 1 n=0 tais que xn x 0 8n e x n! x : Então x x 0 : Axioma 4 Não-saciedade local: 8x 0 2 R n + e todo " > 0, existe pelo menos um x 2 B " x 0 \ R n + tal que x x 0 :

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 19 Axioma 5 Monotonicidade estrita: 3 8x 0 ; x 1 2 R n +; se x 0 x 1 ; então x 0 x 1 ; e se x 0 x 1 ; então x 0 x 1 : Axioma 6 Convexidade: Se x 1 x 0 ; então tx 1 + (1 t) x 0 x 0 ; para todo t 2 [0; 1]. Axioma 7 Convexidade estrita: Se x 1 6= x 0 e x 1 x 0 ; então tx 1 + (1 x 0 ; para todo t 2 (0; 1). t) x 0 Antes de introduzirmos o último elemento da teoria do consumidor vamos apresentar um resultado que será grande utilidade para o resto do estudo que vamos fazer. Mas, primeiro, uma de nição. De nição 2 Uma função u : R n +! R é uma função utilidade que representa a relação de preferências ; se 8x 0 ; x 1 2 R n +; u x 0 u x 1, x 0 x 1 : Agora, o resultado fundamental. Teorema 1 Se é completa, transitiva, contínua e estritamente monotônica, existe uma função real contínua u : R n +! R que representa : Se as preferências são completas, transitivas e contínuas, existe pelo menos uma função utilidade contínua (e se existe pelo menos uma, existem in nitas, pois funções utilidade são invariantes em relação a tranformações monotônicas! se f : R! R é estritamente crescente, f u x 0 f u x 1, u x 0 u x 1, x 0 x 1 : 3 Notação 1 Para dois vetores x 0 e x 1 ; escrevemos: x 0 x 1 quando todos os elementos de x 0 forem maiores ou iguais aos correspondentes de x 1 ; x 0 > x 1 quando todos os elementos de x 0 forem maiores ou iguais aos correspondentes de x 1 ; com pelo menos um elemento estritamente maior; e x 0 x 1 quando todos os elementos de x 0 forem estritamente maiores aos correspondentes de x 1 :

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 20 Hipótese Comportamental Agora acrescentamos o último elemento da nossa teoria da escolha: a hipótese comportamental. Consumidores racionais escolhem a melhor (de acordo com suas ordenações de preferências) cesta x factível (i.e., dentro do conjunto orçamentário B x 2 R n + jy px ): x 2 B tal que x x para todo x 2 B: O Problema da Escolha do Consumidor A escolha descrita acima pode ser convenientemente representada por um problema de maximização de utilidade (a nal, todo o esforço feito na seção anterior teria que ter algum uso, certo?). Assim, ( max x2r n + u (x) s.a. y px O primeiro problema a tratar refere-se à existência de solução. Assim, perguntase: existe uma solução? Neste caso, perceba que B x 2 R n + jy px é um conjunto não-vazio se y > 0, e é fechado e limitado (portanto, compacto), se os preços são positivos. Se u (x) for contínua (lembre-se de que sempre podemos achar uma utilidade contínua, desde que os axiomas 1-3 sejam válidos), o Teorema de Weiertrass garante a existência de solução. A solução encontrada nos dá a função demanda de cada bem, tambem chamada de demanda marshalliana. O segundo problema tem a ver com unicidade da solução. Ou seja, a solução para esse problema é única? A solução (ou argmax), x (p; y) ; do problema (??) é uma função (e não uma correspondência), se o Axioma 7 for válido. Caracterizemos essa solução usando o Lagrangeano: L (x;) = u (x) + [y p x] Especializando para o caso em que x 0: Se encontrarmos (x ; ) com 6= 0 que resolvem o sistema. @L = @u (x ) p i = 0 @x i @x i @L @ = y p x = 0

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 21 então x é um ponto crítico de f () ao longo de y px = 0: Além disso, se (x ; ) 0 resolve o sistema acima, e u () é quase-côncava, x resolve o problema de maximização do consumidor. Exemplo 2 Vamos dar um exemplo e achar as funções demanda de bens a serem consumidos. O exemplo que vamos dar é referencial e servirá sempre para raciocinarmos em termos econômicos. a Seja u (x) = u (x 1 ; x 2 ) = x a 1 x1 2 sujeito a p 1 x 1 + p 2 x 2 = y, a > 0. Resolvendo a maximização, encontramos as seguintes funções demanda: x 1 (p 1 ; p 2 ; y) = ay p 1 ; x 2 (p 1 ; p 2 ; y) = (1 a) y p 2 ; (p 1 ; p 2 ; y) = a a (1 a) 1 a 1 p 1 a 1 p 2 1 a > 0: Observe que o nível de consumo depende da renda e dos preços. Quanto maior a renda, mais se consome e quanto maior o preço, menos se consome. Observe que o preço de um bem não afeta a quantidade consumida do outro, constituindo um caso econômico bastante particular. Trata-se na verdade de uma função utilidade separável. Finalmente, note como o parâmetro de expoente entra na função utilidade. É claro que qualquer transformação monotônica nessa função utilidade geraria o mesmo resultado. Sugerimos que você tente: a ln x 1 + (1 a) ln x 2. Utilidade Indireta A função de utilidade indireta tem por argumentos o vetor de preços e a renda ( max x2r n v(p; y) + u (x) t.q. y p x Se as condições do Teorema de Weiertrass são válidas, v(p; y) é bem de nida. Se o problema de maximização tem solução única, i.e., a função de demanda marshalliana x(p; y) existe, onde, ( arg max x2r n x(p; y) + u (x) ; t.q. y p x então a utilidade indireta também pode ser escrita como v(p; y) = u (x(p; y)) :

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 22 Exemplo 3 Continuando o exemplo da seção anterior: v (p 1 ; p 2 ; y) = u (x 1 (p 1 ; p 2 ; y) ; x 2 (p 1 ; p 2 ; y)) = a a 1 a 1 a = y = y: p 1 p 2 Propriedades da Função Utilidade Indireta crescente em R n +, temos que v(p; y) é Se u (x) é contínua e estritamente 1. Contínua em R n ++ R + ; 2. Homogênea de grau zero em (p; y) [equação de Euler]; 3. Estritamente crescente em y; 4. Decrescente em p; 5. Quase-convexa em (p; y); 6. Vale a Identidade de Roy: se v(p; y) é diferenciável no ponto (p 0 ; y 0 ) e @v(p 0 ;y 0 ) @y 6= 0; então x i p 0 ; y 0 = @v(p0 ; y 0 )=@p i @v(p 0 ; y 0 )=@y : O exemplo anterior permite-nos ver cada uma das proprientades mencionadas. Exemplo 4 Homegeneidade: v (p 1 ; p 2 ; y) = v (tp 1 ; tp 2 ; ty) : a a 1 a ty tp 1 tp 2 1 a a a 1 = y p 1 p 2 a 1 a : Crescente em y: Identidade de Roy: @v(p 0 ; y 0 )=@p i @v(p 0 ; y 0 )=@y = @v @y = > 0: a 1 @ y a 1 a p 1 p 2 @p 1 a 1 @ y a 1 a p 1 p 2 @y = ay p 1 = x (p 1 ; p 2 ; y) : a a = a y a p1 a p1 1 a p1 a 1 2 1 1 a a p 2 1 a = a p 2

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 23 A Função Gasto (ou Despesa) Considere o seguinte problema. Pergunte ao consumidor quanto de renda ele precisa para atingir um determinado nível de utilidade. Ou seja, qual o mínimo de gastos necessário para que min p x (2.1) x2r n + u (x) u: (2.2) A solução desse problema de ne a função despesa que tem por argumentos o vetor de preços e a utilidade. Ela é chamada de função demanda hicksiana. ( min x2r n e(p; u) + px t.q. u (x) u Gra camente, xa-se uma curva de indiferença e encontra-se a curva de isogasto que a tangencia. Exemplo 5 x a 1x2 1 a u: min p 1 x 1 + p 2 x 2 t:q: Encontramos as seguintes funções: 1 a ap2 h 1 (p 1 ; p 2 ; u) = u; (1 a) p 1 (1 a) a p1 h 2 (p 1 ; p 2 ; u) = u: ap 2 Note, agora, que o preço do outro bem aparece na função demanda de cada um dos bens. Por quê? Se o problema de minimização tem solução única, i.e., a função de demanda hicksiana (ou compensada) h(p; u) existe, a função gasto também pode ser escrita como e(p; u) = ph(p; u): Exemplo 6 Continuando o exemplo anterior: 1 a ap2 (1 a) a p1 e(p; u) = p 1 u + p 2 u = (1 a) p 1 ap 2 1 = a a (1 a) 1 a p a 1p2 1 a u = pa 1 p1 2 a u a a (1 a) 1 a = u :

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 24 Propriedades da Função Gasto De na U u (x) j x 2 R n +. Se u (x) é contínua e estritamente crescente em R n +, temos que e(p; u) é: 1. Igual a zero quando u atinge o seu valor mínimo em U; 2. Contínua em R n ++ U; 3. (Para todo p 0) Estritamente crescente e sem limite superior em u; 4. Crescente em p; 5. Homogênea de grau 1 em p; 6. Côncava em p; 7. Lema de Shephard: se e(p; u) é diferenciável no ponto (p 0 ; u 0 ) e p 0 0; então @e(p 0 ; u 0 ) @p i = h i (p 0 ; u 0 ): O exemplo anterior permite-nos ver cada uma das propriedades mencionadas. Exemplo 7 Crescente em u: @e @u = pa 1 p1 2 a > 0: Homegeneidade: te (p 1 ; p 2 ; u) = v (tp 1 ; tp 2 ; ty) : Lema de Shephard: t pa 1 p1 2 a u @e(p 0 ; u 0 ) @ = @p i = (tp 1) a (tp 2 ) 1 a u : p a 1 p 1 a 2 u = apa 1 1 p2 1 a u @p 1 a a (1 a) 1 a = 1 a ap2 = u = h 1 (p 1 ; p 2 ; u) : (1 a) p 1

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 25 Problemas Duais Considere os seguintes problemas de otimização ( ( max x2r n + u (x) min x2r n e + px t.q. y px t.q. u (x) u Se u (x) é contínua e estritamente crescente em R n +; então e(p; v(p; y)) = y v(p; e(p; u)) = u Em palavras, se v(p; y) é a maior utilidade que posso obter aos preços p; com a renda y: Então y é o mínimo que preciso gastar para atingir tal utilidade aos preços p: Da mesma forma, se e(p; u) é o mínimo que preciso gastar para atingir a utilidade u: Então a maior utilidade que posso atingir aos preços p dado que disponho de e(p; u) é u: Exemplo 8 Assuma que y = 100; a = 0; 6; p 1 = 4; p 2 = 8, então: x 1 (p 1 ; p 2 ; y) = ay 0; 6 100 = p 1 4 x 2 (p 1 ; p 2 ; y) = (1 a) y p 2 = = 15; 0; 4 100 8 = 5; (p 1 ; p 2 ; y) = a a (1 a) 1 a 1 p 1 a 1 p 2 1 a = Continuando: = 0; 6 0;6 0; 4 0;4 1 4 0;6 1 0;4 = 0; 0967: 8 u (x 1 ; x 2 ) = 15 0;6 5 0;4 = 9; 67; v (p 1 ; p 2 ; y) = y = 100 = 9; 67; e(p; u) = e(p; v(p; y)) = u 9; 67 = = 100 = y; 0; 0967 v(p; y) = v(p; e(p; u)) = 100 0; 0967 = 9; 67 = u: Note também que, se u (x) é contínua, estritamente crescente e estritamente quasecôncava em R n +; então para p 0; y 0; u 2 U; x i (p; y) = h i (p; v(p; y)); h i (p; u) = x i (p; e(p; u)):

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 26 Exemplo 9 Continuando com o exemplo anterior. 1 a ap2 0; 6 8 0;4 h 1 (p; v(p; y)) = u = 9; 67 = 15 = x 1 (p; y): (1 a) p 1 0; 4 4 Função Demanda Demanda Hicksiana A curva de demanda de Hicks é negativamente inclinada, i.e. @h i (p; u) 0; @p i A matriz de substituição (de Hicks) é negativa semi-de nida. A demanda hicksiana é simétrica, signi cando que: @h i (p; u) @p j = @h j(p; u) @p i É é homogênea de grau zero nos preços, signi cando que (t > 0): h i (tp; u) = h i (p; u) A Equação de Slutsky Considere a função demanda hicksiana: h i (p; u) = x i (p; e(p; u)). A equação de Slutsky representa uma decomposição da demanda (observável) marshalliana em duas partes: efeito substituição e efeito renda. Considere o ponto de ótimo. @h j (p; u) = @x j(p; y) + @x j(p; y) @e(p; u) : @p i @p i @y @p {z i } =h i (p;u)=x i Rearranjando, temos a decomposição do efeito total em efeito-preço (ou substituição) e efeito-renda, por meio da equação de Slutsky: @x j (p; y) = @h j(p; u) @p i @p {z i } efeito-substituição @x j (p; y) x i : @y {z } efeito-renda Gra camente, podemos observar esses efeitos da seguinte forma. A Lei da Demanda: INSERIR GRÁFICO 1. A demanda compensada de um bem é negativamente inclinada; 2. Se um bem é normal, sua curva de demanda (marshalliana) é negativamente inclinada.

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 27 Demanda Marshalliana Podemos generalizar as derivadas, obtendo a matriz de Slutsky: Considere a função demanda hicksiana, h (p;u) : Tomemos a diferencial total, para obter o que se chama de matriz de Slutsky, S (p; y): 0 S(p; y) B @ @x 1 @x @p 1 + x 1 1 @y @x 2 @x @p 1 + x 2 1 @y @x n @p 1. + x 1 @x n @y @x 1 @x @p 2 + x 1 2 @y @x 2 @x @p 2 + x 2 2 @y @x n @p 2. + x 2 @x n @y @x 1 @x @p n + x 1 1 n @y @x 2 @x @p n + x 2 n @y... C. A : @x n @x @p n + x n n @y Essa matriz possui as seguintes propriedades, advindas das propriedades da demanda hicksiana: 1. É simétrica; 2. É negativa semide nida; 3. E satisfaz S(p; y) p = 0. Elasticidades De nição 3 Seja y = f (x) ; então de nimos a elasticidade de y com relação a x como dy x dx y = f 0 x (x) f (x) : A elasticidade responde a seguinte questão: dada uma variação percentual em x, qual será a variação percentual de y. Para ver porque isso é verdade, considere variações discretas na fórmula anterior: y x x y = Há três elasticidades utilizadas na representação da equação de Slutsky: E elasticidade-renda é dada por y y x x i @x i(p; y) @y Observe que, se i < 0, signi cando que @x i(p;y) @y < 0, diz-se que x i é um bem inferior, caso contrário, trata-se de um bem normal. Quando i > 1, trata-se de y : x i um bem supér uo, do contrário é um bem necessário.

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 28 A elasticidade-preço (quando i 6= j, elasticidade é cruzada; quando i = j, elasticidade é própria) é de nica como: " ij @x i(p; y) p j : @p j h i Se j" ii j < 1, dizemos que a demanda é inelástica àquele preço. Do contrário, a demanda é elástica. A elasticidade compensada (quando i 6= j; elasticidade é cruzada; quando i = j, elasticidade é própria) toma a forma: " c ij @h i (p; u) @p j p j h i (p; u) : Propriedades da Demanda Usando Elasticidades Considere a restrição orçamentára do consumidor: nx p i x i = y: i=1 A derivada total dessa expressão é dada por: nx x i dp i + i=1 Suponha que dp i = 0; 8i, então: em que nx p i dx i = dy =) i=1 nx w i i = 1; i=1 nx p i dx i = dy: i=1 nx i=1 x i p i y dx i dy y x i = 1 =) w i = x ip i y é participação no gasto do bem i. Tome a restrição orçamentária e derive com relação à renda: nx i=1 p i @x i @y = 1 =) =) nx i=1 p i x i y nx w i i = 1 i=1 @x i @y y x i = 1 =)

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 29 O somatório das elasticidades ponderadas pela participação relativa de gastos é unitário. Se repetirmos o procedimento anterior, entretanto derivando com relação a preço, p j, obtém-se: nx w i " ij = w j : i=1 Sabemos que a função demanda marshalliana é homogênea de grau zero com relação a preços e renda. Isto é, x (tp; ty) = x (p; y). Conseqüentemente, tomando a diferencial total da demanda do bem i, temos que: 0 = dx i (p; y) dt = nx j=1 dx i (tp; ty) dtp j p j + dx i (tp; ty) y: dty Isso vale para qualquer t que escolhamos. Por isso, podemos livremente escolher t = 1, para ter: nx j=1 dx i (p; y) dp j Recorrendo à equação de Slutsky: p j x i (p; y) + dx i (p; y) y dy x i (p; y) = 0 =) nx " ij + i = 0; 8k: j=1 @x i (p; y) = @h i(p; u) @x k (p; y) x j =) @p j @p j @y @x i (p; y) @p j p j x i (p; y) = @h i(p; u) @p j p j x i (p; y) " ij = " c ij i w j. y @x i (p; y) x jp j x i (p; y) @y y =) Somando em j: X " ij = X j j X " ij + i = X j j {z } =0 X " c ij i w j =) j " c ij =) X " c ij = 0: j

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 30 Além disso: X " c ijw i = X (" ij + i w j ) w i = i i = X X " ij w i + w j i w i = 0 i i {z } {z } = w j =1 Adicionando (adding up) em todo j, obtém-se: X X w i " ij = j i X j w j = 1 = X j w j j : Pela propriedade da simetria de slustky: @h i = @h j =) @h i p j = @h j p i h j p j =) @p j @p i @p j h i @p i h j h i p i =) " c ij = " c ji Propriedades Redundantes w j w i Note que simetria e homogeneidade implicam adding up, ao passo que adding up e simetria implicam em homogeneidade. O que é importante notar é que, se a demanda marshalliana é gerada por preferências racionais, então ela tem as propriedades de homogeneidade, simetria e negatividade semi-de nida da matriz de slutsky. Não precisamos usar adding up para caracterizá-la (obviamente poderíamos ter usado adding up e omitido homogeneidade). Preferências Homotéticas Preferências homotéticas são representáveis por funções homogêneas de grau 1: Isto é, u (x) = u (x) : Isso tem conseqüências importantes. Seja = 1 y, então: v (p; y) ( ( max x u (x) s.a. px = y, maxx yu x y s.a. p x y = 1 ; ou denotando x y = z; temos v (p; y) = ( y max z u (z) s.a. pz = 1 = yv (p; 1) :

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 31 2.1.1 Bem-Estar Desejamos conhecer o benefício e o custo de uma política pública. Para isso, precisamos medir o bem estar gerado por tal política. Em particular, queremos é saber como varia o bem-estar do agente quando variam os preços. Há várias alternativas propostas, embora ainda impefeitas. Dentre elas destacam-se: Excendente do Consumidor; Variação Compensatória; Variação Equivalente. Uma primeira tentativa (Dupuit 1844): Para entender como funciona a avaliação de bem estar, é conveniente introduzirmos alguns exemplos elementares. Suponha que o preço seja p e que o agente esteja comprando n unidades do bem. Pergunta-se: quanto ele estaria disposto a pagar pelas n unidades que está consumindo? Pela primeira, u (1) u (0) Pela segunda, u (2) u (1). Pela n esima; u (n) u (n 1) P u (n) u (0) Aqui, introduzimos a idéia, equivocada como veremos, que o difererencial de utilidade entre um bem e outro pode ser mensurado e é equivalente ao preço que se estaria disponto a pagar por aquele bem. Mas, quanto efetivamente se paga? A resposta é: pn: Portanto, o excedente do consumidor, EC, é o somatório do que se deseja pagar a cada bem, deduzidos do que efetivamente se paga: Se adotarmos as seguintes hipóteses: EC = u (n) u (0) p n:. 1. Função utilidade: u (x) + m; em que m é a despesa com todos os outros bens; 2. u 0 (x) > 0 e u 00 (x) < 0; e 3. x só pode ser consumido em quantidades discretas, temos um tratamento moderno do problema proposto por Dupuit (1844).

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 32 De fato, vamos comparar a utilidade de consumir n unidades com a utilidade de consumir n + 1 unidades do bem: u (n + 1) + y p (n + 1) 7 u (n) + y p n =) u (n + 1) u (n) 7 p: O agente deverá comprar uma unidade adicional sempre que a diferença do lado esquerdo da desigualdade anterior for maior do que p: Assim, u (n + 1) u (n) é o máximo que o agente está disposto a pagar pela n + 1 esima unidade do bem x; o que justi ca a tabela anterior. O Excedente do Consumidor Suponha que somente o preço de um bem tenha mudado, i.e., p 1 p 0 = (0; :::; p 1 i p 0 i ; 0; :::0): Queremos medir v p 1 ; y v p 0 ; y = Z p 1 i p 0 i @ i v (p; y) dp i = Z p 1 i p 0 i @ y v (p; y) x i (p; y) dp i : Supondo @ y v (p; y) constante, temos v p 1 ; y v p 0 ; y @ y v (p; y) = Z p 1 i p 0 i x i (p; y) dp i ; o que justi caria o uso do excedente do consumidor. Há dois problemas com essa medida. Primeiro, a hipótese de @ y v (p; y) constante é por demais restritiva. Segundo, a variação do excedente do consumidor não pode ser usada para a avaliação de mudanças conjuntas nos preços de vários bens. Variação Compensatória Uma medida exata é a variação compensatória. Ela responde a seguinte pergunta. Em quanto você precisaria ser compensado por uma mudança no vetor de preços? Ou seja, v p 1 ; y + CV = v p 0 ; y : Usando a relação de dualidade e (p; v (p; y)) = y; podemos reescrever CV = e p 1 ; v p 0 ; y y: Variação Equivalente Responde a seguinte pergunta. Quanto você estaria disposto a pagar para evitar uma mudança no vetor de preços? Ou seja, v p 1 ; y = v p 0 ; y EV : Donde, EV = y e(p 0 ; v p 1 ; y ):

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE MICROECONOMIA 33 A Demanda Excedente Em muitos casos (veri ca-se isso exaustivamente estudando-se equilíbrio geral), é interessante considerar que a renda não cai simplesmente do céu, mas é produto da venda de algum bem, alguma dotação inicial do agente (essa sim cai do céu). Como incorporar isso na teoria que estudamos? Suponha que, em vez de uma renda, o agente possua uma dotação inicial x de bens que possa vender no mercado para comprar as mercadorias que são de seu interesse. Neste caso, seu problema de maximização passa a ser ( max x2r n ^v (p; x) + u (x) t.q. p x p x ; (2.3) ou seja, o total do que compra não pode custar mais do que o total do que vende. O que acontece com a demanda de um bem j quando aumenta o preço do bem i? Primeiro, há o efeito tradicional medido pela demanda marshalliana @x j =@p i : Mas a renda do agente também é afetada de modo independente pelo aumento de p i : De fato, seja y px: Podemos, então escrever o efeito total a partir da demanda marshalliana: dx j = @x j (p;y) dp i @p i = @x j (p;y) @p i Subsitutindo na Equação de Slutsky: dx j @hj (p;u) = dp i @p i = @h j (p;u) @p i + @x j (p;y) @y dy dp i + @x j (p;y) x i @y @x j (p;y) x i @y @x j (p;y) @y (x i x i ) : + @x j (p;y) x i @y Neste caso, saber que um bem é normal não garante que possamos determinar o efeito de uma aumento no seu preço sobre a demanda. De fato, isso dependerá de ser o indivíduo um demandante ou ofertante líquido do bem. Exemplo 10 (Oferta de Trabalho) Seja w o salário (i.e. o preço do lazer). Então, o agente tem uma dotação inicial de L horas (e.g., 168 horas semanais). Ele vende L l (e.g., 40 horas semanais) no mercado de trabalho e consome l (168-40=128 horas) de lazer.