UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE TRADUTORES MARIA EDELAINE SOUSA MESQUITA

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Transcrição:

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE TRADUTORES MARIA EDELAINE SOUSA MESQUITA TRADUÇÃO DE POEMA: A MUSICALIZAÇÃO DO POEMA "VIVO SIN VIVIR EN MÍ", DE SANTA TERESA DE JESÚS FORTALEZA CEARÁ 2013

MARIA EDELAINE SOUSA MESQUITA Tradução de poema: a musicalização do poema "Vivo sin vivir en mí", de Santa Teresa de Jesús Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Formação de Tradutores do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Formação de Tradutores. Orientadora: Prof.ª Ms. Edilene Rodrigues Barbosa. FORTALEZA CEARÁ 2013

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará Biblioteca Central CENTRO DE HUMANIDADES Bibliotecário Responsável Doris Day Eliano França CRB-3/726 M578t Mesquita, Maria Edelaine Sousa. Tradução de poema: a musicalização do poema vivo sin vivir en mi, de Santa Teresa de Jesús / Maria Edelaine Sousa Mesquita. 2013. CD-ROM. 41 f.; il. (algumas color) : 4 ¾ pol. CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm). Monografia (Especialização) Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Curso de Especialização em Formação de Tradutores, Fortaleza, 2013. Orientação: Profª. Ms. Edilene Rodrigues Barbosa. 1. Tradução. 2. Poema. 3. Poesia. 4. Música. 5. Melodia. I. Título. CDD: 418.02

À minha mãe, que me transmitiu, graciosamente, o gosto pelas Letras.

AGRADECIMENTOS A Deus, pela capacidade com que me reveste. A Ednardo Mesquita, meu irmão, que em nossas conversas sobre o tema abordado me trouxe reflexões preciosas para a compreensão de determinados processos aqui descritos. À mestre Edilene Barbosa, minha orientadora, que com sua tranquilidade e sabedoria me acalmou a alma e me facilitou o aprendizado nessa pesquisa que muitas vezes me deixou tão cansada. A Marcos Pereira, músico, que me auxiliou em alguns conceitos basilares sobre música, sem os quais não teria chegado ao objetivo final desta pesquisa.

Letras veem-se enquanto se ouve sua música, ou na medida em que se ouve sua música, passo a passo se cantam as palavras. Letras, logo, não se leem, pois a música cantada faz de seu texto algo residente, algo sem autonomia. Pedimos ao ouvinte, portanto, que ouvinte seja, que olhe estas letras na audição desta música, e só quando da audição desta música, nunca antes, talvez retrospectivamente, ou, depois, bem depois, mas nunca antes. (Marcelo Gargaglione e Luis Maffei)

RESUMO A tradução de poemas, apesar de muito discutida entre acadêmicos, sempre é analisada isoladamente e nunca em relação a outros gêneros. No trabalho que ora se apresenta como um estudo de caso, investigamos o poema Vivo sin vivir en mí, que foi musicalizado e é cantado na voz da irmã Kelly Patricia, em relação a música que o acompanha. Além de analisar possíveis influências da tradução do poema na estruturação da melodia e possíveis interferências da melodia na decisão da tradutora por determinadas escolhas linguísticas, objetivamos demonstrar que a análise da tradução de um poema para ser musicalizado, ou seja, de um poema transmutado em canção, não deve ser feita apenas sob a perspectiva linguística, mas também sob a dimensão semiótica, tanto da letra como da música que a compõe. Partimos de um pressuposto baseado em Lefevère (1990, p.11) quando diz que reescrituras podem introduzir novos conceitos, novos gêneros, novos artifícios e (que) a história da tradução é também a da inovação literária, do poder formador de uma cultura sobre a outra. A partir daí procuramos responder aos seguintes questionamentos: 1. Em quê as possíveis mudanças são necessárias?; 2. As alterações encontradas no texto de chegada interferiram no significado proposto pelos versos ou pela estrofe do texto de partida?, 3. Qual a relação entre a letra traduzida e música na canção em análise?. Inicialmente nossa escolha foi somente o poema renascentista espanhol de Teresa de Jesús. Depois, ao observar que estava musicalizado, decidimos estudá-lo em relação à melodia que lhe foi posta. Verificamos as mudanças na estrutura física da tradução, comparativamente em relação ao texto de partida, e, em seguida, pusemos em paralelo a tradução e sua respectiva melodia para observar de que forma se deu a harmonia entre ambas. Os resultados mostram que ambas as linguagens presentes na canção, a linguagem verbal e musical, se comunicam, se unem, se interpenetram, na formação/transmissão de uma mensagem. Palavras-chave: Tradução. Poema. Poesia. Música. Melodia.

RESUMEN Siempre se analizan aisladamente y nunca en relación con otros géneros la traducción de poemas, aunque sea muy discutida entre los expertos. En este presente trabajo, considerado como un estudio de caso, el poema Vivo sin vivir en mí, que fue musicalizado y es cantado en la voz de la hermana Kelly Patrícia, será investigado en relación con la música que lo acompaña. Además de investigar posibles influencias de la traducción del poema en la estructuración de la melodía y posibles interferencias de la melodía en la decisión de la traductora por determinadas elecciones lingüísticas, objetivamos demostrar que el análisis de la traducción de un poema para ser musicalizado, es decir, de un poema transmutado en canción, debe ser hecha bajo perspectiva lingüística y semiótica, tanto de la letra como de la música que la compone. Lefevère dice que reescrituras pueden introducir nuevos conceptos, géneros y artificios, y que la historia da la traducción es también la de la innovación literaria, del poder formador de una cultura sobre otra. Partimos de ese presupuesto para contestar las siguientes preguntas: 1. Qué cambios fueron necesarios en el texto?; 2. Los cambios encontrados interfirieron en el significado propuesto por los versos o por las estrofas del texto de partida?; 3. Cuál la relación entre letra traducida y la música en la canción en análisis? Inicialmente elegimos solamente el poema renacentista español de Teresa de Jesús. Luego, al observar que le pusieron música decidimos estudiarlo relacionándolo a su melodía. Verificamos los cambios en la estructura física de la traducción, comparándolo al texto de partida, y, en seguida, pusimos lado a lado la traducción e su respectiva melodía para observar de qué forma se dio la harmonía entre las dos. Lo que observamos con el análisis fue que los lenguajes presentes en la canción, el lenguaje verbal y musical, se comunican, se unen, se mezclan en la composición/ transmisión de un mensaje. Palabras clave: Traducción. Poema. Poesía. Melodía.

LISTA DE QUADROS Quadro 1 Poema em espanhol, base da análise... 20 Quadro 2 Versão musicalizada do poema Vivo sin vivir en mí... 22 Quadro 3 Rimário do poema de Teresa de Jesús e das estrofes correspondentes na versão musicada... 24 Quadro 4 Sílabas poéticas no texto de partida e no texto de chegada... 27 Quadro 5 Divergências léxicas entre os textos... 28 Quadro 6 Rimário e sílabas poéticas do texto de partida e do texto de chegada... 29 Quadro 7 Rimário da última estrofe... 29 Quadro 8a Comparação entre o texto de partida, o texto para simples entendimento do leitor e o texto para ser cantado... 30 Quadro 8b Comparação entre o texto de partida, o texto para simples entendimento do leitor e o texto para ser cantado... 31 Quadro 8c Comparação entre o texto de partida, o texto para simples entendimento do leitor e o texto para ser cantado... 31 Quadro 9 Equivalentes gramaticais e semânticos... 32 Quadro 10 Infidelidade semântica... 33 Quadro 11 Supressões e acréscimos... 33 Quadro 12 Grupamento 1... 35 Quadro 13 Grupamento 2 (Primeira execução)... 35 Quadro 14 Grupamento 3... 36 Quadro 15 Grupamento 2 (Terceira execução)... 36

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO... 10 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA... 12 2.1 Sobre o traduzir... 12 2.2 Sobre a tradução de poesias... 13 2.3 Poesia/Poema & Canção... 15 2.3.1 Poemas & Poesias... 16 2.3.2 Poema & Canção... 16 2.3.3 Poema & Letra de canção... 17 3 METODOLOGIA... 19 3.1 Tipo de pesquisa... 19 3.2 Eleição dos corpora... 19 3.2.1 Sobre a autora... 21 3.2.2 Sobre a versão musicalizada... 22 3.3 Procedimentos de análise... 22 4 ANÁLISE DOS CORPORA... 24 4.1 Letra e Tradução... 24 4.2 Melodia e Tradução... 34 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 38 6 REFERÊNCIAS... 39 GLOSSÁRIO... 41

10 1 INTRODUÇÃO Nos estudos que envolvem tradução, a discussão que trata da distinção entre a tradução palavra por palavra e a tradução mais livre sempre vem à tona. Nominadas por Dryden (1680) como metáfrase e paráfrase, respectivamente, e concebidas por ele, como formadoras do paradigma triádico da tradução ao lado da imitação (apud MILTON, 1998, p. 7), naquela considera-se importante e essencial a preservação da forma e da sintaxe, e o tradutor é mero repassador de informações; e nesta o sentido é que prevalece, e o tradutor pode (des)construir um texto. Quando delimitamos nossos estudos no que diz respeito à tradução de poesia, além da discussão acima mencionada, observamos também o questionamento que versa sobre a traduzibilidade/intraduzibilidade da poesia. Esse questionamento nos leva a refletir a seguinte questão: o que é poesia? Defini-la não é fácil. Algumas vezes ela aparece como sinônima de poema, em outras, como no dicionário Aurélio (2007) 1, são feitas pequenas distinções que requerem definição mais precisa, e em outras, embora se faça distinção entre os dois termos, ambos são usados de forma confusa e indistintamente, um em lugar de outro. Apesar da dificuldade, consideramos coerente pensar poesia 2 como a parte abstrata do texto de caráter imaterial e transcendente que nasce das emoções, portanto ela é flexível e pode variar dependendo da cultura e das experiências pessoais, enquanto que poema, que é a composição em verso, constitui a parte concreta. Nosso trabalho faz a análise de uma canção, cuja letra traduzida é um poema. Levando em conta que estamos diante de dois termos, tradução e musicalização, e que nenhum se exclui ou se sobressai ao outro, mas se fundem compondo uma mensagem, nosso objetivo geral é analisar interferências semânticas, sintáticas e/ou lexicais da tradução na melodia e interferências da altura melódica e/ou ritmo na tradução. Pois A canção é um gênero híbrido, de caráter intersemiótico, pois é resultado da conjugação de dois tipos de linguagens, a verbal e a musical (ritmo e melodia). Defendemos que tais dimensões têm de ser pensadas juntas, sob pena de confundirmos a canção com outro gênero [...] Assim, a canção exige uma tripla competência: a verbal, a musical e a lítero-musical, sendo esta última a capacidade 1 Composição poética de certa extensão, com enredo. Poesia. Composição poética de pequena extensão 2 Ver: Falar de música. Falar de poesia. Disponível em http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/literatura/0085.html

11 de articular as duas linguagens. (COSTA, 2002, p. 107 apud RAMIRES; OLIVEIRA; STRIQUER, 2010, p. 04) Como os trabalhos que vimos sempre tratavam ou só da tradução do poema, ou só da música, mas nunca sobre a possível interferência que a tradução pudesse exercer sobre a melodia e vice versa, nosso estudo é relevante à medida que fomenta o surgimento de outros trabalhos sob o mesmo viés de nossa pesquisa, a fim de que possamos determinar e descrever estratégias recorrentes. É também importante porque a análise tal qual está sendo apresentada contribui para o entendimento de algumas escolhas nos processos de tradução e auxilia na apreensão de sentidos propostos no texto, sem perder de vista o tipo do gênero e suas respectivas características. Apesar de nossa análise estar restrita a apenas uma canção, pensamos que o tipo de estudo aqui aplicado pode ser amoldado tanto às traduções do espanhol para o português como às versões do português para o espanhol. Em termos organizacionais, no primeiro capítulo deste trabalho, além de abordarmos a temática tradução de poesia/poema, analisaremos os termos poesia e poema, poema e canção, poema e letra de música sob a perspectiva de autores como Arrojo (2007), Paes (1990), Lefevere (2007), Milton (1998), Rodrigues (2000), entre outros. No segundo capítulo, falaremos sobre a metodologia de nossa pesquisa, em que tipo essa metodologia se encaixa, como fizemos a eleição dos corpora e, por último, como procedemos em nossa análise. Já no terceiro capítulo, apresentaremos a análise do poema Vivo sin vivir en mí, de autoria de Teresa de Cepeda y Ahumada, em português brasileiro cantado pela irmã Kelly Patrícia. Na pesquisa, procuramos entender as mudanças ocorridas durante o processo de tradução, se elas foram necessárias e porque foram necessárias, se as alterações interferiram no significado/sentido primeiro proposto no texto de partida e qual a relação entre a letra traduzida e a música na canção em análise. Por último faremos as considerações finais e apresentaremos as referências.

12 2 CAPITULO I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Nesta seção, iremos comentar sobre algumas reflexões que norteiam a tradução, principalmente as que se referem à tradução de poesias e consequentemente as que usamos para embasar nossa pesquisa. 2.1 Sobre o traduzir Traduzir não é tão simples como pensam algumas pessoas; ter conhecimento da língua do texto de partida e da língua para a qual se quer verter o texto não é suficiente, precisa-se ter conhecimento de ambas as culturas, conhecer o público alvo e o objetivo da tradução. Se assim é, então, O que é traduzir? A primeira e consoladora resposta gostaria de ser: dizer a mesma coisa em outra língua. Só que, em primeiro lugar, temos muitos problemas para estabelecer o que significa dizer a mesma coisa e não sabemos bem o que isso significa por causa daquelas operações que chamamos de paráfrase, definição, explicação, reformulação, para não falar das supostas substituições sinonímicas. Em segundo lugar, porque, diante de um texto a ser traduzido, não sabemos também o que é a coisa. E, enfim, em certos casos é duvidoso até mesmo o que quer dizer dizer.(eco, 2007, p. 9, apud COSTA E SILVA, 2011, p. 16, grifo do autor) O próprio termo TRADUÇÃO pode significar o produto, ou seja, texto traduzido; o processo do ato tradutório; o ofício, isto é, a atividade de traduzir; ou a disciplina, o estudo interdisciplinar e/ou autônomo (SOUZA, 1998, p.51). Não sendo única a definição para o termo, não é de se admirar que não exista uma única teoria da tradução e que sempre apareça a velha tensão entre tradução livre e tradução literal, posições diametralmente opostas, em que naquela o tradutor busca formular na língua de chegada a sua leitura, fazendo valer sua sensibilidade, sua vivência (QUEIROZ,2008, p. 55) e nessa o tradutor busca correspondentes de uma palavra da língua de partida na língua de chegada (QUEIROZ, 2008, p. 53). A discussão dicotômica mencionada logo acima é milenar e o método palavrapor-palavra (literal) ganhou forças com as primeiras traduções bíblicas, nas quais se procurava ao máximo o respeito às palavras divinas. Desse modo atrelou-se o método palavra-porpalavra à fidelidade. Contudo alguns problemas de compreensão eram percebidos e, já nos primeiros séculos a.c, a noção sentido-por-sentido (livre) já era verificada na base da língua e literatura dos romanos. (BASSNETT, 2002, p. 51, apud COSTA E SILVA, 2011, p. 37).

13 tão aclamada na época: Veja o que Cícero (106-43 a.c) considera sobre a fidelidade à tradução, ideia já Decidi tomar discursos escritos em grego por grandes oradores e traduzi-los livremente. E eu obtive o seguinte resultado: dando uma forma latina ao texto que li, eu não apenas faço uso das melhores expressões de uso corrente entre nós, mas também posso cunhar novas expressões, análogas às usadas em grego, e elas não são mal recebidas por nosso povo desde que sejam apropriadas. (1992, p. 47, apud COSTA E SILVA, 2011, p. 37) Ressaltamos aqui que, apesar de usarmos o termo livre, concordamos com José Paulo Paes quando ele afirma que a tradução dita livre é um termo inapropriado, pois [...] não há liberdade no ato tradutório: o tradutor está sempre limitado pelos parâmetros do texto com que se avém. De qualquer modo, o critério de tradução livre tem a seu favor denunciar o equívoco da tradução erroneamente chamada literal, isto é, a canhestra tradução quase palavra-por-palavra [...](PAES, 1990, p. 36) Também lembramos que o conceito de tradução literal varia bastante de linguista para linguista, e que quando nos referirmos à tradução literal, será aquela mais centrada na forma, e quando à tradução livre, será a mais centrada no sentido (ideias ou conceitos). (SOUZA, 1998, p. 52). Cristina Carneiro Rodrigues afirma que Roman Jakobson não só define a tradução como envolvendo duas mensagens equivalentes em dois códigos diferentes como afirma que a equivalência na diferença é o problema principal da linguagem e a principal preocupação da linguística. (RODRIGUES, 2000, p. 18) Ao observarmos essa definição, e ao lado da polaridade tradução livre x tradução literal, aparece outro questionamento comum nos estudos sobre tradução, a equivalência, pois a mesma não se refere a um único tipo de relação na área de linguística contrastiva 3. 2.2 Sobre a tradução de poesias Para alguns, a tradução deve ser a transferência completa de sentido/significado, formas e estilo de uma Língua A para uma Língua B, ou seja, tem que haver completa equivalência entre ambas, a fim de que o texto seja fidedigno. Quando se considera a tradução de poemas/poesias, esta concepção se complica ainda mais, pois muitos afirmam que esse tipo 3 Subárea da linguística, cuja função é comparar os sistemas linguísticos da língua materna e da língua estrangeira, destacando as semelhanças e diferenças fonológicas, morfológicas e/ou sintáticas.

14 de tradução é perda de tempo, é descaracterizar o texto literário e, sua possível traduzibilidade, é vista como sinal de inferioridade (ARROJO, 2007, p. 26). [Inferior] porque falha em capturar a alma ou o espírito do texto literário ou poético. Essa visão reflete, portanto, a concepção de que, especialmente no texto literário ou poético, a delicada conjunção entre forma e conteúdo não pode ser tocada sem prejuízo vital, o que condenaria qualquer possibilidade de tradução bemsucedida. (ARROJO, 2007, p. 27, grifo nosso) Para os escritores que defendem a intraduzibilidade do texto poético, o poético e o literário são características intrínsecas e estáveis [...], portanto qualquer mudança [...] implicaria perda daquilo que o torna literário. (ARROJO, 2007, p. 28). Contudo, apesar de muitos não admitirem a traduzibilidade de poemas/poesias, a prática tradutória tem desmentido tais concepções: na Literatura Brasileira, quase todos os românticos tiveram acesso a Byron através de versões francesas (PAES, 1990, p. 10); W. H. Auden, apesar de afirmar que a poesia não pode ser traduzida, confessa que foi bastante influenciado, enquanto poeta, pelos versos de Kaváfis, a que entretanto só pudera ter acesso em traduções (PAES, 1990, p. 35). Para explicar essa contradição, Auden (s/d), citado por Paes (1990, p. 10), defende que no poema há elementos traduzíveis e intraduzíveis. Traduzíveis seriam os símiles e as metáforas, e intraduzíveis seriam, por inseparáveis de sua expressão verbal, as associações de ideias que se estabelecem entre palavras de som semelhante, mas significado diverso (homófono). De fato, nenhuma tradução reproduzirá um texto de partida em sua totalidade. Isso é utopia. O tradutor antes de tudo é um leitor, e como leitor ele interpreta o que lê e produz conforme a sua decodificação. Durante a leitura do texto original, o tradutor não decodifica informações, mas produz sentidos. A partir daí, o tradutor produz um novo discurso, sobre a base das sistematicidades linguísticas da língua da tradução. Este discurso se materializará num novo texto, que é o texto da tradução. (MITTMANN, 2003, p. 57, apud COSTA E SILVA, 2011, p. 34) Sob essa ótica, o que encontramos são traduções possíveis e não traduções definitivas (PAES, 1990, p 115), pois o tradutor é um recriador e, como recriador, faz reescrituras através de transposição criativa, como definiria Roman Jakobson (CANDIDO, 1959, p. 80, apud PAES, 1990, p. 36). Levando em consideração essa afirmação, vemos que as transposições envolvem certa perda ou acréscimo (PAES, 1990, p. 41); uma perda na semântica do significado, por exemplo, pode ser compensada por um ganho na semântica do significante (PAES, 1990, p115) e isto não inferioriza a reescritura, pois o importante é

15 produzir, sobre os leitores da língua-alvo, efeitos semelhantes (grifo nosso) aos produzidos pelo poema original nos leitores da língua fonte. (PAES, 1990, p. 115) Se a tradução, pois, configura um novo texto 4, como poderemos avaliar a fidelidade de uma tradução? E se pensarmos em fidelidade, fidelidade a que? A quem? Arrojo (2007, p. 44, grifo da autora) responde de uma maneira simples e direta: [...] nossa tradução de qualquer texto, poético ou não, será fiel ao texto original, mas àquilo que consideramos ser o texto original, àquilo que consideramos constituí-lo, ou seja, à nossa interpretação do texto de partida, que será, como já sugerimos, sempre produto daquilo que somos, sentimos e pensamos. [...] deve ser fiel também aos objetivos que se propõe. Vejamos o exemplo do francês D Ablancourt e seus seguidores, no período dos séculos XVII e XVIII, que sempre escolhiam a expressão mais clara porque seria a mais bela. Não importavam as mudanças que fossem necessárias fazer a fim de que a tradução não ferisse os ouvidos e que tudo pudesse ser entendido. (MILTON, 1998, p. 57). O objetivo era adaptar a obra para agradar ao público, como afirma o próprio D Ablancourt em um de seus 5 livros (1654, apud SELIGMANN-SILVA, 2003, [s.n]): eu me propus agradar mais do que ser fiel, ou antes, eu achei que a fidelidade nesse ponto consistiria no agrado, sem me distanciar, no entanto, do objetivo e do desenho do meu Autor. Traduzindo dessa forma, os franceses nacionalizavam suas versões e tudo soava como se fosse francês. Assim, conforme o Glossário de termos de edição e tradução (2008, grifo nosso), [essa] tradução é tida como colonizadora, etnocêntrica, hostil e anti-hospitaleira [...] Nesse sentido, o tradutor pode considerar que alguns aspectos da língua de partida se mostram incongruentes e incompatíveis para o padrão da língua de chegada, e o tradutor considera seu dever moral fazer algo para refiná-los. Já o contato que os alemães tiveram com outras culturas literárias os permitiu consolidarem e confirmarem sua própria independência (MILTON, 1968, p. 61), pois, não seguindo os padrões de França, os tradutores alemães tomavam o melhor de cada cultura ao mesmo tempo que delineavam a sua própria, diferente de como agiam os franceses que, por não se permitirem afetar por outras culturas, pouco se beneficiaram das traduções que faziam. 2.3 Poesia/poema & Canção 4 Conjunto coerente de signos, conforme Bakhtin em Estética da criação verbal, 2011. 5 Ver: Do gênio da língua ao tradutor como gênio. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102-44502003000300011

16 Apontadas algumas dificuldades, conceitos e contradições que norteiam a tradução de poema/poesia, consideramos de bom senso definir os termos centrais de nossa discussão e compará-los ao gênero canção, ressaltando as características que os aproximam e as que os distingue. 2.3.1 Poemas & Poesias Comentamos anteriormente que consideramos coerente a distinção entre poesia e poema 6. Concordamos, portanto, com Ferreira (1993, apud FRANCO, s/d) quando ele define aquela como sendo algo que sugere emoções por meio de uma linguagem, o que toca a sensibilidade, e esta como sendo a obra em verso que contém poesia. Se fazemos tal distinção, não restringimos a poesia à obra em verso, mas ampliamos seu alcance também à prosa, à música, à dança e etc. O que consideramos sensato, uma vez que existem obras, que não poema, que têm poesia, ou seja, que sugerem emoções por meio da linguagem. Sob este aspecto, pois, consideramos a poesia, como ato de linguagem. Jean Cohen, citado por Paes (1990, p. 37), chama de operadores poéticos aquilo que caracteriza um poema como sendo um poema, dentre os quais estão o metro, a rima, a elipse, a inversão, a metáfora e outros. Segundo ele, esses operadores forçam a atenção do leitor a demorar-se no signo linguístico em si, na sua homologia de som ou de forma com o conceito que exprime, em vez de apenas buscar este para além dele. Definimos o poema, portanto, como um gênero de texto, alicerçados na explicação de Bakhtin (2011) sobre gêneros do discurso, na qual diz que o conteúdo temático, a seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua e a construção composicional caracterizam enunciados de campos da comunicação. Ou seja, podemos inferir, a partir do que foi dito pelo autor, que o poema é um tipo relativamente estável de enunciado, portanto um gênero discursivo. 2.3.2 Poema & Canção Além dos operadores citados acima, a organização de um texto em versos e estrofes também é característica de um poema, considerada como seu principal diferencial em relação à prosa, que é escrita em linhas ininterruptas. Contudo, se por um lado podemos dizer 6 Ver: O que é poema e o que é poesia? A criação poética: Algumas considerações sobre o texto poético Disponível em: http://www.madesp.com.br/contaumconto/poemaxpoesia.htm

17 que versos e estrofes afastam o poema da prosa, por outro, esses mesmos elementos aproximam-no da canção. A canção, segundo Costa (2001), é um gênero híbrido, formado por linguagem oral e linguagem verbal, os quais a situa numa fronteira instável entre oralidade e escrita ; conforme D Onofrio (2005, apud RAMIRES; OLIVEIRA; STRIQUER, p. 3), a canção em sua origem é toda poesia relacionada com a música e o canto. Nas duas definições, a materialidade híbrida da canção é clara, portanto, dada a importância de ambas, em uma canção não se pode desmerecer nem a linguagem verbal nem a musical ao ser feita uma análise, pois é na interação entre o texto linguístico e o texto musical que a canção constrói o seu sentido (DIETRICH, 2005). Poema e canção são muito parecidos, pois ambos os gêneros textuais [...] trabalham com recursos expressivos da linguagem poética, apoiam-se em métrica fixa ou não, em rimas regulares ou não, mas têm no ritmo a sua marca essencial, têm modos de organização do discurso parecidos e visam a causar prazer estético, atraindo e seduzindo seu leitor ou ouvinte (MÜLLER, 2010, [s.n]). 7 Talvez por essa similitude haja quem designe a canção como POESIA MUSICADA e quem a tome como TEMA MUSICAL COM LETRA. Ou seja, naquela a ênfase está na linguagem verbal e, nesta, a ênfase está na linguagem musical. O que consideramos um equívoco, uma vez que ambas se mesclam e se complementam. Portanto priorizar uma em detrimento da outra seria descaracterizar o gênero canção. 2.3.3 Poema & Letra de canção No meio dessas designações, surge o questionamento letra de canção ou poema?. Na antiguidade, as composições poéticas eram feitas para serem acompanhadas por uma lira. Este caráter musical, ao lado da métrica, do ritmo e de toda a harmonia de uma composição para que a letra caiba em uma melodia, faz muitos concordarem com que a letra de uma canção é um poema 8 (AMORIM, 2012, p.1). Contudo, contrapondo a esse argumento, há os que acreditam que a letra de uma canção só funciona dentro da própria canção. Observemos o que Luiz Tatit a respeito: 7 Ver: Gêneros Textuais. Disponível em: http://escolafilintobg.blogspot.com.br/2010/05/caracteristicasgeneros.html 8 Ver: Ler uma canção, escutar um poema. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/literatura/0108.html

18 Mas [...] o que faz uma música ser considerada uma canção é a fala por trás da melodia. Tanto a letra quanto a melodia devem passar a mesma mensagem. [...] não adianta fazer poesia, porque, se ela não puder ser dita, não vira canção. E você pode ter também uma música extremamente elaborada, mas se ela não suscitar uma letra, não tiver entoação, também não é canção. (TATIT, apud SILVA, 2007, [s.n]) 9. Muitos podem até argumentar que um poema pode ser musicado para que a letra de uma música seja também considerada poema. Obviamente sim. Contudo, ao ser musicalizado ela passa a depender da melodia para se fazer significar ( MENEZES, 2009), ou seja, na junção, quando se forma a canção, letra e música se tornam interdependentes sem contudo deixarem de ter vida própria dentro do gênero [canção] (AGUIAR, [s.d], p. 132, grifo nosso). 9 Ver: O que é canção, por Luiz Tatit. Disponível em: http://www.digestivocultural.com/blog/post.asp?codigo=1567&titulo=o_que_e_cancao,_por_luiz_tatit

19 3 CAPÍTULO II METODOLOGIA Ao longo desta seção, vamos traçar o perfil de nossa pesquisa, expor as motivações da escolha dos corpora e citar as principais perguntas que orientaram nossa análise, além de dizer como procedemos para respondê-las. 3.1 Tipo de pesquisa A pesquisa que ora se apresenta trata-se de um estudo de caso, pois seu objeto de estudo é a descrição e análise não superficial de um poema renascentista que foi musicalizado, na qual se pretende explorar, compreender como poema, tradução e melodia se interrelacionam na formação de uma canção. É um estudo de cunho descritivo, porque se pretende analisar e descrever tais fatos; de natureza qualitativa, porque, além de ter caráter descritivo e seu enfoque ser indutivo ou seja, a partir de dados particulares, pretende-se chegar a uma conclusão geral-, a pesquisa não tenciona dados estatísticos. Em síntese, selecionamos um poema a partir do qual pretendemos analisar, investigar e descrever que procedimentos foram tomados no processo de tradução do poema e de sua respectiva musicalização, na transmutação do mesmo em canção. O poema escolhido, intitulado Vivo sin vivir en mi, é datado do século XVI e sua autoria pertence a Teresa de Cepeda y Ahumada, mais conhecida como Santa Teresa de Jesús ou Santa Teresa d Ávila. 3.2 Eleição dos corpora A principio, procuramos aleatoriamente um poema de Teresa D Ávila que tivesse versão em língua portuguesa, a fim de que pudéssemos analisar seu processo de tradução. Em nossa busca encontramos a versão de um cantado na voz da irmã Kelly Patrícia, co-fundadora da comunidade mariana Hesed. A escolha de tal poema foi motivada, além da admiração pelas produções poéticas da autora/poetisa, pelo interesse em analisar os recursos utilizados no processo que possibilitou a conversão dos gêneros poema e música em outro gênero, a canção. Encontramos algumas versões do poema que, embora em sites hispânicos, divergiam um pouco em seus versos. Escolhemos, portanto, o poema cuja tradução mais se

20 aproxima da tradução cantada em português brasileiro pela irmã Kelly. Dentre os textos em espanhol que encontramos, veja abaixo o que foi selecionado: QUADRO 1 Poema em espanhol, base da análise I Vivo sin vivir en mí, y de tal manera espero, que muero porque no muero. II Vivo ya fuera de mí después que muero de amor; porque vivo en el Señor, que me quiso para sí; cuando el corazón le di puse en él este letrero: que muero porque no muero. III Esta divina prisión del amor con que yo vivo ha hecho a Dios mi cautivo, y libre mi corazón; y causa en mí tal pasión ver a Dios mi prisionero, que muero porque no muero. Vivo sin vivir en mí 10 VI Sólo con la confianza vivo de que he de morir, porque muriendo, el vivir me asegura mi esperanza. Muerte do 11 el vivir se alcanza, no te tardes, que te espero, que muero porque no muero. VII Mira que el amor es fuerte, vida, no me seas molesta; mira que sólo te resta, para ganarte, perderte. Venga ya la dulce muerte, el morir venga ligero, que muero porque no muero. VIII Aquella vida de arriba es la vida verdadera; hasta que esta vida muera, no se goza estando viva. Muerte, no me seas esquiva; viva muriendo primero, que muero porque no muero. IV Ay, qué larga es esta vida! Qué duros estos destierros, esta cárcel, estos hierros en que el alma está metida! Sólo esperar la salida me causa dolor tan fiero, que muero porque no muero. IX Vida, qué puedo yo darle a mi Dios, que vive en mí, si no es el perderte a ti para mejor a Él gozarle? Quiero muriendo alcanzarle, pues tanto a mi Amado quiero, que muero porque no muero. V Ay, qué vida tan amarga do no se goza el Señor! Porque si es dulce el amor, no lo es la esperanza larga. Quíteme Dios esta carga, más pesada que el acero, que muero porque no muero. 10 Disponível em: http://users.ipfw.edu/jehle/poesia/vivosinv.htm 11 Conforme a informação do site de onde retiramos o poema, do equivale a onde. Não encontramos nenhuma outra referência ao termo em outros lugares, nem mesmo uma explicação no site de nossa pesquisa, contudo consideramos válida a equivalência, uma vez que se encaixa perfeitamente no sentido do texto.

21 3.2.1 Sobre a autora Teresa de Cepeda y Ahumada, católica fervorosa, era rígida consigo mesma e aplicava regras severas nos conventos por ela reformados. Nasceu em Ávila, Espanha, e, apesar de não ter sido esse seu objetivo, tornou-se conhecida religiosa e escritora, célebre por sua produção mística no período do segundo Renascimento Espanhol. Sua vida devotada a Deus, seu desejo de encontrar-se com ele e seu desprezo em viver esta vida terrena são explícitos em seus escritos e estão bastante claros no poema que ora estudamos. Destacamos a oitava estrofe do poema Vivo sin vivir en mí: Aquela vida de cima que é a vida verdadeira Até que esta vida morra não se goza estando viva: morte, não fujas de mim; viva morrendo primeiro, que morro porque não morro* 12 Neles encontramos a negação dessa vida carnal e o anseio pela morte para alcançar a transcendência. Assim é toda a composição de Teresa de Jesús, tudo o que escreveu está impregnado de conceitos e vivências próprias que permitem delinear o perfil dessa mulher que foi beatificada em 1614, canonizada em 1622 e, em 1970, proclamada doutora da Igreja, pelo papa Paulo VI. 13 3.2.2 Sobre a versão musicalizada A tradução do poema e a interpretação da canção é de responsabilidade da irmã Kelly Patrícia, madre e co-fundadora do Instituto Hesed, palavra hebraica que significa misericórdia. Maria Ortiz musicalizou os versos traduzidos e podemos encontrar o resultado final no álbum Passos no Silêncio, segundo cd da intérprete, lançado em 1998. Abaixo apresentamos a letra da versão musicalizada: *Tradução livre nossa 12 Aquella vida de arriba / que es la vida verdadera / hasta que esta vida muera / no se goza estando viva / muerte, no me seas esquiva / viva muriendo primero / que muero porque no muero 13 Disponível em: http://www.infoescola.com/biografias/santa-teresa-davila/

22 QUADRO 2 Versão musicalizada do poema Vivo sin vivir en mí I Vivo já fora de mim, desde que morro de amor Porque vivo no Senhor, que me escolheu para si Quando o coração lhe dei, com terno amor lhe gravei Que morro porque não morro. III Ai que longa é esta vida! Que duros estes desterros! Este cárcere, estes ferros onde a alma está metida! Só de esperar a saída me causa dor tão sentida, Que morro porque não morro. Refrão Vivo sem viver em mim. E tão alta vida espero Que morro porque não morro, Vivo sem viver em mim IV Vida, que posso eu dar a meu Deus que vive em mim, Se não é perder-me enfim, para melhor o gozar? Morrendo o posso alcançar, pois nele está meu socorro, Que morro porque não morro II Esta divina prisão do amor em que eu vivo, Fez a Deus ser meu cativo, e livre meu coração; E causa em mim tal paixão ser eu de Deus a prisão, Que morro porque não morro. Fonte: Álbum Passos no Silêncio, 1998 3.3 Procedimentos de análise Feita a seleção, fizemos a comparação do texto em espanhol com o texto em português e pontuamos, a princípio, as mudanças mais evidentes na estrutura da tradução musicada: primeiramente observamos se todas as estrofes foram traduzidas e se as mesmas possuíam o mesmo número de versos, depois procedemos à escansão 14 dos versos para analisarmos se a métrica e a rima foram mantidas ou alteradas. Em seguida, analisamos as seguintes categorias: a) As motivações das mudanças na tradução, b) As alterações ocorridas no plano do significado e c) A relação entre as formas de linguagem presentes no gênero. 14 Divisão e contagem de sílabas poéticas de um verso. Nem sempre coincide com a contagem de sílabas gramaticais.

23 Na última categoria de análise, recorremos a diagramas semelhantes aos propostos por Luiz Tatit (apud LOPES; HERNANDES, 2005) para verificarmos os contornos da estrutura melódica associados à letra da música.

24 4 CAPITULO III - ANÁLISE DOS CORPORA O texto de partida que iremos analisar é um poema cuja letra pertence a Santa Teresa de Jesús, como já foi citado anteriormente. Nesta seção, comparamos o poema em espanhol e a tradução musicalizada e analisamos a melodia, a fim de observarmos se houve mudanças, ou não, no plano da estrutura e no plano do conteúdo da canção, motivadas pela melodia, e se a letra traduzida da canção pôde ter sido importante para a conformação dos contornos melódicos. 4.1. Letra e Tradução Na tabela abaixo, o poema em espanhol está à esquerda e a tradução em português brasileiro está à direita, ambos segmentados conforme a sua estrutura formada por versos e estrofes. Foram assim postos por uma questão puramente didática, pois se pode perceber com mais facilidade quais estrofes da canção correspondem aos do poema, quais estrofes não foram traduzidas e como são as rimas de cada uma. Ressaltamos que as letras que antecedem os versos representam as rimas; os números, a ordem em que aparecem as estrofes e os quadros cinzas, as estrofes que não foram traduzidas QUADRO 3 Rimário do poema de Teresa de Jesús e das estrofes correspondentes na versão musicada A - Vivo sin vivir en mí, B - Y de tal manera espero, 1 B - Que muero porque no muero. A - Vivo ya fuera de mí C -Después que muero de amor; C - Porque vivo en el Señor, A - Que me quiso para sí; 2 A - Cuando el corazón le di B - Puse en él este letrero: B - Que muero porque no muero. A - Vivo sem viver em mim, D - E tão alta vida espero, (refrão) D - Que morro porque não morro. A - Vivo sem viver em mim. A - Vivo já fora de mim, B - Desde que morro de amor; B - Porque vivo no Senhor, A - que me escolheu para si 1 C - Quando o coração lhe dei C - Com terno amor lhe gravei D - Que morro porque não morro D - Esta divina prisión, E - Del amor en que yo vivo E - Ha hecho a Dios mi cautivo, D - Y libre mi corazón; 3 D - Y causa en mi tal pasión B - Ver a Dios mi prisionero, B - Que muero porque no muero. E - Esta divina prisão, F - do amor em que eu vivo, F - Fez a Deus ser meu cativo, E - e livre meu coração; 2 - E causa em mim tal paixão E - ser eu de Deus a prisão, D - Que morro porque não morro,

25 F - Ay, qué larga es esta vida! B - Qué duros estos destierros, B - Esta cárcel, estos hierros F - En que el alma está metida! 4 F - Sólo esperar la salida B - Me causa dolor tan fiero, B - Que muero porque no muero. F - Ai que longa é esta vida! D - Que duros estes desterros! D - Este cárcere, estes ferros F - onde a alma está metida! 3 F - Só de esperar a saída F - me causa dor tão sentida, D - Que morro porque não morro. G - Ay, qué vida tan amarga C - Do no se goza el Señor! C - Porque si es dulce el amor, 5 G - No lo es la esperanza larga. G - Quíteme Dios esta carga, B - más pesada que el acero, B - que muero porque no muero. H - Sólo con la confianza A - Vivo de que he de morir, A - Porque muriendo el vivir H - me asegura mi esperanza. 6 H - Muerte do el vivir se alcanza, B - No te tardes, que te espero, B - Que muero porque no muero. I - Mira que el amor es fuerte, J - Vida, no me seas molesta; J - Mira que sólo te resta, I - Para ganarte, perderte. 7 I - Venga ya la dulce muerte, B - El morir venga ligero, B - Que muero porque no muero. F - Aquella vida de arriba, K - Que es la vida verdadera, K - Hasta que esta vida muera, F - No se goza estando viva: 8 F - Muerte, no me seas esquiva; B - Viva muriendo primero, B - Que muero porque no muero. L - Vida, qué puedo yo darle A - A mi Dios, que vive en mí, A - Si no es el perderte a ti L - Para mejor a Él gozarle? 9 L - Quiero muriendo alcanzarle, B - Pues tanto a mi Amado quiero, B - Que muero porque no muero. G - Vida, que posso eu dar A - a meu Deus que vive em mim, A - Se não é perder-me enfim, G - para melhor o gozar? 4 G - Morrendo, o posso alcançar, D - pois nele está meu socorro, D - Que morro porque não morro. Fonte: Elaboração própria

26 O poema de Santa Teresa de Jesús é formado por nove estrofes heptásticas (de sete versos), à exceção do primeiro, que é um terceto, ou seja, possui apenas três versos. Cada verso tem oito sílabas poéticas assim distribuídas: 1 2 3 4 5 6 7 + 1 = 8 Vi/ vo/ sin/ vi/vir/ en/ mí, 1 2 3 4 5 6 7 + 1 = 8 y/ de/ tal/ ma/ne/ra es/pero, 1 2 3 4 5 6 7 + 1 = 8 Que/ mue/ro/ por/que/ no/ muero. Os versos de até oito sílabas, conhecidos também como versos de arte menor, foram preferencialmente utilizados por poetas populares hispânicos - los juglares - enquanto os poetas cultos empregavam versos mais extensos. Santa Teresa, consciente ou inconscientemente, desenvolveu esses versos de arte menor em seus poemas. Ela nem possuía extensa cultura nem se preocupava em se expressar estilisticamente bem, apenas almejava a perfeição espiritual e desejava ensinar as verdades aprendidas, pois via como secundária as letras e não ambicionava grandes feitos literários: [...] a vontade de instruir [...] e a ausência de ambição intelectual foram motivos da obra da Santa ser uma das mais naturais e espontâneas que se haja escrito na Espanha. Fala como se fala em Ávila, jamais passando pelo caminho do polimento estilístico. Também consequência disso é o fato de que, às vezes, chegam a introduzirem-se em seus escritos erros sintáticos ou esquecimentos que dificultam, em certos casos, a compreensão 15. (AULLÓN DE HARO, et al, 1988, p. 228,) Tais versos octossilábicos 16 do texto de partida coincidiram de ser naturalmente heptassilábicos em português, com poucas exceções. Isso se deve ao fato de, em português, não se precisar acrescentar uma sílaba a mais ao verso, como acontece em espanhol. Caso se tentasse manter a mesma medida do verso em espanhol no texto de chegada essa naturalidade teria sido forçada, o que dificultaria ainda mais o processo de tradução. Nesse ponto concordamos com Lefevere (2007, p. 69) quando afirma que tentar recriar um poema na 15 Tradução nossa [ ] la voluntad de aleccionar [...] y la ausencia de ambición intelectual fueron motivos de que la obra de la Santa sea una de las más naturales y espontáneas que se hayan redactado en España. Habla como se habla en Ávila, no pasando jamás por el camino del pulimiento estilístico. Consecuencia de lo anterior es también el hecho de que, a veces, llegan a introducirse en sus escritos, errores sintácticos u olvidos que dificultan, en ciertos casos, la comprensión. (AULLÓN DE HARO, et al, 1988, p. 228) 16 Para a contagem de sílabas poéticas em espanhol, considera-se uma sílaba a mais depois da tônica no final de cada verso.

27 mesma métrica tem sido responsável por todos os tipos de contorções métricas em muitas traduções [...], o que obviamente não foi feito sobre bases linguísticas. Veja o quadro abaixo e observe comparativamente as sílabas poéticas e a mudança ocorrida na respectiva estrofe quando musicada: QUADRO 4 Sílabas poéticas no texto de partida e no texto de chegada 1 2 3 4 5 6 7 +1 Vi/ vo/ sin/ vi/vir/ en/ mí 1 2 3 4 5 6 7 +1 y/ de/ tal/ ma/ne/ra es/pero 1 2 3 4 5 6 7 +1 Que/ mue/ro/ por/que/ no/ muero. 1 2 3 4 5 6 7 Vi/vo /sem /vi/ver /em /mim. 1 2 3 4 5 6 7 E/tão/ al/ta/ vi/da es/pe/ro, 1 2 3 4 5 6 7 Que/ mo/rro/ por/que/ não/ mo/rro. 1 2 3 4 5 6 7 Vi/vo /sem /vi/ver /em /mim. Fonte: Elaboração própria O que primeiro se destaca é a duplicação do primeiro verso no final da estrofe, assim se repetindo em todas as outras estrofes traduzidas. Essa repetição não parece ter sido aleatória. Uma vez que a melodia, tal como proposta, pede um verso que finalize as estrofes, esse verso que se repete as finaliza ao mesmo tempo em que une cada estrofe ao refrão. O que é interessante, pois, apesar desse mesmo verso compor o refrão, ao ser cantado ele soa como a última parte de cada estrofe e não como a primeira do refrão, nos remetendo à ideia de um acréscimo nas estrofes e não uma duplicação no refrão. Aqui ressaltamos que a primeira estrofe do TP é que constitui o refrão no TC, de modo que aparece não mais como a primeira estância, mas como sequencial a cada copla. A formação desse refrão compensou a supressão das estrofes cinco, seis, sete e oito na versão portuguesa e até evitou que a composição ficasse monocórdia e cansativa por causa de sua extensão. Além disso, a reordenação das estrofes enfatizou a ideia central do poema de Teresa de Jesús, que seria o não viver mais em si, o desfalecer por não morrer carnalmente e o desejar da morte como algo compensatório, porque a vida que a esperava era superior ao que ela vivia em carne. Analisando o verso seguinte, y de tal manera espero, observamos que a expressão tal manera faz uma referencia anafórica ao verso que a precede, Vivo sin vivir en mí, e enfatiza a vida do eu-lírico 17, de como ele vive. Nessa parte o tradutor poderia ter optado por 17 Elemento do texto poético que expõe ao leitor o sentimento que emerge do poema. Entidade fictícia. Disponível em: http://www.portaleducacao.com.br/educacao/artigos/34394/eu-lirico-sujeito-lirico-ou-eupoetico#ixzz2ailseww2

28 uma tradução literal, e de tal maneira espero, e nem a rima, nem a melodia da música ficariam comprometidas com tal escolha. Contudo, a reescrita feita foi e tão alta vida espero, o que fez com que o destaque já não incidisse mais sobre o modo de viver do eulírico, mas na vida grandiosa e recompensadora que ele conquistaria após a morte. Consideremos a próxima estrofe: QUADRO 5 Divergências léxicas entre os textos Vivo ya fuera de mí Después que muero de amor; Porque vivo en el Señor, Que me quiso para sí; Cuando el corazón le di Puse en él este letrero: Que muero porque no muero. Vivo já fora de mim, Desde que morro de amor; Porque vivo no Senhor, Que me escolheu para si Quando o coração lhe dei Com terno amor lhe gravei Que morro porque não morro Fonte: Elaboração própria Nela enfatizamos o vocábulo después, que em espanhol indica posteridade, mas que já foi muito utilizado com o sentido de ponto original. Em português temos o equivalente depois somente com a primeira acepção; já com o segundo sentido temos o também advérbio desde que, para a versão, é o que melhor se adequa aos propósitos do texto. Com isso ratificamos em nossa análise o que Guedes (2012) afirma em sua pesquisa sobre tradução de poemas: (...) para traduzir poesia não é preciso ser poeta. É preciso ter conhecimento tanto da língua de partida como da língua de chegada e sensibilidade poética para absorver o poético do texto original e reproduzi-lo na tradução, pois se atentamos também para a importância de se observar as variações e divergências léxicas próprias de cada língua evitamos modificar a intenção do TP. Contudo, evitar modificar o sentido do texto não implica acreditar que as palavras tenham um significado estanque e único, como sugeria o borgiano Pierre Menard. Pelo contrário, a Língua é vasta, os textos construídos são máquinas de significados em potencial (ARROJO, 2007, pg. 23) e os tradutores são reescritores que apreendem esses significados e os repassam através da tradução. A tradução, como a leitura, deixa de ser, portanto, uma atividade que protege os significados originais de um autor e assume sua condição de produtora de significados; mesmo porque protegê-los seria impossível, como tão bem (e tão contrariadamente) nos demonstrou o borgiano Pierre Menard. (ARROJO, 2007, p. 24) Portanto, prender-se à tradução literal da palavra, da frase, do enunciado pode levar o tradutor a transgredir não só contra os possíveis significados propostos pelo TP, como

29 também contra a própria estrutura do poema. Oliveira (2011, p. 07) em seu estudo sobre tradução poética afirma que Laranjeira (2003) defende uma tradução de poesia que respeite forma, conteúdos e significados, pois há algo que o sentido por si só não consegue transmitir. Observe as rimas e os versos em destaque: QUADRO 6 Rimário e sílabas poéticas do texto de partida e do texto de chegada A - Vivo ya fuera de mí C -Después que muero de amor; C - Porque vivo en el Señor, A - Que me quiso para sí; A - Cuando el corazón le di B - Puse en él este letrero: B - Que muero porque no muero. Fonte: Elaboração própria 1 2 3 4 5 6 7 A Vi/vo/ já/ fo/ra/ de/ mim, 1 2 3 4 5 6 7 B Des/de /que/ mo/rro/ de a/mor; 1 2 3 4 5 6 7 B Por/que/ vi/vo/ no/ Se/nhor, 1 2 3 4 5 6 7 A que/ me es/co/lheu/ pa/ra/ si 1 2 3 4 5 6 7 C Quan/do o/ co/ra/ção/ lhe/ dei 1 2 3 4 5 6 7 C Com/ ter/no a/mor/ lhe/ gra/vei 1 2 3 4 5 6 7 D Que/ mo/rro/ por/que/ não/ mo/rro As respectivas traduções fiéis dos versos destacados seriam Que me quis para si e Pus nele este letreiro, e seus sentidos não seriam alterados. Então, o que justifica a versão utilizada para a música? Analisando todos os versos da estrofe, notamos que no texto de Santa Teresa d Ávila eles seguem o seguinte padrão de rima: rimas opostas seguidas de duas rimas emparelhadas, ACCA ABB, ecoando esse mesmo modelo nas demais estrofes. A repetição desse modelo de rima, especificamente nesse texto, confere um ritmo melancólico ao poema e até mesmo transmite um estado de languidez em que vive o eu-lírico. No poema musicado notamos que o tradutor quis manter a métrica de sete sílabas poéticas em cada verso e, principalmente, assemelhar-se ao padrão de rima do TP: rimas opostas seguidas de uma rima emparelhada e uma rima órfã, ABBA CC D, em todas as estrofes, exceto na última, que reflete o mesmo modelo do texto de partida, rimas opostas seguidas de duas rimas emparelhadas, como se pode ver a seguir: QUADRO 7 Rimário da última estrofe L - Vida, qué puedo yo darle A - A mi Dios, que vive en mí, G - Vida, que posso eu dar A - a meu Deus que vive em mim,