fls. 162 DECISÃO Processo Digital nº: 1002078-47.2016.8.26.0047 Classe - Assunto Ação Civil Pública - Serviços Requerente: Prefeitura Municipal de Assis e outros Requerido: Sindicato dos Funcionários e Servidores Públicos Municipais de Assis e Região Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcela Papa Paes Vistos. Trata-se de ação civil pública ajuizada contra o SINDICATO DOS FUNCIONÁRIOS E SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE ASSIS E REGIÃO. Em suma, alegam os autores que a greve deflagrada pelos associados do sindicato réu está a ponto de acarretar RISCO IMINENTE de paralisação total dos serviços essenciais e inadiáveis à população, razão por que propõem esta ação, visando à garantia de atendimento à população. O Ministério Público emitiu parecer a fls. 153/155. É o breve relatório. DECIDO. O direito de greve é assegurado aos trabalhadores, em geral, pela Constituição Federal de 1988, no artigo 9º, e foi igualmente reconhecido ao servidor público, no artigo 37, inciso VII, do mesmo estatuto. Referido direito, contudo, não é absoluto, e cabe à lei definir os serviços ou atividades essenciais e dispor sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da sociedade de
fls. 163 pessoas diretamente atingida pelo movimento paredista. Na lição de DIÓGENES GASPARINI (Direito Administrativo, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 273), a "regulamentação do direito de greve nos serviços públicos em geral tem sua razão de ser na própria continuidade da prestação desses serviços afetos ao Estado ou a terceiros que atuam em seu nome. Se as exigências da coletividade são contínuas e permanentes, assim hão de ser os serviços visam satisfazê-las. Desse modo, resta mais que justificada a preocupação do legislador em disciplinar o exercício de greve para que o servidor possa reivindicar seu direito, sem a paralisação dos serviços. Os requerentes apontam, a fls. 07, serviços públicos que não podem sofrer paralisação, na forma que está sendo praticada pelos associados do sindicato réu: A) estado de emergência na saúde pública, regulamentada pela Medida Provisória nº 712/2016; B) atendimento de urgência e emergência nas unidades de saúde; C) ambulâncias para transporte sanitário e de doentes; D) aula na rede pública de ensino para 9.500 crianças, incluindo-se aí as creches; E) merenda escolar para os alunos que estudam em tempo integral; F) transporte escolar; G) atendimento a famílias carentes e em situação de risco. Como já anotado acima, o conteúdo do inciso VII, do artigo 37, da Constituição Federal, garantiu o exercício do direito de greve pelos agentes públicos civis, a ser regulamentado mediante lei específica, com os seguintes dizeres: VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica. Contudo, esta "lei específica" ainda não foi elaborada pelo Poder Legislativo, decidindo o c. Supremo Tribunal Federal que a lei ordinária específica sobre direito de greve da iniciativa privada (Lei nº 7.783/89), deve igualmente ser aplicada ao serviço público.
fls. 164 No Mandado de Injunção nº 712/PA, o Ministro Eros Grau enfatizou a importância de conciliar o direito de greve do servidor público com a prestação continuada dos serviços públicos: O que deve ser regulado (...) é a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura. E, por sua vez, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, ao concluir seu voto no Mandado de Injunção nº 708, enfatizou que os serviços públicos são serviços ou atividades essenciais e, em razão da continuidade dos mesmos, requer um tratamento mais rígido, sem deixar de reconhecer o direito de greve. Nesse sentido, no Mandado de Injunção nº 670, encontra-se assentado que as consequências de uma paralisação de servidores públicos são diferentes de uma paralisação na área privada, ensejando tratamento diferenciado. Portanto, a regulamentação do direito de greve deve atender às especificidades do serviço público e, ao mesmo tempo, resguardar os interesses da coletividade. Posto isso, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, a greve dos servidores públicos deve atender ao princípio da continuidade dos serviços públicos, e a paralisação dos serviços, quaisquer que sejam, pode ser apenas PARCIAL. Não se pode, em hipótese alguma, haver greve total no serviço público. A regularidade na prestação de serviços deve ser mantida, sob pena de que se configure o ABUSO DE DIREITO, atentando-se especialmente para o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Nesse passo, o Poder Judiciário tem decidido, reiteradas vezes, que o quantitativo
fls. 165 mínimo para manutenção da legalidade do movimento grevista é de trinta por cento (30%). Precedentes da mesma Corte destacaram a relação de serviços essenciais constante no artigo, 10 da Lei de Greve acima mencionada: Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego aéreo; XI compensação bancária. Ainda que todos os setores funcionem de forma mínima, as necessidades inadiáveis devem ser reconhecidas e preservadas em cada serviço essencial. Entende-se como necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, ao deixarem de ser atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, saúde ou a segurança da população. Nos autos de Dissídio Coletivo de Greve nº 2200912-57.2015.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é requerente SINDICATO DOS SERVIDORES E FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS E DOS TRABALHADORES EM EMPRESAS DE ECONOMIA MISTA MUNICIPAIS DE SUMARÉ, é requerido MUNICIPIO DE SUMARÉ, pontuou o
fls. 166 Desembargador NEVES AMORIM, Relator, que: A greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público (MI 712, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-03 PP-00384). Esta peculiaridade foi também registrada pelo eminente Desembargador Renato Nalini, em declaração de voto proferida nos autos do Dissídio Coletivo nº 0152142-43.2010.8.26.0000, j. 14.12.2011, submetido ao C. Órgão Especial, onde argumentou, verbis: A linha tensional entre grevistas e empregador é delicada. No âmbito da iniciativa privada, os empregados persistem na abstenção ao trabalho, até um limite que não pode ser ultrapassado. Se a empresa vier a cerrar suas portas, eles perderão seu emprego. Por outro lado, o empresário sabe que pode resistir durante um certo tempo. Além desse período, a produção estará afetada e a clientela buscará socorrer-se da concorrência. Naquela realidade, ambas as partes hão de compreender essa realidade e não exorbitar entre sua pretensão e sua negativa. Greve é meio, deve ser breve. Não é finalidade, nem pode ser profissionalizada. Ou seja, deve durar o mínimo possível. Para mostrar a força do movimento empregatício e convencer o empregador a chegar a um acordo. Já em relação ao poder público, essa lógica inexiste. Primeiro, porque o empregador não tem discricionariedade para conceder aumentos. Os vencimentos saem do erário, resultante do esforço de todos. É dinheiro do povo. Para qualquer destinação, é preciso de lei. Hoje, existe a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita a capacidade remuneratória de qualquer ente estatal. Num outro aspecto, o serviço público não se subordina à decretação de quebra. A prestação não pode sofrer solução de continuidade. O destinatário necessita dos préstimos estatais e se os serviços não forem propiciados por aquele grupo funcional, deverão sê-lo por outros agentes. Esvaziase a intensidade da estratégia grevista. Nem depende do responsável pelo serviço público atender às reivindicações dos funcionários que interromperam a prestação do trabalho, nem se culminará no encerramento das atividades paralisadas. Com isto evidencia-se a inocuidade da greve em serviço
fls. 167 público. É algo anacrônico e que deveria ser substituído por um protagonismo em busca de maior eficiência na gestão. Participar da administração, influenciar a elaboração da lei, zelar pela carreira de forma a propiciar um ambiente garantidor da continuidade dos serviços que, destinados ao povo, não podem ser interrompidos, menos ainda paralisados. E, mais adiante, destacou-se que: De acordo com a orientação exarada pelo Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Injunção números 708 e 712 (ambos julgados em 25.10.2007), a Lei Federal nº 7.783/89 pode e deve ser utilizada como parâmetro para a greve no setor público. Tal legislação preceitua que os serviços relativos à saúde e segurança da população são considerados necessidades inadiáveis. (...) Ademais, a Corte Suprema declarou a impossibilidade de certas categorias de agentes públicos exercerem o direito de greve, em especial os que são ligados à saúde e segurança (como no caso dos autos). Como bem observou o Ministério Público, em seu parecer de fls. 153/155: Diante da colisão entre o direito de greve e outros como saúde, educação, segurança pública, dentre outros, caberá ao órgão julgador decidir qual deve preponderar diante da situação concreta. Ante o exposto, DEFIRO, em parte, a liminar, para o fim de determinar ao sindicato requerido, na qualidade de representante de seus associados: A) mantenha CEM POR CENTO do efetivo relacionado aos serviços públicos nas áreas de SAÚDE e EDUCAÇÃO em funcionamento; B) mantenha TRINTA POR CENTO do efetivo relacionado aos demais serviços públicos em funcionamento;
fls. 168 C) se ABSTENHA de coagir ou impedir o acesso dos servidores municipais que não aderiram ao movimento grevista ao seu local de trabalho; O descumprimento das estipulações acima implicará em multa diária de R$10.000,00 ao sindicato requerido. A intimação do requerido se dará pela imprensa, porque já conta com representação, por advogado, no processo. Caso os requerentes optem por intimação pessoal, deverão recolher diligências do Oficial de Justiça, destinadas à prática do ato. Por ora, FICAM INDEFERIDOS os seguintes pedidos: A) bloqueio das contas bancárias do sindicato réu, por ausência de comprovação da necessidade da medida extrema; B) relacionados a atos de vandalismo, utilização de bens públicos em atividades grevistas e bloqueio de acesso, porque se tratam de atos que fogem ao âmbito desta ação civil pública, competindo ao Chefe do Executivo e seus servidores ocupantes de função de confiança se valer de suas prerrogativas para a correta a adequada utilização dos bens públicos, valendo-se, inclusive, das tipificações penais aplicáveis à espécie. Fica concedido o prazo de dez dias para que o requerido regularize sua representação processual nos autos (instrumento de procuração e taxa de mandato). Int. Assis, 18 de março de 2016. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA