METÁFORAS Capítulo II Construindo Histórias Terapêuticas Maria Teresa Soares Eutrópio Para falar de histórias terapêuticas precisamos primeiro falar sobre metáforas. - Metáforas. O que são metáforas? - pergunta o carteiro do filme O Carteiro e o Poeta (1). - Bem, metáforas... como posso explicar... é quando se fala uma coisa comparando-a a outra responde o poeta, Pablo Neruda. - È uma coisa que se usa na poesia? Pergunta o carteiro. - Sim, também _ diz Pablo Neruda. - Por exemplo?. - Por exemplo,... quando se diz que o céu chora, o que significa? Pergunta o poeta. - Que está chovendo! Fala o carteiro. - Então, isto é uma metáfora - diz Pablo Neruda. - Então é fácil. Bom, mas para que um nome tão complicado para uma ocasião tão simples? Retruca o carteiro. (1) O carteiro e o poeta Título original do filme: Il Postino (1994) Sim, as metáforas são simples. E são simples porque fazem parte do nosso universo cotidiano, pertencem à natureza humana e às experiências universais. Referindo-me novamente a Gregory Bateson, este dizia que as metáforas são a linguagem da natureza, o padrão que une todas as coisas. A metáfora é um instrumento indispensável do pensamento e da expressão, uma característica de toda comunicação humana, até mesmo dos homens da ciência (Bateson, 1972, p 235). Quando dizemos que determinada pessoa tem um sorriso quente como o sol, todos nós entendemos seu significado porque já experimentamos o calor do sol, ou por outro lado quando falamos fulano é um bloco de gelo, podemos estar expressando sua frieza emocional ou mesmo aparente dureza. Podemos nos referir às diferenças entre as pessoas,e a forma única de nos relacionarmos com elas dizendo que é impraticável vestir mãos diferentes com a mesma luva,ou ainda, usar frases do
tipo: estou num beco sem saída, vi passarinho azul, a vida é um mar de rosas, estou engolindo sapos, vivo nas nuvens, etc. O certo é, que as metáforas fazem parte de nosso linguajar cotidiano e são capazes de representar simbolicamente e experiencialmente, de uma forma totalizadora, uma situação, problema e sentimento. As metáforas conseguem expressar de uma maneira confortável e suave, o que seria difícil de se dizer diretamente; elas surgem quando não encontramos palavras para expressar nossas experiências. Ou seja, muitas vezes em nosso dia a dia não é possível nos comunicarmos de forma lógica e racional, assim necessitamos de uma comunicação mais plástica, próxima ao campo da imaginação. Neste sentido então, as histórias, contos de fadas, parábolas e fábulas, nada mais são do que a expressão metafórica daquilo que sentimos e vivemos. O que tenho dito até agora pode ser mais bem compreendido se enfocarmos as funções que possuem os dois hemisférios do nosso cérebro. Nossos hemisférios cerebrais, direito e o esquerdo, funcionam de modo distinto na sua capacidade de processar informação. O esquerdo é analítico, lógico e linear, enquanto o direito é holístico, simbólico e analógico. Os dois hemisférios possuem linguagens diferentes, mas complementares. Podemos dizer que o lado esquerdo constrói nossa realidade objetiva, nomeando e justificando logicamente nossos comportamentos; já o lado direito constrói nossa realidade subjetiva, influenciando e participando dos nossos comportamentos. A linguagem do lado esquerdo é digital e a do direito analógica. Quando falamos por metáforas utilizamos os recursos do lado direito do nosso cérebro onde se encontram nossos registros emocionais, a gravação de todas as sensações físicas de cada momento (cores, imagens, sons, cheiros, posição do corpo ou seu movimento), assim como os afetos que estiveram ligados à ela, nossa criatividade,nossas aprendizagens automatizadas e capacidade de entender os símbolos (Robles,2001) Portanto, quando em psicoterapia escolhemos utilizar a linguagem metafórica estamos entrando em contato com a uma realidade subjetiva e com a representação simbólica desta. Se esta realidade subjetiva e seus símbolos são alterados, também podem se alterar os comportamentos e afetos com relação às situações e à vida. Segundo Jorge Ábia, as metáforas, linguagem das histórias e poesias, possuem um
arranjo de palavras que dispara um contato de redes em ambos os cérebros, um transe mínimo e revelador em si mesmo, uma tradução do cérebro direito em termos do esquerdo (...) intercambia códigos, não da emoção às palavras ou das palavras à emoção, mas a partir de palavras que tocam a emoção ou, talvez, a emoção contida em palavras... ( em Robles,2001,p 70) Assim, quando contamos e criamos histórias em psicoterapia, aproximamos dois mundos internos construídos e significantes: o do cliente e do terapeuta. Desta forma há uma rede de contatos em pelo menos quatro direções: o hemisfério esquerdo do terapeuta hipotetiza, analisa, diagnostica; o lado direito traduz tudo isso para a linguagem metafórica criando uma história; ao contar a história enviamos a mensagem para o hemisfério direito do cliente, que poderá resignificar suas dificuldades, alterando sua realidade subjetiva e conseqüentemente sua realidade objetiva, com a participação de seu hemisfério esquerdo. O cliente é guiado então, para um caminho de auto-ajuda, onde ele próprio pode encontrar novas formas de estar no mundo.
HUI ZI Hui Zi está sempre usando parábolas, queixou-se um súdito ao príncipe de Liang. Se o senhor o proibir de falar assim, pode ser que ele se torne mais claro no que diz. O príncipe concordou. No dia seguinte, ao ver Hui Zi, disse-lhe: De agora em diante, fale de modo direto e não por parábolas. Suponha que um homem não saiba o que é uma catapulta. Se ele lhe perguntasse com o que ela se parece, e o senhor lhe dissesse que ela se parece com uma catapulta, será que ele entenderia?, perguntou Hui Zi. Claro que não, respondeu o príncipe. Mas suponha que o senhor lhe dissesse que uma catapulta se parece com um arco, e que é feita de bambu. Será que ele entenderia melhor?. Sim, seria mais claro, admitiu o príncipe. Comparamos algo que uma pessoa não sabe com algo que ela sabe, para ajudá-la a entender, disse Hui Zi. Se o senhor não me deixar usar parábolas, como poderei lhe explicar as coisas com clareza?. O príncipe reconheceu que ele estava certo..
Bibliografia: Eutrópio, M. T. S. (2004). Construindo Histórias Terapêuticas. Campinas: Editora Livro Pleno. SP