CONSTRUÇÃO TIPO ASSIM MESCLA REGISTROS Fátima Christina Calicchio (PG-UEM) calicchiofc@hotmail.com Rosângela Nunes Pereira (PG UEM) rosenpereira@yahoo.com.br Introdução Este estudo está organizado em três seções: a primeira seção apresenta algumas considerações teóricas. A seção 2 mostra algumas ocorrências da construção Tipo Assim. A seção 3 traz as considerações finais. Seção 1 O desenvolvimento dos estudos funcionalistas nos últimos anos colocou em foco a questão das atitudes dos falantes. Nesse contexto, as complexas relações entre léxico e gramática ficam em evidência, envolvendo alterações graduais de propiedade e que se podem verificar no funcionamento dos itens da língua em todos os níveis do enunciado. De acordo com Neves (2002) a linguagem é um sistema de relações exclusivamente lingüísticas, ou seja, interna. Segundo tal ideia, a gramaticalização tem sido vista como um fenômeno de caráter eminentemente diacrônico, que consiste no enfraquecimento ou na perda de significação léxica de um vocábulo nocional que, com isto, se integra no sistema estrutural da língua, ou em outros termos, como a transformação de um elemento de significação externa (palavra autônoma) em um elemento de significação interna (palavra-forma), no seu quadro morfológico. Considerando a língua uma atividade histórica e sócio-cultural, que se constrói no jogo interacional dos interlocutores, busca-se nesse trabalho, numa linha aproximada à de autores como Neves (2002) e Bittencourt proceder à leitura de ocorrências de gramaticalização no português oral do Brasil, sob uma perspectiva sincrônica de cunho funcionalista em face da diversificação semântica e funcional que a construção tipo assim vem assumindo no discurso 762
do falante brasileiro, objetiva-se aqui, averiguar o grau e a qualidade da sua deslexicalização, incluindo às esferas do discurso textual e conversacional o que nos remete a um processo conectado com o da gramaticalização, que é o da discursivização. Conforme Neves (2002), a gramaticalização se configura num processo dinâmico e histórico na sua essência, mas possível de uma interpretação sincrônica. Iniciando pelo item lexical fonte, vemos, com Nascentes (1966), que o substantivo tipo originou-se do grego Typos, chegando até nós por via erudita, com o significado de cunho, moldes, sinal deixado por forte impressão. Já no Houaiss (2004), tipo um objeto ou coisa para produzir outro igual; modelo 2 categoria de seres ou objetos agrupados segundo algumas características; espécie 3 conjunto de características de uma família, povo, região etc. 4 GRÁF. Bloco de metal fundido ou de madeira que traz, em uma das faces, gravação em relevo de um sinal de escrita 5 GRÁF caráter (sinal), letras 6 enfim. Qualquer indivíduo; sujeito. Percebe-se, então, que no campo semântico, esse item léxico vem se distanciando do seu estatuto primitivo e num processo de deslexicalização contínua, assume traços gramaticais e pragmáticos pela junção ao advérbio de modo assim. É importante destacar que, mesmo com a junção do substantivo tipo ao advérbio de modo assim, o elemento tipo em algumas circunstâncias mantém sua autonomia de substantivo, aparecendo como núcleo do sintagma nominal, passível de determinação ou modificação. Seção 2 2.2 - Ocorrências da construção Tipo Assim: (1) Eu sou um tipo de pessoa assim... mais reservada.... (2) Ronaldinho é aquele tipo de jogador assim... que ta sempre surpreendendo a gente.... 763
Para Bittencourt, atuando na idéia intrapessoal, o tipo assim atua como neologismo que caminha num processo de gramaticalização. Ele pode atuar, no interior da oração, como marcador não muito claro de tempo, lugar, número, etc. como: (3) Eu to achando que vou chegar lá... tipo assim... dez horas! (tempo). (4) Você me leva e fica me esperando tipo assim... do lado de fora! (lugar). (5) É bom comprar tipo assim... dez pastéis! (número). Também pode-se perceber a construção tipo assim, exercendo o papel sintático de conjunção que traduz uma explicação como causa finalidade, etc.: (6) Minha professora de matemática é homem... tipo assim... ela é troncuda. (idéia de explicação). (7) O sujeito tinha uma Mercedes e vendeu ela... Tipo assim... Vendeu para comprar um fusca. (idéia de finalidade). (8) [...] Pra mim, esse governo num ta com nada... basta olha o mundo de sem que nós temos... é sem terra... sem teto... sem dinheiro... tipo assim... num ta aí pro social [...] Neste exemplo o sentido com construção tipo assim enquadra uma atividade enunciativa no meio do contexto. 764
(9) Isso pra mim... tipo assim... é um caso... tipo assim... de esquizofrenia. (idéia de indecisão, dúvida, perplexidade do falante). (10) Eu num to dizendo... que meu, é ruim... Tipo assim... Ele é bom... Tipo assim... Só num me entende. (ideia de auto-correção). O processo que vem afetando o substantivo tipo incide sobre três níveis: o funcional, morfossintático e o fonético. No primeiro caso, registra-se o distanciamento semântico do termo em relação ao item lexical, fonte, no segundo caso, presenciamos uma junção com o advérbio assim, de tal forma que o ex-substantivo tipo pode chegar a figurar sozinho em lugar de toda a locução: (11) Eu acho tipo assim... que ela devia... tipo assim... procurar engenharia... tipo... carreira de exatas. Quanto ao terceiro caso, temos uma fusão desse elemento com seu parceiro advérbio, com o qual passa a formar um mesmo grupo de força. Segundo Yunk (MG, em 29/10/2007), a expressão tipo assim é utilizada quando o falante tenta ganhar tempo para concluir ou montar um pensamento ou quando não tem domínio sobre o assunto em questão como acontece nos exemplos: (12) O que é um ornitorrinco? É um... tipo assim... bicho com bico de pato... tipo assim... é um... tipo assim um rabo de castor. 765
(13) A energia eólica funciona. Tipo assim... as hélices giram... tipo assim.... O falante também usa a construção tipo assim, separada, o que nos mostra o nível de condensação semântica em progresso entre os dois termos: (14) Ela é linda... tipo... as filhas do Santos... tipo... Barbies!. (15) O menino é corcunda... tipo... corcunda de Notre Dame.... (16) Ele é um deus grego... tipo um Zeus.... Percebe-se, a expressão tipo assim na mesma linha de verbos como dizer, falar, explicar. Mas, apenas o substantivo tipo colabora para o fluxo discursivo textual, ao mesmo tempo em que une uma atividade enunciativa no interior da que é feito pelos falantes: (17) Cara... Cê num faz idéia do jogo que passou ontem na tevê... Tipo assim onde cê arranjo saco pra vê televisão? [...] A gramática, como obra que oferece modelos para pautar determinados comportamentos verbais em línguas particulares, já não tem mais lugar e sentido: não existe mais determinada literatura, de um determinado período, que constitua modelos a ser seguido, já não há um determinado momento em que se pode dizer que a literatura morreu, ou se esgotou; não existem situações culturais de vazio de criação que suscitem clamor por retorno. A criação se desenrola e, nas obras, o mecanismo vivo da língua inventa torneios, mescla registros, rompe padrões tradicionalmente assentados e por muitos tidos como imutáveis. (Neves, 2002, p.23). Podemos enquadrar o discurso do falante brasileiro ao utilizar a construção tipo assim, na idéia de romper estruturas gramaticais, mesclar registros defendidos por Neves, pois o falante ao fazer a junção do substantivo tipo ao advérbio de modo assim, atribui um sentido 766
aos elementos citados uma variedade de significados, distanciando-os dessa forma do sentido primitivo de ambos. Seção 3 3.1 - Considerações finais De forma geral, evidencia-se no trabalho realizado que a linguagem comum pode ter um alcance muito maior do que aquele que supomos à primeira vista, a freqüência do uso da linguagem (no caso, a construção tipo assim) tende a embotar invisível o significado original de cada elemento. Neste breve estudo foram consideradas apenas algumas circunstâncias do discurso do falante acerca da expressão tipo assim, mas, a mesma é rica e em exemplos, além do fato de que o mecanismo vivo da língua pode acrescentar nesse sentido ou mesmo revelar outras possibilidades. Referências Bibliográficas: BITTERNCOURT, Vanda de Oliveira (PUC MINAS). Disponível em: HTTP://64.4.48121/attGetAttachement. aspx?file=0b64c56c-413-4c9e-afc8-9f8-89f856a1ef33 Htm&ct=Dg Acesso em 05/06/2008. HOUAISS, Antônio. VILLAR, Mauro de Sales. Minidicionário da Língua Portuguesa/ Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar; elaborador no instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C ltda. 2. ed. ver. E aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática: história, teoria e análise, ensino. São Paulo: Ed. UNESP, 2002 p. 23). 767
Para citar este artigo: CALICCHIO, Fátima Christina; PEREIRA, Rosângela Nunes. Construção tipo assim mescla registros. In: VII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários. 2010. Anais... UENP Universidade Estadual do Norte do Paraná Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2010. ISSN 18089216. p. 762-768. 768