PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO DA COMARCA DE NATAL/RN Rua Promotor Manoel Alves Pessoa Neto, 110, Anexo à PGJ, Candelária CEP 59065-555 Fone/Fax: (84)3232-7178 EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL, POR DISTRIBUIÇÃO: Eu não estou assumindo a Prefeitura pelo mesmo princípio usado por Paulinho Freire. Se eu conseguir o direito de assumir o mandato de vereador, o fato de estar prefeito poderia atrapalhar. Já que não há segurança jurídica para o acúmulo de um cargo, e outro em fase de diplomação[1]. (Edvan Martins, Presidente da Câmara de Vereadores de Natal). O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por seus Promotores de Justiça com atribuições na defesa do Patrimônio Público, vem, perante Vossa Excelência, lastreado nas Peças Informativas nº 316/12 e com fundamento no artigo 129, inc. II e III, da Constituição Federal, e na Lei 7.347/85, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, pelos fundamentos de fato e direito adiante aduzidos, em face de: MUNICÍPIO DO NATAL, pessoa jurídica de direito público interno, com sede administrativa no Palácio Felipe Camarão, na R. Ulisses Caldas, nº 81, Cidade Alta,CEP. 59025-090, nesta Capital, em litisconsórcio passivo necessário e CÂMARA MUNICIPAL DE NATAL/RN, sujeito processual na defesa dos seus interesse e prerrogativas institucionais, situada à Rua
Jundiaí, nº 546, Tirol, CEP nº 59020-120, Natal/RN; EDIVAN MARTINS TEIXEIRA, brasileiro, vereador, com domicílio funcional na Rua Jundiaí, nº 546, Tirol, CEP nº 59020-120, Natal/RN. NEY LOPES DE SOUZA JÚNIOR, brasileiro, Prefeito em exercício do Município de Natal/RN, com domicílio funcional no Palácio Felipe Camarão, na R. Ulisses Caldas, nº 81, Cidade Alta, CEP.59025-090, Natal/RN; I - HISTÓRICO DOS FATOS No dia 13 de dezembro de 2012, nesta Capital, diante do afastamento da Prefeita Micarla de Souza por decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, bem como em decorrência da renúncia do Vice-Prefeito Paulo Eduardo da Costa Freire, tomou posse no cargo de Prefeito Municipal o então vereador Ney Lopes de Souza Júnior, Primeiro Vice-Presidente da Câmara Municipal de Natal. Cumpre salientar, por oportuno, que referido ato foi levado a efeito pelo atual Presidente da Casa Legislativa, vereador Edivan Martins Teixeira. Diante desse fato, que desobedeceu as regras sucessórias, conforme se demonstrará adiante, as Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Natal, em 14 de dezembro de 2012, expediram Recomendação conjunta (publicada no Diário Oficial do Estado de 15 de dezembro de 2012) para que fosse declarada a nulidade do ato que deu posse ao vereador Ney Lopes para o cargo de Prefeito de Natal. Ato contínuo, o presente ato foi autuado como a Peça Informativa nº 316/12, distribuída para a 44ª Promotoria de Justiça, objetivando apurar possível ilegalidade na investidura do aludido cargo. Com vista a melhor compreender a questão a ser debatida no curso desta ação, importa fazer remissão ao fato ocorrido em 31 de outubro de 2012, quando a então Prefeita eleita desse Município, Micarla de Souza, foi afastada do cargo por decisão judicial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, ante as significativas suspeitas de prática de crimes em detrimento do erário Municipal. Diante de tal circunstância, exatamente no dia 1º de
novembro de 2012, toma posse o Vice-Prefeito, Paulo Eduardo da Costa Freire. Acontece que, sob a alegação impossibilidade de cumulação de cargos, haja vista sua diplomação como Vereador do Município de Natal, em 14 de dezembro de 2012, Paulo Eduardo da Costa Freire renunciou ao cargo de Vice-Prefeito de Natal, de modo que ficou novamente vaga a Chefia do Executivo Municipal. Nesse contexto, figurava então na linha sucessória ao cargo de Prefeito o Vereador Edivan Martins Teixeira, por se encontrar em pleno exercício do cargo de Presidente da Câmara Municipal de Natal. Não obstante tal fato, o Vereador Edivan Martins Teixeira não assumiu a Prefeitura do Natal nem se afastou, por renúncia ou qualquer outra forma legal, do cargo de Presidente da Câmara, apenas declarando que não tinha interesse em assumir o cargo de Prefeito Municipal de Natal. A partir de então, inicia-se o imbróglio sem precedentes, considerando que, nos termos da Lei Orgânica do Município, a linha sucessória segue a seguinte ordem em caso de vacância ou impedimento do Prefeito e Vice-Prefeito: o Presidente, o Vice- Presidente e o Primeiro Secretário da Câmara Municipal. Naturalmente, portanto, quem estaria apto ao exercício do cargo de Prefeito seria o Vereador Edivan Martins Teixeira, atual Presidente da Câmara Municipal de Natal. Contudo, por uma mera liberalidade, alegando questões particulares, o Vereador Edivan Marins Teixeira passou a vez, como se estivesse num jogo de dominó ou cartas, pondo em xeque a institucionalidade da cidade. Cumpre salientar, entretanto, que, muito embora tenha abdicado assumir o cargo de Prefeito, o Vereador Edivan Martins Teixeira não veio a renunciar à Presidência da Câmara Municipal, tanto que acabou por dar posse ao Vereador Ney Lopes de Souza Júnior, Primeiro Vice-Presidente da Câmara Municipal, na última quinta-feira (13 de dezembro de 2012), no cargo de Chefe do Executivo desta capital. Ocorre que a investidura no cargo de Prefeito pelo Presidente da Câmara Municipal de Natal, Vereador Edivan Martins, não vem a ser uma mera faculdade, mas um atributo do cargo que ele exerce como Presidente da Câmara de Vereadores. De certo, pois, em não assumindo o encargo que é inerente à função que ocupa, de acordo com linha sucessória definida na Lei Orgânica do Município, haveria o edil Edivan Martins de renunciar ao cargo de Presidente da Câmara, o que, entretanto, não fez até o presente momento.
Inclusive, tal comportamento não condiz com declaração que os vereadores, ao tomarem posse no cargo prestam, nos termos do art.3º, 3º do Regimento Interno da Câmara Municipal de Natal, in verbis: "Prometo exercer, com dedicação e lealdade, o meu mandato, cumprindo as Leis e respeitando as instituições, promovendo o bem geral do Município de Natal e pugnando pela manutenção da democracia". Diante desses fatos, não restou outra alternativa ao Ministério Público senão a expedição da Recomendação aludida, no sentido de que o Vereador Edivan Martins Teixeira procedesse a adoção das seguintes condutas: a)declarar a nulidade do ato de posse do vereador Ney Lopes Júnior como Prefeito Municipal de Natal; b)assumir o cargo de Prefeito do Município de Natal ou afastar-se, por qualquer forma legal, do cargo de Presidente da Câmara Municipal do Natal. Quanto à Ney Lopes Júnior, a recomendação foi no sentido de que se abstivesse de praticar quaisquer atos administrativos na qualidade de Prefeito do Município de Natal, enquanto não houvesse o afastamento, por qualquer motivo legal, do atual presidente da Câmara Municipal do Natal. Em que pese o teor do ato expedido pelo Ministério Público, Ney Lopes Júnior afirmou publicamente que ocupa legalmente o cargo de Chefe do Executivo e vai permanecer em tal condição, enquanto Edivan Martins permaneceu silente. Ademais, na data 17 de dezembro de 2012, em reunião realizada na sede das Promotorias do Patrimônio Público, o Prefeito em exercício Ney Lopes Júnior afirmou que permanecerá no cargo, respeitando eventual decisão judicial em sentido contrário, não restando, portanto, outra solução para a reparação da inconstitucionalidade e ilegalidade detectacadas, a não ser a via judicial. II DO DIREITO Acerca da matéria em questão, reza a Lei Orgânica do Município de Natal, em seus arts.49 a 51: Art. 49 - O Poder Executivo é exercido pelo Prefeito auxiliado pelos Secretários
Municipais. Art. 50 - O Vice-Prefeito substitui o Prefeito em seus impedimentos e ausências e sucede-o no caso de vaga. Art. 51 - O Prefeito perde o Mandato: I - ausentando-se do Município por mais de trinta dias, sem licença da Câmara; II - condenado por sentença judicial, transitada em julgado, por crime de que decorra a perda de direitos políticos ou proibição de exercício de função pública. Parágrafo Único - Em caso de impedimento do Prefeito ou do Vice-Prefeito, ou de vacância dos respectivos cargos, são, sucessivamente, chamados ao exercício da Chefia do Executivo Municipal o Presidente, o Vice- Presidente e o Primeiro Secretário da Câmara Municipal. (Grifos Acrescidos) Não importa qual seja a natureza do afastamento ou do impedimento, a ordem sucessória é a aquela estabelecida na Lei Orgânica, conforme dispositivo legal acima transcrito. No caso de Natal, não houve vacância do cargo de Prefeito, mas afastamento determinado pela justiça. No caso do Vice-Prefeito, houve vacância em virtude da renúncia de Paulo Eduardo da Costa Freire. Tem-se que a palavra impedimento possui o alcance não só de designar o impeachement do Prefeito ou de quem o suceder, mas também a designar toda a sorte de situações que venham a ensejar a ordem de substituição preconizada pela Lei Orgânica. Nesse sentido, a prefeita Micarla de Souza está impedida, não por impeachement, mas por decisão judicial, que deflagou a ordem sucessória. Pode-se encetar inúmeras discussões doutrinárias sobre a natureza do afastamento, mas não se pode, em hipótese alguma, contrariar a ordem de sucessão fixada pela Lei Orgânica. À luz de tais dispositivos, tem-se que as atribuições e competências fixadas na Lei Orgânica do Município para o cargo de Presidente da Câmara Municipal não são disponíveis, nem exercitáveis ao arbítrio do eventual ocupante do cargo. Notadamente, a tarefa de substituir o Prefeito e o Vice-
Prefeito Municipal em seus impedimentos e por ocasião da vacância do cargo trata-se de uma prerrogativa inerente ao cargo público, atualmente exercido por Edivan Martins, da qual o edil tinha pleno conhecimento antes mesmo de assumi-lo. De certo, o detentor de mandato parlamentar não pode renunciar as prerrogativas institucionais inerentes a suas funções, assim como não pode delegá-las ao seu próprio alvedrio, sob pena de extrapolá-las em favor de interesses próprios e, ao mesmo tempo, em detrimento do cargo político que ocupa. Resta, pois, clarividente que o Presidente da Câmara Municipal não poderia delegar a terceiro na ordem sucessória a incumbência que lhe é outorgada pela Lei Orgânica do Município. Nessa linha de raciocínio, tem-se que a investidura de Ney Lopes Júnior no cargo de Prefeito é ilegítima, e a mantença deste no cargo tende a acarretar sérias consequências jurídicas, haja vista que os atos praticados no exercício da função inexoravelmente padecerão de vício na regularidade de sua constituição. Por fim, tal circunstância não se afigura causa menor pela exiguidade do término do mandato de Prefeito, mas se trata na verdade de um precedente da maior gravidade que viola sobremaneira a ordem institucional do Município de Natal, além de inaugurar prática jurídica inaceitável por parte de membros do legislativo municipal que se assenhoraram dos cargos públicos para, numa prática patrimonialista indefensável, guiá-los em prol do seus interesses privados. Demais disso, cabe mencionar que a imprensa registra que o vereador Edivan Martins não assumiu a Prefeitura de Natal devido a disputa judicial que empreende para conseguir uma vaga de vereador na próxima legislatura, dada orientação jurídica de que a eventual posse no cargo de Prefeito o tornaria impedido para o exercício do mandato parlamentar vindouro. No entanto, permanece no exercício da Presidência da Câmara Municipal de Natal, pelo que se torna o primeiro sucessor do cargo de Prefeito, conforme a Lei Orgânica local, não podendo renunciar, ainda que tacitamente, a apenas parcela das atribuições de seu cargo. Assim, para que o Presidente da Câmara de Vereadores renunciasse à linha sucessória do cargo de Prefeito prevista na Lei Orgânica do Município de Natal deveria abrir mão do cargo que atualmente exerce ou dele afastar-se, dentro das hipóteses legais. Jamais permanecer investido da parcela de suas funções institucionais que melhor lhe aprouvesse, junto ao Legislativo Municipal.
III - DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA Nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil, cabe a antecipação da tutela jurisdicional quando, existindo prova inequívoca, se convença o juiz da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. A verossimilhança da alegação, que consiste na existência de prova inequívoca com a probabilidade de ser atendida ao final a pretensão, dada a consistência do direito versado, está substancialmente caracterizada na argumentação acima expendida, pois a investidura do Vereador Ney Lopes Júnior sem a renúncia ou afastamento regular de seu precedente na ordem sucessória ao cargo de Prefeito agride flagrantemente disposições da Lei Orgânica Municipal, bem como fere a soberania popular quando o Presidente da Câmara está apto ao exercício do cargo. Do mesmo modo, é eloquente o receio de irreparabilidade do dano, na medida em que na qualidade de Prefeito em exercício, Ney Lopes Júnior tende a praticar atos que padecem de regularidade em sua constituição, o que pode vir a gerar uma série de consequência jurídicas nefastas, além da insegurança jurídica que tais atos por ele emanados podem acarretar, além da exiguidade do tempo até o final do mandato, que não poderá suportar toda a tramitação processual para que se possa obter o provimento judicial de mérito ou sequer a prévia oitiva das partes demandada. Nesse diapasão, o Prefeito ilegítimo anunciou através da imprensa que pretende conceder benefícios fiscais a devedores de tributos municipais para que estes, até o final do ano, regularizem suas pendências junto ao fisco municipal, adentrando em tarefas administrativas e legais que demandam legitimidade popular no exercício do poder, pois que afetam sobremaneira a esfera jurídica dos administrados e influi na arrecadação, inclusive de exercícios posteriores ao mandato. Por tais razões, o Ministério Público requer a antecipação dos efeitos da tutela, inaudita altera parte, para que Vossa Excelência de digne a afastar do cargo de Prefeito, por ilegitimidade na sua investidura, o Vereador Ney Lopes Júnior, determinando, por conseguinte, que o Presidente da Câmara assuma o cargo de Prefeito ou, ao contrário, renuncie ou se afaste do cargo que ocupa atualmente.
IV - DOS PEDIDOS Diante do exposto, requer o Ministério Público: a) O recebimento da presente ação civil pública, sua distribuição e autuação, para os fins legais; b) A concessão de antecipação dos efeitos da tutela inaudita altera parte, para que Vossa Excelência se digne a afastar do cargo de Prefeito, por ilegitimidade em sua investidura, o Vereador Ney Lopes Júnior, determinando, por conseguinte, ao Presidente da Câmara a prática de obrigação de fazer ou não fazer, consistente em assumir o cargo de Prefeito ou, ao contrário, renunciar ou se afastar do cargo que ocupa atualmente, requerendo a estipulação de multa diária e individual de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a ser custeada pessoalmente pelos demandados Edivan Martins e Ney Lopes Júnior. c) A citação Município do Natal, na pessoa de seu representante legal, bem como dos litisconsortes passivos para, querendo, responder aos termos da presente ação; d) A procedência integral do pedido, para: d.1) confirmar a decisão antecipatória da tutela requerida; d.2) declarar a nulidade do ato de posse do Primeiro Vice- Presidente da Câmara Municipal de Natal no cargo de Prefeito, NEY LOPES JÚNIOR, (datado de 13 de dezembro de 2012), levado a efeito sem o afastamento de Edivan Martins Teixeira do cargo de Presidente da Câmara de Vereadores - o sucessor natural do Prefeito ou do Vice-Prefeito em seus impedimentos ou vacância dos cargos, nos termos o que da Lei Orgânica do Municipal; d.3) a declaração de nulidade de todos os atos praticados pelo Prefeito em exercício, Ney Lopes Júnior. Protesta provar o alegado pelos meios de prova admitidos em direito. Dá-se à causa o valor de R$ 390.000.000,00 (trezentos e
noventa mil reais), equivalente à soma dos dias da multa diária requerida até o final do atual mandato do cargo de Prefeito de Natal. Natal (RN), 18 de dezembro de 2012. BEATRIZ AZEVEDO DE OLIVEIRA PROMOTORA DE JUSTIÇA AFONSO DE LIGÓRIO BEZERRA JÚNIOR PROMOTOR DE JUSTIÇA GIOVANNI ROSADO PAIVA DIÓGENES PROMOTOR DE JUSTIÇA FLÁVIO SÉRGIO DE SOUZA PONTES FILHO PROMOTOR DE JUSTIÇA [1] Disponível em: <http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2012/12/ney- lopes-junior-e-o-novo-prefeito-de-natal-pelos-proximos-17- dias.html>. Acesso em 28/12/12.