A ESTRUTURA DA DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL



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Transcrição:

A ESTRUTURA DA DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL Trabalho apresentado ao IV PRÊMIO DE MONOGRAFIA - TESOURO NACIONAL, para concorrer na área DÍVIDA PÚBLICA.

SUMÁRIO Introdução... 03 I - A dívida pública enquanto agregado macroeconômico... 05 II - O crescimento da dívida pública no período do real... 14 III - Duração e estrutura da dívida pública... 21 IV - Indicadores de fragilidade financeira... 33 V - Conclusões... 39 Referências bibliográficas... 42 Anexos... 44 2

INTRODUÇÃO Em sentido amplo, a dívida pública de uma federação compreende a dívida interna e externa, da administração direta e indireta, federal, estadual e municipal, em suas formas monetária, mobiliária e contratual. Pode-se afirmar, contudo, que tal conceito é constituído de elementos acentuadamente heterogêneos, de tal modo que os estudos acerca do tema normalmente desmembram aquele conceito amplo conforme os objetivos pretendidos. Este trabalho aborda a dívida pública interna enquanto agregado macroeconômico. A dívida pública externa, por sua vez, é um agregado cujas implicações macroeconômicas são de caráter distinto, estando relacionada fundamentalmente com o comportamento de fluxos cambiais de diversas naturezas, embora, enquanto endividamento do setor público, possa vir a exigir algumas medidas de ajuste semelhantes às necessárias para corrigir desequilíbrios na dívida pública interna. Todavia, embora tenha sido um dos principais problemas da economia brasileira nos anos oitenta, a dívida pública externa não vem causando preocupações na atual conjuntura. Por outro lado, pode-se dizer que o comportamento da dívida pública interna está no centro das presentes dificuldades 3

macroeconômicas nacionais. Ajustar os fundamentos requer, necessariamente, substancial reestruturação dessa dívida. A maior parte dos analistas concentra-se na avaliação do comportamento da dívida pública em relação ao PIB. No presente trabalho tal relação também será utilizada, mas pretende-se atingir caracterização mais completa através de indicadores adicionais da situação financeira do setor público. Na seção I, apresenta-se o que, de nosso ponto de vista, seria a medida mais adequada da dívida pública interna para análises macroeconômicas. Na seção seguinte, apresenta-se um modelo de crescimento do estoque da dívida em relação ao PIB, que será utilizado para avaliar o crescimento desse indicador macroeconômico desde a introdução do atual padrão monetário. Na seção III, o conceito de duração será apresentado como base para analisar o alongamento e a volatilidade da dívida mobiliária federal em anos recentes. Na seção posterior, propõe-se indicadores de fragilidade financeira aplicáveis às finanças públicas, obtidos a partir de conceitos de fragilidade e duração utilizados em finanças corporativas. 4

I - A DÍVIDA PÚBLICA ENQUANTO AGREGADO MACROECONÔMICO O objetivo da presente seção é indicar, dentre as várias formas de mensuração da dívida pública, uma que gere um agregado que represente adequadamente aquele estoque do ponto de vista macroeconômico, ou seja, que produza uma medida de dívida pública que possa ser utilizada satisfatoriamente em análises macroeconômicas. Com relação à dívida pública estadual e municipal, seus reflexos sobre a dívida federal serão evidentes em qualquer medida com abrangência satisfatória, mesmo se não considerada diretamente no indicador de endividamento adotado. A discussão sobre o endividamento estadual e municipal é adequadamente colocada em Ferreira (1999), com base na qual pode-se identificar as necessidades de se ampliar as fontes de financiamento dos gastos com infra-estrutura e serviços públicos, dado que são essenciais ao desenvolvimento sócio-econômico dos estados e municípios, e, ao mesmo tempo, de se desenvolver mecanismos de controle da utilização das oportunidades de endividamento. Ainda que políticos e cidadãos eventualmente tenham atitudes civilizatórias, certamente os interesses pessoais têm predominado em todas as sociedades até o presente. Uma implicação desse predomínio dos 5

interesses privados, do ponto de vista do político atuando na esfera estadual ou municipal, é o endividamento realizado sem maiores preocupações com seus impactos macroeconômicos, cuja responsabilidade é em geral atribuída ao governo federal. Conforme Resende (1995), a desvinculação da decisão de gastar, que traz um bônus político, da decisão de instituir um tributo necessário ao financiamento do gasto, que traz um ônus político, propicia um ambiente favorável ao descontrole e ao desperdício 1. Na prática, o governante local que não fizer uso de todas as fontes de financiamento disponíveis, perderá oportunidades de realizações em seu próprio governo, além de correr o risco de enfrentar restrições, do mercado ou da esfera federal, em função do nível de endividamento público provocado por outros estados e municípios, sem que dele tenha se beneficiado. À medida em que os estados e municípios vão se tornando insolventes, tanto os riscos de crédito para os emprestadores vão crescendo, quanto serviços públicos, essenciais à população, e gastos em infra-estrutura, indispensáveis ao desenvolvimento, vão ficando comprometidos. A partir de um dado nível de insolvência, não resta outra alternativa à renegociação da dívida, com o governo federal assumindo o risco de emissões realizadas pelos demais níveis de governo. A expectativa de tal desfecho, por parte dos governos 6

locais, torna suas disciplinas financeiras ainda mais incipientes. Pode-se dizer, portanto, que o endividamento estadual e municipal tende a ser sincronizado e cíclico. Desse modo, na ausência de leis que limitem o endividamento estadual e municipal e que proíbam o governo federal de socorrê-los, e sem que existam condições institucionais que garantam um mínimo de disciplina de mercado nas emissões dos títulos, o governante local que não adotar o comportamento dos demais, no que se refere ao endividamento público, estará agindo contra seus próprios interesses e os interesses de seus governados. Quanto à dívida pública federal, alguns analistas consideram apenas a emitida pelo Tesouro Nacional, que corresponde a uma das fontes de financiamento para os gastos constantes no orçamento da União, enquanto os títulos emitidos pelo Banco Central seriam para fins de política monetária. Na verdade, contudo, embora o Tesouro Nacional tenha como missão executar a política fiscal da União, o Banco Central tem funções estatais não menos relevantes, tais como o controle da liquidez macroeconômica, das taxas de juros e de câmbio, bem como a realização de operações de assistência financeira, sendo o principal responsável pelas chamadas atividades quase-fiscais do Estado. 1 Ferreira (1999), p.20. 7

Com relação à assistência financeira realizada pelo Banco Central, como os programas de reestruturação de bancos insolventes (PROER) e de dívidas estaduais (PROES), vale destacar que são operações de interesse público e de natureza típica de Estado, não se tratando de favorecimento a grupos privados. Pode-se argumentar que a supervisão bancária deveria ser mais eficiente, ou que a continuidade deste tipo de operações gera problemas de moral hazard, ou ainda que as formas de saneamento poderiam ser menos onerosas à sociedade; mas esse dispêndio público é realizado como forma de contornar uma problema já existente, com objetivo de evitar consequências mais trágicas, em termos de perda de poupança dos clientes e de fechamento de empresas, com decorrente aumento do desemprego, no caso dos bancos insolventes, ou os resultados já comentados, no caso das dívidas estaduais. Quanto à emissão de dívida mobiliária pelo Banco Central, vale enfatizar que apesar das finalidades poderem ser diferentes das do Tesouro Nacional, o seu impacto macroeconômico é idêntico. No mesmo sentido, existe estreita relação entre a dívida emitida pela autoridade monetária e pelo Tesouro Nacional, que pode ser melhor entendida quando se conhece as regras que balizam o relacionamento financeiro entre os dois agentes. Dentre tais regras, destacam-se as seguintes: - Os títulos emitidos pelo Tesouro Nacional que estiverem na carteira do Banco Central continuam a gerar os mesmos encargos que teriam na 8

carteira de outro agente. Até 1987, o Tesouro Nacional não pagava encargos sobre os títulos de sua emissão recolhidos à carteira da autoridade monetária. - A partir da promulgação da Constituição de 1988, as disponibilidades de caixa do Tesouro Nacional passaram a ser depositadas no Banco Central. Atualmente essas disponibilidades são remuneradas à taxa média de rentabilidade de seus títulos em poder da autoridade monetária, como forma de equalizar o rendimento de ativos e passivos do Tesouro Nacional no patrimônio do Banco Central. - Conforme determina a Medida Provisória n 1.852-10/99, o resultado apurado no balanço anual do Banco Central, se positivo deve ser transferido para o Tesouro Nacional, se negativo gera obrigação da União para com o Banco Central, podendo ser paga em títulos do Tesouro Nacional. - A destinação dos resultados do Banco Central transferidos para o Tesouro Nacional está regulamentada na mesma Medida Provisória, que estabelece que tais recursos sejam utilizados exclusivamente para o pagamento de sua dívida mobiliária, devendo ser amortizada, prioritariamente, aquela existente junto à autoridade monetária. 9

Tais regras conferem transparência satisfatória no relacionamento financeiro e, ao mesmo tempo, estabelecem conexões entre as dívidas monetária e mobiliária dos referidos agentes, reconhecendo sua unicidade. Nesse sentido, as disponibilidades do Tesouro Nacional são remuneradas à taxa média de sua dívida, evitando-se ganhos ou perdas encobertas por diferenciais de taxas. Do mesmo modo, resultados positivos e negativos do Banco Central passaram a ter tratamento simétrico a partir de 1998. Anteriormente, o Decreto-Lei n 2.376/87 determinava que apenas os resultados positivos seriam objeto de transferência, os prejuízos constituiriam direitos realizáveis em exercícios posteriores. Adicionalmente, a caracterização da dívida pública enquanto agregado macroeconômico requer considerações acerca das formas dessa dívida. Nesse sentido, pode-se classificá-la em monetária, mobiliária e contratual. A dívida pública monetária é emitida exclusivamente pelo Banco Central, consistindo do papel moeda em circulação, das reservas bancárias e demais depósitos em espécie junto à autoridade monetária. Trata-se de moeda legal, de curso forçado, com prerrogativa jurídica para liquidar quaisquer dívidas, públicas ou privadas, dentro do país. É um passivo estatal de custo nulo, mas não é irresgatável como costuma-se a dizer. Metas de taxas de juros, formalizadas ou informais, têm predominado sobre o controle quantitativo das emissões monetárias. Tal 10

comportamento da autoridade monetária implica em provimento da quantidade de moeda que for demandada à taxa de juros preestabelecida. A quantidade de moeda demandada pelo mercado, por sua vez, é extremamente variável, geralmente em decorrência do comportamento sazonal da demanda por papel-moeda, que é marcante dentro da semana, do mês e do ano; em função das estratégias dos bancos para o cumprimento das exigibilidades em espécie, expressa na volatilidade das reservas bancárias na presença de expectativas de alterações nas taxas básicas de juros; em resposta a inovações no arranjo institucional que afetem a demanda por moeda, tais como alterações na tributação sobre movimentações financeiras e nas alíquotas dos recolhimentos compulsórios. Consequentemente, dívida pública monetária e mobiliária federal são constantemente trocadas, conforme preferências do mercado, o que torna inadequada a consideração isolada de uma dessas formas de dívida. A dívida pública contratual, entretanto, não se constitui substituto próximo das demais formas de dívida, nem possui liquidez e mobilidade capazes de influenciar significativamente variáveis macroeconômicas relevantes. Uma diferença importante entre dívida pública contratual e mobiliária é que esta última, se não resgatada em seu vencimento, pode ser utilizada no pagamento de tributos. 11

Do exposto, pode-se concluir que não é recomendável, para análises macroeconômicas, que se considere todo o passivo do setor público, muito menos apenas a dívida do Tesouro Nacional, e nem mesmo é adequado considerar tão somente a dívida mobiliária federal. Para representar, de forma satisfatória, a dívida pública enquanto variável macroeconômica, o agregado proposto consiste da dívida monetária e mobiliária federal em poder do mercado. A não inclusão da dívida estadual e municipal deve-se ao fato de sua maior parte ser contratual e, ao mesmo tempo, ter semelhante potencial desequilibrador sobre as finanças públicas que a parte mobiliária, ou seja, está última parcela, se considerada isoladamente no conceito de dívida pública aqui proposto, mensuraria apenas parte de um passivo que, para os propósitos deste trabalho, seria indissociável. Na última reestruturação das dívidas estaduais, no âmbito do PROES, por exemplo, a maior parte do passivo trocado por títulos federais era constituído por dívida contratual. Portanto, a dívida pública estadual e municipal será considerada em seus impactos sobre o conceito de dívida pública interna federal proposto. A tabela 01 apresenta o agregado proposto, em termos absolutos e em relação ao PIB, de junho de 1994 a setembro de 1999. 12

Tabela 01: Dívida pública interna federal Saldos em final de período R$ bilhões Período Dívida Dívida mobiliária Total PIB acum. Dívida monetária em poder do mercado da dívida 12 meses em rel. Banco Tesouro Total val. IGP-C ao PIB Central Nacional 1994 Jun 10,5 22,7 39,0 61,8 72,3 472,2 15,3 Jul 16,8 17,8 41,7 59,5 76,4 477,5 16,0 Ago 19,6 21,0 39,4 60,4 80,0 488,5 16,4 Set 24,5 25,6 36,9 62,5 87,0 498,3 17,5 Out 24,7 27,9 37,3 65,1 89,8 511,2 17,6 Nov 27,4 27,8 36,7 64,6 92,0 519,1 17,7 Dez 33,3 26,5 35,3 61,8 95,0 525,0 18,1 1995 Jan 33,2 25,3 38,1 63,4 96,6 539,7 17,9 Fev 33,2 25,8 39,2 65,1 98,2 555,9 17,7 Mar 33,4 24,2 41,2 65,3 98,8 576,2 17,1 Abr 32,2 21,6 44,8 66,4 98,6 592,5 16,6 Mai 33,0 22,8 46,1 68,9 101,9 608,3 16,7 Jun 33,8 20,8 48,7 69,5 103,4 630,0 16,4 Jul 35,5 30,2 52,0 82,2 117,8 647,7 18,2 Ago 36,1 39,7 52,6 92,3 128,4 652,7 19,7 Set 31,5 43,7 54,7 98,5 130,0 653,8 19,9 Out 31,5 46,4 56,8 103,2 134,7 663,1 20,3 Nov 33,1 52,2 56,8 109,0 142,2 673,2 21,1 Dez 39,5 49,3 59,1 108,5 148,0 683,4 21,6 1996 Jan 40,2 56,6 60,1 116,7 156,9 693,5 22,6 Fev 35,1 64,4 63,0 127,3 162,4 700,1 23,2 Mar 34,5 68,6 65,0 133,6 168,1 704,6 23,9 Abr 33,4 69,9 68,0 138,0 171,4 716,4 23,9 Mai 34,6 75,4 75,8 151,2 185,9 732,5 25,4 Jun 35,1 77,3 77,0 154,3 189,3 744,7 25,4 Jul 36,9 80,2 78,2 158,4 195,3 756,2 25,8 Ago 34,4 80,7 81,4 162,1 196,5 764,8 25,7 Set 39,8 80,8 81,4 162,2 202,0 773,0 26,1 Out 37,9 82,7 84,4 167,2 205,0 782,7 26,2 Nov 41,8 81,6 90,4 172,0 213,8 793,2 27,0 Dez 48,7 80,9 93,1 174,0 222,7 809,4 27,5 1997 Jan 51,8 73,8 99,0 172,7 224,5 821,7 27,3 Fev 46,0 78,2 102,6 180,8 226,8 830,5 27,3 Mar 48,4 83,1 103,8 186,9 235,3 839,7 28,0 Abr 53,6 80,1 105,6 185,8 239,4 846,8 28,3 Mai 49,8 87,2 105,9 193,1 242,9 853,5 28,5 Jun 53,5 87,0 106,3 193,3 246,8 861,0 28,7 Jul 54,1 86,2 111,3 197,6 251,7 861,7 29,2 Ago 52,0 89,7 113,4 203,2 255,2 864,2 29,5 Set 55,3 90,4 119,6 210,0 265,4 870,3 30,5 Out 58,6 85,7 122,9 208,7 267,2 878,3 30,4 Nov 56,2 87,7 120,6 208,3 264,6 885,8 29,9 Dez 66,2 65,2 190,3 255,5 321,7 891,8 36,1 1998 Jan 65,6 104,7 159,6 264,3 329,9 896,0 36,8 Fev 65,3 104,5 166,9 271,4 336,8 897,0 37,5 Mar 66,1 117,7 170,1 287,8 353,9 899,3 39,4 Abr 67,1 125,9 165,0 290,9 358,0 901,0 39,7 Mai 67,9 126,8 167,5 294,3 362,2 905,2 40,0 Jun 74,5 121,9 175,1 297,1 371,5 905,2 41,0 Jul 70,9 115,1 189,9 304,9 375,8 904,1 41,6 Ago 73,2 118,9 183,4 302,3 375,5 903,6 41,6 Set 64,0 114,1 178,7 292,7 356,8 902,7 39,5 Out 52,3 105,7 208,6 314,3 366,6 898,6 40,8 Nov 59,3 104,3 215,6 319,9 379,2 901,2 42,1 Dez 59,1 104,7 219,2 323,9 383,0 910,6 42,1 1999 Jan 59,9 120,4 244,0 364,5 424,4 934,9 45,4 Fev 57,7 128,0 251,5 379,5 437,2 964,6 45,3 Mar 57,2 121,3 244,4 365,6 422,8 975,4 43,3 Abr 56,1 104,0 261,3 365,3 421,4 973,9 43,3 Mai 60,2 91,6 281,4 373,0 433,1 975,3 44,4 Jun 52,8 93,1 290,0 383,1 436,0 988,0 44,1 Jul 60,7 90,1 294,1 384,2 444,9 1001,6 44,4 Ago 49,9 98,7 303,3 402,0 451,9 1016,9 44,4 Set 51,7 90,8 312,7 403,5 455,3 1028,4 44,3 13

II - O CRESCIMENTO DA DÍVIDA PÚBLICA NO PERÍODO DO REAL Na presente seção, o comportamento do estoque da dívida pública em relação ao PIB, a partir da introdução do atual padrão monetário, será analisado. Para tanto, apresentaremos inicialmente um modelo de crescimento para o referido estoque. A expressão (1) descreve os fatores condicionantes da dívida pública: (1) D t = i t D t-1 + TN t + SE t + AF t ; onde: - i t é a taxa em que a dívida preexistente é atualizada no período corrente; - TN t é o movimento primário líquido - que não inclui o impacto das operações com títulos - da conta única do Tesouro Nacional; - SE t é a aquisição líquida de moeda estrangeira pelo Banco Central, no mercado à vista e futuro de câmbio; 14

- AF t são as emissões especiais de dívida mobiliária ou monetária, aqui definidas como aquelas efetuadas em troca de ativo não integrante da dívida pública considerada, com a finalidade de conceder assistência financeira a agente cuja insolvência pretende-se evitar. Observe-se que a assistência concedida com vinculação de títulos federais é considerada neste trabalho como sem impacto sobre a dívida pública, dado que tais títulos vinculados foram deduzidos no levantamento da dívida mobiliária em poder do mercado. Em TN t, SE t e AF t inclui-se a atualização, dentro do período corrente, dos títulos que neutralizaram variações indesejadas na parte monetária e que foram emitidos para assistência financeira. Desconsiderando essa atualização, operando (1) algebricamente, dividindo ambos os lados pelo PIB e aplicando a identidade: Y t = Y t-1 (1+g t ), onde gt = Yt Yt 1, chegamos a: (2) Dt Yt Dt 1 ( 1+ it) TNt + SEt + AFt = + Yt 1 ( 1+ gt ) Yt ; Com base na expressão (2), a dívida pública cresce em relação ao PIB nas seguintes circunstâncias: - A taxa de atualização da dívida é maior que a taxa de crescimento do PIB no período. Neste caso, a dívida teria um crescimento endógeno, causado pela 15

rolagem de seus próprios encargos financeiros, sem que nenhum financiamento novo precise ser realizado; - O Tesouro Nacional gera fluxo de despesas superior às receitas recebidas no período, ambas em termos primários; - As compras de moeda estrangeira pelo Banco Central, no mercado à vista e futuro, são superiores às suas vendas; - O Banco Central concede assistência financeira sem garantias que integrem a dívida pública considerada - uma vez que as devidas deduções evitariam o impacto em montante superior aos pagamentos da assistência concedida anteriormente nas referidas condições. Na tabela 02 a variação da dívida é decomposta em fatores condicionantes. De uma maneira geral, no período coberto pelos dados a atualização da dívida - que inclui capitalização de juros e correção cambial juntamente com as operações de assistência financeira, têm tido peso substancialmente maior na variação da dívida que o movimento financeiro primário do Tesouro Nacional incluindo-se os impactos do programa de privatizações e a atuação do Banco Central no mercado de câmbio. Dentre as operações de assistência financeira, destaca-se o impacto da reestruturação da dívida do estado de São Paulo, em dezembro de 1997, enquanto em relação às 16

Tabela 02: Fatores cond. dívida interna federal Fluxos acumulados no período R$ milhões Período Tesouro Setor Assistência Variação Nacional Externo Financeira e da dívida Atualização 1994 Jul - 717 156 4 621 4 060 Ago - 746 18 4 318 3 590 Set - 927-3 7 939 7 010 Out -1 376 485 3 774 2 883 Nov -1 518-748 4 405 2 140 Dez - 448-2 789 6 298 3 060 1995 Jan - 162-127 1 865 1 576 Fev 762-198 1 032 1 596 Mar - 591-3 833 4 959 536 Abr -1 993-101 1 960-133 Mai - 511 1 565 2 186 3 239 Jun -1 303-678 3 472 1 491 Jul 1 128 7 017 6 253 14 399 Ago - 707 5 795 5 575 10 663 Set 353 810 391 1 554 Out - 845 3 003 2 552 4 710 Nov -1 025 1 379 7 166 7 520 Dez 913 268 4 573 5 754 1996 Jan 2 403 2 238 4 280 8 920 Fev 687 2 212 2 627 5 527 Mar 231-25 5 500 5 707 Abr -1 715 1 131 3 860 3 276 Mai 4 923 2 085 7 485 14 494 Jun 279 230 2 934 3 442 Jul - 889 872 6 015 5 999 Ago - 588 51 1 737 1 201 Set 283-1 130 6 332 5 484 Out - 583 1 066 2 538 3 021 Nov 38 1 023 7 723 8 785 Dez 444 234 8 192 8 870 1997 Jan 2 175-1 305 961 1 832 Fev - 560-75 2 908 2 273 Mar - 326-611 9 480 8 543 Abr -2 043-1 484 7 591 4 064 Mai -2 871 2 566 3 823 3 518 Jun 167-1 389 5 133 3 911 Jul - 380 2 397 2 858 4 875 Ago -1 727 2 872 2 317 3 462 Set 2 241-1 669 9 666 10 238 Out 342-7 923 9 394 1 813 Nov - 478-1 776-374 -2 628 Dez -1 614-653 59 358 57 090 1998 Jan - 978 855 8 398 8 275 Fev - 32 5 773 1 083 6 823 Mar 794 10 233 6 114 17 140 Abr -6 544 5 912 4 746 4 115 Mai - 471-1 840 6 467 4 156 Jun 1 215-962 9 095 9 348 Jul - 956-476 5 753 4 321 Ago -8 643-3 694 11 976-360 Set - 681-26 018 7 984-18 715 Out - 892-4 400 15 141 9 849 Nov 2 773-259 10 077 12 590 Dez - 691-6 554 11 003 3 758 1999 Jan - 100-4 756 46 259 41 403 Fev - 815 285 13 346 12 816 Mar -1 768-3 812-8 798-14 378 Abr -2 650-1 950 3 185-1 415 Mai 25 659 11 065 11 748 Jun - 843 8 3 649 2 813 Jul -1 627-13 10 543 8 903 Ago -6 434-296 13 724 6 995 Set -2 901-11 6 312 3 400 17

50 Gráfico 01: Dívida interna federal / PIB 45 40 35 30 (%) 25 20 15 10 5 0 Set/99 Jun/99 Mar/99 Dez/98 Set/98 Jun/98 Mar/98 Dez/97 Set/97 Jun/97 Mar/97 Dez/96 Set/96 Jun/96 Mar/96 Dez/95 Set/95 Jun/95 Mar/95 Dez/94 Set/94 Jun/94 atualizações, o maior impacto de curto prazo ocorreu em janeiro de 1999, como resultado da flutuação da taxa de câmbio. Quanto às operações com o setor externo, o impacto mais agudo foi provocado pela fuga de capitais associada à crise financeira russa, em setembro de 1998. A partir do gráfico 01 pode-se identificar quatro períodos em que a dívida pública em relação ao PIB assumiu comportamento distinto. No primeiro ano do real de julho de 1994 a junho de 1995 não se percebe tendência definida daquela relação. O crescimento vegetativo da dívida mobiliária no período, assim como as operações de assistência financeira realizadas com LBC-E títulos vendidos a termo garantidos com títulos 18

5,0 Gráfico 02: Taxas efetivas de juros e crescimento média móvel (t-2,t-1,t) 4,5 4,0 3,5 3,0 (%) 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0-0,5 Set/99 Jul/99 Mai/99 Mar/99 Jan/99 Nov/98 Set/98 Jul/98 Mai/98 Mar/98 Jan/98 Nov/97 Set/97 Jul/97 Mai/97 Mar/97 Jan/97 Nov/96 Set/96 Jul/96 Mai/96 Mar/96 Jan/96 Nov/95 Set/95 Jul/95 Mai/95 Mar/95 Jan/95 Nov/94 Set/94 PIB acumulado em 12 meses SELIC estaduais foram compensados pelo crescimento da renda nominal, movimento primário do Tesouro Nacional e vendas líquidas de moeda estrangeira pelo Banco Central. O período seguinte se estende até o início do último programa de reestruturação das dívidas estaduais (PROES) de julho de 1995 a novembro de 1997 caracterizando-se por crescimento moderado da dívida em relação ao PIB. A capitalização de juros ocorrida, ao lado das operações de assistência financeira a bancos insolventes (PROER) e do acúmulo de reservas internacionais, não foram integralmente compensados por elevações de renda nominal. 19

No período posterior de dezembro de 1997 a fevereiro de 1999 que compreende os impactos da reestruturação das dívidas estaduais, de altas taxas de juros, da crise financeira russa e da desvalorização associada à mudança do regime cambial, pode-se dizer que a dívida pública apresentou volatilidade bem acima do que seria conveniente para o funcionamento da economia. A partir de março de 1999, contudo, embora ainda não se possa assegurar que a relação da dívida com o PIB esteja estabilizada, a volatilidade do período anterior foi revertida. Neste período, o movimento primário do Tesouro Nacional e a elevação do nível de preços têm compensado o crescimento vegetativo da dívida. O gráfico 02 mostra que apenas a capitalização de juros já imprimiria a trajetória explosiva ainda não afastada para a dívida pública. Sem substancial redução nos níveis de taxas de juros, não será possível estabilização sustentável da dívida em relação ao PIB. 20

III - DURAÇÃO E ESTRUTURA DA DÍVIDA PÚBLICA Na presente seção introduz-se o conceito de duração 2 para analisar a estrutura da dívida pública. A partir desse indicador, derivam-se medidas de prazo médio, elasticidade-juros e estabilidade de uma carteira. Começa-se enunciando algumas definições relativas a títulos: - prazo para resgate (j): corresponde ao número de períodos restante de vigência de um papel; - principal (M): é o montante sobre o qual incide eventuais juros; - cupom (C): é a quantia paga periodicamente aos possuidores de determinados papéis, a título de juros; - rendimento (y): é a taxa através da qual o valor presente do fluxo de caixa futuro de um título pré-fixado será igual ao seu preço de mercado corrente; - indexador (r) : é uma taxa, determinada exogenamente, que reajustará um título pós-fixado. 2 Proposto em Macaulay(1938). 21

Posto isso, pode-se apresentar uma relação fundamental sobre os fluxos financeiros dos títulos. Para os pré-fixados: (3) Pt = Ct+ 1 Ct+ 2 Ct+ j + M + +... +, j t t ( y 2 1+ t) ( 1+ y ) ( 1+ y ) para títulos pós-fixados, aqui considerados sem cupom: (4) P t = M 0 [(1+r 1 )(1+r 2 )... (1+r t )], onde P t é o preço do título no período t. É importante observar que a relação é válida para qualquer período inicial escolhido, não dependendo da data de emissão do título. A partir da relação (3), podemos observar que o preço de mercado do título pré-fixado num dado período dependerá do prazo para resgate, do número e valor dos cupons futuros e da expectativa do mercado para as taxas de juros durante o seu prazo para resgate - que influenciará diretamente o rendimento do título e é tão próximo a tal rendimento quanto mais competitivo for o mercado. Conforme relação (4), o preço de um título pós-fixado dependerá do comportamento passado e presente do indexador, não dependendo da expectativa de seu comportamento futuro. 22

A duração de um título é definida por: (5) ( + M) Ct C j C 1 t t j Dt = + 1 2 + 2 + + +... +. P t ( 1+ y) 2 j ( 1+ y) ( 1+ y) A equação (5) define duração como o prazo médio para resgate do fluxo de caixa futuro do título ponderado pelo valor presente de cada pagamento. P t 0 t 1 C C C t 2 M+C A figura acima representa o fluxo de caixa de um título pré-fixado com cupom. A duração deste título no instante t 1 é a média dos prazos a decorrer para o pagamento dos juros vincendos e do principal, ponderada pelos respectivos montantes, o que corresponde ao período (t 2 - t 1 ). Quanto maior o montante total de pagamentos realizados antes do vencimento do papel, mais distante o prazo para resgate estará daquele indicador. Obviamente, um título sem cupom, 23

quando o principal e os juros só são pagos na data de vencimento, terá sua duração sempre equivalente ao seu prazo para resgate. Portanto, a duração de um título pré-fixado num dado instante pode ser entendida como o seu prazo para o resgate final ajustado pelo fluxo futuro de pagamentos anterior a seu vencimento. Em outras palavras, o seu valor corresponde ao prazo para resgate de um título equivalente sem cupom. Assim, a utilização do indicador permite comparar prazos para resgate de títulos com diferentes fluxos de caixa, possibilitando, por exemplo, a estimação de um indicador do prazo médio de vencimento de uma carteira de títulos num dado momento. Ainda no caso de títulos pré-fixados, a sua duração pode ser utilizada como uma medida da sensibilidade de seu preço a alterações na expectativa de taxa de juros em seu prazo para resgate. A elasticidade-juros do preço de mercado de um título, que mensura a sensibilidade do preço do papel a variações na expectativa de taxa de juros (i e ), em unidade de tempo de capitalização é dada por: (6) ξ P t ( 1+ i e t ) = Pt e i t e ( 1+ i t ) Pt, 24

assumindo que o processo seja contínuo, para um título sem indexador teremos: P 2 3 (7) C( y) C( y) j( C M)( y) ( j+ 1 = 1+ 2 1+ + 1+ ) y..., normalizando (7) em relação ao preço do título: (8) P 1 1 1 C = + y P + + ( 1 y) P ( 1 y) ( + y) 2C j( C + M) +... + 2 1 ( 1+ y) j, supondo um mercado financeiro perfeitamente competitivo (y = i e t ), e substituindo as versões contínuas de (5) e (6) em (8), chegaremos a: (9) ( + i e ) D = ξ. P 1 Desse modo, uma interpretação para a duração é que ela corresponde à elasticidade-juros do preço de mercado do título pré-fixado. Então, quanto maior o seu valor, maior a volatilidade do preço do título em relação à taxa de juros. Este resultado também pode ser entendido de um ponto de vista mais intuitivo, a partir do fato de que a taxa de juros possui uma dimensão temporal - o preço da espera - o que faz com que um título pré-fixado 25

de maior prazo para resgate sofra uma influência maior de uma alteração nas expectativas de taxas de juros. A sensibilidade do preço dos títulos pós-fixados a alterações nas expectativas de seu indexador, por sua vez, corresponde ao restante do período em que o indexador é atualizado. Uma interpretação intuitiva para tal fato é que a sensibilidade do preço dos títulos pós-fixados a alterações no indexador futuro esperado é que após o restante do período de atualização o título incorporará o novo patamar - é como se cada período de atualização fosse um prazo de maturação completo de um título pré-fixado. A duração de um título, conforme definida em (4), só corresponderá também à sua elasticidade a um dado indexador quando o mesmo não utilizá-lo. Quando uma carteira contiver títulos pós-fixados, sua duração média não poderá ser usada como indicador de sensibilidade ao seu indexador, mas apenas como uma medida de alongamento dos seus fluxos financeiros. A mensuração de aspectos estruturais da dívida mobiliária federal, a partir da duração, 3 é realizada por meio dos seguintes indicadores: 3 A utilização desse indicador de finanças corporativas em análises macroeconômicas para o Brasil pode ser encontrada em Lopes (1997). 26