ACÓRDÃO 9ª Turma SALÁRIO POR FORA. RESCISÃO INDIRETA. A prática de pagamento de salários por fora sem a respectiva repercussão nas verbas salariais, configura descumprimento de obrigação contratual pela reclamada, lesando não apenas o trabalhador, mas o Estado e a sociedade, um vez que implica a sonegação de recolhimentos previdenciários e fiscais. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário, em que figuram como recorrente SEAPS SOCIEDADE EDUCACIONAL ANTÔNIO PINTO DE SOUZA LTDA (Dr. Olegario de Araujo França Neto, OAB/RJ nº 87.229- D) e como recorrido PAULO ROBERTO DO ROSÁRIO BITTENCOURT (Dr. Jose Andre Alves Barreto da Rocha, OAB/RJ nº 62.413-D), como recorrentes e recorridos. Inconformadas com a r. sentença de fls. 377/379, complementada pela decisão de fl.387 proferida pela MM. 67ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, da lavra da Exma. Juíza Astrid Silva Britto, que julgou procedentes em parte os pedidos formulados na petição inicial, recorrem as partes. O reclamante, nas razões recursais de fls.382/385, alega equivocada a decisão que não reconheceu a rescisão indireta vindicada, haja vista que a reclamada não comprovou a efetiva redução do número de alunos que pudesse justificar a redução de sua carga horária. Ademais, a prática pela ré de pagamento de salário por fora demonstra a ilegalidade cometida pelo empregador, motivo suficiente a ensejar a rescisão por justa causa de sua parte. Sustenta a reclamada, às fls.389/392, que jamais pagou ao reclamante 20420 1
salário por fora, razão pela qual não há que se falar em diferenças salariais a serem quitadas. Alega ainda que são indevidos os honorários advocatícios deferidos na sentença, já que o autor não fez prova de sua situação financeira. Custas e depósito recursal às fls.393/394. reclamante. Contrarrazões às fls. 395/398, pela reclamada, e às fls.403/406, pelo Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho, por não configurada nenhuma das hipóteses previstas no artigo 85 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal Regional do Trabalho. É o relatório. VOTO CONHECIMENTO recursos interpostos. Por preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço dos MÉRITO DO RECURSO DO AUTOR DA RESCISÃO INDIRETA Alega o autor que deve ser reconhecida a rescisão indireta vindicada na inicial, tendo em vista que a reclamada descumpriu suas obrigações contratuais. Sustenta a existência de pagamento de salários por fora e a redução salarial sem qualquer justificativa legal. 20420 2
Em que pese o Juízo a quo tenha condenado a reclamada ao pagamento de diferenças salariais decorrentes do pagamento de salários por fora, afastou a rescisão indireta por esse motivo, por considerar que tal prática não torna impossível o vínculo empregatício, gerando, apenas, eventual pagamento das diferenças pertinentes. A resolução contratual por culpa do empregador, por ser exceção à regra da continuidade da relação de emprego, deve ser analisada com extremo cuidado e rigor, sendo exigido para sua caracterização a configuração de uma das hipóteses previstas no art. 483 da CLT. A prática de pagamento de salários por fora, reconhecido em sentença, sem repercussão desses valores nas verbas salariais, configura descumprimento de obrigação contratual pela reclamada, lesando não apenas o trabalhador, mas o Estado e a sociedade, um vez que implica a sonegação de recolhimentos previdenciários e fiscais. Tal atitude consiste em falta grave cometida pelo empregador, ante a ilicitude e a ilegalidade do ato, autorizando o rompimento do vínculo pelo empregado. Ressalte-se que a jurisprudência da Superior Corte trabalhista tem se inclinado no sentido da mitigação do princípio da imediatidade pelo trabalhador para manifestar o seu inconformismo ante a conduta faltosa do empregador, mormente nos casos em que as obrigações contratuais são descumpridas mês a mês, como ocorreu na hipótese dos autos. Assim sendo, a continuada prática pela reclamada de efetuar pagamentos extra recibo, não incorporando tais valores na remuneração do trabalhador, deixando de proceder aos corretos recolhimentos previdenciário e fiscal, é circunstância suficiente para ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do art. 483, "d", da CLT. Deve, portanto, a ré ser condenada a pagar ao autor as verbas resilitórias devidas em caso de dispensa imotivada, quais sejam, aviso prévio, indenização substitutiva de seguro desemprego, indenização de 40% sobre os depósitos do FGTS, levando-se em conta a rescisão indireta do contrato de 20420 3
trabalho em 29/12/2010. Indevida a multa do art.477 da CLT, pois que somente com o provimento jurisdicional foi rompido o contrato. Dou parcial provimento. DO RECURSO DA RECLAMADA DO SALÁRIO POR FORA Alega a reclamada que jamais efetuou pagamento de salário por fora, acrescentando que, a fim de facilitar a compreensão do empregado quanto ao número de aulas ministradas, utilizava-se de dois contracheques para o pagamento dos salários, sendo certo que a soma dos valores nestes consignados eram integrados às demais verbas. Conforme bem apontado pelo Juízo sentenciante, os valores pagos mensalmente ao autor, mediante a emissão de dois cheques, não foram integrados em sua totalidade na base de cálculo das parcelas do FGTS e das férias. Apenas para exemplificar e reforçar o que já fora demonstrado na sentença de origem, o extrato da conta vinculada do autor de fl.13 indica que o valor do depósito do FGTS referente ao mês de maio foi de R$17,79, correspondente a 8% sobre R$ 222,27, valor este indicado no contracheque do mesmo mês (fl.32) como base de cálculo do FGTS. No entanto, pelas aulas ministradas no mês de maio o autor recebeu da ré dois cheques nos valores de R$ 267,21 e R$188,49 (fl.67), demonstrando-se, com isso, que o primeiro valor não foi integrado ao seu salário para fins de depósito do FGTS. Dessa forma, andou bem o Juízo sentenciante ao condenar a ré ao pagamento de diferenças pela integração de salários pagos por fora, já que comprovada tal prática, autorizando-se a dedução dos valores pagos a idênticos títulos, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa do autor. 20420 4
Nego provimento. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Alega a reclamada que, embora esteja assistido pelo sindicato da categoria, o reclamante não fez prova de sua situação financeira. Na Justiça do Trabalho, para que os honorários advocatícios sejam deferidos se faz necessário que a parte autora esteja assistida pelo seu sindicato de classe, conforme se depreende do artigo 14 e seguintes da Lei 5.584/70, e Súmulas nº 219 e 329 do C.TST. No caso em exame, o reclamante está assistido pelo seu sindicato classe, como se verifica da procuração juntada com a petição inicial à fl.9, com deferimento de gratuidade de justiça. Logo, são devidos os honorários advocatícios no importe de 15% sobre valor da condenação. Nego provimento. CONCLUSÃO Pelo exposto, CONHEÇO dos recursos ordinários interpostos,e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao do reclamante, para reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho em 29/12/2010, com pagamento de aviso prévio, indenização substitutiva de seguro desemprego, e indenização de 40% sobre os depósitos do FGTS, e NEGO PROVIMENTO ao da reclamada, tudo na forma da fundamentação supra. A C O R D A M os Desembargadores que compõem a 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por unanimidade, nos termos da fundamentação do voto da Exma. Sra. Relatora, CONHECER dos recursos ordinários interpostos e, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao do reclamante para reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho em 29/12/2010, com 20420 5
pagamento de aviso prévio, indenização substitutiva de seguro desemprego e indenização de 40% sobre os depósitos do FGTS e NEGAR PROVIMENTO ao da reclamada. Esteve presente o Dr. Marcio Cordeiro, representando o autor. Rio de Janeiro, 3 de Julho de 2012. Desembargadora Federal do Trabalho Claudia de Souza Gomes Freire Relatora fgv 20420 6