Reclamação Trabalhista: 0164700-04.2008.5.01.0052 Titulação: Direito do Trabalho. Responsabilidade Civil do Empregador/Empregado. Indenização por Dano Estético. Indenização por Dano Material. Indenização por Dano Moral. Acidente de Trabalho. Palavras-chave: acidente de trabalho, dano, responsabilidade, indenização. Vara do Trabalho: 52ª VT do Rio de Janeiro Juiz do Trabalho: José Roberto Crisafulli Data da sentença: 23/4/2011 Publicação: 20/5/2011 52ª VARA DO TRABALHO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Processo nº: 0164700-04.2008.5.01.0052 SENTENÇA Relatório Pedro Paulo Francisco da Costa ajuizou Reclamação Trabalhista em face de CRR Centro de Reciclagem Rio Ltda., pleiteando os títulos descritos na inicial de fls. 2/11, conforme fundamentos de fato e de direito expendidos. Conciliação recusada. Contestação escrita, a fls. 62/77, contendo preliminares de ausência de tentativa de conciliação prévia, de inépcia da inicial e de denunciação da lide, requerendo a extinção do processo, refutando as alegações autorais e requerendo a improcedência dos pedidos. Alçada fixada pelo valor da inicial. Foram juntados documentos pelas partes. Foram rejeitadas todas as preliminares deduzidas na defesa, na forma da assentada de fls. 100/101, sob protesto do advogado da ré. Foi determinada a realização da prova pericial médica, conforme assentada de fls. 100/101. O reclamante se manifestou acerca da defesa e dos documentos juntados pela reclamada, a fls. 111/114, apresentando seus quesitos a fls. 115/118, tendo a ré apresentado seus quesitos, a fls. 119/120. Veio aos autos o laudo pericial de fls. 129/134, com os anexos de fls. 135/142. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1 a Região 225
O demandante se manifestou sobre o laudo pericial, à fl. 148, entendendo ser necessária a fixação, pela perícia, de valores relativos às indenizações perseguidas, havendo a ré se manifestado, a fls. 156/157, de forma absolutamente intempestiva, razão pela qual foi negado provimento aos seus requerimentos, segundo o despacho de fl. 156. Foram juntados novos documentos pelo autor, havendo a ré se manifestado acerca dos mesmos, a fls. 172/173. Foram colhidos os depoimentos de duas testemunhas, sendo uma indicada pelo reclamante e uma indicada pela reclamada, a fls. 174 e 175, respectivamente. Sem mais provas, foi encerrada a instrução. Razões finais orais, remissivas aos elementos dos autos. Conciliação final recusada. É o relatório. Fundamentação Inicialmente, defiro a gratuidade de justiça ao autor, na forma do art. 790, 3º, da CLT. São duas as correntes acerca do dever de indenizar. Uma que entende ser a responsabilidade objetiva e outra que defende a responsabilidade subjetiva. No caso dos autos, seja por uma corrente, seja por outra, entendo que há responsabilidade da reclamada de pagar indenização ao reclamante. E isto porque é inegável a ocorrência do acidente de trabalho havido com o autor, fato absolutamente incontroverso, seja em razão de toda a documentação colacionada aos autos, seja a teor da defesa, bem como pela prova oral produzida. A despeito das duas correntes doutrinárias que sustentam, cada qual, por óbvio, a responsabilidade objetiva e a responsabilidade subjetiva do empregador, no caso de acidente de trabalho ocorrido no local da prestação dos serviços, no presente caso, não há dúvida de que a reclamada agiu com culpa, pois permitiu que o autor executasse atividade a ele não destinada comumente, sem dar-lhe as condições para a execução da tarefa, inclusive em relação aos equipamentos de segurança. Note-se que a testemunha de fl. 174, além de presenciar o autor já haver realizado aquele tipo de trabalho, estava presente no local, quando do acidente, tendo afirmado que o autor recebeu ordem para realizar o serviço, ordem essa passada pelo encarregado de transporte, Sebastião Otávio, que somente deu a ordem e se afastou do local, talvez até com justa razão, pois tinha que atender a um chamado externo em razão de atropelamento de um motociclista, por um caminhão da reclamada. O fato é que o encarregado de transporte, Sebastião Otávio, representando a ré, já que tem certo poder de mando e gestão, deveria, necessariamente, tomar todos os cuidados para a realização do serviço, cumprindo a ele informar acerca do mesmo à área de segurança do trabalho da ré, já que a testemunha desta disse que esse tipo de trabalho requer a presença de alguém da referida área, inclusive com sinalização da área. Observe-se que a testemunha arrolada pela própria ré, técnica de segurança do trabalho na reclamada, afirmou que não tinha conhecimento da realização do serviço, a demonstrar que a ré, seja através do seu encarregado de transporte, seja por qualquer outro preposto, nada informou ao setor de segurança do trabalho, a demonstrar a falta de cuidados na ré com a segurança de seus 226 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1 a Região
empregados, a despeito da existência de corpo de empregados para, especificamente, cuidar de tal segurança. Não pode a reclamada transferir para o reclamante a responsabilidade pelo acidente, já que deve o empregador adotar todas as medidas necessárias a evitar todo e qualquer acidente de trabalho. Por óbvio, somente se poderia admitir a culpa do autor se tivesse sido demonstrado que a ré teria tomado todas as providências para evitar o sinistro, o que, certamente, não aconteceu no caso em referência. Não é demais dizer que a reclamada nem, sequer, cuidou de dotar os trabalhadores dos equipamentos de segurança necessários, já que a testemunha da própria ré afirmou que para o tipo de trabalho que fazia o autor, quando do acidente, eram necessárias duas pessoas, o que, com efeito, aconteceu, segundo o depoimento da testemunha arrolada pelo reclamante, somente havendo sido entregue, no entanto, um conjunto de equipamentos de proteção, conforme informado pela testemunha da própria ré, já que no telhado, embora se encontrassem dois empregados para a realização do serviço, somente havia um capacete e um cinto de segurança. Então, é indiscutível que a reclamada obrou com culpa, não só por não tomar todos os cuidados necessários para a realização do serviço como por determinar que pessoa não preparada adequadamente o fizesse e, ainda, por não dotar os empregados dos equipamentos mínimos para a sua segurança durante a realização do trabalho que motivou o grave acidente do autor. Lamentável a atitude da ré, motivando uma irreversível perda da visão do olho esquerdo do autor, além de outras graves sequelas, como perda sensível da visão do olho direito, eterna cicatriz no crânio, assim como no braço direito, sem se falar na grave e, quem sabe, mais danosa sequela, a psicológica, que tem afetado sensivelmente o autor, hoje plenamente depende de sua mulher, vivendo em estado depressivo constante, à base de medicamentos, sem qualquer perspectiva de poder voltar ao trabalho, tanto que já restou aposentado pela Previdência Social, conforme o documento de fl. 160. Ainda que tal aposentadoria não seja definitiva, como aduz a reclamada, a fls. 172/173, fatalmente o será em certo tempo, pois, como se observa do laudo pericial, o reclamante não tem a mais mínima chance de retornar às suas atividades laborais. Ainda que o faça, o que este magistrado não acredita, será de forma absolutamente precária, não podendo, nunca mais, exercer quaisquer atividades normais de qualquer cidadão, ceifado que foi da visão do olho esquerdo e boa parte da visão do olho direito, sem se falar nas demais sequelas, anteriormente descritas, sendo desnecessário que se as repitam. Assim, com arrimo em toda a prova produzida, seja ela documental, pericial e oral, não tenho dúvida em afirmar que a reclamada tem responsabilidade por ressarcir os danos causados ao reclamante, ao menos de forma a minimizar a dor deste, a qual, certamente, não cessou, e, talvez, jamais cessará. É óbvio que o reclamante teve e terá despesas médicas, hospitalares e fisioterápicas, quiçá com profissionais de psicologia, inclusive porque terá que se submeter à colocação de prótese em seu crânio, como descrito no laudo pericial, justificando o pleito indenizatório por dano material, a despeito de o mesmo não haver sido mensurado pelo demandante. Se resta razão à ré de que o dano material não é presumido, também resta razão ao autor de que o mesmo ainda incorrerá em despesas com o tratamento, como retro referido, o que, por si só, justifica a fixação de valor para indenização a tal título. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1 a Região 227
Apesar de inexistir nos autos comprovação de despesas passadas, assim como previsão de despesas futuras, as mesmas são inegáveis, razão pela qual decido fixar o valor da indenização, por dano material, em 100 vezes o valor da atual remuneração recebida pelo reclamante da Previdência Social. Também entendo devidas indenizações pelos danos moral e estético, induvidosamente demonstrados nos autos, as quais fixo, respectivamente, em R$75.000,00 e R$100.000,00, haja vista que ambos são de grande monta, sendo o estético irreversível. A despeito de a reclamada arguir que os danos moral e estético se subsumem um no outro, alegação que encontra eco em certa corrente doutrinária e jurisprudencial, filio-me à corrente que entende que tais danos são independentes, conforme a Súmula nº 387 do E. STJ. De tal forma, condeno a ré a pagar ao autor indenizações por dano material, por dano moral e por dano estético, na conformidade da presente fundamentação. Registro que a indenização por dano material, ora deferida, deve ser paga pela reclamada ao reclamante de forma líquida, não se deduzindo os valores pela ré pagos preteritamente, porquanto tal indenização foi fixada já considerando as despesas custeadas pela reclamada. Juros e atualização monetária são devidos, na forma do decisum. A execução não se fará na forma do art. 475-J do CPC, porquanto há regra própria para as execuções trabalhistas. Honorários advocatícios são indevidos, porquanto ausentes os requisitos da Lei nº 5.584/70 e Súmula nº 219 do C. TST. Deve a reclamada ressarcir o reclamante pelos honorários periciais por ele quitados, à fl. 126, devidamente corrigidos, porquanto sucumbente na matéria relativa à perícia, restando certo inexistir qualquer impugnação aos mesmos. Os juros moratórios têm natureza indenizatória, conforme iterativa jurisprudência do E. STJ. Decisum Posto isso, deferindo a gratuidade de justiça ao autor, julgo procedentes em parte os pedidos, condenando a ré a pagar ao autor as indenizações por dano material, por dano moral e por dano estético, além de reembolsar o reclamante pelos honorários periciais, após o trânsito em julgado, indevidos os honorários advocatícios, tudo na forma da fundamentação supra, que este decisum integra. Acresçam-se juros e atualização monetária na forma da Lei nº 8.177/91, observandose as épocas próprias nas quais poderiam ser exigidas as parcelas aqui deferidas, restando certo que a regra da Súmula nº 381 do C. TST, embora aplicável, somente tem incidência sobre salário, o que, aliás, não implica novidade, pois somente se refere à regra do art. 459 da CLT, não se podendo, portanto, elastecer a norma, para que se estenda a regra às demais parcelas. Entender de forma diversa implica tornar a norma jurisprudencial hierarquicamente superior ao texto legal. Deverão ser observados, em execução, as deduções e os recolhimentos da parcela previdenciária e do imposto de renda, se houver, na forma da legislação pertinente, o 228 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1 a Região
Provimento nº 01/1996 do C. TST e a Súmula nº 368 do C. TST, naquilo em que não colidirem com a fundamentação, restando certo que, para os fins da Lei nº 10.035/2000, as parcelas de natureza indenizatória e responsabilidade das partes encontram previsão legal, sendo despiciendo aqui repeti-las, devendo ser observado o Provimento nº 03/2005 do C. TST. De qualquer sorte, a Lei nº 10.035/2000 é inconstitucional, o que ora declaro incidentalmente, porquanto atribui ao juiz função privativa do Poder Legislativo, posto que somente a este é dado o poder de legislar, inclusive quanto à natureza salarial ou indenizatória de parcelas. Os juros moratórios têm natureza indenizatória, conforme iterativa jurisprudência do E. STJ. Ficam cientes as partes de que, após o trânsito em julgado da sentença, a execução deverá ser iniciada independentemente de intimação. Custas de R$3.000,00, pela reclamada, calculadas sobre o valor arbitrado de R$150.000,00, fixadas na forma do artigo 789 da CLT. Intimem-se as partes. Rio de Janeiro, 23 de abril de 2011. José Roberto Crisafulli Juiz Federal do Trabalho Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1 a Região 229