BEM DE FAMÍLIA: ASPECTOS DE UMA INSTITUIÇÃO FUNDAMENTAL PARA A EXISTÊNCIA DA SOCIEDADE

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Transcrição:

Marina Marques Simão BEM DE FAMÍLIA: ASPECTOS DE UMA INSTITUIÇÃO FUNDAMENTAL PARA A EXISTÊNCIA DA SOCIEDADE Centro Universitário Toledo Araçatuba 2008

Marina Marques Simão BEM DE FAMÍLIA: ASPECTOS DE UMA INSTITUIÇÃO FUNDAMENTAL PARA A EXISTÊNCIA DA SOCIEDADE Trabalho de Conclusão de Curso (monografia jurídica) apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito à Banca Examinadora do Centro Universitário Toledo, sob orientação da Professora Rosângela Vecchia. Centro Universitário Toledo Araçatuba 2008

Banca Examinadora Professora Ms. Rosângela Vecchia Dr. Clinger Xavier Martins Drª. Érika Vilela Rodrigues Araçatuba, 22 de Setembro de 2008

"Nenhum sucesso na vida compensa o fracasso no lar". Citado por J. E. McCulloch, Home: The Savior of Civilization (1924), p.42; Conference Report, abril de 1935, p.116.

Dedico o presente trabalho primeiramente a Deus, por sempre me mostrar o caminho, a minha mãe Lucy e a minha avó Marina, que fizeram tudo para que eu chegasse até aqui, aos meus irmãos Mariana e Lucas por acreditarem em mim e ao meu companheiro Luciano, pelo amor verdadeiro e pela compreensão nos momentos mais difíceis.

Agradeço à professora Rosângela Vecchia por não desistir do meu trabalho, aos meus amigos Daiane, Milena, Carlos e Hélio pelo carinho e pela contribuição com esta pesquisa e a minha amiga Janaína Fagá por me ensinar o verdadeiro sentido da palavra amizade.

RESUMO O trabalho se propõe a apresentar uma pesquisa sobre alguns aspectos do Instituto Bem de Família no Brasil, sem a pretensão de esgotar a matéria em si. Procura explicar sua classificação: voluntário e involuntário, o objeto, forma, valor, a impenhorabilidade e a renúncia. O tema é envolvente por demonstrar a importância do vínculo familiar para a sociedade, infelizmente, nos dias de hoje é raro encontrar uma família propriamente dita, porém o Direito, na esperança da manutenção deste instituto, trata o bem de família com excepcional proteção. A presente pesquisa poderá ser utilizada para dar início a outros trabalhos científicos acerca do assunto. O método a ser utilizado para a elaboração e desenvolvimento da matéria será a pesquisa documental e bibliográfica através de fontes: leis, doutrinas, jurisprudências, artigos, revistas e outros materiais que possam contribuir com a pesquisa. Palavras chave: Direito Família Mudanças Igualdade Bem Impenhorável Proteção.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 08 I. HISTÓRICO... 10 1.1 Instituição do Bem de Família na Doutrina Internacional... 10 1.2 Instituição do Bem de Família no Ordenamento Brasileiro... 13 II. INSTITUIÇÃO FAMILIAR... 18 2.1 Conceito... 18 2.2 Família Monoparental... 21 2.3 União Homoafetiva... 22 III. DO BEM DE FAMÍLIA... 27 3.1 Conceito... 27 3.2 Natureza Jurídica... 29 3.3 Classificação... 31 IV. BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO... 34 4.1 Do Instituidor... 34 4.2 Objeto... 37 4.3 Propriedade do Bem... 41 4.4 Forma para a sua Constituição... 43 4.5.Valor do Bem... 45 4.6 Efeitos e Extinção... 46 4.7 Caso Especial: Do Mútuo Para o Casamento... 48 V. BEM DE FAMÍLIA INVOLUNTÁRIO... 50 5.1 Instituição... 50 5.2 Valor do Bem, Efeito e Extinção... 52 VI. RENÚNCIA... 56 CONCLUSÃO... 61 REFERÊNCIAS... 64

8 INTRODUÇÃO O valor da família para o ser humano não pode ser medido, a família é a base estatal, sua estrutura e estabilidade. No seio familiar, o indivíduo tem os primeiros contatos com os conceitos básicos para a vida e é nesse ambiente que se constrói a felicidade. Os entes familiares, pai, mãe, avós, irmãos, modelam o ser humano contribuindo para a formação dos que ali habitam. Esse convívio familiar torna possível o aprendizado de cada cidadão para construir uma sociedade virtuosa e é esse um dos motivos pelos quais a família é tida como a base da sociedade. Sendo assim, a família ampara o próprio Estado e este tem o dever de conferir lhe proteção, como preceitua a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, caput: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Nessa seara é que são instituídas as normas de proteção que se referem especificamente ao tema do presente trabalho: bem de família. O presente estudo trará as linhas gerais do citado instituto e também ao bem de família voluntário e involuntário, elucidando alguns conflitos doutrinários e jurisprudenciais, com análise de dispositivos legais, na tentativa de expor algumas questões controvertidas, para incitar futuras pesquisas mais aprofundadas sobre o tema. O bem de família está regulado no sistema jurídico nacional pela Lei 8.009 de 1990 e pelo Código Civil de 2002, resguardando o domicílio da família, no intuito de manter sólida a sua estrutura. O trabalho observa, no Capítulo I, o desenvolvimento do bem de família em outros países em uma espécie de ordem cronológica e, após isso, a introdução do mesmo no ordenamento brasileiro, bem como relatando brevemente sua evolução até os dias atuais.

9 No Capítulo II, trará o conceito de família e entidade familiar, bem como o de família monoparental e homoafetiva. O Capítulo III conceitua o bem de família na opinião de doutrinadores, tanto no Código Civil de 1916 quanto no de 2002. Expõe também a sua natureza jurídica e a sua classificação. O bem de família voluntário, regulado pelo Código Civil de 2002, bem como os requisitos para a sua constituição, sua extinção e caso especial são analisados no Capítulo IV. No Capítulo V, teremos o bem de família involuntário, descrito pela Lei 8.009 de 1990 e no último Capítulo uma discussão sobre a renúncia ao direito de impenhorabilidade Dessa forma, a nobre finalidade do presente trabalho é estudar os dispositivos legais concernentes a esse instituto no Brasil, que visam à proteção da família.

10 I. HISTÓRICO O bem de família aparece indiretamente em alguns povos antigos. Esses povos acreditavam que a casa era consagrada pela presença perpétua de seus deuses, era como um templo, uma igreja. Nela, a família possuía seu direito à propriedade assegurado por esses próprios deuses. Entretanto seu início propriamente dito no século XIX, na República do Texas, e foi introduzido pela então chamada Lei do Homestead, como veremos a seguir. Atualmente, o bem de família é um dos meios de amparo à família, assegurando um teto quase que intocável. O instituto e suas finalidades se moldam ao artigo 226, caput, da Constituição Federal de 1988, transcrito anteriormente, que pondera a família como alicerce da sociedade e merecedora de assistência privada do Estado. 1.1 Instituição do Bem de Família na Doutrina Internacional No início das civilizações, a propriedade tinha uma feição comunitária sendo que até mesmo alguns povos antigos jamais conheceram a propriedade em suas relações. Concebiam o direito de propriedade somente em relação aos seus rebanhos, mas não em relação ao solo; para outros, a terra não pertencia a ninguém e era distribuída anualmente a seus membros para o plantio, cuja colheita pertencia ao que laborava a terra. (COULANGES, 1999, p.333) Os povos da antiga Itália e Grécia, ao contrário, sempre estabeleceram propriedade privada e nem mesmo chegaram a utilizar a terra coletivamente. Em algumas

11 cidades da antiga Grécia, entretanto, eram obrigados a disponibilizar parte de sua colheita à comunidade. (COULANGES, 1999, p.334) Os primeiros sinais para o surgimento do bem de família deram se na Grécia e na Itália. Praticavam a propriedade privada com base em três eventos interligados: a religião doméstica, a família e o direito de propriedade. O tripé religião, família e propriedade teve relação inseparável e fundamentava o Direito de Propriedade entre os povos antigos que estabeleceram de imediato a propriedade privada. Fala se aqui, evidentemente, da religião doméstica. (COULANGES, 1999, p.334) Para as antigas civilizações havia relação entre os deuses e o solo. A casa era vista como o emblema da vida sedentária, um ambiente sagrado, ela deveria permanecer no solo, no mesmo lugar para todo o sempre. A família ficava agrupada nesse lar, arraigada ao solo surgindo, seu domicílio. O lugar era propriedade de uma família inteira e seus membros e onde deveriam nascer, crescer e morrer. (COULANGES, 1999, p.335) Contudo, o instituto do bem de família foi realmente iniciado com tratamento jurídico específico no século XIX, na República do Texas, em 1839, logo que este Estado separou se do México, e antes de se coligar aos Estados Unidos da América em 1845. Em 1835, o Texas tornou se independente do México e era uma extensão enorme de terra, praticamente virgem era denominado de Big Country. Milhares de americanos e europeus afluíram para aquele novo continente. (AZEVEDO, 2002, p.24) Com a fértil condição do solo americano, desenvolveu se em pouco tempo a agricultura e o comércio e, com isso, os bancos europeus logo se instalaram. Por volta de 1830, com demasiados pedidos de empréstimos de grandes capitais e com descontrole de emissão da moeda, instaurou se uma ilusão de lucro fácil, e, com isso, o povo passou a ultrapassar os limites da realidade. Como conseqüência, houve uma grande crise entre os anos

12 de 1837 a 1839, iniciando se com a falência de um banco de renome em Nova Iorque, em 10.5.1837, que desencadeou de uma explosão no campo econômico e financeiro. Isso veio a conturbar toda a civilização americana. Para fazer se uma idéia da extensão do desastre: 959 bancos fecharam suas portas, somente no ano de 1839, e, durante a crise, entre os anos de 1837 a 1839, ocorreram 33.000 falências e uma perda de 440 milhões de dólares, ou seja, perto de dois bilhões e trezentos milhões de francos, à época. (AZEVEDO, 2002, p.24) Pouco tempo depois da separação do Texas do território mexicano (constituindo se uma República independente) recebeu grande quantidade de emigrantes americanos que almejavam reconstruir seus lares ou iniciar nova vida, ante às grandes garantias que eram oferecidas pelo governo texano. Essa emigração numerosa, a qual existiu ainda quando o Texas fazia parte do México e que preocupou este Governo, continuou sem cessar, crescendo de uma forma inesperada, tanto que a população do Texas era quase totalmente formada por americanos. Em 1836, a população texana possuía menos de 70.000 habitantes e que, em 1840, ela foi a 250.000. (AZEVEDO, 2002, p.25) Em 26 de janeiro de 1839, foi promulgada a Lei do Homestead (Digest of the Laws of Texas 3.798), neste teor: De e após a passagem desta lei, será reservado a todo cidadão ou chefe de uma família, nesta República, livre e independente do poder de um mandado de fieri facias ou outra execução, emitido por qualquer Corte de jurisdição competente, 50 acres de terra, ou um terreno na cidade, incluindo o bem de família dele ou dela, e melhorias que não excedam a 500 dólares, em valor, todo mobiliário e utensílios domésticos, provendo para que não excedam o valor de 200 dólares, todos os instrumentos (utensílios, ferramentas) de lavoura (providenciando para que não excedam a 50 dólares), todas ferramentas, aparatos e livros pertencentes ao comércio ou profissão de qualquer cidadão, cinco vacas de leite, uma junta de bois para o trabalho ou um cavalo, vinte porcos e provisões para um ano; e todas as leis ou partes delas que contradigam ou se oponham aos preceitos deste ato, são ineficazes perante ele. Que seja providenciado que a edição deste ato não interfira com os contratos entre as partes, feitos até agora. (AZEVEDO, 2002, p.25) Com isso, surgiu o homestead no Texas, regulado pela Lei de 26 de janeiro de 1839 (Homestead exemption act), sendo um terreno de características agrícolas, separado

13 do patrimônio do proprietário como uma reserva sagrada para a família. (AZEVEDO, 2001, p.01) O objetivo do diploma acima transcrito, como se pode notar, fora ater a população à propriedade rural, para o desenvolvimento da sociedade, e trouxe, ainda, a impenhorabilidade tanto dos bens domésticos móveis, como também a dos bens imóveis, limitados a um valor. Esse homestead estadual espalhou se pelo território americano, implantando se, em vários outros modificando a maneira, a limitação de área ou de valor. Entretanto, os elementos essenciais do instituto permanecem vivos na legislação americana atual, nos estados que admitem sua existência. (BUSSO, 2002, p.01) Há outras legislações que dão sustentação a existência do bem de família. Na Alemanha encontramos o HofrecAt, que se caracteriza pela indivisibilidade de certo imóvel rural, a fim de transmitir se a um dos sucessores do proprietário. Na Suíça, o Código Civil o contempla como o título de "Asilo de Família". Na França, ele existe desde 1909 sem muito sucesso. (BUSSO, 2002, p.01) Portanto, visível era que desde os primórdios a família era importante para a estabilização e o desenvolvimento do ser humano, visto que é no seio familiar que adquirimos os valores que irão nos acompanhar para sempre: honestidade, solidariedade, segurança, amor, e que nos ensinam a viver em sociedade. E mesmo com toda a evolução da sociedade, a família ainda é o seu alicerce e, por isso, o Estado passou a ter o dever de proteger a família de forma especial. 1.2. Instituição do Bem de Família no Ordenamento Brasileiro

14 O bem de família surgiu no Código Civil de 1916, embora Clóvis Bevilácqua não tenha tratado dele em seu projeto, foi inserido durante sua tramitação no Congresso Nacional. Nesta oportunidade, muito se discutiu a respeito do melhor posicionamento para o instituto do bem de família dentro da sistemática do Código sendo inserido nos artigos 70 a 73 do Código de 1916, no livro dos bens, oriundo da emenda de Feliciano Pena, em 1912, inserido na Parte Geral. Era permitida a instituição dos bens de família, ao chefe da família. (AZEVEDO, 2002, p.30) O bem de família não deveria constar na Parte Geral do citado Código: "Bem de família é relação jurídica de caráter específico e não genérico. Seu lugar apropriado seria o direito de família, já que a finalidade do instituto é a proteção da família, proporcionando lhe abrigo seguro". (MONTEIRO, 1995, p.158) Com a leitura do artigo 70 caput e Parágrafo Único Código Civil de 1916 podemos observar que a figura do marido era tida como o chefe da família e, por isso, somente ele poderia instituir o bem de família. Este se fundava na isenção de execução por dívidas que se colocava a permanência dessa isenção, enquanto os cônjuges fossem vivos seus filhos permanecessem incapazes, salvo sobre os impostos que sobreviessem sobre o imóvel. Deste modo, o bem de família só se extinguia quando estivessem mortos os cônjuges e quando a prole já tivesse atingido a maioridade. Somente aquele que, na ocasião da instituição, fosse solvente poderia instituir bem de família, porque a impenhorabilidade inerente ao bem de família poderia lesar os credores do instituidor. Portanto, era obrigatória a declaração de sua solvência, conforme artigo 71 do citado Código. Os artigos 72 e 73 garantiram a imutabilidade da destinação e determinaram que a instituição só poderia ser perpetrada por escritura pública. Contudo, o Código Civil de

15 1916 nada disse quanto aos métodos para a instituição do bem de família, mencionando apenas que deveria ser instituído por escritura pública. O Código de Processo Civil de 1939, no entanto, gerou as primeiras regras do procedimento para a instituição do bem de família e, em seguida, a Lei de Registros Públicos, Lei 6.015 de 1973 em seu capítulo IX, que apresentou o procedimento apropriado, determinando que deveria ser através de escritura pública, onde o instituidor precisava caracterizar o imóvel com as suas medidas confrontantes e declarar, solenemente, sob as penas da lei, que era solvente. Após isso, o traslado era levado ao Cartório de Registro de Imóveis a que pertencia o bem e o oficial, recebendo o título, o prenotava, e publicava um edital na Imprensa Oficial local ou, se não houvesse, na imprensa da capital do Estado ou do Território. No edital deveria conter, conforme o artigo 262, I e II da referida lei, a escritura da instituição, ou seja, o nome dos instituidores, o imóvel e o lembrete a terceiros interessados que terão 30 dias, a partir da publicação do edital, para questionar a instituição do bem de família no caso de se julgarem lesados. Decorrido prazo de 30 dias, sem que fosse apresentada alguma reclamação, o oficial transcrevia a escritura integralmente em um livro fazia a inscrição na matrícula do imóvel, arquivando um exemplar do jornal em que a publicação houver sido feita e restituía o instrumento ao apresentante, com a nota da inscrição, conforme artigo 263 da mesma lei. Caso surgisse uma impugnação, o oficial suspendia o registro, e devolvia o título ao apresentante, que poderia requerer ao juiz que inscrevesse o título, apesar da impugnação. O instituidor poderia requerer ao juiz que ordenasse o registro, sem embargo da reclamação e este, numa cognição sumária, faria esta desta deliberação irrecorrível. Se entendesse que a impugnação não tinha nenhuma base, determinaria o registro do título. Se,

16 porém, resolvesse pela procedência da mesma, ele não registrava o título, ou poderia registrar o título, advertindo o impugnante sobre o direito de lidar em ação própria pela anulação da constituição do bem de família, se entender ser uma fraude aos seus direitos de credor, consoante artigo 264 da citada lei. O juiz poderia facultar ao impugnante, o direito de executar a obrigação, incidindo a constrição sobre o bem, por ser a dívida anterior à constituição, conforme artigo 71 do Código Civil, por ser requisito essencial para a instituição do bem de família a solvência do instituidor. Conforme anteriormente citado, esse procedimento ainda vige quanto à instituição e inscrição do bem de família, porém não é muito freqüente, e alguns dos motivos são os seguintes: a) Onerosidade da sua instituição: o pagamento da escritura pública, do registro no Cartório de Registro de Imóveis, a publicação em edital, a impugnação, se houver, sugerem a contratação de um profissional competente, provavelmente um advogado e, não raramente na elaboração de uma ação judicial; b) Burocracia: escritura pública, apresentação, transcrição, impugnação, edital, procedimento judicial, podendo levar muitos anos para se atingir a finalidade a que se propôs; c) Indisponibilidade do patrimônio: muitas vezes, a venda do único imóvel pode ser o último recurso para o sustento da família, já que o bem de família fica inalienável, dependerá de um alvará judicial. Os brasileiros sempre preferiram continuar com a disponibilidade do seu imóvel à segurança dada pela lei. (SARMENTO, 2001, p.185) A Lei 8009/90 foi instituída para nomear o bem de família legal. A suposição era que esta lei havia revogado o artigo 70 do Código Civil, já que os efeitos

17 pareciam os mesmos, sem que seja necessário que o proprietário praticasse ato algum. Outros consideravam esta lei fadada à revogação, por considerá la protecionista e demagógica, incompatível com regras gerais do direito patrimonial. Entretanto ela apenas instituiu uma nova modalidade de bem de família. (RODRIGUES, 2002, p.148) Atualmente existem duas modalidades para o bem de família: o voluntário, que surge com a vontade dos instituidores; e o legal, que foi inserido pela Lei 8009/90, com princípios similares àquele, contudo sem os problemas acima descritos Incidindo a constrição sobre o único imóvel do devedor, ele pode objurgar ser seu imóvel residencial e retirar a constrição, pela acima citada, que estabeleceu que o único imóvel residencial do devedor fosse impenhorável, ressalvadas algumas exceções a essa impenhorabilidade. A instituição do bem de família evoluiu no ordenamento jurídico brasileiro. Primeiramente regulamentado pelo Código Civil de 1916 e, por conseguinte, pela Lei 8.009 de 1.990 e pelo Código Civil de 2002. Foi disciplinado ainda no Decreto Lei n. 3.200, de 19 de abril de 1.941 e pela Lei Federal n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e todos visam proteger o domicílio familiar, o lar de todos nós, fundamental para a sociedade. A Lei 10.406 de 2002 inseriu o instituto bem de família no Direito de Família, e não mais na Parte Geral, em seus artigos 1 711 a 1 722, subtítulo IV, Do Bem de Família.

18 II. INSTITUIÇÃO FAMILIAR Atualmente, a família está sendo considerada de forma abrangente, porém os entendimentos acerca desse assunto se mostram divergentes. Uma parte da doutrina e jurisprudência alcança o viúvo ou a viúva residindo com filhos ou sozinhos, ex cônjuges separados judicialmente e que possuam filhos em comum e até mesmo irmãos solteiros que vivam juntos. Outra parte defende somente o que expressamente a lei descreve como família e entidade familiar. 2.1. Conceito A família possui uma função essencialmente social e, por isso, se reveste também por necessidades sociais: garante o provimento de seus integrantes, para que eles exerçam atividades produtivas para a própria sociedade, e os educa, para que tenham moral e valores compatíveis com a cultura do ambiente em que vivem. Deste modo, podemos entender que a família é instituição forte de origem biológica, todavia com caracteres culturais e sociais. (BOCK, 1996 p.238.) Ainda com a evolução da sociedade, a família se modifica para manter a sua existência: A família é uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história através dos tempos. (HIRONAKA, 1999, p.7) A partir da leitura do artigo 229 do Código Civil de 1916, temos a percepção de que este visava um conceito singular de família, descrevendo que apenas o

19 casamento poderia legitimar a formação da família, sendo a única maneira de legitimar os filhos comuns antes dele nascidos ou concebidos: Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos A maioria das uniões matrimoniais nessa época tinha finalidades econômicas e, como se pode notar, as leis do tempo seguiam essa linha pensamento. Nesse sentido o foram instituídos os seguintes artigos: a) Artigo 230 estabelecimento de vínculos patrimoniais, regime de bens; b) Artigo 231, III mútua assistência, recíproco auxílio patrimonial, c) Artigo 231, IV dever de sustentar, educar e guardar os filhos. Além desses, havia também outros deveres do casamento: o dever de vida em comum no domicílio conjugal estampado no artigo 231, II, e a fidelidade recíproca, artigo 231, I. Já o artigo 183, em seus incisos XIII, XV e XVI traz impedimentos matrimoniais que têm por objetivo mais uma vez a defesa do patrimônio. Conforme o pensamento abaixo, palavras de Fustel de Coulanges, desde a época de Roma Antiga o filho nascido fora do casamento era discriminado, seus direitos não se equiparavam aos de seus irmãos: O laço de sangue isolado não constituía, para o filho, a família; era lhe necessário o laço do culto. Ora, o filho nascido de mulher não associada ao culto do esposo pela cerimônia do casamento, não podia, por si próprio, tomar parte do culto. Não tinha o direito de oferecer o repasto fúnebre, e a família não se perpetuaria por seu intermédio. (HIRONAKA, 1998, p.167 185) Pela leitura dos artigos 337 e 338 do citado Código, podemos observar que, como em Roma Antiga, somente os filhos oriundos do matrimônio eram reconhecidos pelo ordenamento jurídico, incidindo a presunção pater is est. O pater is est (Pragmatismo romano: pater is est quem justae nuptiae demonstrant, o pai é o marido) é uma concepção patriarcal e hierarquizada da família

20 constituída por matrimônio que produzia filhos legítimos, reavaliada na segunda metade deste século. Essa presunção não possui o rigor do passado, porém não foi revogada literalmente pelo novo Código Civil. Todavia, vem sendo impostas ressalvas, limitações, restrições, por jurisprudência renovadora. (VELOSO, 1997, p.198) Com base na leitura do texto abaixo, podemos ter uma noção do padrão de família à época do Código Civil de 1916, A hostilidade do legislador pré constitucional às interferências exógenas na estrutura familiar e a escancarada proteção do vínculo conjugal e da coesão formal da família, inda que em detrimento da realização pessoal de seus integrantes particularmente no que se refere à mulher e aos filhos, inteiramente subjugados à figura do cônjugevarão justificava se em benefício da paz doméstica. Por maioria de razão, a proteção dos filhos extraconjugais nunca poderia afetar a estrutura familiar, sendo compreensível, em tal perspectiva, a aversão do Código Civil à concubina. O sacrifício individual, em todas essas hipóteses, era largamente compensado, na ótica do sistema, pela preservação da célula mater da sociedade, instituição essencial à ordem pública e modelada sob o paradigma patriarcal. (TEPEDINO, 2001, p.351 352) Os filhos de relações tidas fora do âmbito conjugal eram considerados ilegítimos e, por isso, não possuíam os mesmos direitos privativos dos filhos legítimos (oriundos de pais unidos pelo matrimônio) dos artigos 337 a 351. O filho ilegítimo não poderia nem ao menos residir no lar conjugal sem o consentimento de um dos cônjuges, consoante artigo 359. A única forma de legitimar a prole, era pelo casamento dos pais, de acordo com o artigo 353 do aludido Código. Com a leitura dos artigos do Capítulo, A Filiação Legítima, do antigo Código, pode observar que a função da figura paterna era basicamente o sustento. Não era dada importância para o amor, a proteção dos filhos, mas somente ao patrimônio. Todavia, com a Constituição Federal de 1988, ficou proibida qualquer forma de discriminação, inclusive em relação aos filhos considerados ilegítimos. Em seu artigo 1, III instituiu como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a

21 dignidade da pessoa humana. Com isso, a sociedade e, por conseguinte, a entidade familiar começam a ser conceituadas como comunidade afetiva de respeito e consideração mútuos e não unicamente com interesse patrimonial. No mesmo entendimento: [...] a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social. (TEPEDINO, 2001, p. 205) O relacionamento familiar tornou se democrático, onde todos os integrantes têm papel a cumprir e em busca da felicidade. No âmbito familiar os indivíduos adquirem sabedoria para viver em sociedade, sendo esse convívio a melhor forma de propagar o princípio mister da Constituição: a dignidade da pessoa humana. 2.2. Família Monoparental A Carta Magna, em seu artigo 226, 3 e 4 com base no direito fundamental da dignidade da pessoa humana, instituiu outras entidades familiares, outras formas de criação ou legitimação da família, as quais: a união estável e a família monoparental. As famílias monoparentais estão inseridas na Constituição Federal no artigo 226, 4º, como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Essas famílias, por vezes, se formam pela chamada produção independente, como forma de realização pessoal, mas na maioria dos casos por relacionamentos turbulentos em que acabam se separando, obrigando a um só dos pais, pelo

22 abandono do outro, cuidar dos filhos. Podem ocorrer também com a morte de um dos pais, entre outros acontecimentos. O Superior Tribunal de Justiça, antes mesmo da instituição do Novo Código Civil, já havia reconhecido como entidade familiar a pessoa solitária e a comunidade formada por parentes, principalmente irmãos, como nos julgados abaixo: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. MÓVEIS GUARNECEDORES DA RESIDÊNCIA. IMPENHORABILIDADE. LOCATÁRIA/EXECUTADA QUE MORA SOZINHA. ENTIDADE FAMILIAR. CARACTERIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. LEI 8.009/90, ARTIGO 1º E CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 226, 4º. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO..O conceito de entidade familiar, deduzido dos arts. 1º da Lei 8.009/90 e 226, 4º da CF/88, agasalha, segundo a aplicação da interpretação teleológica, a pessoa que, como na hipótese, é separada e vive sozinha, devendo o manto da impenhorabilidade, dessarte, proteger os bens móveis guarnecedores de sua residência. (STJ, REsp n. 205.179 SP, DJ de 07.02.2000) EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI Nº 8.009/90. IMPENHORABILIDADE. MORADIA DA FAMÍLIA.IRMÃOS SOLTEIROS. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza de proteção de impenhorabilidade, prevista na Lei nº 8.009/90, não podendo ser penhorado na execução de dívida assumida por um deles. (STJ, REsp n. 159.851 SP, DJ de 22.06.98) As pessoas que antes não queriam ou estavam impedidos de se unir por matrimônio e, com isso, eram discriminadas por outros, podem desde então, dependendo do caso, ser legitimados pelas outras entidades. 2.3. União Homoafetiva O artigo 226 da Constituição Federal, em seu Parágrafo 3º, reconheceu a união estável entre homem e mulher, mas nada expôs quanto a união de homossexuais. O Código civil de 2002, em seu artigo 1.565, legaliza apenas a união entre homem e mulher.

23 Não se pode, então, concluir que a lei expressamente considera a união homoafetiva como entidade familiar. Contudo, o Relator, Juiz Caetano Lagrasta da 8ª Câmara de Direito Privado de São Paulo, na Apelação n.º 5525744400 de 12/03/2008 reconhece a união estável homoafetiva, sendo que os operadores do Direito devem estabelecer parâmetros em relação à união de parceiros heterossexuais, tendo como base os princípios constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana. Arrazoa ainda que o Estado oferece especial proteção à Família, conforme art. 226 da CF e a analisando seu 3, onde se reconhece como união estável a entidade familiar constituída por homem e mulher, pela toponímia e dicção não pode ser restritiva. O juiz não deve se eximir de julgar, a pretexto de haver lacuna ou obscuridade da lei. Isso porque a própria Constituição traz princípios abertos, indeterminados e plurissignificativos, cujas normas dependem da interpretação sistematizada num contexto jurídico, sem obediência a puros critérios de lógica formal e tampouco reduzida à mera análise lingüística. Ao contrário, obedece a razões históricas com base no problematicismo e razoabilidade do processo hermenêutico. Entre várias interpretações possíveis, adota se aquela que corresponder aos valores éticos da pessoa e da convivência social. (MENDES, 2007, p.152) Não se pretende banalizar a norma do artigo 226, 3, da Constituição Federal, mas sim, ampliar a sua eficácia com base em outros preceitos inseridos na própria Constituição, como os princípios da dignidade e igualdade da pessoa humana. (FUGIE, 2003, p.74 75) No mesmo sentido: