PALAVRAS-CHAVE: Cotidiano escolar. Preconceito Racial. Didática ressignificada.



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Transcrição:

04022 VIOLÊNCIA E PRECONCEITO: RECORTES DE UM ESTUDO EMPÍRICO-TEÓRICO RESUMO: Aleir Ferraz Tenório aleir.tenorio@ifg.edu.br Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de Goiás. João Luiz Gasparin gasparin01@brturbo.com.br Universidade Estadual de Maringá Este trabalho que se intitula Violência e Preconceito: Recortes de um Estudo Empírico- Teórico se propõe a apresentar dados que são frutos de uma investigação em nível de Mestrado em Educação, a qual teve como objetivo conhecer as bases teóricas de algumas políticas públicas que vêm sustentando propostas de mudança no enfoque das questões educacionais, entre as quais o tema da Pluralidade Cultural e das questões referentes ao Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e a verificação da efetivação e desenvolvimento prático destas políticas em uma escola pública estadual de ensino fundamental e médio, da periferia da cidade de Maringá/PR. Neste estudo em questão, selecionamos algumas falas dos nossos entrevistados para, embasados em alguns teóricos como Ianni, 2007; Candau, 2014; Caniato, 2014; Gomes, 2008; Nogueira, 2014, evidenciar como o preconceito racial se torna um ato de violência praticado contra pessoas não-brancas e como tais sujeitos sofrem em seus processos de vida e existência com as manifestações racistas. Ao final deste estudo concluímos ser bastante importante que a didática seja ressignificada no interior da escola que possui como um de seus mais importantes papéis o processo formativo integral dos seus alunos. Para tanto, as questões relativas à seleção dos conteúdos escolares, estratégias de ensino, relacionamento professor-aluno e aluno-aluno, sistema de avaliação, papel do professor, organização da sala de aula, atividades extraclasse, a relação escolacomunidade, entre outras, precisam ser revisitadas levando em conta a nossa cultura e a realidade vivenciada pelos alunos que merecem e devem ser tratados em sua dignidade de pessoa humana. PALAVRAS-CHAVE: Cotidiano escolar. Preconceito Racial. Didática ressignificada. Estamos convictos de que o Preconceito é uma questão bastante atual que se constitui como um problema da vida em sociedade, motivando-nos ao estudo de suas causas, manifestações e prejuízos. Com base em leituras realizadas e no processo de observação de um cotidiano escolar, este texto busca evidenciar aspectos da violência sentida por pessoas vítimas de Preconceito Racial. Os dados aqui apresentados são frutos de um trabalho de investigação em nível de Mestrado em Educação, o qual teve como objetivo conhecer as bases teóricas de algumas políticas públicas que vêm sustentando propostas de mudança no enfoque das questões educacionais, entre as quais o tema da Pluralidade Cultural e das questões referentes ao Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e a verificação da

04023 efetivação e desenvolvimento prático destas políticas em uma escola pública estadual de ensino fundamental e médio, da periferia da cidade de Maringá/PR. As questões centrais para o trabalho de mestrado foram: 1) Como as orientações contidas no Tema Transversal Pluralidade Cultural, na Lei 10.639/03 e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana estão sendo executadas? 2) Elas contribuem para o reconhecimento e o respeito à diversidade social e cultural no interior da escola, mais especificamente, à superação do preconceito e da discriminação racial, vivenciados por alunos negros na instituição de ensino pesquisada? Além da parte teórica como resposta às questões propostas, buscamos conviver mais de perto com a comunidade escolar e, em momento posterior, tivemos a oportunidade de realizar algumas entrevistas. Neste artigo, selecionamos alguns autores que evidenciam o preconceito como ato de tirania, bem como trechos de algumas entrevistas, onde alguns membros da comunidade pesquisada confirmam a violência expressa nas atitudes de discriminações que sofreram e sofrem. Foi a partir destas e de outras evidências que, procurando desmistificar o preconceito e a discriminação racial, esta escola buscou e busca realizar um trabalho de desconstrução desse fenômeno, que traz muito prejuízo à constituição de nossas vidas e identidades, especialmente de nossos educandos. Tomamos, inicialmente, por base a definição do dicionário que afirma que o preconceito é o julgamento ou opinião concebida previamente; opinião formada sem fundamento justo ou conhecimento suficiente (HOUAISS, 2008). Esse julgamento prévio apresenta como característica principal a inflexibilidade pois tende a ser mantido sem levar em conta os fatos que o contestem [...] o preconceito inclui a relação entre pessoas e grupos humanos. Ele inclui a concepção que o indivíduo tem de si mesmo e também do outro (GOMES, 2014, p. 54). Mesmo sendo elementos constituintes da nossa identidade, os brasileiros de ascendência africana vivenciam relações perpassadas pelo preconceito e pela discriminação racial, fruto de séculos de crença na superioridade da raça branca. Crença esta que a razão científica ajudou a proclamar e a justificar durante mais de trezentos anos. O conceito de raça representa uma criação social que envolve jogo de forças sociais, em que ocorrem processos de dominação e apropriação. Classificar e hierarquizar constituem-se, desse modo, estruturas de poder sobre o outro, [...] bloqueando relações, possibilidades de participação, inibindo aspirações, mutilando a

04024 práxis humana, acentuando a alienação de uns e outros, indivíduos e coletividades (IANNI, 2007, p. 3). Segundo Caniato (2008) o preconceito age como uma arma de exclusão social. É eficiente e perversa no exercício do controle de determinado grupo sobre outro, pois a violência das representações preconceituosas (violência simbólica) perfura/ilude as estruturas psíquicas conscientes e, como em um susto-traumático, instala-se na irracionalidade da vida psíquica e reverbera continuamente (repetição compulsiva do sofrimento recalcado) seus efeitos deletérios. Para a autora, inocentemente, os indivíduos desarmados de qualquer possibilidade de defesa assumem, como suas, as perversidades que são difundidas pelas ideias preconceituosas. Sobre o preconceito racial no Brasil, Ianni (2007, p 17) afirma tratar-se de um fenômeno apenas alegórico ou figurado e que não se explicita claramente: O problema do preconceito no Brasil é que você não tem onde pegar. É um preconceito alusivo, não explicitamente revelado. Ele aparece da maneira mais surpreendente: o negro chega ao restaurante e fica esperando enquanto o garçom atende a outros; no hotel ouve não temos vagas. Por anos a fio, as pessoas não-brancas têm sofrido pelo pré-julgamento de suas atitudes, comportamentos, intenções e ideias. Sobre isto, o campo de pesquisa no qual desenvolvemos nosso estudo de mestrado, pode nos fornecer elementos de constatação dessa realidade. Na visão dos nossos entrevistados, cujos nomes são todos fictícios, o racismo representa um ato de violência. Prova disso são alguns relatos aqui apresentados, (mantendo-se a expressão original de cada um, sem correções de linguagem). Uma de nossas primeiras entrevistadas logo apontou a violência das atitudes racistas: com certeza, o racismo é um ato de violência. Porque existe a violência física, que dói, que você sente a dor, que machuca... mas a ofensa, ela pode doer muito mais e ela pode prejudicar muito mais a sua vida (Entrevista com a professora Anita). Ao concordar com Anita, Luiza amplia as afirmações da colega, dizendo que os seres humanos sucumbem ante o preconceito que vivenciam: O racismo é um ato de violência porque ele fere tanto quanto a violência física. Chega até, muitas vezes, a matar sonhos. Porque se você é discriminado pela sua raça, e você não tiver uma estrutura, você sucumbe. Então isso fere; isso mata! Mata sonho, mata vida, mata família (Entrevista da professora Luiza). Uma das alunas entrevistadas diz do sofrimento que o preconceito já ocasionou a membros de sua família: [...] Meu tio já sofreu [...] Minha mãe já sofreu. Existe muito

04025 (preconceito), no Brasil, infelizmente, não só no Brasil, em outros países também, infelizmente (Entrevista com a aluna Cecília, do 3º ano do ensino médio). De igual modo, para o professor Arthur, a violência impetrada pelo racismo consiste no processo de segregação que ela acarreta aos vitimados: É obvio que é uma violência. Porque a partir do momento que você não aceita quem é de outra cor, a partir do momento que você não quer, num grupo, uma pessoa porque ele tem o olho puxado ou porque ele tem um traço de oriental [...] você tá separando (Entrevista com o professor Arthur). Marina evidencia a situação de sofrimento e agressão decorrentes dos preconceitos raciais vivenciados: [...] as pessoas agridem a outra com a palavra... assim como macaco... ah, um monte de coisas assim... neguinho, saci. Um monte de coisas (Entrevista com a aluna Marina, do 3º ano do ensino médio). Lígia, outra aluna, mostra como foi atingida: Eu já me senti discriminada. [...] Uns falam por causa do cabelo sabe, me sinto chateada, tipo quando falam alguma coisa para mim eu finjo que não escuto, eu dou risada, eu finjo que não é comigo, mas tipo, eu fico de cara com a pessoa [...] Eu não gosto que falem tipo todo mundo, ninguém é perfeito, todo mundo tem seus defeitos. Aí chega um, a coisa mais feia do mundo, chega para você e vem falar do seu defeito? Dá vontade de falar, tipo assim, você não tem espelho em casa não? Então eu finjo que eu não ouço e dou risada e finjo que eu não tou ouvindo e saio para. Gomes (2008) relata como a insatisfação com a própria imagem interfere no processo identitário do indivíduo. Para ela, estes sinais diacríticos levam a pessoa a se sentir inferior perante as outras e a rejeitar elementos do seu próprio corpo, identificando-os como defeituosos. É o que revela, em sua fala, a aluna Lígia. Em outro momento da entrevista, ao ser indagada sobre as ações empreendidas pela escola para discutir o preconceito racial a mesma aluna confirma essa interferência no seu processo identitário quando diz que: eu acho interessante saber que a gente passou por tudo isso para tá hoje aqui tipo se fosse branco, tipo se fosse né... tá dividindo as mesmas coisas. Antes, nem um ônibus podia pegar junto, agora tá podendo. Mesmo com o histórico de um trabalho de desmistificação do preconceito pautado pela escola, a professora Olga afirma o sofrimento que o mesmo ainda causa nos alunos: tem muita criança que sofre ainda, sim, discriminação. Sofre mesmo. É complicado de trabalhar [...] Então, eu sinto assim, que têm muitas crianças que sofrem sim. Que sofrem caladas ainda. Por mais que essa escola tenha tentado já combater e

04026 explicar as diferenças tem crianças que sofrem sim (Entrevista com a professora Olga). Defendemos que a formação do professor seja pautada numa formação que questione os preconceitos e que na sua mediação pedagógica desencorajemos toda e qualquer injustiça social praticada por meio de atitudes discriminatórias. Sob a perspectiva da Didática Fundamental, um dos componentes básico a ser levado em consideração é o caráter multidimensional do processo ensino-aprendizagem. Neste sentido, faz-se cada vez mais urgente a incorporação da dimensão cultural na prática pedagógica, entendida não somente como um determinante macroestrutural mas também como um elemento construído no interior da escola e parte do cotidiano escolar (CANDAU, 2014, p 3). E isto do ponto de vista didático coloca muitas questões a serem revisitadas e ressignificadas tais como: a seleção dos conteúdos escolares, as estratégias de ensino, o relacionamento professor-aluno e aluno-aluno, o sistema de avaliação, o papel do professor, a organização da sala de aula, as atividades extraclasse, a relação escola-comunidade, entre outras. Na investigação empreendida pudemos constatar quão importante tem sido o trabalho que a escola, campo desse estudo, desde há muito tempo tem realizado de discutir a discriminação racial e os preconceitos existentes na sociedade e, logo, na instituição escolar. Trata-se de um grupo em que muitos se envolvem com este papel formativo da escola. Foi todo esse trabalho que possibilitou que os alunos pudessem ter clareza de seus sentimentos e realizar alguns dos relatos que aqui foram apresentados. REFERÊNCIAS CANIATO, A. M. P. A violência do preconceito: a desagregação dos vínculos coletivos e das subjetividades. Arq. Bras. Psicol. vol.60, n.2, pp. 20-31. 2008. CANDAU, V. M. & ANHORN, C. T. A Questão Didática e a Perspectiva Multicultural: uma articulação necessária. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/veracandau/. Acesso em: 25 Mai. 2014. GOMES, Nilma L. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos e/ou ressignificação cultural? Disponível em http://www.anped.org.br/25/nilmalinogomest21.rtf. Acesso em: 10 Out. 2008. HOUAISS, Antônio; SALLES, Mauro de. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. IANNI, Octávio. A dialética das relações raciais. Disponível em: http://www.sociologia.com.br/arti/colab/a16-oianni. Acesso em: nov. 2007.