Idade, Preferências e Resultados Políticos: Estudo Comparativo entre Senadores e Deputados no Brasil



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Transcrição:

Pedro Neiva prneiva@terra.com.br Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro www.iuperj.br/ Idade, Preferências e Resultados Políticos: Estudo Comparativo entre Senadores e Deputados no Brasil A idade não é uma tema que tenha atraído a atenção da Ciência Política. Isto causa surpresa, tendo em vista que desde a Antiguidade ela tem sido colocada como um fator importante na composição do governo. Em seu Tratado sobre a Velhice, datado de 44 A.C., Cícero já realçava o papel importante dos idosos na administração do estado, afirmando que os assuntos graves não se administram com a força ou o brusco movimento corporal, mas com a paciência, a autoridade e a ponderação. Tais qualidades não se perdem, mas, ao contrário, aumentam e se aperfeiçoam com a idade. Ainda que não se possa falar em instituições bicamerais na Idade Antiga, já naquela época podia-se perceber a presença de dois corpos diferentes na composição do governo. Uma assembléia voltava-se para as discussões do dia-adia e a outra, geralmente composta por indivíduos mais idosos, voltava-se para atividades não corriqueiras, de assessoramento do rei e que, freqüentemente, tratavam de assuntos relacionados ao exército. Atualmente, a referência à idade está presente em diversas instituições políticas formais. Os regimentos internos da Câmara e do Senado brasileiros

prevêem que o membro mais idoso deve ser o escolhido em situações como: no caso de empate na eleição dos membros da Mesa Diretora; na ausência do presidente da Casa ou das comissões e de seus substitutos legais; quando mais de um parlamentar escolher a mesma comissão. A Constituição Federal estabelece que, no caso de empate do segundo colocado em uma eleição presidencial, irá disputar o segundo turno o candidato mais idoso. Regras semelhantes são encontradas em outros países: em todos os sistemas bicamerais da América Latina, bem como nos Estados Unidos, a idade exigida para ocupar o cargo de senador é maior do que a idade prevista para o cargo de deputado. A diferença no Brasil é 14 anos, ou seja: 21 anos para deputado e 35 para senador. Este paper procura avaliar até que ponto as regras formais fazem diferença para a idade efetiva de deputados e senadores. Dentre outras perguntas, pretende responder até que ponto a idade influencia no posicionamento político dos parlamentares. A partir da idade, pode-se concluir que o Senado é uma casa mais conservadora, como tradicionalmente se admite? Os dados confirmam que a regra constitucional influi na idade efetiva de dos parlamentares. A média atual (dezembro/2003) para deputados é de 51,3 anos e de 56,4 anos para senadores. Na Assembléia Nacional Constituinte a média era de 48,8 anos e 56,4 anos, respectivamente. A diferença fica em torno de 9% no Congresso atual e era de 13% no Congresso constituinte, havendo pouca diferença entre grupos ideológicos. No entanto, essa diferença está longe de ser proporcional ao que estabelece o texto constitucional, que é de 40% (21 e 35 anos).

A diferença entre as médias de idade reais era de 7,6 anos no congresso constituinte e é de apenas 5,3 anos no congresso atual. Isso não é suficiente nem para dizer que existem duas coortes diferentes (Glenn, 1977), termo utilizado pela demografia para caracterizar um conjunto de pessoas nascidas na mesma época, que vivenciaram as mesmas experiências históricas e, por isso, possuem interesses em comum. Esses dados também indicam que a diferença de idade entre senadores e deputados não influi substancialmente sobre os resultados legislativos; o teste de análise de variância mostrou que a diferença de idade entre grupos ideológicos não é significativa em três das quatro amostras. No entanto, a rejeição definitiva dessa hipótese demanda a análise da participação política dos parlamentares. As votações realizadas na Constituinte são ideais para se observar isso, já que deputados e senadores votaram simultaneamente em sessão conjunta, estando sujeitos às mesmas influências conjunturais. Para identificar o posicionamento político-ideológico, utilizei as notas atribuídas pelo DIAP Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, que toma como referência a votação dos parlamentares nas matérias de interesse dos trabalhadores. Os dados mostram que praticamente não existe diferença entre as votações de deputados e senadores do mesmo especto ideológico. As médias totais das notas dadas pelo DIAP, com valores praticamente iguais (5 e 4,9), contrariam o senso comum de que o Senado é uma casa mais conservadora e mantenedora do status quo. Os testes estatísticos mostram também que não existe relação entre idade dos parlamentares e seu posicionamento ideológico, nem no grupo de deputados e nem de senadores. O mesmo pode ser dito quanto à participação em comissões

permanentes: não existe diferença significativa entre as médias de idade de parlamentares agrupados por comissões. Na Câmara dos Deputados, apenas a Comissão de Finanças e Tributação apresentou uma média um pouco mais elevada do que as demais (54,8 anos contra a média de 51,3 anos para toda a casa); no Senado, apenas duas das oito comissões permanentes as Comissões de Assuntos Sociais e de Educação apresentaram médias ligeiramente mais baixas do que as outras comissões (53,8 e 51,8 anos, respectivamente, contra a média geral de 56,4 anos). Embora não tenha sido preocupação desta pesquisa identificar as razões deste estado de coisas, uma possível resposta diz respeito à mudança do perfil demográfico da população. A diferença de idade entre senadores e deputados é baixa simplesmente porque mudou a referência do que seja jovem e velho nestes mais de um século de existência da regra constitucional limitadora da idade. Se houve uma ampliação da expectativa de vida, houve também uma ampliação da juventude. Contar com 35 anos de idade no século XIX, quando a expectativa de vida estava abaixo dos 50, é muito diferente de ter a mesma idade no século XXI, quando tal expectativa aproxima-se dos 70 anos. Afinal, conforme afirma Elias (1997), não chega a ser uma situação excepcional que indivíduos de 30 anos estejam ainda se preparando para a futura carreira e que só venham a ocupar posição de comando nos setores público e privado após os 40 anos. Diante desse quadro, resta saber por que tais regras constitucionais continuam a existir. Se elas já não fazem diferença, se não surtem efeitos concretos, por que permaneceram por mais de um século? A resposta nos leva a rediscutir as duas dimensões do bicameralismo. A minha sugestão é de que tais regras foram inicialmente instituídas como uma forma a mais de marcar as diferenças de preferências entre as duas casas legislativas (dimensão política); no entanto, com as mudanças nas características demográficas e nos costumes

nestes mais de cem anos desde o seu aparecimento, ela passou a desempenhar uma função de eficiência. A idéia é de que a idade mínima maior para senadores tem o objetivo de manter no Senado um caráter de autoridade, importante para a estabilidade do sistema político. Esta pesquisa apenas introduz a variável idade nos estudos legislativos. Novas pesquisas devem ser realizadas, procurando avaliar a sua relação com a classe social dos parlamentares, o estado de origem, a filiação partidária, os vínculos familiares e os círculos de amizade. Novos esforços devem ser realizados envolvendo a comparação com o poder legislativo de outros países e também ao longo do tempo.

Bibliografia Brasil Assembléia Nacional Constituinte (1989). Repertório Biográfico dos Membros da ANC de 1987, 2ª edição. Brasília, Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações. Brasil Câmara dos Deputados (2000). Regimento Interno. Brasília: Coordenação de Publicações. Brasil Câmara dos Deputados (2002). Repertório Biográfico - 52ª. Legislatura (2003/2007). Brasília, Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações. Brasil Senado Federal (1989). Regimento Interno. Brasil Senado Federal (2003). Senadores: Dados Biográficos - 52ª. Legislatura (2003/2007). Brasília, Senado Federal, Subsecretaria de Arquivo. Brasil Constitutição Federal DIAP Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (1988). Quem Foi Quem na Constituinte. São Paulo, Cortez: Oboré. Cícero, Marco Túlio (1998). Catão, o Velho ou Diálogo sobre a Velhice. Coleção Filosófica-68, Edipucrs, Porto Alegre. Elias, Norbert (1997). Os Alemães: A Luta pelo Poder e a Evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Jorge Zahar Editor. Glenn, Norval (1977). Cohort Analysis. Sage Publications, Beverly Hills. Tsebelis, G. and Jeannette Money (1997). Bicameralism. Cambridge: Cambridge University Press.