ENERGIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Severino Soares Agra Filho 1



Documentos relacionados
Ministério de Minas e Energia

XIII Fórum Nacional de Energia e Meio Ambiente no Brasil. Ana Lucia Dolabella Ministério do Meio Ambiente 15/08/2012

Uma Visão do Balanço Energético da Bahia

O Impacto das Energias Limpas no Ambiente

FACULDADE DE ENGENHARIA

PLANEJAMENTO INTEGRADO E PARTICIPATIVO OFICINAS PÚBLICAS. Ciclo B SUSTENTABILIDADE FASE DE PROPOSIÇÕES. Loca e Data aqui

O código florestal e a intensificação sustentável

Classificação dos recursos naturais

Planejamento Desenvolvimento Políticas Públicas. Ministério do Planejamento

ENERGIAS RENOVÁVEIS EM ANGOLA

Notas de Orientação da Corporação Financeira Internacional: Padrões de Desempenho sobre Sustentabilidade Socioambiental

Política de Sustentabilidade

O PLANEJAMENTO INTEGRADO DE RECURSOS: ALTERNATIVA PARA DINAMIZAÇÃO DA EFICIENCIA ENERGETICA NO BRASIL PROF. ILDO SAUER, IEE/USP.

A Matriz de Transporte e o Denvolvimento Sustentável Alfred Szwarc

Planificação anual de Ciências Naturais 8º Ano de escolaridade

3) A imagem a seguir representa nitidamente, entre outros, dois problemas atuais:

SEQUÊNCIA DIDÁTICA PODCAST ÁREA CIÊNCIAS HUMANAS

Planificação Anual de Ciências Naturais 8ºano

ÍNDICE P+L ÍNDICE P+L ÍNDICE DE PRODUÇÃO MAIS LIMPA PARA A INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Fontes Alternativas de Energia

Plano de Ação para a Energia Sustentável. Go Local Por Uma Cidade Sustentável Sesimbra, 9 de maio de 2014

GESTÃO DE RESÍDUOS NO BRASIL: UMA VISÃO GERAL. Agosto/2007

Crítica ao Plano Decenal de Expansão da Energia

Participação dos Setores Socioeconômicos nas Emissões Totais do Setor Energia

Florestas plantadas (cultivadas)

Sumário PARTE I INTRODUÇÃO 1 PARTE II FERRAMENTAS ANALÍTICAS 41. Capítulo 1 O que é economia ambiental? 2

ESCOLA SECUNDÁRIA MOUZINHO DA SILVEIRA

ESTUDO DA VIABILIDADE TÉCNICO-ECONÔMICA DE SISTEMAS FOTOVOLTAICOS INTERLIGADOS À REDE ELÉTRICA EM DIFERENTES CENÁRIOS DE GERAÇÃO

Estrutura do Ministério

Aula 16 assíncrona Conteúdo:

A água é um bem de uso do povo

Marcelo Mesquita Secretário Executivo

2ºs anos Material de apoio Geografia

REFERENCIAL DE ANÁLISE DE MÉRITO DO PROJETO

as em algumas políticas e procedimentos de planejamento

III Seminário sobre Matriz e Segurança Energética Brasileira

Cenário e Desafios para a Expansão do Setor Sucroenergético Sérgio Prado

QUESTÕES OBJETIVAS. Fonte: PRESS, Frank et al. Para entender a Terra. Porto Alegre: Bookman, p. 37.

Materiais Os materiais naturais raramente são utilizados conforme os encontramos na Natureza.

Visão Global do Programa Veículo Elétrico

Conflitos Socioambientais no Setor Elétrico Brasileiro

Seminário Construções Sustentáveis

Inovação na Geração de Energia Elétrica a partir do Bagaço de Cana

Conferencia AQUASHARE 2012

Tabela 1. Síntese metodológica. Tema Sub-tema Metodologia

Mitigação dos gases do efeito estufa pelo agronegocio no Brasil. Carlos Clemente Cerri

Pecha Kucha Ciência Viva 23 de Setembro IMPACTO AMBIENTAL. Impacto Efeito forte provocado por algo ou alguém.

Baixo carbono por natureza

Cenário e Desafios para a Expansão do Setor Sucroenergético

Acre. Tabela 1: Indicadores selecionados: mediana, 1 o e 3 o quartis nos municípios do estado do Acre (1991, 2000 e 2010)

MATRIZ DE REFERÊNCIA AVALIA BH 3º ANO ENSINO FUNDAMENTAL CIÊNCIAS DA NATUREZA

A Prática da Sustentabilidade pelas Empresas de Base Florestal. Celso Foelkel

Painel I A Importância das Energias Renováveis no Contexto das Mudanças Climáticas

Pegada de Carbono da Cadeia de Valor do Alumínio

Modelo metodológico para Avaliação Ambiental Integrada e as suas potencialidades para a conservação de peixes em Minas Gerais

Capítulo 4 MUDANÇA DOS PADRÕES DE CONSUMO. A. Exame dos padrões insustentáveis de produção e consumo

3,8 bilhões em vendas. > empregados. 1,4 milhão de toneladas produzidas

ÔNIBUS A ETANOL UMA SOLUÇÃO PARA O ESTADO DE SÃO PAULO

Texto Base Grupo Temático 1 REDUÇÃO DAS CAUSAS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Os grandes balizamentos estabelecidos para condução dos negócios estão descritos a seguir:

Não Renovável. Renovável. Ondas. Ondas. Solar. Solar. Petróleo. Petróleo. Gás Natural Biomassa. Gás Natural. Biomassa. Nuclear. Hídrica.

ASPECTOS QUE COMPÕEM A TEMÁTICA AMBIENTAL

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos

Pernambuco. Tabela 1: Indicadores selecionados: mediana, 1º e 3º quartis nos municípios do estado de Pernambuco (1991, 2000 e 2010)

3-Para a produção de energia elétrica, faz-se necessário represar um rio, construindo uma barragem, que irá formar um reservatório (lago).

Estado atual do setor das energias renováveis em Portugal. Carlos Almeida Diretor Geral da DGEG

POLÍTICAS AMBIENTAIS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM PALMAS

Incentivar o segmento da construção civil, incorporação imobiliária. Amparar os legítimos interesses dos associados.

Justificativa para o Projeto de Lei

Planejamento para o Desenvolvimento Urbano Sustentável.

PLANO DE MINERAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ

Financiamento do BNDES à Eficiência Energética

Betão de baixo carbono

O Serviço Civil e a Construção do Futuro EVELYN LEVY. IV Fórum da Reforma do Estado - São Paulo Set. 2005

ESTRUTURA ETÁRIA, BÔNUS DEMOGRÁFICO E POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA NO BRASIL. Cenários de Longo Prazo e suas Implicações para o Mercado de Trabalho

PARLAMENTO EUROPEU. Comissão da Indústria, da Investigação e da Energia PE v01-00

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE TECNOLGIA FT

ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTO FLORESTAL 30/08/2013

1. As fontes de energia

NET ZERO ENERGY BUILDING Adeilton Hilário Júnior

RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL: UMA INTERAÇÃO ENTRE O SETOR PÚBLICO E EMPRESAS. Altamir Thimóteo prof. athimoteo@gmail.

DESAFIOS DA EXTENSÃO RURAL NA NOVA MATRIZ ENERGÉTICA

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: QUESTÕES EMERGENTES NA ÁREA DE RECURSOS HÍDRICOS

(A) o petróleo é um recurso energético renovável a curto prazo, em razão de sua constante formação geológica.

BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL 2007 ano base 2006

Transportes: Emissões de GEE em 2030 Metas

Canal Jornal da Bioenergia 15/12/2014 Caminhos para a segurança energética

Contratações Públicas Sustentáveis (CPS) Fernanda Capdeville

Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima PNMC e dá outras providências.

desenvolvimento sócioeconômico, interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.

Matriz de Referência de GEOGRAFIA - SAERJINHO 5 ANO ENSINO FUNDAMENTAL

Ref.: Contribuições do Greenpeace Brasil para aprimoramento da proposta apresentada para o Plano Decenal de Expansão de Energia - PDE 2024

Livro: A Energia do Brasil 2ªed

LICENCIAMENTO DE UNIDADES DE CO- GERAÇÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO MARÇO/2010

QUANDO VIRÁ O PRÓXIMO CICLO DE INVESTIMENTOS EM NOVAS USINAS DE ETANOL? Marcos S. Jank. Presidente da União da Indústria da Cana-de-açúcar

Programa de Desenvolvimento Rural do Continente para

Consumo Sustentável. Oficina do Grupo Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Pobreza. Novembro 2010

Combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural*) Hidroelétricas Energia nuclear Solar Eólica Biomassa

OS FENOMENOS METEREOLOGICOS E O IMPACTO NA ATIVIDADE ECONOMICA RESUMO

Ar de combustão. Água condensada. Balanço da energia. Câmara de mistura. Convecção. Combustível. Curva de aquecimento

Transcrição:

1 ENERGIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Severino Soares Agra Filho 1 As necessidades de manutenção da vida têm como imperativo o uso da energia. Ao longo da história da humanidade, constata-se um vertiginoso crescimento do consumo de energia, sobretudo, a partir da revolução industrial. Conforme os dados representados na figura abaixo, a humanidade evoluiu de um consumo de cerca de 2000Kcal/dia (o homem primitivo) para um consumo cerca de 230.000 kcal/dia (o homem tecnológico) 2. A continuidade dessa evolução de consumo energético se torna incompatível com recursos finitos disponíveis no planeta. Os dados dessa evolução ressalta a participação crescente das demandas de transporte e atividades de produção industrial e agrícola, refletindo a realidade da estrutura social que caracterizou o século XX. Aliado a essa crescente demanda, existe ainda um agravante para a situação: os problemas ambientais que podem ser ocasionados nas atividades de produção de energia. Os dados disponíveis e reconhecidos pelas autoridades internacionais (ONU - CONVENÇÃO DE MUDANÇA CLIMÁTICA) reconhecem os sérios problemas das condições ambientais decorrentes das principais fontes e/ou sistemas de produção e consumo de energia utilizados, tais como o aumento de gases de efeito estufa, poluição do ar, degradação de ecossistemas aquáticos, entre outros (BRASIL, 1992). As potenciais 1 Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Ambiental/UFBA 2 Goldemberg & Villaneuva. Energia, Meio Ambiente & Desenvolvimento. 2ª edição rev. São Paulo: EDUSP, 2003.

2 consequências ambientais e ações impactantes da produção de energia a partir de alguns fontes energéticas estão resumidas no quadro I abaixo. QUADRO I: potenciais ações impactantes da produção de energia CARVÃO MINERAL MINERAÇÃO Drenagem ácida para os rios Erosão e acidificação do solo Riscos de acidentes Saúde dos trabalhadores Degradação dos assentamentos humanos e de sua infraestrutura LAVAGEM DO CARVÃO Emissões gasosas (NOx, SOx, particulados) Poluentes hídricos Geração de grandes depósitos de rejeitos sólidos Risco de combustão dos rejeitos CONSUMO FINAL Poluição do ar (particulados, SOx, NOx, HC, CO ) Poluição hídrica (sólidos em suspensão, ph) Cinzas alcalinas / borras sólidas PETRÓLEO E GÁS NATURAL EXPLORAÇÃO / PRODUÇÃO Frequentes vazamentos Riscos de incêndio e explosão TRANSPORTE Crescentes derrames acidentais no mar e rios Frequentes vazamentos Riscos de incêndio e explosões REFINO Emissões de poluentes do ar (SOx, HC, NOx, MP) Emissão de poluentes hídricos (óleos, fenóis, amônia, etc.) Borras oleosas Elevado consumo de água de refrigeração Riscos de incêndio e explosão CONSUMO FINAL DOS DERIVADOS E DO GÁS NATURAL Poluentes do ar (SOx, HC, NOx, MP, Metais, radionuclídeos) Potencial formação de chuvas ácidas USINAS HIDROELÉTRICAS ( GERAÇÃO /PRODUÇÃO) Ambiente físico Condições climáticas Geologia e geomorfologia Solos e capacidade de uso das terras Recursos hídricos Ambiente biológico Cobertura vegetal Fauna terrestre e alada Fauna aquática Ambiente sócio-econômico Situação demográfica Aspectos sociais e culturais Saúde pública Populações indígenas Núcleos populacionais Infraestrutura regional Reestruturação das atividades econômicas Patrimônio cultural, histórico, arqueológico e paisagístico Esse cenário de potenciais alterações ambientais evidencia que os processos de intervenção e/ou de apropriação dos recursos energéticos, para o atendimento das necessidades básicas das atuais e futuras gerações, devem ser priorizados e conduzidos pela incorporação do enfoque da sustentabilidade. Essa perspectiva abrange, simultaneamente, as dimensões sociais, econômicas e ecológicas. Na sua dimensão ecológica, o uso sustentável de energia deve ser regido pelas restrições biofísicas, referenciadas pelos requisitos de utilização do conhecimento disponível, buscando sua compatibilização com os requisitos sociais de equidade, de provimento e acesso universal. Na perspectiva das restrições biofísicas, torna-se fundamental considerar preliminarmente os princípios que emanam das leis da termodinâmica. A primeira lei da termodinâmica estabelece que a energia possa ser transformada de uma forma para outra, mas não criada ou destruída (lei da conservação da energia). A sua mais importante implicação ambiental está em representar uma advertência sobre a finitude das fontes de energia e, desse modo, induzir a uma consideração fundamental, a de que

3 as demandas de energia devem ser circunscritas aos recursos energéticos disponíveis. Dessa consideração decorre o requisito básico do uso de fontes de energia renováveis e de alternativas que exijam o mínimo de requerimento energético. O panorama do consumo mundial representado na figura abaixo informa sobre a composição da matriz de oferta de energia num período de vinte e nove anos (1973-2002). Conforme os dados indicam, percebe-se uma matriz com a predominância de fontes não renováveis de energia e se evidencia que nenhuma alteração significativa se constata no período em questão. PANORAMA MUNDIAL (BEN 2006) 1973 2002 4 548 10 6 tep Eletricidade 9,6% Energias Renováveis 13,2% Gás 14,8% Carvão Mineral 13,6% Outros 1,7% Petróleo 47,1% 7 095 10 6 tep Eletricidade 16,1% Energias Renováveis 14,1% Carvão Mineral 7,1% Outros 3,5% Petróleo 43,0% Gás 16,2% Os dados sobre a estrutura de participação dos consumidores representados na figura abaixo revelam as distintas situações da realidade mundial de oferta de energia. Conforme os referidos dados indicam, o Brasil está numa posição favorável no contexto mundial, que se encontra em condição desfavorável diante da significativa dependência de recursos energéticos não renováveis. 100% 80% 60% 40% 20% 0% Oferta Interna de Energia: Estrutura de Participação das Fontes Renováveis e Não Renováveis (Brasil, OECD e Mundo - 2004 e 2005) 55,5% 44,5% 6,1% 93,9% 13,1% 86,9% Brasil (2005) OECD (2004) Mundo (2004) Fontes Renováveis Fontes Não Renováveis

4 A segunda lei termodinâmica determina que os processos que envolvem transformações de energia não ocorrerão espontaneamente, a menos que haja uma degradação de energia de uma forma organizada para uma forma não organizada (a entropia tende a aumentar). Essa determinação nos remete à importância da prudência ecológica na escolha de alternativas das fontes energia e as correspondentes cadeias de produção, levando em consideração duas medidas fundamentais: a) buscar alternativas que exijam o mínimo de etapas de transformação possível, visando evitar perdas de energia não aproveitável para o ambiente e o mínimo de intervenções ambientais; b) a adoção de sistemas de produção e consumo ecoeficiente. A cadeia de transformação representada na figura abaixo indica as diversas etapas de produção a que se tem recorrido para se viabilizar o atendimento das demandas sociais de energia. A segunda lei nos adverte sobre as perdas inexoráveis que cada etapa da cadeia ocasiona. Nesses termos, sua aplicação sugere e orienta a priorização das fontes de consumo que exijam uma cadeia de transformação mais curta e das opções de consumo a partir da produção primária. Essa prioridade deve ser acompanhada de adoção de tecnologias ecoeficientes em cada etapa da cadeia de transformação. CADEIA DE TRANSFORMAÇÃO (La Rovere, 1990) PROSPECÇÃO DE FONTES ENERGÉTICAS PRODUÇÃO DE PRODUÇÃO PRIMÁRIA CENTRO DE TRANSFORMAÇÃO PRODUÇÃO DE ENERGIA SECUNDÁRIA EQUIPAMENTOS DE CONSUMO ENERGIA ÚTIL PARA A PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS Na perspectiva de incorporar a dimensão social, o efetivo provimento e acesso social são fundamentais as determinações dos direitos humanos de acesso aos recursos energéticos bem como o respeito ao bem comum, sobretudo, ao direito às condições globais do ambiente e soberania da sociedade. Nesse sentido, se mostram sugestivos e

5 apropriados os princípios básicos propostos pelo GT ENERGIA (2006) do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS): O princípio da visão de um futuro sustentável, associado a um novo modelo de sociedade; O princípio da justiça social, visando ao acesso democrático e com equidade; O princípio do interesse social, enfatizando a inclusão social; O princípio da autonomia, visando contribuir para a autonomia energética das comunidades, para a utilização de tecnologias apropriadas e para a promoção da descentralização da geração de energia; O princípio da avaliação prévia dos projetos, visando à incorporação de medidas de prevenção dos impactos ambientais; O princípio de economia ecológica, tendo-se como pressuposto que o sistema econômico é um subsistema do sistema ambiental e, portanto, as intervenções de produção de energia devem considerar as limitações ecológicas (MORET et al., 2006). A relação da economia com a demanda de energia tem sido também um dos aspectos importante para se avaliar as condições de sustentabilidade. Essa relação será determinada pelas necessidades energéticas e as tecnologias associadas ao estilo de desenvolvimento adotado 3. Conforme se observa no gráfico 4 abaixo sobre a taxa de crescimento do PIB e do consumo de energia no Brasil, constata-se uma forte vinculação do crescimento econômico ao crescimento do uso de energia. 800 600 INCLUI AÇO, FERRROLIGAS, ALUMÍNIO, ALUMINA, MINERAÇÃO&PELOTIZAÇÃO, AÇÚCAR, ÁLCOOL, 400 200 INCLUI CICLO OTTO; GLP RESIDENCIAL; ELETRICIDADE RESIDENCIAL E COMERCIAL; CIMENTO; QUEROSENE AVIAÇÃO E OUTRAS INDÚSTRIAS 1970 1974 1978 1982 1986 1990 1994 1998 2002 2006 ENERGIA SOCIAL PIB NOVO ENERGIA ENERGOS 3 GOLDEMBERG, J.; JOHANSSON, T.B. REDDY, A. K. N; WILLIAMS, R.H. Energia para o Desenvolvimento. São Paulo: T.A.Queiroz, 1988. 4 Patusco, J. A. M. Energia e Socioeconomia Brasil. In: MME. slides/apresentações.www.mme.gov.br/site/menu/select_main_menu_item.do?channelid=1432&pageid=150 43. Acesso em: 24 abr. 2009.

6 A perspectiva da sustentabilidade se configura, então, a partir de determinadas condicionalidades que são exigidas para o uso de energia e que exprimem uma correlação objetiva com os princípios e fundamentos estabelecidos para a gestão desse recurso. Essas condicionalidades pressupõem exigências ou requisitos considerados uma referência orientadora para balizar futuras intervenções de uso de energia como também para as medidas de superação dos problemas ambientais existentes. As condicionalidades ou requisitos ambientais requeridos para sustentabilidade do uso de energia devem considerar como determinação primordial a utilização de alternativas sustentáveis de produção e consumo de energia, ou seja, alternativas que compatibilizem as demandas sociais com as finitas disponibilidades e as restrições ambientais. Os princípios e dimensões da sustentabilidade acima abordados sugerem como requisitos ou condicionalidades balizadoras do uso sustentável de energia: a) Equidade no acesso e uso da energia Considera a necessidade de garantir para toda a população o acesso à energia e os benefícios sociais do seu uso como forma de contribuição para a melhoria do nível de qualidade de vida da população. b) Priorização de energias renováveis Refere-se à contribuição das energias renováveis na matriz energética, como elemento fundamental para a sustentabilidade; c) Redução de danos ambientais na produção, distribuição e no uso - Avalia se a produção e o consumo de energia têm ocorrido com menor impacto negativo sobre o ambiente natural e socioeconômico; d) Autonomia do suprimento de energia Considera a disponibilidade de energia em relação às demandas; e) Ecoeficiência na produção e consumo Refere-se ao uso de alternativas de tecnologias ecoeficientes de produção, transmissão e uso final de energia. Assume que o menor consumo de energia com maior desenvolvimento econômico e social é um caminho para a sustentabilidade. A viabilização desses requisitos e condicionalidades requer um conjunto de medidas técnicas e político-institucionais capazes de promover a superação das insustentabilidades das pressões ambientais existentes e a determinação das condições de sustentabilidade para as novas intervenções previstas. Para tanto, de acordo a WWF- Brasil (2006) se torna indispensável empreender um cenário capaz de propiciar tecnologias e práticas orientadas para a redução de impactos ambientais causados pelo setor, de conflitos sociais causados por novas plantas geradoras de energia, dos gastos de eletricidade dos consumidores, da necessidade de expansão de capacidade instalada

7 de tecnologias convencionais e para a promoção de maior eficiência energética, do aumento da oferta de energia de maneira descentralizada, de maior participação de fontes renováveis e da preservação ambiental. Essas preocupações estão consignadas na Agenda 21 Brasileira (MMA, 2000) na temática de gestão dos recursos naturais. Para a implementação dessas ações, a referida Agenda, adotando as recomendações de especialistas (SACHS, 1986; AIE/COPPE, 1986), preconiza políticas regidas pelos seguintes princípios e requisitos: a) A dissociação entre as taxas de crescimento econômico e as taxas de crescimento do consumo de energia; b) A reversão do perfil do consumo de energia do parque produtivo, mediante alternativas de baixos requerimentos energéticos; c) A substituição dos combustíveis fósseis por outras fontes renováveis e menos poluentes, tais como a energia hidráulica, a biomassa e a energia solar; d) A redução dos impactos ambientais advindos da produção de todas as formas de energia. Nesses termos, urge a adoção de ações e medidas profundas nos padrões de produção e consumo de energia que propiciem a reversão desse processo em curto prazo. Nessa perspectiva, as seguintes linhas de ações estratégicas são propostas por Sachs (1986): 1. Eliminação do desperdício 2. Ecoeficiência nos sistemas existentes 3. Tecnologias mais limpas 4. Reestruturação do sistema de produção e consumo 5. Sistemas alternativos de atendimento de necessidades de energia 6. Mudança na estrutura da demanda social (mudança de valores) A efetivação dessas ações deverá demandar a promoção de políticas públicas capazes de engendrar dois estágios de reformulação na matriz energética. O primeiro estágio, envolvendo as três primeiras ações, requer medidas de ajustes no sistema produtivo e de maior conscientização dos consumidores. O segundo estágio, que envolve as demais ações, somente se efetivará com medidas profundas na estrutura produtiva e, por sua vez, maior engajamento da sociedade na viabilização no seu estilo de vida e na adoção de valores antagônicos aos do consumismo, que predominam nos dias atuais.

8 A situação brasileira A situação do Brasil, em termos de evolução de consumo de energia apresenta uma evolução de 104 para 195,91 milhões de TEP no período de 1980 a 2005 5. Nesse período se constata, conforme dados constantes da tabela abaixo, a despeito do declínio da participação do petróleo e na crescente participação da hidroeletricidade, que persiste a relevância das fontes não renováveis na matriz energética brasileira. Cabe salientar que essa situação se deve ao significativo crescimento da participação do gás natural e no declínio da participação de biomassa. Nesse contexto, apesar da importante parcela dos renováveis, observa-se sua estabilidade na evolução do consumo da matriz energética brasileira. EVOLUÇÃO / PERFIL DO CONSUMO DO BRASIL (BEN, 2007) FONTE % 1980 1990 2000 2005 GÁS NATURAL 0,8 2,4 4.1 6,8 PETRÓLEO 50,8 44,9 49,0 42,7 HIDROELETRICIDADE 10,1 14,7 16,6 16,5 BIOMASSA 33,1 31,9 32,3 28,1 Outras 5,1 7,1 8,1 5,9 Conforme alguns dados conservadores sobre a potencialidade brasileira indicados no Quadro II revelam, o Brasil dispõe de significativo potencial de energia renovável. Essa significativa disponibilidade energia renovável no Brasil torna promissora a possibilidade de se lograr melhores condições de sustentabilidade na matriz energética brasileira. QUADRO II: POTENCIAL DE ENERGIA RENOVÁVEL NO BRASIL o PCHs... 9.794 MW * o POTENCIAL EÓLICO... 143.000 MW ** o BAGAÇO DE CANA... 3.852 MW *** * Inventariado ** excluindo off-shore *** potencial inexplorado apenas para o bagaço de cana, não incluindo ponta e palha Fonte: TOLMASQUIM (2004) 6 5 Balanço Energético Nacional (BEN), 2007. 6 TOLMASQUIM, M. T. Alternativas energéticas sustentáveis no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará; COPPE; CENERGIA, 2004. (p. 16).

9 No Estado da Bahia, conforme indica o Balanço Energético 2007, a demanda de energia evoluiu de cerca de oito milhões toneladas, equivalente de petróleo (8.030 X 10³ TEP), em 1980, para nove milhões (9.767 x 10³ TEP) em 2006. Nesse período, constatase que, a despeito do aumento significativo da participação de energia hidroelétrica, a participação da energia renovável declinou de 55,4% para 37,9%. Essa evolução desfavorável se deve ao crescimento significativo da participação do petróleo e do gás natural, bem como do declínio da participação da biomassa na matriz energética baiana. Diante desses dados constata-se que no requisito de participação de energia renovável a evolução da matriz energética da Bahia se revela mais desfavorável que a matriz energética brasileira EVOLUÇÃO / PERFIL DO CONSUMO DA BAHIA FONTE % 1980 1990 2000 2003 2006 GÁS NATURAL 4,1 6,4 13,4 12,7 11,1 DERIVADOS/PETRÓLEO 39,8 45,3 45,1 46,9 50,1 HIDROELETRICIDADE 7,7 12,2 16,3 17,1 18,1 BIOMASSA 47,7 34,9 24,2 22,1 19,8 Outras (não renovável) 0,7 1,1 1 1,1 0,8 Os dados preliminares indicam as potencialidades de geração de 14.500 MW de energia eólica 7 e 2500 MW a partir de Biodiesel 8. Nesse sentido, as possibilidades de participação de fontes renováveis na matriz energética são bastante promissoras em curto e médio prazo. 7 COELBA. Atlas do Potencial Eólico do Estado da Bahia. 2007 8 BAHIA. Bahiabio - Pprograma de Bioenergia. Salvador, Secretaria de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária. Novembro de 2007.