A Escola e a Mudança das Dinâmicas de Organização Cultural: O caso de uma comunidade cigana



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Transcrição:

A Escola e a Mudança das Dinâmicas de Organização Cultural: O caso de uma comunidade cigana Maria Madalena Cardoso Falcoeira Vieira Dissertação apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Educação (Especialidade em Educação e Desenvolvimento) Orientador: Professora Doutora Maria José Gonçalves Lisboa 2008 1

Agradecimentos Agradeço, em primeiro lugar, à minha orientadora, Professora Doutora Maria José Gonçalves, pelo seu incentivo e confiança desde o ínicio da construção deste trabalho, pela disponibilidade em me acompanhar e também pela oportunidade que me proporcionou de evoluir e crescer na dimensão profissional e pessoal. Agradeço à Professora Doutora Mariana Gaio Alves pela disponibilidade e paciência para me ouvir nos momentos de desalento e por acreditar, desde sempre, no meu gosto pela temática deste trabalho de investigação. Agradeço ao Agrupamento de Escolas de São João da Talha que autorizou a minha entrada na escola EB1 nº2 e o meu trabalho com as crianças. Obrigada à comunidade cigana de São João da Talha por me ter recebido de forma tão amistosa no seu bairro e nas suas casas, contribuindo através das respostas ao questionário e às entrevistas para a concretização deste trabalho. Em especial, às crianças que se disponibilizaram de forma generosa a participar. Agradeço a todos os colegas do curso, em especial à Ana Vicêncio, pela sua preocupação e amizade. Um especial agradecimento à Clara Boavida que esteve sempre ao meu lado, que em todos os momentos me apoiou e que pelo seu exemplo me encorajou a concluir este trabalho de investigação. Muito obrigada ao Duarte por toda a sua ajuda. Não posso deixar de agradecer, por fim, a todos os meus colegas, amigos e familiares que desde sempre se interessaram e preocuparam com o desenvolvimento deste estudo. Foram também eles que me ajudaram com as suas palavras de incentivo a concluir este percurso. 2

Aos meus pais, Margarida e José E à minha irmã, Margarida Que estão sempre comigo. Ao Duarte E ao amor que nos une. Aos meus Avós. 3

Resumo Este trabalho de investigação centra-se no campo de pesquisa das dinâmicas de organização da comunidade cigana e das suas expectativas para o futuro, procurando contribuir para uma melhor compreensão da possível vontade e capacidade de mudança desta etnia, face à evidente necessidade de formação académica e profissional num mundo em constante transformação. No plano conceptual e teórico, realizámos uma breve exploração sobre a história deste povo ancestral com origens na Índia e de seguida estudámos os contributos de autores nacionais e internacionais sobre a questão da inclusão e exclusão da população cigana nos vários domínios da sociedade, com maior ênfase na participação escolar. Para tal, analisámos o caso de um grupo de trinta indivíduos de etnia cigana de várias idades e dos dois sexos recorrendo a uma metodologia de investigação com duas fases de investigação empírica. A primeira fase, de natureza mais qualitativa, visava conhecer, através da técnica da entrevista, a posição mais pessoal dos indivíduos, face à situação escolar actual e futura. A segunda fase, de natureza mais quantitativa, centra-se nas variáveis que caracterizam os indivíduos (idade, género e habilitações académicas) e nas variáveis que possibilitam compreender a identidade de um grupo social, permitindo identificar tendências dentro da nossa amostra. Os dados demonstram que o grupo em estudo tem vontade de mudar alguns aspectos intrínsecos à sua cultura; porém, não tem capacidade para empreender tal realização. É a sociedade que em paralelo terá um papel fundamental para a concretização dessa mudança. 4

Abstract This research paper focuses on the search field of dynamic organization of the gipsy community and their expectations for the future, seeking to contribute to a better understanding of the possible willingness and ability of change in this ethnicity, given the obvious need for education and professional training on a constantly changing world. On a conceptual and theoretical plan, we did a brief search of the history of this ancestral people with roots in India and then we studied the contributions of national and international authors about the question of inclusion and exclusion of the gipsy population in different areas of society, with greater emphasis on school participation. For this, we examined the case of a group of thirty individuals of gipsy ethnic of various ages and of both sexes using a methodology of research with two stages of empirical research. The first stage, more qualitative in nature, aimed to know, through the technique of the interview, the most personal perspective of the individuals, given the current and future school situation. The second phase, more quantitative, focuses on variables that characterise individuals (age, gender and education) and the variables that make it possible to understand the identity of a social group, allowing identification of trends within our sample. The data show that the group under study will have to change some aspects intrinsic to their culture, however, they have no capacity to carry out such an achievement. It is the society that alongside will have a crucial role in achieving this change. 5

Índice de Matérias Introdução...10 Objectivos e questões de investigação...11 Pertinência social e científica do estudo...13 Motivações Pessoais...16 Capítulo 1...17 Contexto do Estudo...17 Caracterização do concelho de Loures...18 Caracterização da freguesia de São João da Talha...19 Caracterização da EB1 nº2 de São João da Talha...20 A comunidade cigana de São João da Talha...21 Capítulo 2...22 Revisão de Literatura...22 Os Ciganos...23 Visão histórica geral...23 Em Portugal...25 A etnia cigana numa perspectiva de identidade...26 Etnia cigana cultura própria...28 Modos de vida...29 A organização familiar...30 Os conceitos de exclusão e inclusão social...31 Exclusão social...31 A exclusão dos ciganos...33 Inclusão social...34 Políticas Educativas...35 A escolarização da etnia cigana...37 Analfabetismo...37 Absentismo escolar...38 A Língua...39 Políticas de negação...40 Constituição de Turmas (de alunos de etnia cigana)...42 Formação de professores...43 Os professores e as representações que constroem...44 A produção de informação e o apoio à população cigana...45 6

Outros Projectos...47 Capítulo 3...49 Metodologia de Investigação...49 Construção empírica do estudo...50 Introdução...50 Recolha de dados...51 Opções Metodológicas...52 Introdução a uma abordagem Qualitativa...52 O Estudo de Caso...52 A técnica da Entrevista...53 Introdução...53 Objectivos...54 Tipos de perguntas...54 A selecção dos sujeitos...55 Instrumentos adoptados...55 Guião da entrevista...55 A realização da entrevista...56 Grelhas de análise...57 Grelha 1...57 Grelha 2...59 Grelha 3...60 Questionário...61 Metodologia de aplicação do questionário...61 Teste do questionário...63 Capítulo 4...64 Resultados...64 Características pessoais dos sujeitos...65 Parte I...68 Capítulo 5...83 Conclusões e recomendações...83 Bibliografia...89 Anexos...98 Anexo A Guiões das entrevistas...99 Anexo B Grelhas de análise...103 Anexo C questionário...109 7

Índice de gráficos Gráfico 4.1.: Idade e Género...65 Gráfico 4.2.: Habilitações académicas...66 Gráfico 4.3.: Idade * Habilitações académicas...66 Gráfico 4.4.: Género * Habilitações académicas...67 8

Índice de tabelas Tabela 4.1.: grau de importância que os sujeitos atribuem a alguns aspectos inerentes à vida social * Género...68 Tabela 4.2.: Grau de importância que os sujeitos atribuem a alguns aspectos inerentes à vida social * Idades...69 Tabela 4.3.: Grau de importância que os sujeitos atribuem a alguns aspectos inerentes à vida social * Habilitações académicas...70 Tabela 4.4.: Tipo de trabalho que poderia desempenhar * Género...71 Tabela 4.5.: Tipo de trabalho que poderia desempenhar * Idades...71 Tabela 4.6.: Tipo de trabalho que poderia desempenhar * Habilitações académicas...72 Tabela 4.7.: Tipo de trabalho próprio * Género...72 Tabela 4.8.: Tipo de trabalho por conta própria * Idades...73 Tabela 4.9.: Tipo de trabalho por conta própria * Habilitações académicas...73 Tabela 4.10.: Preferências por tipos de trabalho por conta de outrem...74 Tabela 4.11.: Abertura à sociedade em geral * Género...75 Tabela 4.12.: Abertura à sociedade em geral * Idade...76 Tabela 4.13.: Abertura à sociedade em geral * Habilitações académicas...77 Tabela 4.14.: Preferência por um tipo de Habitação própria * Género...78 Tabela 4.15.: Preferência por um tipo de Habitação própria * Idade...78 Tabela 4.16.: Preferência por um tipo de Habitação própria * Habilitações académicas...79 Tabela 4.17.: Pagamento de uma renda mensal de habitação * Género...80 Tabela 4.18.: Pagamento de uma renda mensal de habitação * Idade...80 Tabela 4.19.: Pagamento de uma renda mensal de habitação * Habilitações académicas.81 Tabela 4.20.: Pagamento de uma renda mensal de habitação * Género...81 Tabela 4.21.: Pagamento de uma renda mensal de habitação * Idade...82 Tabela 4.22.: Pagamento de uma renda mensal de habitação * Habilitações académicas.82 9

Introdução 10

Objectivos e questões de investigação Esta investigação teve inicio quando nos situávamos num patamar em que pretendíamos compreender as formas de inclusão e exclusão em contexto escolar, tendo em conta as práticas pedagógicas dos professores e as relações e mecanismos que se criam e desenvolvem dentro do espaço escola, na especificidade da sala de aula, entre alunos de etnia cigana, professores, pais e auxiliares de acção educativa. Porém, esta ideia foi-se transformando a partir do momento em que nos debruçámos sobre a identificação e o conhecimento deste tema. Actualmente, cremos ser possível afirmar que mais nos motiva indagar sobre a capacidade e efectiva vontade de (organização para a) mudança da comunidade cigana num determinado contexto e espaço geográfico do nosso país, numa perspectiva de abertura cultural, formativa e social, com vista à melhoria da sua qualidade de vida. Enumerámos várias questões que nos perturbavam tentando fazer eclodir respostas que permitissem solucionar formas de acção que promovessem a inclusão das crianças de etnia cigana. A revisão de literatura possibilitou-nos a compreensão de que aquilo a que chamávamos inclusão mais não era do que um processo que geraria a aculturação 1 deste povo. Com efeito, esta situação não insere nem integra, mas assimila e induz a uma verdadeira cegueira em relação ao real problema com que a sociedade se confronta perante uma população tão diversa. Vivemos numa sociedade em mutação, em que as actividades primárias tendem a extinguir-se. Sabemos que as principais actividades profissionais da população cigana, como a venda ambulante, o negócio dos animais e do artesanato ou as colheitas sazonais estão em decadência. Os mercados mensais, semanais e diários são sujeitos à pressão dos centros comerciais, apelidados de catedrais do comércio, pela sua dimensão espacial, conseguindo promover preços imbatíveis face ao trabalho mal pago e em muitas situações de exploração de pessoas, atraindo os clientes não apenas pela razoável qualidade dos materiais, mas pelo preço que apresentam, bem como pelos designs e ambientes atractivos que dinamizam. Enguita 2 (1999) apresenta os vários desafios a que a população cigana se terá que sujeitar, fazendo crer que já não basta a educação familiar. Aspectos como a dependência cada vez maior do exterior, a sujeição a regras devido à prestação de serviços, a sedentarização, os 1 ( ) processo resultante do contacto assíduo entre diferentes grupos culturais. (Pinto, 2000: 128) 2 In MONTENEGRO, Mirna (org) (1999: 47) Ciganos e Educação. Instituto das Comunidades Educativas. Cadernos ICE. Setúbal. 11

instrumentos de negociação, a necessidade do conhecimento das normas das instituições e da sociedade em geral ou a urgência do desenvolvimento de competências e capacidades tornam real e necessária uma reflexão sobre esta forma de vida tão característica. Acreditamos que esta hipótese possa ser positiva, e baseamo-nos no conceito de bilinguismo cultural que Luíza Cortesão (1995) apresenta como sendo um pressuposto de que as culturas não são estanques, antes evoluem e progridem, até de forma natural. Assim, a grande questão sobre a qual se pretende reflectir e aprofundar a compreensão é em que medida a comunidade cigana dispõe de vontade e capacidade para mudar as suas dinâmicas de organização, face à evidente necessidade de frequência escolar num mundo em mutação, abrindo-se aos constantes desafios da sociedade. Para responder a esta grande questão, colocamos as seguintes sub-questões: Está a comunidade cigana disposta a enfrentar os desafios e mudanças sociais e profissionais (aumento da competitividade, valorização da formação académica) que a sociedade globalizada apresenta? Como? Existe desejo, vontade e capacidade de mudança, das crianças/adolescentes e dos pais, relativamente à frequência escolar e ao aumento das habilitações académicas (se sim, porque motivo)? Está a comunidade cigana disposta a abrir-se a aspectos inerentes à sociedade em geral, como experimentar outras actividades profissionais (quais?), casar com mais idade, sedentarizar-se, modificando, entre outros, os seus hábitos habitacionais? 12

Pertinência social e científica do estudo Esta investigação tem por objectivo compreender se existe desejo e capacidade de mudança por parte da comunidade cigana, visando uma melhoria na sua formação académica, e na sua vida social e cultural, tendo em conta as mudanças sociais, económicas e políticas do nosso tempo. A formação académica, a participação da população cigana na vida da Escola e na sociedade, a sua inclusão são, desde há muito, tema de investigação para vários autores. Durante o século passado, com maior incidência nas décadas de 80 e 90, foram realizados diversos estudos que ilustram a necessidade e reforçam a importância de compreender esta problemática, realçando a pertinência social e científica que estas investigações apresentam para os que têm um papel interventivo na integração desta minoria, em concreto, aqueles que fazem parte da instituição que é a escola. Jean Piérre Liégeois (2001) apresenta um relatório síntese que ele próprio coordenou, realizado pela Universidade René Descartes de Paris por solicitação do Parlamento Europeu, durante 1984 e 1985, que visou um conhecimento aprofundado da escolarização das crianças ciganas, passando pela análise e sintetização de trabalhos e documentos existentes e pelo contacto com pessoas desta etnia, bem como com professores e organizações. Em resultado deste estudo, em 1989 o Conselho de Ministros de Educação Europeu aprova a resolução sobre a Escolarização das crianças ciganas e viajantes, que reconhece a cultura e a língua ciganas. Américo Nunes Peres (2000), refere características essenciais que as escolas deverão apresentar se pretendem ser democráticas e interculturais, capazes de reconhecer e incluir a diferença. Nomeia sobretudo o combate às desigualdades sociais, a promoção do respeito pela diversidade cultural e o questionamento de posições mono culturais, o desenvolvimento de políticas de justiça curricular e social e a inclusão de todos. Olímpio Nunes (1996), Elisa Maria Lopes da Costa (1996) e Angus Fraser (1998) apresentaram trabalhos importantes do ponto de vista histórico e de organização social da cultura cigana, que deram a conhecer uma forma de vida com séculos. Mirna Montenegro (1999) apresenta o seu contributo e o de vários investigadores em relação aos problemas que a sociedade vivencia, particularmente a dificuldade de integração e a incapacidade de lidar com a diferença. Esta autora coordenou vários projectos, entre os quais o Projecto Nómada, que visavam o conhecimento das dinâmicas sociais, económicas, culturais, educativas e familiares das crianças ciganas bem como, a implicação das crianças ciganas na busca de soluções adequadas. 13

Outros projectos têm contribuído para a inserção, ao nível sócio-profissional, desta população como o O Projecto de Promoção e de Integração Social da Etnia Cigana, realizado pelo Secretariado de Lisboa da Obra Nacional para a Pastoral dos Ciganos que tinha como objectivos inserir a população cigana, a nível sócio laboral, proporcionar escolaridade básica e formação profissional, formar mediadores ciganos, prestar informação e ajuda às populações de bairros circundantes às comunidades ciganas, facilitar o acesso dos ciganos ao emprego e ainda estabelecer pontes de intercâmbio com a comunidade cigana europeia. De igual modo, o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas desenvolve alguns trabalhos, dos quais resultaram o relatório do Grupo de Trabalho para a Igualdade e Inserção dos Ciganos cujos objectivos se centram na análise pormenorizada das dificuldades relativas à inserção dos ciganos na sociedade e na elaboração de propostas que permitam contribuir para a eliminação de situações de exclusão social. Os conceitos de exclusão e inclusão (Costa, 1998; Xiberras, 1993), que reflectem algumas políticas a ser realizadas no nosso país com objectivo de solucionar problemas de pobreza desta e outras comunidades são também importantes para a pertinência e o aprofundamento deste estudo. Vários projectos como o que Fernanda Reis apresentou em 1997, Rumo ao Futuro pretendiam a promoção e a integração social da etnia cigana. Incluir, formar, emprego ou intercâmbio eram palavras-chave. No entanto, na perspectiva de Estêvão (2002) há negligência em compreender como se processa a escolarização destas crianças ou até mesmo a própria organização escolar, levando a que a situação dos alunos de etnia cigana nas escolas continue precária. Em 2003, Maria José Casa-Nova identifica o absentismo escolar, como característica da comunidade cigana em Portugal. A autora justifica esse dado com o desinteresse pela escola, que não pode ser generalizável, ou com a não atribuição de real sentido, ou com os processos de socialização ainda baseados no universo da família, ou com a diferença entre géneros ou ainda com a utilização de sistemas justificativos da actuação pedagógica dos professores. Tais ideias permitem-nos concluir que, apesar de estarem identificados e estudados factores fundamentais para a mudança da prática escolar, a situação de elevado absentismo desta comunidade mantém-se. Confirma a pertinência desta investigação, um artigo de Maria José Casa-Nova em 2004, apresentado no jornal Público, que referia que eles (os ciganos da periferia do Porto) parecem dispostos a alterar a tradição, modificando as suas dinâmicas culturais. A existência de uma lacuna nos estudos sobre a comunidade cigana, deste ponto de vista, despoletou o desenvolvimento da investigação que agora apresentamos. 14

Assim, propomo-nos questionar e investigar a capacidade de mudança das dinâmicas de organização internas da população cigana, face a um mundo em constante transformação. 15

Motivações Pessoais Este trabalho resulta da vontade de melhorar e evoluir no desenvolvimento do nosso trabalho enquanto professora do 1º ciclo do Ensino Básico. Durante um trabalho contínuo, de três anos, na mesma localidade, com crianças de etnia cigana e suas famílias, reflectíamos, dia após dia, sobre a constante discriminação social deste povo. Sentíamo-la no nosso local de trabalho, entre as famílias e entre as crianças. Era visível nas formas de tratamento, no contacto físico (ou ausência dele), no recreio, na sala de aula ou nas reuniões de pais. Tendo em conta que a multiculturalidade deve ser consequência de atitudes que promovam o princípio da igualdade de oportunidades educativas (Cardoso, 1996), reflectíamos sobre a actuação da escola em relação a uma comunidade com características tão próprias. Diversas situações, porém, apresentavam-se como causas para o absentismo escolar e levavam-nos a reflectir sobre os direitos das crianças 1. Tínhamos conhecimento de crianças de etnia cigana que tinham familiares na prisão, ou que comiam uma vez por dia, passando o dia pelas ruas. Sabíamos que queriam estudar e não podiam por serem do sexo feminino e que tinham que casar com 12 anos. Tudo isto interferia com a construção da nossa identidade profissional, levando-nos a questionar a ideia de liberdade e cidadania. Se por um lado, na sala de aula e no trabalho concreto com os alunos existiam ambientes pedagógicos favoráveis ao desenvolvimento académico e pessoal das crianças, por outro, havia no ambiente familiar constantes experiências de pobreza e insegurança. Por último referimos que, devido ao facto de valorizarmos conceitos como inclusão, cooperação, diferenciação, autonomia, gestão participada e organização sócio centrada era fundamental que tanto as crianças como as suas famílias, fossem cativadas. Assim, estamos conscientes de que a relação professor-aluno passa por uma relação profissional mas também afectiva, assente no desenvolvimento de laços de amizade com as crianças e laços de respeito, honestidade e solidariedade com as suas famílias. Tudo o que referimos associado ao desejo de continuar a nossa formação profissional, levou-nos a inscrever no curso de mestrado e a levar por diante um percurso heurístico que agora culmina com a escrita desta dissertação. 1 Consultar: http://www.unicef.pt/artigo.php?mid=18101111&m=2 16

Capítulo 1 Contexto do Estudo 17

Caracterização do concelho de Loures O concelho de Loures foi criado em 26 de Julho de 1886 (Marques, 1986), por decreto real, está situado na margem direita do rio Tejo, pertence à área metropolitana de Lisboa e está inserido na província da Estremadura. O concelho de Loures está delimitado a norte por Mafra e Arruda dos Vinhos, a sul por Lisboa e Odivelas, a leste por Vila Franca de Xira e pelo Rio Tejo e a oeste por Mafra e Sinta. Geograficamente é um concelho vasto, com uma área de 168 quilómetros quadrados e cerca de 200 000 habitantes, que se dividem entre a vida rural e urbana. O concelho é composto por dezoito freguesias, das quais fazem parte São João da Talha e duas cidades, Loures e Sacavém. Devido ao grande número de habitantes com diferentes nacionalidades, religiões e etnias, o concelho de Loures demarca-se por uma forte multiculturalidade, com origens muçulmanas. Considerada uma terra fértil e de ares puros, desde cedo foi habitada por monarcas e nobres, especialmente para momentos de lazer e descanso. Ainda hoje é possível identificar um vasto leque de quintas que albergavam este grupo de habitantes, como é o caso da quinta de Santo António, construída no século XVIII ou o Paço Real em Frielas, edificado no inicio do século XIV, por iniciativa do rei D. Dinis. 1. 1 Informações recolhidas no sítio: http://www.jf-sjoaodatalha.pt/ em Agosto de 2008 e no livro Loures No tempo e na história, sd.. 18

Caracterização da freguesia de São João da Talha A freguesia de São João da Talha pertence ao concelho de Loures e confina com as freguesias de Santa Iria da Azóia, Bobadela, Unhos, S. Julião do Tojal, (Concelho de Loures), Vialonga (Concelho de Vila Franca de Xira). Tem uma área de 5,98 Km², 17.959 habitantes (Censos 2001), dos quais 13.498 são eleitores. A freguesia tem duas localidades; São João da Talha e Vale de Figueira e existem 25 bairros de génese ilegal 1. É uma zona essencialmente industrial, que sofreu transformações geográficas e populacionais com a construção da Expo 98, actual Parque das Nações. Grande parte da população que habita a freguesia, residiu até ao ano de 1997, em bairros de barracas localizados nos acessos que deram origem aos espaços agora ocupados pelas organizações e locais de lazer do Parque das Nações. Esta freguesia é caracterizada por uma população multicultural, com incidência de naturais de alguns países africanos, do Brasil e também de uma grande percentagem de população de etnia cigana. A maior parte da população desta localidade dedica-se ao sector secundário, sendo pouca a importância do sector primário. Nos últimos anos, tem-se verificado uma tendência para o aumento do número de empresas do sector terciário. Predominam os estabelecimentos de comércio a retalho ambulante. É de realçar as profissões ligadas à construção civil, à limpeza e à venda ambulante. A freguesia de São João da Talha devido à sua localização geográfica usufrui de vista sobre o rio Tejo, os seus bancos de areia, a margem sul e a ponte Vasco da Gama. 1 Informações recolhidas no sítio: http://www.jf-sjoaodatalha.pt/, em Agosto de 2008 e no livro Loures No tempo e na história, sd.. 19

Caracterização da EB1 nº2 de São João da Talha A escola EB1 nº2 de São João da Talha pertence ao Plano dos Centenários e está localizada na rua João Nunes Resende, da urbanização Quinta das Torres. Esta é uma zona com características do nível sócio económico médio baixo, sendo que a população desempenha actividades relacionadas com a indústria, o comércio, a construção civil e os trabalhos domésticos 1. A escola recebe alunos de uma das duas comunidades de ciganos de São João da Talha. Sendo que, em Fevereiro de 2008, vinte e duas famílias inscritas no programa de realojamento receberam da Câmara Municipal de Loures chaves para novas habitações. A escola tem dois pisos e dispõe de quatro salas de aula, sendo que uma delas está adaptada para centro de recursos (biblioteca, multimédia, informática, ludoteca). Tem um gabinete para os professores e um gabinete que serve como espaço de fotocópias. Tem ainda três arrecadações, duas casas de banho para alunos (rapazes e raparigas) e uma casa de banho para professores. Tem um logradouro cimentado e um campo de jogos de terra. 1 Informações recolhidas no sítio: http://www.eb1-s-joao-talha-n2.rcts.pt/ em Agosto de 2008. 20

A comunidade cigana de São João da Talha Desde há trinta anos que a comunidade cigana está instalada em São João da Talha. Viveram em barracas, em dois espaços relativamente perto, um por baixo da escola secundária, logo à entrada da vila e outro, mais acima, perto da escola EB1 nº1. Em Fevereiro de 2008, vinte e duas das quarenta e uma famílias residentes e recenseadas no programa de realojamento da Câmara Municipal de Loures receberam chaves de novas habitações no bairro Cida Talha. O presidente da Junta de Freguesia de São João da Talha, em entrevista ao Na primeira pessoa 1, ideia concebida pelo SJTalha Online, refere que, as habitações são etnicamente correctas, constituídas por T3 e T4, com rés-do-chão e primeiro andar, onde poderão viver até doze pessoas. 1 Informação capturada em: http://entrevistas.sjtalha.net/?p=2, em Agosto de 2008. 21

Capítulo 2 Revisão de Literatura 22

Os Ciganos Visão histórica geral No passado, tal como nos dias de hoje existem pessoas que continuam a acreditar que os ciganos são originários da Europa de Leste, de países como a Roménia, a Turquia ou o Egipto. A própria palavra cigano tem origem na palavra egipciano, em inglês gypsie, o que terá levado a pensar-se que os ciganos viriam do Egipto. Costa (1996: 11) refere que ( ) algumas zonas por eles frequentadas passaram a ser chamadas Pequeno Egipto devido à fertilidade demonstrada ( ) gerando confusões acerca da sua terra de proveniência. Com efeito, designados egipcianos ou egitianos de pronto começaram a ser chamados ciganos. Os ciganos, na sua maioria, desconhecem a sua origem histórica. Autores como Nunes (1996) ou Fraser (1998) crêem que poucos mantêm a tradição histórica oral sobre a sua origem, desconhecendo até as suas raízes. Quando chegaram a Itália ( ) diziam-se originários da Índia e aquando da sua chegada a Portugal ( ) diziam ter vindo do Egipto. e os que chegaram ao Brasil séculos depois ( ) diziam-se vindos de Portugal Nunes (1996: 139). No entanto, não há dúvidas quanto à sua descendência do povo Indiano, uma vez que os vários dialectos da língua original por eles falada, o Romani, têm origem nas línguas indianas Hindi, Punjabi e Sânscrito (Nunes, 1996; Fraser, 1998; Kenrick, 1998). Descrever, porém, as origens históricas dos Rom 1 não é fácil, uma vez que não existem pistas lógicas que justifiquem todas as situações passadas. Sabe-se que, aquando das invasões da Índia (norte) pelos Persas, no reinado de Ardashir (224 a 241), uma boa parte da população se terá deslocado para a Pérsia possivelmente à procura de melhores condições de vida. Terse-á deslocado ( ) toda a espécie de gente. ( ) havia camponeses, guardadores de gado, mercenários e guardas do palácio, músicos, guarda-livros e mercadores. (Kenrick, 1998: 14). Foi lá que os indianos se misturaram socialmente, através do casamento, uma vez que os persas não queriam uniões com indianos por estes serem de pele mais escura. Pensa-se que terá sido assim ( ) que nasceu um novo grupo étnico (Kenrick, 1998: 16). Os seus elementos começaram a denominar-se Dom, sendo que, com o passar do tempo, esta palavra 1 Pessoa que pertence a um grupo étnico de origem indiana. Também usado como adjectivo e para o conjunto do Povo. Kenrick (1998) 23

daria origem a Rom. Kenrick (1998: 16) explica-o da seguinte forma; A letra d era pronunciada com a língua enrolada para cima e, mais tarde, tornou-se num «r». Sabe-se também que estes Rom eram hindus e apesar dos persas serem masdeístas 1, eles assim se mantiveram, uma vez que se mantinham à margem da sociedade dominante. Como já referimos, por serem indianos de origem, os Rom eram tratados pelos persas como cidadãos de segunda, o que fez com que alguns se aliassem aos árabes durante as conquistas. Nesta altura, começam a ser chamados Zott, nome atribuído a todos os indianos com quem os árabes contactaram quando invadiram a Índia depois da conquista da Pérsia. Porém, quando chega a vez dos gregos conquistarem o território árabe, os povos descendentes da Índia são novamente deportados para a Grécia continental, para Antioquia, na costa do Mediterrâneo (Kenrick, 1998). Segundo o mesmo autor (1998: 33) Na Europa, há um grupo chamado Sindhi, que fala uma variante do Romani. É possível que as suas origens se situem neste período. Sabe-se também que nem todos os imigrantes indianos deixaram a Pérsia ocupada pelos árabes e que ainda existem muitos grupos que falam dialectos indianos, no actual médio oriente, contudo os que se deslocaram para Norte e depois para Oeste teriam partido para a Arménia por alturas do ano 750 (Kenrick, 1998). O autor baseia estas ideias nas provas linguísticas, uma vez que o romani europeu inclui um grande número de palavras arménias. Costa (1996: 9) afirma que ( ) até cerca do ano 850, pelo menos os Zott, os Sindhi, os Dom e os Kalé passaram ( ) à Pérsia, à Arménia, ao Cáucaso e a outras regiões em direcção à Europa ( ) atravessando o Estreito do Bósforo e entrando na Grécia. Se, por um lado, as invasões e a reclusão são apontadas como uma forte possibilidade de ter feito deslocar este povo, como aconteceu na conquista árabe, Kenrick (1998: 44) afirma que No período Persa, encontramos pessoas que imigraram de livre vontade, para trabalhar. Porém, também a reclusão, o exílio, o degredo, as perseguições, os castigos corporais ou a imposição à força da sua sedentarização e ainda o comércio, podem ser considerados factores de deslocação (Costa, 1996). Além destas, Kenrick (1998) dá ainda como justificação para estas movimentações, a contagiosa peste negra que deflagrava na Ásia naquela altura. 1 Masdeísmo é uma religião naturalista que foi organizado por Zaratustra (profeta nascido na Pérsia, em meados do século VII) ou Zoroastro. Tem seus fundamentos fixados no Avesta e admite a existência de duas divindades (dualismo), representando o Bem (Ormuz-Mazda) e o Mal (Arimã). Onde, nessa luta, quem venceria seria o Bem. Capturado em http://pt.wikipedia.org/wiki/masde%c3%adsmo 17-01-2008 24