Senhores Ministros, Senhor Governador, Senhores e Senhoras, É com grande prazer que recebo a todos vocês aqui em São Paulo para esta Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, tendo como tema biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável. Gostaria de cumprimentar às Senhoras e aos Senhores Ministros de Estado que nos honram com suas presenças. Meus cumprimentos às 92 delegações estrangeiras e aos mais de 3.000 inscritos que comparecem a esta Conferência. Fico feliz, ao ver aqui reunidos tantas e tão representativas personalidades, do governo e da sociedade, formadores de opinião, especialistas, cientistas, trabalhadores, movimentos sociais, movimentos 1
ambientalistas. Tenho certeza de que todos, brasileiros e estrangeiros, estão dispostos a participar desse debate de maneira construtiva e objetiva, construindo o necessário diálogo e a profícua cooperação entre as nossas nações. Diálogo e cooperação sobre o uso da bioenergia, tema para nós crucial para o desenvolvimento de nossos Países e para a preservação do meio ambiente do planeta, para o bem-estar e o futuro de nossas nações. Não podemos esquecer a incontornável necessidade de mudarmos a forma como utilizamos os recursos naturais para movimentar nossas economias. Os recursos fósseis, do petróleo e do carvão, além de comprovadamente afetarem o clima de nosso planeta, são finitos e sua extração fica cada vez mais cara e difícil. Os relatórios do Painel Inter-governamental de Mudanças Climáticas, da ONU, produzidos pela comunidade 2
científica internacional, nos fizeram recomendações claras para que nos aliemos num esforço coletivo e promovamos mudanças profundas em relação à sustentabilidade do uso da energia, nas dimensões econômica, social e tecnológica, reduzindo emissões dos gases de efeito estufa como forma de combater o aquecimento global. A necessidade crescente que nós todos sabemos existir no que se refere à energia levou a que houvesse um grande desafio em como produzí-la, sem esquecer, evidentemente, de observar com os devidos cuidados, a forma como utilizamos os recursos naturais disponíveis, priorizando as fontes renováveis. Alguns se perguntarão: o que isso tem a ver com os biocombustíveis? Tem muito! É necessário que mais cedo ou mais tarde façamos a transição, por escolha ou por necessidade, entre a economia do carbono, baseada 3
sobretudo hoje no petróleo, e as economia pós-carbono, dentre elas, talvez, a do hidrogênio. Uma das possíveis pontes para dar viabilidade imediata a redução das emissões e - iniciar esta transição - é ampliar a utilização dos biocombustíveis na matriz energética dos transportes. É sobre isso que convidamos a todos a discutir nesta Conferência a partir de hoje. Na percepção do Governo brasileiro, os biocombustíveis têm sido objeto de inúmeros debates e manifestações no plano internacional que, além de carecer de embasamento científico, perdem de vista o essencial. Isto é, as oportunidades que essa forma de energia pode oferecer para melhorar a vida das pessoas em muitos países em desenvolvimento e para proteger nosso planeta das conseqüências das emissões de carbono. 4
A tentação de abordar os biocombustíveis de maneira parcial tem contribuído para que os analistas não tenham uma visão de conjunto. Assim, ao privilegiar um aspecto em detrimento de outro, acaba-se por enfatizar os riscos em detrimento dos benefícios. A decisão do Presidente Lula de que em seu próprio título a Conferência afirmasse sua identidade com a agenda do desenvolvimento sustentável não foi acidental. Ela reflete a visão brasileira, fruto de mais de meio século de experiência com biocombustíveis, sobre as vantagens que essa experiência proporcionou e ainda pode proporcionar ao Brasil e a outros países que fizerem a opção por esse tipo de energia. Nossa preocupação é colaborar na construção de alternativas para os graves problemas e desafios que o 5
mundo enfrenta, em especial: segurança energética, segurança alimentar e sustentabilidade ambiental. Minhas Senhoras e Meus Senhores A matriz energética brasileira hoje é majoritariamente renovável e um exemplo de sustentabilidade. Enquanto a média mundial de uso de energia renovável é de apenas 12,9%, e os países da OCDE, na sua maioria nações com elevado nível de desenvolvimento, utilizam apenas 6,7% de energia limpa na sua matriz, no Brasil atingimos algo entre 47,5% e 48% de energia renováveis. Para isto o uso de biocombustíveis contribuiu de maneira decisiva. A bioenergia hoje é a nossa segunda em termos de matriz de transportes. Recentemente a introdução do biodiesel na matriz de transporte brasileira, responsável hoje por uma mistura de 3% de biodiesel no diesel 6
consumido, também tem contribuido para esse esforço no sentido da presença de energias renováveis. É certo que nós temos 30 anos de etanol e apenas 5 anos de biodiesel, mas estamos convencidos que esse é um caminho que se deve trilhar de forma certa e contínua. A relevância dos biocombustiveis foi reconhecida pelo Presidente Lula quando, desde sua posse em 2003, incluiu os biocombustíveis entre as prioridades do seu governo, inclusive implantando um programa que de zero de consumo de biodiesel passou a ter agora uma mistura de 3% no diesel existente. Nós implantamos esse programa a partir de 2003/2004. Ao longo de mais de 30 anos, o Brasil deu sustentação ao programa do etanol ao investir em pesquisa, criando centros de excelência para o desenvolvimento de tecnologias 7
agrícolas, como é o caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa. Somos, hoje, referência mundial em agricultura em zona tropical, na adaptação e melhoria de sementes, na produção de bioenergia, mesmo sendo um país produtor de petróleoe, nos próximos anos, certamente exportador de petróleo. Para nós, a cana de açúcar produzindo etanol e as oleaginosas produzindo biodiesel são um imperativo e não estamos fazendo isso por falta de petróleo. Adaptamos a cana de açúcar para a zona temperada do País e, por toda a cadeia produtiva do etanol, foram espalhadas as inovações, chegando até à indústria automobilística. O carro flex-fuel é um dos melhores exemplos dessa difusão de inovações por toda a cadeia. Permite o uso 8
simultâneo de qualquer combinação de etanol ou/e gasolina entre 0 a 100%. As vendas desses veículos já somam 7 milhões de unidades entre o seu lançamento em abril de 2003 e novembro de 2008. Atualmente quase 90% dos veículos leves que saem das fábricas são bi-combustíveis. É importante esclarecer que no Brasil a composição mínima de etanol na gasolina é de 20% e, portanto, o nosso zero equivale a 20% Essa tecnologia foi de fundamental importância para a ampliação da produção brasileira de etanol em mais de 10% ao ano e possibilitou ao setor estabilidade para o crescimento. O etanol brasileiro é um forte aliado na redução dos gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global. Segundo estimativas feitas por institutos de pesquisa com 9
base em todo o ciclo de vida do produto, ou seja da produção agrícola até o consumo do combustível nos veículos, chegase a 90% a redução de emissões quando o etanol substitui a gasolina. Ou seja, comparado um com o outro há uma redução de 90% considerando-se o ciclo como um todo. Devido a sua utilização desde 1975 calcula-se ter sido evitada a emissão de 800 milhões de toneladas de CO². É importante ter em mente que, no Brasil, o etanol e a gasolina são hoje mercados da mesma ordem de grandeza. Cabe, ainda, ressaltar que o balanço energético do etanol brasileiro é extraordinariamente eficiente pois para cada unidade de energia fóssil utilizada em seu processo de produção, são geradas 9,3 unidades de energia renovável. Além disso nós utilizamos o bagaço da cana para geração de eletricidade. Portanto, a unidade produtora do etanol, do 10
ponto de vista do balanço energético, é uma unidade extremamente eficiente. Outro aspecto que importa esclarecer é que o crescimento da produção de biocombustíveis não pode, nem deve competir com a produção de alimentos. Todo nosso esforço está direcionado para um aumento da produção de alimentos e um aumento de produção de bioenergia sem aumentar a área plantada no Brasil. Aumentamos a produção da tonelada de cana por hectare, aumentamos a produção de litros de etanol por tonelada de cana e aumentamos a quantidade de litros de etanol por hectare, e, assim, fomos ganhando a guerra da produtividade. 11
Para se ter uma idéia, na década de 70, nossa produção de etanol era de 3.200 litros por hectare e hoje atingimos a marca de 6.600 litros por hectare. Também no que se refere ao uso da água é possível desenhar uma estratégia de sustentabilidade para o etanol. Na fase industrial da produção de etanol no Brasil, a captação de água vem caindo expressivamente. Passou-se de 10 a 15 mil litros de água por tonelada de cana processada, no início do programa do etanol, para incríveis 1.500 litros de água por tonelada de cana-de-açúcar processada. A empresa brasileira Dedini lançou uma tecnologia este ano para que uma usina de cana-de-açúcar seja capaz de produzir água no balanço final. Muitas usinas em operação já apresentam números inferiores a mil litros de água por toneladas de cana. 12
Importa evidenciar que, no Brasil, o etanol não compete com a produção de alimentos. Evidenciar e repetir. Embora seja responsável por 50% do combustível usado nos veículos leves, o etanol de cana-de-açúcar demanda apenas 0,5% das terras do país e ocupa uma área de 4,2 milhões de hectares. Desde quando foi implantada, nossa produção de etanol por hectare mais do que dobrou. E nossa produção de grãos cresceu 142%. A área plantada cresceu, no mesmo período, apenas 24%. Vamos novamente enfatizar: tivemos sim um extraordinário aumento de produtividade. E isso se deve à conquista através da pesquisa e de novas tecnologias. A nossa experiência, portanto, demonstra que é possível ampliar as áreas produtivas para bioenergia e para os alimentos, simultaneamente de acordo com padrões rigorosos e ambientalmente sustentáveis. 13
Onde há abundância de terras disponíveis como no Brasil, é de fundamental importância uma política de ordenamento territorial, para solucionar eventuais conflitos com o uso das terras. O Brasil irá adotar uma política de zoneamento agroecológico da cana para bloquear ainda mais a expansão da produção em áreas que consideramos inadequadas. Ganha destaque o bloqueio da expansão da produção sobre a Amazônia, o Pantanal e todas as áreas de vegetação nativa. O Governo abrirá um processo de debate com os Estados da federação e a sociedade civil sobre o projeto do zoneamento agroecológico que antecederá sua adoção. Temos sido duros no combate ao desmatamento, com ações repressivas às atividades predatórias ilegais, com punição aos desmatadores na região Norte, sobretudo na 14
Amazônia. Fechamos serrarias, aplicamos multas e impedimos o acesso ao crédito. Estamos conscientes que a legalização do acesso a terra é elemento determinante de um efetivo combate ao desmatamento, ao permitir a atribuição de responsabilidade ao proprietário do imóvel. Legalizar significa ter também a condição de fiscalizar e, se necessário, punir. Nesse sentido, estão sendo dados passos decisivos para a implantação de uma política de regularização fundiária no país. Entendemos os limites dos países que já usam amplamente suas terras e não têm mais disponibilidade. Certamente os combustíveis de segunda geração serão uma alternativa para esses países. Mas não podemos ter esses limites como referência para dezenas de países em desenvolvimento, com disponibilidade de terras para produção de biocombustível e acesso a tecnologias que 15
permitem maior produtividade por hectare e também industrial. A estratégia de produção de biocombustíveis pode se tornar fonte de emprego e renda para os Países pobres da América Latina e da África, complementando a renda obtida com a produção de alimentos. Nosso esforço para viabilizar os biocombustíveis internacionalmente expressa-se, também, nos investimentos que estão sendo feitos no País, pela Petrobrás e pelo setor privado, em pesquisas sobre o desenvolvimento dos biocombustíveis de 2ª geração, ou seja, a utilização da celulose contida em rejeitos agrícolas - bagaço de cana, por exemplo - como forma de gerar energia. Além disso, a estruturação de uma indústria química do etanol dá seus primeiros passos no Brasil e iniciamos a produção, em projeto piloto, de polímeros e polietileno, 16
tendo como base o nosso etanol de 1ª geração, atualmente já em uso na fabricação de brinquedos e em testes na indústria automobilística. Grandes oportunidades de uso de biocombustíveis abrem-se a partir daí. Progressos importantes vem sendo obtidos com os trabalhos realizados pelos participantes do Fórum Internacional de Biocombustíveis - África do Sul, Brasil, China, Estados Unidos, India e União Européia - no que respeita à discussão de padrões e normas técnicas para biocombustíveis e sua harmonização internacional. Este esforço é fundamental para que possamos estabelecer as bases de um mercado internacional para esses produtos, dando segurança aos compradores. Um mercado comoditizado é um mercado com várias alternativas de fornecimento. E é por isso que o Brasil tem empenho 17
crescente em diversificar as fontes supridoras de etanol no mundo. Por outro lado, Brasil e Estados Unidos articulam ações para que os países da América Central, do Caribe e da África, se beneficiem do enorme potencial dos biocombustíveis, principalmente do etanol produzido a partir da cana-de-açúcar, porque é mais adequado à zona tropical. Senhoras e senhores, Esta Conferência, proposta e anunciada pelo Presidente Lula, em 2007, no contexto da construção do Fórum Internacional de Biocombustíveis, se realiza em um momento de extrema importância. De um lado, se a crise financeira internacional deve afetar o crescimento da economia mundial, pode também permitir que as políticas anti-cíclicas dos países 18
desenvolvidos e em desenvolvimento privilegiem uma agenda verde, na qual os biocombustíveis ganhem prioridade. Precisamos também avançar nas negociações do comércio internacional, para que possamos superar as barreiras protecionistas e a questão dos subsídios agrícolas. Posturas como essas são incompatíveis com o que devemos construir. De outro lado, a oportunidade de poder desfazer equívocos relativos a um possível conflito entre a produção dos biocombustíveis e de alimentos é de fundamental importância. O mito que se quis despejar sobre o Brasil de que os canaviais estariam invadindo a Amazônia precisa ser desfeito. Se não bastassem os argumentos até aqui apresentados, somemos mais um, este de ordem geográfica: 19
a região Norte, onde fica a Floresta Amazônica, dista 2 mil km da área onde estão os canaviais brasileiros. E ao mesmo tempo estamos garantindo um zoneamento agro-ecológico que por definitivo barre qualquer hipótese nesse sentido. Desde o início da organização desta Conferência, houve por parte dos idealizadores, especialmente do presidente Lula, a preocupação de realizar uma jornada de debates de alto nível, aberta, democrática e participativa. Foi decidido que a discussão deveria ocorrer em grandes sessões plenárias como forma de suscitar ampla gama de questões a respeito de alguns temas que consideramos centrais para o debate sobre biocombustíveis e que são relacionadas entre si. São cinco os eixos temáticos que organizam as discussões plenárias: Segurança energética, Mudança do Clima, Sustentabilidade, Inovação e Mercado Internacional. Cada uma dessas temáticas tem 20
relevância global e abre um leque de questões interrelacionadas que merecem ser consideradas em toda a sua complexidade. Nesta Conferência os formuladores de políticas e os tomadores de decisão, no âmbito dos governos e das organizações da sociedade, terão a oportunidade de trocar informações e compartilhar experiências. Contribuições serão colhidas a fim de consolidarem as bases para os próximos passos no sentido de ampliar a participação dos biocombustíveis na matriz energética global. Desejo a todos um bom trabalho e que as discussões se desenrolem em clima de cooperação e que todos estejam dispostos a checar suas idéias e conceitos com os dados de realidade que muitos dos participantes possuem. 21
Lembro a todos que essas discussões dos próximos três dias serão a base das discussões dos representantes dos governos no Segmento de Alto Nível. O Brasil espera com esta Conferência contribuir para elevar o patamar das discussões sobre o tema dos biocombustíveis: O direito à alimentação, à segurança energética e a preservação do meio ambiente são desafios históricos alçados e inseridos nas prioridades da agenda governamental internacional. Esta Conferência nos orgulha por ter um caráter de compromisso com a vida dos povos e do planeta. São intoleráveis os níveis de pobreza e de degradação ambiental aos quais chegamos no mundo de hoje. Os biocombustíveis são uma fonte de energia limpa, fundamental para amenizar os efeitos das alterações 22
climáticas. Mas são também uma realidade econômica e social viável. Movimentam uma ampla cadeia produtiva, gera empregos e renda, e ajudam a reduzir a desigualdade, principalmente nos países de regiões tropicais, sobretudo de populações pobres que vivem no campo se adotadas políticas adequadas. Desejamos que as conclusões desta Conferência sejam um avanço no desdobramento das políticas desse setor e um macro histórico do esforço de todos nós no cumprimento de nossas responsabilidades com o futuro das novas gerações. Deve ficar claro que o Brasil está pronto a compartilhar as lições da pioneira e longa experiência brasileira com os biocombustíveis com todos aqueles que desejam utilizar essa fonte renovável de energia. Muito obrigada e bom trabalho! 23
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