JOGO COMO POSSIBILIDADE DIDÁTICA PARA O ENSINO DE DOENÇAS PARASITÁRIAS FINATTI, Luiz Augusto; CARVALHO, Barbara Reis; ROMERO, Giselle de Faria; PEREIRA, Natália Bueno; PECHLIYE, Magda Medhat. Modalidade: Relato de experiência. Universidade Presbiteriana Mackenzie Resumo: Um dos problemas enfrentados na formação inicial de professores é a conexão entre uma teoria interacionista e uma prática tradicionalista.uma das possibilidades de romper os métodos tradicionais em sala de aula se dá pelo uso de jogos, que aumentam o aspecto lúdico, além de estimular a motivação, a criatividade e a participação dos alunos em aula.o objetivo do presente trabalho é relatar e analisar a elaboração e aplicação de um jogo em aulas de licenciatura. O jogo criado tem como tema as principais doenças parasitarias ocorridas no Brasil. Essa atividadepropõeaos participantes resolver uma situação problema, onde por meio da lógica, eda relação entre as várias informações disponíveis, e pela mediação do professor, os alunos devem descobrir qual doença atinge sua região, e achar meios de diminuir o número de doentes. Dentre as várias críticas feitas pelos alunos após a aplicação,pudemos relatar que esse jogo atinge seus objetivos, como um instrumento que permite trabalhar os conceitos biológicos de forma dinâmica e lúdica. Palavras Chaves: jogo didático, doenças parasitárias, ensino de biologia. Introdução Um dos maiores problemas enfrentados na formação inicial de professores é a conexão entre teoria e prática. Muitas vezes os professores, recém-formados, saem com ideais interacionistas que esbarram na realidade complexa das escolas. Não basta criticarmos os métodos tradicionais e colocarmos como meta o ensino baseado na epistemologia interacionista. De alguma forma precisamos estimular o aprendizado reflexivo que integre teoria e prática. Entendemos que o ensino baseado na memorização e posterior cobrança de conceitos em provas não dê conta de um aprendizado efetivo. A proposta de jogos didáticos, longe de ser a solução dos problemas, é uma possibilidade didática interessante. Segundo Antunes (2000), a utilização de jogos como proposta didática acaba aumentando o aspecto lúdico das atividades e podem possibilitar maior motivação, solidariedade, criatividade e inserção dos estudantes no grupo. Nossa cultura parece ter designado o jogo como uma atividade que se opõem ao trabalho, caracterizada pela futilidade e oposição ao que é sério (BROGÈRE, 1998). Segundo Almeida (2000), esta visão está muito ligada a concepções da pedagogia tradicional, que exclui o lúdico de qualquer atividade educativa séria ou formal.
Huizinga (2004) define o jogo como uma atividade voluntária. Uma vez sujeito a ordens, deixa de ser jogo, podendo no máximo ser uma imitação forçada. Não se deve afirmar, no entanto, que nenhuma atividade deva ser imposta, é preciso encontrar um equilíbrio, entre a liberdade de atuação e a orientação docente. Orientação essa que deve primar pela reflexão. Uma forma particular de reflexão, chamada de metacognição, ocorre quando se reflete sobre o próprio ato de aprender. A metacognição favorece entendermos como os alunos aprendem, além de servir como feedback para a prática do professor. O fato de explicitarmos os caminhos da aprendizagem aos alunos permite que eles se apropriem gradualmente de seu processo de construção de conhecimento, facilitando a autonomia nas novas aprendizagens (GRANGEAT et al., 1999). Objetivo O objetivo do presente trabalho é relatar e analisar a elaboração e aplicação de um jogo, para aulas de ciências e biologia, em aulas de licenciatura. Metodologia O artigo tem como objetivo relatar e analisar uma experiência na formação inicial de professores. A experiência relatada no presente artigo ocorre em uma Universidade Particular na região central de São Paulo. O curso de Ciências Biológicas dessa Universidade oferece a possibilidade aos alunos de graduaremse em bacharelado e ou em licenciatura. Essa última modalidade é constituída por uma série de disciplinas, nesse relato nos referimos à experiência de uma delas: Metodologia do Ensino de Biologia oferecida aos licenciandos no 4º semestre do curso. Essa disciplina tem caráter teórico-prático, os alunos cumprem 70 horas de estágio supervisionado em escolas cadastradas pelo núcleo de estágios da instituição, e a partir, das discussões tanto de teóricos (a partir de textos) quanto das vivências e experiências trazidas pelos estagiários, são produzidos relatórios. Além disso, mas ainda nesse contexto, os alunos da disciplina de Metodologia do Ensino de Biologia, em pequenos grupos, são orientados a confeccionar e apresentar, para o grupo sala, uma aula diferente da tradicional. O conceito de uma aula diferente da tradicional vai sendo discutido durante o processo de construção da própria disciplina. A aula simulada tinha tema livre, e os autores decidiram por trabalhar sobre as principais doenças parasitarias ocorrentes no país. Foramdiscutidas quais doençasparasitarias, dentre as várias pesquisadas, e presentes no Brasil, seriam utilizadas no jogo, sendo os critériospara eliminação:doenças que não tinham cura, e baixo grau de incidência. Para a criação do jogo, os autores tiveram que estudar alguns jogos como WAR, Banco Imobiliário, Fortuna e Detetive, para ter uma referência de como poderíamos elaborar o tabuleiro (fig. 1), as regras a serem adotadas, e sobre toda a jogabilidade da atividade. O tabuleiro foi criado tendo como referência o jogo Banco Imobiliário. Com base nos manuais desses jogos, os
autores escreveram o manual do jogo, que foi revisado pela professora duas vezes antes da aula simulada. O jogo No jogo, os alunos são apresentados a uma situação de epidemia que afeta uma determinada região do país que eles coordenam. No entanto, são fornecidos apenas características do local afetado e da determinada doença, sem informações suficientes para que os alunos a reconheçam. Ao longo do jogo, eles recebem cartas Ministério da Saúde (fig. 2), com informações importantes das principais doenças parasitarias. A partir dessas cartas, e das informações dadas no início do jogo, os alunos devem deduzir qual é a doença que afeta sua região. Há determinados momentos no jogo em que os alunos podem fazer uma pergunta para o professor, sendo que a resposta deste só pode ser sim ou não, e também há momentos em que os alunos podem trocar entre si suas cartas Ministério da Saúde. No início do jogo, cada região possui 75 doentes, e é disponibilizada uma verba de R$250,00. O objetivo dos alunos no jogo é diminuir o número de doentes de sua região, e para isso há momentos em que os alunos podem comprar meios para prevenção e controle dessas epidemias, como: tratamento da água distribuída, sistema de saneamento básico, construção de casas de alvenaria, e etc. No entanto cada um desses meios tem uma efetividade maior ou menor dependendo da determinada doença. Uma tabela que fica em poder do professor registra o qual efetivo é cada meio de prevençãodisponível para compra, sendo que dependendo do item em questão acarretará na diminuição de um determinado numero de doentes. Portanto outra capacidade desenvolvida no jogo é de planejar corretamente o gasto de dinheiro, de modo que seja mais eficiente para diminuir a incidência da doença. Outra epidemia pode surgir quando os alunos caem no espaço Desastre Natural, o que corresponde à ideia de que muitas vezes há mais de um problema para se resolver e que não foi previsto. Nesse caso, ocorre um aumento no número de doentes da respectiva região. No jogo há também cartas Questões Surpresa do tipo Sorte e do tipo Azar que podem trazer benefícios aos jogadores dando-lhas uma verba ou algum material que necessitassem ( Sorte ) ou então lhe trazendo algum prejuízo ( Azar ), ficando assim, os jogadores sujeitos a essas duas variáveis, que podem dar um bônus ou diminuir a verba disponível para cada região. O jogo criado almejou trabalhar os objetivos de: compreender e relacionar sintomas e formas de transmissão das principais doenças parasitárias que ocorrem no Brasil; analisar as relações entre compra e dinheiro disponível (administração do dinheiro) e; refletir sobre as prioridades para o gasto do dinheiro público, avaliando o custo benefício e o bem-estar de uma população (resolução de situações problema).
Aplicação A aula simulada foi aplicada no dia 9 de novembro de 2011. Os professores se apresentaram e colocaram o tabuleiro e as peças do jogo no centro da sala. Foi pedido para os alunos se organizarem em duplas, e a cada uma foi distribuídaas regras do jogo. Demos cerca de três minutos para todos lerem as regras, e logo eles começaram a montar o tabuleiro, conforme era explicado passo a passo nas regras. Um dos autores fez a leitura das regras, e certificou que todo o procedimento estava sendo seguido corretamente pelos alunos. Figura 1 Tabuleiro do jogo utilizado na aplicação da aula simulada. Fig. 2 Modelos das cartas Ministério da Saúde.
Cada dupla pegou aleatoriamente uma carta Região (Fig. 3), contendo os sintomas da doença que afeta a determinada região. Os autores disseram aos alunos que, ao surgir uma dúvida, eles estariam abertos a responder, mas que a leitura das regras é importante, e pode ser usada ao longo do jogo. Sejam Bem- vindos a Região Sudeste! Como bons representantes do governo vocês terão a seguinte tarefa: erradicar os focos de doença que estão afetando a sua região. Para vocês terem uma idéia o que está ocorrendo é o seguinte: sua região conta com 75 habitantes que estão muito doentes.os sintomas que eles estão apresentando são: ínguas, geralmente no pescoço, febre, dores musculares e articulares, comprometimento da visão, dor de cabeça e garganta e manchas pequenas e vermelhas pelo corpo. Sabe-se que várias casas concentram animais como: gatos, cães, coelhos e aves. Porém as pessoas não estão tomando o cuidado adequado com os esses animais, ou seja, não limpam direito os locais onde eles vivem. Como forma de alimento os Fig. 3 Modelo da carta Região moradores ingerem carne de aves e de coelho, dando também aos seus gatos e cachorros como forma de alimentá-los e se percebe que tanto os animais como as pessoas estão ficando doentes. Como eles não têm conhecimento da doença que os afeta eles precisam da ajuda de vocês para que assim as condições de vida dos moradores e dos animais melhorem. Sigam as instruções Durante do jogo a aplicação, e descubram uma qual doença das duplas está afetando perdeu a toda população sua verba da sua com região. a compra de um material de alto valor, além de receber cartas Questões Surpresa de Azar, e Boa acabou sorte e com bom saldo jogo! negativo, algo não esperado pelos autores. Fig.3: Modelo da carta Região. As outras duplas se mantiveram com sua verba e procuraram comprar medidas de prevenção eficazes, bem como descobrir qual era a doença que estava afetando a sua região. Duas duplas tiveram dificuldade para descobrir as suas respectivas doenças, pois não conseguiram pegar cartas contendo as informações especificas necessárias. Faltando pouco menos de oito minutos, o jogo teve de ser encerrado, e uma mediação com os alunos foi feita. Os autores perguntaram se os alunos tiveram dificuldade, e aos que conseguiram descobrir sua doença, foi questionado como eles fizeram essa relação com base nas informações das cartas. Mostramos as cartas Ministério da Saúde com as informações especificas as doenças, para as duas duplas que não conseguiram fazer essa descoberta.
Resultados e Discussão Após a aplicação da aula simulada, várias observações foram feitas por parte dos alunos e da professora. Grande parte destas foi em relação ao jogo criado pelos alunos do grupo. Uma das duplas perdeu toda sua verba, e após adquirir três cartas Questão Surpresa de Azar tiveram uma dívida de mais de 200 reais. Esse resultado não era esperado pelos autores, e soluções foram discutidas, como o aumento da verba inicial, ou a redução do valor das cartas Sorte e Azar. Os alunos deram sugestões para alterações nas regras do jogo, como na casa Pergunte ao professor, para fazer mais perguntas, além daquelas que foram feitas para confirmar qual era a doença em sua região específica. Outra sugestão de mudança seria na casa Posto de Compra, para que as duplas possam comprar materiais que já foram comprados anteriormente por outras duplas. A discussão estimulou os alunos a refletirem sobre o processo de aprendizagem proporcionado pelo o jogo, analisando os erros e acertos que aconteceram nessa aplicação. Ao realizar esse processo foi proporcionado um feedback sobre a atividade do professor e sobre o que poderia ser aprendido através dela, o que faz parte da metacognição (GRANGEAT et al., 1999). Nessa troca de informações, foram apontados pelos alunos alguns acertos, principalmente em relação à dinâmica do jogo e as questões atitudinais trabalhadas nele, assim como a originalidade. A mediação realizada com os alunosapós o jogo também foi elogiada. Nesse fechamento, os autores deram as cartas Ministério da Saúde especificas das doenças às duplas que não conseguiram descobrir qual era sua doença, e perguntamos se, a partir delas, eles conseguiriam fazer essa relação das informações contidas nas cartas com sua doença. Nesta aplicação podemos concluir que os objetivos foram atingidos, pois os colegas relataram se sentir em uma situação real de ter de escolher determinado modo de prevenção, entre itens de preços e efetividade variados, e depois administrar sua verba, pensando em incidentes inesperados que poderiam ocorrer. Contudo, para uma sala de ensino médio, ainda teria que se trabalhar de algum modo uma representação pessoal após a atividade, além de pensar em modos de aplicação com um número maior de alunos nas partidas do jogo, já que esta atividade foi realizada apenas com oito alunos. Portanto, através dessa experiência de aplicação, deve-se retomar a importância do estímulo à reflexão na formação inicial de professores. Assim, nessa aplicação a atividade proposta tentou relacionar as ideias interacionistas à prática de ensino na sala de aula. Dentro do jogo é necessário que os alunos associem diversos fatores para tomar uma decisão o que se distancia do ensino tradicional com enfoque na memorização. Nessa aplicação com a discussão em conjunto foi possível discutir como essa atividade lúdica poderia ser melhorada.
Como relatado por Antunes (2000), a utilização do jogo trouxe uma maior motivação para aprender o conteúdo trabalhado, o que foi relatado pelos alunos do curso de licenciatura. Referências Bibliográficas ALMEIDA, P. M. de. Educação lúdica, técnicas e jogos pedagógicos. 10ª edição. São Paulo: Loyola, 2000.Educação lúdica, técnicas e jogos pedagógicos. 10ª edição. São Paulo: Loyola, 2000. ANTUNES, C. Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências. 6ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. BROUGÈRE, G. Jogo e educação. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. GRANGEAT, M. A metacognição uma chave para aprendizagens escolares bem sucedidas. In: GRANGEAT, M. et al. A meta cognição, um apoio ao trabalho dos alunos. Portugal: Porto Editora. 1999. p. 151 171. HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2004.