PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO FENOMENOLÓGICA *1 Marcelo Gomes Pereira Júnior **2 RESUMO Neste trabalho, abordo a ideia de uma psicoterapia influenciada pela fenomenologia husserliana, através das ideias de fenômeno, intencionalidade, redução fenomenológica e eidética, passando pela discussão da Psicologia Eidética em oposição ao psicologismo. A psicoterapia seria conceituada como um processo de ampliação de consciência e de abertura existencial, através do desvelamento do sentido das vivências, dentro de uma relação profissional que seja dialógica, sendo definido cada termo deste conceito. Palavras-chave: Husserl, fenomenologia, psicologia, psicoterapia. Artigo Original: Elaborado em: setembro / 2010. Recebido em: janeiro / 2011. Publicado em: janeiro / 2011. *1 Trabalho apresentado no Congresso de Psicologia Fenomelógico-Existencial Fundação Guimarães Rosa 2010. **2 Psicólogo formado pela UFMG, especialista em Psicologia Clínica Fenomenológico-Existencial e Gestáltica pela FEAD e em Temas Filosóficos pela UFMG. Biblioteca Virtual Fantásticas Veredas Fundação Guimarães Rosa Página web: www.fgr.org.br l E-mail: bibliotecafgr@fgr.org.br
2 Psicoterapia de orientação fenomenológica INTRODUÇÃO Husserl, na formulação da Fenomenologia, por várias vezes se referiu a uma psicologia fenomenológica ou eidética, ao mesmo tempo em que fazia uma crítica ao psicologismo. Das críticas e ideias de Husserl surgiram várias linhas de pensamento que influenciaram a psicologia e as psicoterapias. O objetivo desse trabalho é explicitar uma contribuição da Fenomenologia de Husserl no processo psicoterapêutico. Para isso, farei antes uma breve consideração sobre a crítica de Husserl ao psicologismo, em seguida uma conceituação completa da psicoterapia, até chegar ao ponto mais específico que articulo a Fenomenologia, através dos conceitos de fenômeno, intencionalidade, redução fenomenológica e redução eidética. DISCUSSÃO Uma das motivações iniciais de Husserl ao apresentar a fenomenologia era fazer uma crítica ao psicologismo. O psicologismo era a ideia compartilhada por muitos teóricos que a fundamentação do conhecimento teria por base a psicologia. A lógica, inclusive, seria uma disciplina psicológica. Husserl, além de combater essa ideia (que inicialmente acreditou ser possível, e depois das Investigações Lógicas percebeu sua impossibilidade) também apresentou um modelo de psicologia fenomenológica ou eidética, que seria o fundamento da psicologia empírica, assim como apresentou a Filosofia Fenomenológica como fundamento da ciência empírica geral. Dessa forma, A psicologia pode ser considerada uma ciência autônoma na medida em que pesquisa o comportamento, contudo a significação subjacente ao comportamento demanda uma interpretação. Essa interpretação do sentido é que Husserl denominava a tarefa da psicologia eidética, isto é, da reflexão fenomenológica sobre os fundamentos naturalistas sobre os quais se apóia a psicologia empírica. Dessa forma, a fenomenologia constitui o essencial fundamento eidético da psicologia e das ciências do espírito (Husserl, 1913/1986,p. 47). (RAFFAELLI, 2004, p. 212) Biblioteca Virtual Fantásticas Veredas FGR, Belo Horizonte jan. 2011 p. 2 de 11
Marcelo Gomes Pereira Júnior 3 Assim, a psicologia empírica se encarregaria da experimentação e verificação dos fatos psicológicos, e a psicologia eidética seria uma ontologia regional, cujo objetivo final seria determinar as estruturas inteligíveis que vão além do meramente observável, do empírico. Nesse sentido, a psicologia [eidética] é ciência do homem frente ao mundo (RAFFAELLI, 2004, p. 214), refletindo sobre a significação dos conceitos psicológicos através da redução fenomenológico-psicológica. (HUSSERL apud RAFFAELLI, 2004, p. 212) Talvez o sistema mais próximo do ideal Husserliano tenha sido a Teoria da Gestalt (RAFFAELLI, 2004), apesar de não ter escapado de críticas do próprio Husserl. Verifica-se, porém, que na ciência psicológica atual persiste o descompasso, que Husserl criticava na psicologia do século XIX, entre o campo da psicofísica e da pesquisa comportamental enfatizando o controle e a experimentação e produzindo dados e o campo da psicologia filosófica e da psicologia clínica, interessadas no ser e na emoção, gerando abstrações. (RAFFAELLI, 2004, p. 214) Nos departamentos de psicologia das universidades, isso é percebido pela rivalidade recorrente entre os psicanalistas e os cognitivistas e comportamentalistas. Várias propostas foram apresentadas na tentativa de criar uma psicologia de orientação fenomenológica. Algumas, como a Dasein-análise, tem forte influência de Heidegger, e muitas outras, sob a expressão de psicologia fenomenológicoexistencial, são influenciadas, além de Heidegger, por outros filósofos existencialistas, como Sartre, Jaspers ou Kierkegaard. A Gestalt-terapia e psicologia humanista também deram enfoque fenomenológico a suas teorias. Porém, Giorgi citado por Forghieri (1997, p. 11) aponta que uma genuína Psicologia Fenomenológica ainda não existe, e a razão é o fato da Fenomenologia ser compreendida basicamente como uma filosofia, com implicações para a Psicologia, ao invés de contribuir concretamente para o desenvolvimento de uma Psicologia Fenomenológica. (FORGHIERI, 1997, p. 11) Apesar de Husserl se referir diretamente à psicologia fenomenológica, o mesmo não aconteceu em relação a uma psicoterapia fenomenológica. Acredito que uma razão para isso seja a ideia ainda pouco desenvolvida de uma psicoterapia na época, pois apenas a psicanálise abordava as questões psíquicas sob um ponto de vista clínico, e estava mais voltada inicialmente aos casos psiquiátricos. Posteriormente, a Biblioteca Virtual Fantásticas Veredas FGR, Belo Horizonte jan. 2011 p. 3 de 11
4 Psicoterapia de orientação fenomenológica psicoterapia se popularizou com as abordagens da Gestalt-terapia, humanistas e existenciais. As várias abordagens e linhas teóricas da psicologia fundamentam em seus conceitos suas práticas psicoterapêuticas. O objetivo deste trabalho é abordar uma psicoterapia de orientação fenomenológica. Porém, mesmo dentro dessa orientação, há várias formas diferentes de caracterizar e conceituar o que seria psicoterapia. Faz-se necessário, assim, caracterizar de forma mais precisa o que entendo por psicoterapia de orientação fenomenológica: é um processo de ampliação de consciência e de abertura existencial, através do desvelamento do sentido das vivências, dentro de uma relação profissional que seja dialógica. É importante ressaltar que esse processo não ocorre necessariamente dentro de uma relação profissional. Relações propícias a esse processo poderiam ser chamadas, de forma geral, de relações terapêuticas, sendo que o que denomino psicoterapia é uma relação terapêutica profissional por incluir um psicólogo. É necessário agora esclarecer os diversos termos utilizados nessa definição, a começar por processo, numa concepção psicológica. Para Amatuzzi, um processo não é uma coisa, um objeto ou um estado que se instala na vida de uma pessoa como algo acabado e completo. Trata-se na verdade de um movimento (AMATUZZI, 2008, p.124). Esse movimento é um movimento qualitativo, que causa um abalo em uma estrutura estagnada de personalidade, que já não responde adequadamente às demandas existenciais e aos desejos e aspirações da pessoa. No decorrer de um processo, as estruturas se flexibilizam, e as relações consigo mesmo, com os outros e com o mundo se transformam. Amatuzzi se refere a dois tipos de processos que podem ocorrer dentro de uma relação terapêutica: um processo relacional, que decorre do encontro, e um processo pessoal, que é uma mobilização profunda da pessoa. As mudanças mais significativas nas estruturas de personalidade vêm do processo pessoal, mas esse processo se desenvolve no contexto do processo relacional. Porém, nem sempre ocorre um processo pessoal dentro de uma psicoterapia, o que não impede que a pessoa se beneficie do processo relacional, por meio de esclarecimentos e reflexões. O segundo termo da definição, a ampliação da consciência, se refere a uma maior percepção de si mesmo, dos outros e do mundo. A consciência, aqui, se refere a Biblioteca Virtual Fantásticas Veredas FGR, Belo Horizonte jan. 2011 p. 4 de 11
Marcelo Gomes Pereira Júnior 5 estar presente no aqui e agora, ou seja, consciência num sentido lato, sem entrar na complexa discussão do que seria a natureza da consciência pura, abordada por Husserl (2006) e recentemente pelos filósofos da mente. Já a ampliação da abertura existencial se dá exatamente pela flexibilização das estruturas da personalidade e ampliação da consciência. A pessoa em processo psicoterapêutico se encontra menos enrijecida em suas defesas, seus medos e seus papéis, e não somente se sente como efetivamente se torna mais apta para lidar com os desafios que a existência lhe impõe. O que antes a paralisava ou amedrontava se torna menos ameaçador. Pela ampliação de seus recursos, ela pode não apenas lidar com esses desafios como ativamente buscar outros que sejam congruentes com seus desejos e aspirações. Pode-se dizer que a ampliação da abertura existencial corresponde a uma maior liberdade do sujeito. May (1978) argumenta que liberdade não é revolta nem rebeldia, nem auto-suficiência, nem ausência de limitações, sejam elas sociais, biológicas ou decorrentes de uma estrutura de personalidade. Ele afirma que liberdade é um aspecto da autoconsciência. Liberdade é a capacidade do homem de se posicionar diante de suas limitações. Portanto, não é possível falar de liberdade se não houver limites, e a liberdade não significa a superação dos limites, e sim a possibilidade de, tendo consciência do limite, se posicionar em relação a ele. O exercício da liberdade está atrelado ao nível de consciência da pessoa. Assim, a ampliação da consciência na psicoterapia leva à ampliação do exercício da liberdade, que é configurada como abertura existencial. Forghieri (1997, p.47) afirma também que a liberdade de escolher é tanto maior quanto mais ampla for a abertura do ser humano à percepção e compreensão de sua vivência no mundo. A ampliação da consciência é consequência do que chamo de desvelamento do sentido das vivências, o termo seguinte da definição. É neste ponto que a orientação fenomenológica entra mais claramente. O método fenomenológico busca a elucidação do sentido do fenômeno, uma vez que todo fenômeno é um aparecimento de algo a uma consciência, e esse aparecimento vem acompanhado de um sentido. E como tudo que aparece, necessariamente aparece a uma consciência, não se pode falar da coisa em si, somente do fenômeno, que é a coisa para uma consciência. Essa ligação indissolúvel da coisa na consciência, que constitui o fenômeno, é o que Husserl chama de intencionalidade, que quer dizer Biblioteca Virtual Fantásticas Veredas FGR, Belo Horizonte jan. 2011 p. 5 de 11
6 Psicoterapia de orientação fenomenológica que toda consciência é necessariamente consciência de algo, e todo algo só aparece a uma consciência (DARTIGUES, 2003, p.18). O sentido do fenômeno é estruturalmente atribuído pela consciência, devido à intencionalidade. O sentido, porém, é pré-reflexivo, mas acessível à reflexão, com algum nível de dificuldade. A prova disso é que, quando falamos de liberdade, amor, democracia, família, governo e felicidade, temos um sentido atribuído a esses termos, mas se formos solicitados a explicitar esse sentido, podemos ter muitos problemas e, eventualmente concluir, de forma paradoxal, que sabemos sem saber exatamente do que falamos. O sentido dos fenômenos, sendo existente, não pode ser criado, e, sim, acessado ou explicitado, ou seja, desvelado. Husserl elaborou um método de acesso a esse sentido, a redução fenomenológica. Na redução fenomenológica, é colocado entre parênteses tudo que não é essencial ao fenômeno, ou seja, tudo que não seja fundamental ao sentido daquele fenômeno para a consciência que o experimenta, incluindo aí todos os juízos pré-formados. Ao final do processo, o resíduo, o que ficou fora dos parênteses, é o sentido último (eidos) do fenômeno. Porém, Husserl ainda propõe a redução eidética, pois, na redução fenomenológica, chega-se ao sentido do fenômeno para aquela consciência para a qual o fenômeno se mostrou. Na redução eidética, busca-se o sentido do fenômeno para todas as consciências, ou seja, o sentido intersubjetivo, que permite, por exemplo, que o termo mesa se refira a um determinado objeto e isso seja entendido por todas as pessoas, possibilitando assim o compartilhamento das experiências através da linguagem. É importante perceber como o método fenomenológico diferencia as reduções, e como isso pode ser apropriado numa psicoterapia. Por exemplo: se um sujeito que tenha fobia por gatos fizer uma redução fenomenológica de gato, ou seja, como ele experimenta o fenômeno gato, o sentido de gato irá incluir um elemento ameaçador e perigoso. Porém, uma redução eidética de gato não inclui esse elemento, pois a maior parte dos sujeitos que experienciam esse fenômeno não compartilham de medo ou perigo. Tanto numa redução quanto em outra, não há uma criação de sentido, apenas o desvelamento de um sentido prévio, que revela o que é gato de forma subjetiva e intersubjetiva. A diferença do resultado da redução fenomenológica e da redução eidética demonstra a apropriação de sentido de forma individual, e permite um parâmetro para que o sujeito reflita nas distinções entre seus conceitos e os conceitos generalizados. Biblioteca Virtual Fantásticas Veredas FGR, Belo Horizonte jan. 2011 p. 6 de 11
Marcelo Gomes Pereira Júnior 7 Husserl propôs a Filosofia Fenomenológica como uma fundamentação de todo conhecimento, e a Fenomenologia como método de investigação de qualquer fenômeno, de abstrações matemáticas a conceitos filosóficos. A Fenomenologia descreveria todos os fenômenos através das reduções, chegando aos seus eidos correspondentes. Porém, dentro de uma psicoterapia fenomenológica, os fenômenos a serem investigados são as vivências do sujeito em processo psicoterápico. Amatuzzi (2008) chama de vivido 3 nossa reação interior imediata àquilo que nos acontece, antes mesmo que tenhamos refletido ou elaborado conceitos. [...] Não a reação construída, nem a reação pensada. Assim, a vivência (ou vivido) não é uma elaboração do sujeito, como um pensamento, nem simplesmente um sentimento que ocorre. É um ressoar interior da experiência, como um entrelaçamento de pensamento e sentimento primeiro. A vivência, sendo fenômeno, tem seu sentido, que, no entanto, só pode ser resgatado numa nova vivência atual que busque recuperá-la da forma mais pura possível; porém, nunca em sua pureza total. O resgate do sentido de uma vivência sempre remete a outras, pois a forma de ressoar de um fenômeno é a forma de inscrição de algo a uma consciência já determinada por outras experiências, sejam elas individuais, familiares ou socioculturais (AMATUZZI, 2008). Assim, o sentido resgatado somente se configurou dessa forma devido a vivências anteriores, que também podem ser novamente atualizadas e resgatadas em seu sentido. Esse se torna então um processo interminável de resgate de sentido, sendo que o sentido resgatado sempre é resgatado numa nova vivência, e o sentido dessa vivência contém a possibilidade de ressignificar os conteúdos da vivência anterior, reconfigurando a própria estrutura do sujeito. Utilizando o exemplo anterior, o sujeito com fobia de gato, ao fazer a redução fenomenológica de gato (entre aspas porque ele simplesmente descreve sua experiência, no diálogo psicoterápico) se aproxima de sua vivência original, descrevendo sentimentos e pensamentos que emergem. A redução 3 Sinônimo de vivência, mas optei por este termo de acordo com Bello (2004), que argumenta que o termo em alemão, erlebnis, é um substantivo, enquanto vivido é um participio passado. Vivência, sendo também substantivo, representa maior correspondência ao termo original. Biblioteca Virtual Fantásticas Veredas FGR, Belo Horizonte jan. 2011 p. 7 de 11
8 Psicoterapia de orientação fenomenológica fenomenológica passa pelos pensamentos e sentimentos, que levam a novos conteúdos e experiências, podendo levá-lo á percepção da vivência que o levou a associar gato e medo. Essa percepção do sentido do fenômeno associativo, que muitas vezes é chamado de insight, é também uma vivência, que sobrepõe seu sentido á vivência original, podendo (ou não) recriar o sentido de gato. O objetivo não é a mudança do sujeito através da recriação do sentido (apesar disso ser quase uma consequência inevitável), e sim o desvelamento de si mesmo, como uma redução fenomenológica da própria personalidade, através do acesso ao sentido de suas vivências. A consequência, porém, é exatamente a constituição plena de um processo pessoal de autoconhecimento, que leva o sujeito a um posicionamento existencial mais efetivo devido à clareza que adquire de suas possibilidades e limitações. De acordo com Amatuzzi (2008, p. 61), ele sai compreendendo-se melhor (e capaz de ações mais efetivas). Por isso, dentro da luz fenomenológica, não há diferenças essenciais entre pesquisa e atendimento psicológico ou psicoterapia. A aproximação do vivido desencadeia mudanças. É como uma volta à fonte, as coisas mesmas (AMATUZZI, 2008, p. 61) Amatuzzi (2008) chama a fala que acessa o sentido da vivência de fala autêntica. Essa fala permite à pessoa a simbolização do real, facilitando o processo de lidar de forma criativa e construtiva com suas experiências. A tarefa do terapeuta é favorecer a palavra que seja aquilo que nasceu para ser: um momento fugaz que nos abre os olhos para a realidade, e muda tudo. (AMATUZZI, 2008, p. 69) Porém, essa fala só emerge diante de uma escuta qualificada. Para Amatuzzi (2008, p. 71), a escuta na psicoterapia é entrar em contato com o que a pessoa diz. Ao fazer isso, o psicoterapeuta nos ajuda a perceber como organizamos o mundo, e como nossos problemas se prendem à forma como fazemos isso. Nesse processo de redução fenomenológica de si mesmo que ocorre numa psicoterapia, é inevitável que o sujeito passe a saber mais também das pessoas ao seu redor. Isso porque ele passa a se perguntar pelo sentido das vivências de outras pessoas, quando se relacionam. O reconhecimento gradativo de si o leva ao reconhecimento do outro, que em certo sentido não é tão outro assim, pois todos compartilhamos uma estrutura em comum, que poderia ser explicitada por uma antropologia fenomenológica, como fez Edith Stein (BELO, 2004). Ao mesmo tempo, o reconhecimento de si leva ao reconhecimento da originalidade individual e Biblioteca Virtual Fantásticas Veredas FGR, Belo Horizonte jan. 2011 p. 8 de 11
Marcelo Gomes Pereira Júnior 9 ao respeito à alteridade, enquanto característica ontológica do ser humano. Dessa forma, fica evidenciado como se processa a ampliação da consciência e da abertura existencial, como consequência da psicoterapia de orientação fenomenológica. O penúltimo termo da definição de psicoterapia fala da relação profissional. Profissional não quer dizer distanciada ou objetiva, refere-se simplesmente ao fato de envolver um psicólogo. Isso, por si só, já é uma limitação da relação, uma assimetria por pressupor o maior saber de uma das partes, mas não impede que uma psicoterapia possa ser um encontro genuíno entre duas pessoas. Uma psicoterapia se realiza plenamente enquanto um encontro dialógico, e este é o último termo da definição. Luczinski (2005, p. 34) aponta três condições essenciais para que isso aconteça: primeiro, a autenticidade dos participantes, ou seja, a possibilidade das pessoas se guiarem pelo que são no momento, sem querer parecer algo, ou produzir uma imagem de si. Segundo, perceber o outro como um ser singular e completo, em sua alteridade. Por último, que os participantes não tentem se impor em suas opiniões e atitudes. O diálogo genuíno ocorre pela legitimação do outro em suas opiniões, ainda que não ocorra uma completa concordância. Yalom (2006) aborda outra questão muito importante sobre a constituição da relação psicoterápica. A psicoterapia é um microcosmo social, e, desta forma, na constituição da relação com o cliente, o psicoterapeuta terá uma expressão real da forma de relacionamento interpessoal do cliente. Ou seja, a vivência da relação dentro da psicoterapia será um fenômeno a ser abordado em seu sentido, por ser revelador de como o cliente (e consequentemente, o psicólogo) constitui suas relações com outras pessoas. Será, também, um laboratório existencial, por ser uma oportunidade de estabelecer uma relação diferente, à medida que o sentido dessas vivências vai sendo tematizado. É o que Yalom (2006) chama de empregar o aqui-e-agora. Assim, a própria relação terapêutica será objeto de uma redução fenomenológica, durante o processo. Dessa forma, o conceito de psicoterapia de orientação fenomenológica fica explicitado em todos os seus termos, e demonstrado de que forma alguns conceitos da fenomenologia husserliana podem ser utilizados enquanto fundamento da prática clínica psicológica. Resta, ainda, a possibilidade que, através da elaboração teórica Biblioteca Virtual Fantásticas Veredas FGR, Belo Horizonte jan. 2011 p. 9 de 11
10 Psicoterapia de orientação fenomenológica de uma psicologia eidética, possamos passar da orientação fenomenológica para uma psicoterapia eidética, como fundamento ontológico regional das práticas clínicas da ciência psicológica. REFERÊNCIAS AMATUZZI, M. M. O resgate da fala autêntica. Campinas, SP: Papirus, 1989. AMATUZZI, M. M. Por uma psicologia humana. Campinas: Alínea, 2001. BELLO, Ângela Ales. Fenomenologia e ciências humanas: psicologia, história e religião. Bauru, SP: EDUSC, 2004. DARTIGUES, André. O que é a fenomenologia. São Paulo,SP: Centauro, 2003. FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Psicologia fenomenológica: fundamentos, método e pesquisas. São Paulo: Pioneira, 1997. HUSSERL, Edmund. Idéias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica: introdução geral à fenomenologia pura. 2. ed. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2006. LUCZINSKI, Giovana Fagundes. O psicólogo clínico e a religiosidade do cliente: impactos na relação terapêutica. 2005. MAY, Rollo. O homem a procura de si mesmo. 4. ed. Petrópolis: 1973. RAFFAELLI, Rafael. Husserl e a psicologia. Estudos de psicologia, v. 9, n. 2, p.211-215, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/>. Acesso em: 31 jan. 2011. YALOM, Irvin D. Os desafios da terapia. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. Biblioteca Virtual Fantásticas Veredas FGR, Belo Horizonte jan. 2011 p. 10 de 11
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