EXAMES LABORATORIAIS AUXILIARES NO DIAGNÓSTICO DE ENFERMIDADES DE VACAS NO PERIPARTO



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Transcrição:

EXAMES LABORATORIAIS AUXILIARES NO DIAGNÓSTICO DE ENFERMIDADES DE VACAS NO PERIPARTO José Jurandir Fagliari 1 ; Thaís Gomes Rocha 2 1 Professor Titular do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias-UNESP-Campus de Jaboticabal; 2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Medicina da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Jaboticabal SP. INTRODUÇÃO Nos rebanhos de vacas leiteiras de alta produção é importante manter um balanço nutricional adequado, em especial nos períodos de maior demanda, como o periparto. O periparto, principalmente o início da lactação, é uma fase muito importante para a vaca porque o que acontece nas primeiras semanas após a parição tem influência relevante na produtividade, em especial na produção de leite e na eficiência reprodutiva. Ademais, o periparto é um período de alto risco para a vaca epara o feto. A principal causa de morte neonatal, além de distocia, é a ingestão inadequada de colostro e, em consequência, inanição, hipotermia e falha na transferência de imunidade passiva (e suas consequências, principalmente diarreia e pneumonia). Portanto, os primeiros 15 dias pós-parto é um bom momento para obter o perfil metabólico de vacas leiteiras de alta produção. O estado de saúde e a produtividade de vacas leiteiras de alta produção envolve um frágil balanço entre eventos metabólicos, fatores nutricionais, condições ambientais e enfermidades. A intensificação dos sistemas de produção de vacas leiteiras predispõe a distúrbios metabólicos, uma vez que a maior demanda metabólica favorece o desequilíbrio entre o ingresso de nutrientes no organismo e a necessidade destes nutrientes. Desequilíbrios nutricionais e doenças de etiologias variadas, inclusivesubclínicas,podem prejudicar a produtividade. Algumas destas enfermidades apresentam maior relevância, dentres elas, febre vitular/hipocalcemia, cetose, lipidose (esteatose) hepática, hipomagnesemia e hemoglobinúria pós-parto. Adicionalmente, uma grande preocupação em vacas leiteiras, em especial no pós-parto imediato, é mastite aguda. A maioria dos problemas de produtividade é multifatorial. A identificação e as soluções para estes problemas podem ser difíceis.

416-1 st International Symposium of Dairy Cattle Avaliações periódicas do escore corporal e da produção de leite são importantes para a detecção de anormalidades, inclusive subclínicas, que comprometem a produção, mas na maioria das vezes não permitem identificar a causa. Em várias situações o perfil metabólico permite esclarecer o problema. PERFIL METABÓLICO Payne e colaboradores (1970), do Compton Instituteof Animal Health, foram os pioneiros no emprego de perfil metabólico em vacas leiteiras. Desde então, o procedimento foi adaptado e modificado; atualmente é amplamente utilizado em vários países. Para o diagnóstico das doenças metabólico-nutricionais tem-se empregado perfis metabólicosque permitem avaliar distúrbios relacionados ao metabolismo energético, bem comode proteínas e minerais, além das funções de diferentes órgãos. É importante que os testes de diagnóstico sejam simples/práticos, de baixo custo e confiáveis. A tendência é obter marcadores bioquímicos mais específicos e técnicas de exames de fácil aplicação. Objetivos do perfil metabólico a. Avaliar a condição metabólica/nutricional de um grupo de animais b. Diagnosticar doenças metabólicas no rebanho c. Manter controle do balanço metabólico e a condição sanitária do rebanho Indicações para determinação do perfil metabólico a. Diminuição na qualidade/quantidade de leite b. Alta prevalência de enfermidades metabólicas c. Controle do balanço energia-proteína d. Diagnóstico ou avaliação de deficiências nutricionais AMOSTRAS PARA EXAMES LABORATORIAIS Dependendo do problema do rebanho, podem ser utilizadas amostras de soro ou plasma sanguíneo, de leite e/ou de urina. A confiabilidade dos resultados de exames laboratoriais depende muito da qualidade da amostra analisada, que é influenciada por procedimentos adotados nacolheita e no manuseio. A amostra deve ser adequadamente identificada e condicionada em frasco limpo e

III Simpósio Nacional de Bovinocultura de Leite - 417 resistente ao transporte. Deve conter a identificação do animal e nome e endereço do proprietário e do veterinário que a encaminhou, juntamente com o histórico clínico mais abrangente possível do paciente e das características da propriedade e do rebanho. Recomenda-se anotar data e hora da coleta, bem como do conservante utilizado. Por ocasião da coleta deve-se evitar hemólise, principal causa de descarte de amostras. Após a centrifugação, caso as análises sejam realizadas posteriormente, refrigere ou congele estas amostras, verificando com o laboratório se tal procedimento é compatível com os exames pretendidos e qual o tempo máximo permitido para refrigeração ou congelamento. Há consenso de que o número de amostras de sangue necessárias para obtenção do perfil metabólico deve ser representativo do rebanho. Alguns pesquisadores sugerem a obtenção do perfil metabólico de um grupo de, no mínimo, dez vacas, com semelhantes características de produção de leite, manejo nutricional e estágio de lactação, entre outras. Outros profissionais recomendam a análise de um pool de amostras de número representativo dos animais. Em vacas leiteiras o perfil metabólico pode ser obtido durante a gestação ou a lactação, mas é no periparto que é mais recomendado, pois, como mencionado anteriormente,é neste período que ocorre uma combinação de eventos nutricionais e metabólicos que causam importante prejuízo à produtividade. A definição do perfil metabólico deve ser baseada no bem senso, de modo a incluir parâmetros de importância para o diagnóstico e que sejam práticos e de custo compatível. Dependendo do problema do rebanho, é possível elaborar um perfil para bovinos com os seguintes componentes:proteína total, albumina, globulinas, ureia/nitrogênio ureico sanguíneo (ureia= BUN x 2,14), creatinina, creatina cinase, aspartatoaminotransferase, gamaglutamiltransferase/fosfatase alcalina, bilirrubinas, minerais, glicose, colesterol, triglerídeos, ácidos graxos não esterificados e betahidroxibutirato. Resumindo, o perfil metabólico é uma combinação de constituintes sanguíneos (de leite e/ou urina) analisados conjuntamente; novamente, a escolha destes constituintes depende do problema a ser investigado. Há alguns fatores que ocasionam variação de valores normais: diferentes laboratórios, diferentes técnicas, valores expressos em diferentes unidades (por ex: glicose: 60mg/dL x 0,05551 = 3,33 mmol/l; cálcio: 10mg/dL x 0,2495 = 2,49mmol/L; betahidroxibutirato: 10 mg/dl x

418-1 st International Symposium of Dairy Cattle 0,10093 = 1,0 mmol/l), raça, idade, sexo e qualidade das amostras, entre outros. Este fato deve ser considerado, evitando-se interpretação equivocada dos resultados. ATENÇÃO: o perfil metabólico não substitui um exame clínico criterioso, mas pode ser muito importante em rebanhos leiteiros nos quais várias doenças subclínicas podem ocasionar perdas econômicas relevantes. DOENÇAS NUTRICIONAIS/METABÓLICAS EM VACAS LEITEIRAS A seguir há breves relatos das principais doenças nutricionais/metabólicas que acometem vacas leiteiras, em especial aquelas de alta produção. Hipocalcemia (Febre do leite/febre vitular) A hipocalcemia é considerada uma das principais enfermidades de vacas leiteiras. Normalmente ocorre antes, durante ou após o parto. Uma vaca que produz 30 litros de leite utiliza 36 g de cálcio por dia (cerca de 4x sua concentração sanguínea normal, de 8-12mg/dL). Entre outros sinais clínicos, é possível notar decúbito, paralisia muscular, hipotonia ruminal e redução da produção de leite. A hipocalcemia subclínica favorece a ocorrência de retenção de placenta e, consequentemente, de endometrite/metrite e outros distúrbios reprodutivos. Como geralmente é uma doença aguda, diferentemente da cetose, é mais difícil prever sua ocorrência. Como teste de campo, alguns pesquisadores sugerem a realizaçãode um exame semiquantitativo de cálcio com o emprego de EDTA (utiliza-se 0,8mL de uma solução de EDTA 1:1.000, quantidade suficiente para quelar o cálcio contido em 2 ml de sangue com menos de 6mg/dL. O sangue é misturado e mantido em temperatura ambiente por 30 minutos. Se não ocorrer coagulação, considera-se que o sangue contém menos de 6,0 mg de cálcio/dl). Na hipocalcemia subclínica nota-seconcentração sanguínea de cálcio total<7,5mg/dl e >5,0mg/dL. Na hipocalcemia clínica o teor sérico de cálcio pode variar de 2,0mg/dL a 5,0mg/dL. Sempre que possível, é importante mensurar o teor sérico de cálcio iônico, que é a forma biologicamente ativa do mineral. Simultaneamente, relatamsehipofosfatemia (<4,3mg/dL), hipermagnesemia/hipomagnesemia (há controvérsia).

III Simpósio Nacional de Bovinocultura de Leite - 419 Hipomagnesemia (ou tetaniahipomagnesiana) Não há controle homeostático do magnésio e, portanto, geralmente sua concentração sanguínea reflete o teor deste mineral na dieta. A reserva de magnésio no organismo é bastante baixa. Em geral, em vacas leiteiras a hipomagnesemia é subclínica e se deve à baixa ingestão de magnésio na dieta (também são causas desta anormalidade: uremia, excesso de K + na dieta, lipólise excessiva por baixo aporte energético). Geralmente, a forma clínica da doença ocorre no pico da lactação. Nas vacas acometidas há relatos de tetania, hiperexcitabilidade, retenção de placenta ediminuição na produção de leite. Teor sérico de Mg ++ <2mg/dL reduz a capacidade de mobilização de cálcio dos ossos e predispõe à hipocalcemia pós-parto. Cetose/Acetonemia É caracterizada por aumento da concentração de corpos cetônicos em fluidos (sangue, leite, urina) e tecidos corporais. Os corpos cetônicos são: acetona, ácido acetoacético (acetoacetato) e ácido β-hidroxibutírico (betahidroxibutirato). Em geral, ocorre nas primeiras semanas de lactação, em animais que não conseguem adaptar seu metabolismo à nova situação fisiológica. Na cetose primária há um balanço energético negativo no início da lactação (transferência de glicose do sangue para a glândula mamária, para síntese de lactose), com gliconeogênesehepática insuficiente e maior mobilização de gordura como fonte de energia, culminando com aumento dos teores de corpos cetônicos e de ácidos graxos livres e diminuição da glicemia. Os sinais clínicos de cetose tendem a ser vagos e inespecíficos e a doença é classificada como clínica ou subclínica, com base no teor de corpos cetônicos no sangue, no leite e/ou na urina e a presença ou ausência de sinais clínicos. Qualquer doença que ocorre no início da lactação (ex: laminite, metrite, mastite aguda) e que reduz a ingestão de alimento pode causar cetose secundária. A deficiência de cobalto tem sido incriminada na ocorrência de cetose (o mecanismo não foi esclarecido, mas parece que reduz a produção de ácido propiônico, que é glicogênico). Alguns sintomas de cetose: inapetência, redução da produção de leite, emagrecimento, apatia, odor de cetona no ar expirado e decúbito. Na forma nervosa nota-se andar em círculo, pressão da cabeça contra obstáculo imóvel, sinais de cegueira, salivação excessiva, tremores. Como sequela de cetose, é possível

420-1 st International Symposium of Dairy Cattle notar infiltração gordurosa e degeneração hepática; morte pela doença é uma ocorrência rara. A gravidade é diretamente relacionada ao grau de hipoglicemia e de acetonemia. Antes de surgirem os sintomas pode-se detectar aumento da concentração de betahidroxibutirato(hbh) no sangue, no leite e na urina. Os sinais clínicos surgem quando BHB >10mg/dL (1,0mmol/L). Um exame de campo sugerido por alguns pesquisadores é o teste de Rothera: adiciona-se uma gota de leite ou de urina a pequeno volume do reagente de Rothera (3g de nitroprussiato de sódio, 3g de carbonato de sódio e 100g de sulfato de amônio), em uma superfície branca. Mistura de cor rosa a roxa confirma a presença de cetonas. Lipidose (ou Esteatose) Hepática ou Síndrome do Fígado Gorduroso A lipidose hepática tem como principais causas: alimentação excessiva de vacas leiteiras não-lactantes (grãos ou silagem de milho), alimentação inadequada após o parto e deficiência de energia. Ocorre mobilização da gordura corporal, acúmulo de gordura no fígado, acetonemia, cetonúria, proteinúria e hipoglicemia. Nos exames laboratoriais notam-se: cetonúria, proteinúria, corpos cetônicos no leite, lesão hepática no exame histológico e no sangue, aumento de ácidos graxos livres, de AST e de BHT e diminuição de glicose e albumina. Hemoglobinúria Pós-parto É uma síndrome associada à deficiência de fósforo, geralmente constatada uma a quatro semanas após o parto. Acomete vacas leiteiras de alta produção nas primeiras 2-4 semanas após o parto. Caracteriza-se por anemia hemolítica, hemoglobinúria, hiperbilirrubinemia, hipofosfatemia (0,5 a 3,0mg/dL) e, às vezes, hipocupremia. Geralmente está relacionada ao consumo de plantas crucíferas (couve, brócolis, repolho) ou de grande quantidade de polpa de beterraba que, contém, além de saponinas (provavelmente hemolíticas), baixos teores de P, Cu e Se. Exames laboratoriais indicam anemia, diminuição nas concentrações sérica e urinária de fósforo e hiperbilirrubinemia.

III Simpósio Nacional de Bovinocultura de Leite - 421 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS ENFERMIDADES DE VACAS LEITEIRAS NO PERIPARTO Os resultados dos exames de laboratóriodevem ser compilados e interpretados juntamente com os achados de exame clínico e os dados das práticas de criação do rebanho e, por fim, armazenados como referência para este rebanho. A interpretação deve considerar valores de um indivíduo e do grupo de animais examinados. Avaliação laboratorial do metabolismo energético Inicialmente deve-se verificar a condição (ou escore) corporal. A condição corporal reflete as reservas energéticas do animal, que podem ser mobilizadas principalmente nos períodos críticos, como no início da lactação. Em uma escala de 1 a 5, o escore corporal ideal é cerca de 3. β-hidroxibutirato (BHB): Diferentemente de outros corpos cetônicos, o BHB não é volátil. O ácido butírico da dieta é transformado em BHB (no epitélio dos pré-estômogos, via acetoacetato), sendo o principal corpo cetônico do sangue de ruminantes sadios. Por outro lado, os ácidos graxos de cadeia longa, produzidos durante a mobilização de reservas de gordura, são transformados no fígado em acetoacetato e depois em BHB, o qual pode ser utilizado como fonte de energia e na síntese de gordura do leite. Condição corporal (ao redor de 3) + determinação do teor de betahidroxibutirato (pré-parto: <0,5 mmol/l; lactação: <1,0 mmol/l; no leite, o teor corresponde a 10-20% do verificado no sangue) são bons indicadores do metabolismo energético de vacas. O aumento de BHB indica maior mobilização lipídica (devido ao balanço energético negativo). Com valor abaixo de 0,6mmol/L é improvável que a vaca perca peso. Quando o valor de BHT situa-se entre 0,6 e 1,0mmol/L pode ocorrer baixa taxa de mobilização de gordura, aceitável. Acima de 1,0mmol/L a saúde e a produtividade da vaca é afetada. Geralmente, vacas com cetose clínica apresentam concentração sanguínea de BHT acima de 2,0mmol/L. Após coleta e processamento adequado da amostra de sangue o BHT é estável por vários dias. Ácidos graxos não esterificados - AGNEs (Ácidos graxos livres): A concentração sanguínea ideal de AGNEs em vacas lactantes é inferior a 0,7mmol/L. Em vacas com cetose este valor é superior a 1,5mmol/L. A estabilidade dos AGNEs na amostra de sangue é menor do que aquela do BHT (aumenta a partir de 48 horas após a coleta; o

422-1 st International Symposium of Dairy Cattle estresse eleva o valor de AGNEs).A concentração de AGL (ou ácidos graxos não-esterificados) é muito variável em função da dieta, de condições ambientas adversas (estresse), limitando a sensibilidade do teste. Ademais, há limitações de ordem prática e econômica na realização destes exames. Glicose: Em razão da necessidade imprescindível de glicose nos tecidos, o organismo apresenta mecanismo homeostático muito ativo, mantendo estável a glicemia, mesmo em algumas condições adversas. Pouco utilizada na avaliação do metabolismo energético porque a glicose é muito instável na amostra de sangue, devendo ser processada e analisada muito rapidamente. Também, fatores estressantes influenciam o teor de glicose. Ácidos biliares:alguns pesquisadores incluem a mensuração de ácidos biliares no perfil metabólico como meio de avaliar infiltração gordurosa (lipidose) hepática, no periparto, como consequência de grave equilíbrio energético negativo. Há controvérsia quando à confiabilidade e utilidades deste teste.como alternativa, podem ser utilizados outros testes de função hepática, como mensuração das atividades das enzimas aspartatoaminotransferase (AST), presentes nos hepatócitos, (juntamente com creatina cinase [CK]) e gamaglutamiltransferase (GGT), presente nas células do epitélio biliar. Colesterol: é importante para a síntese hepática de hormônios esteroides. No parto e na cetose diminui a concentração sérica de colesterol Aspartatoaminotransferase + creatina cinase: para avaliar lesão hepatocelular secundária à excessiva mobilização de lipídeos. Avaliação laboratorial do metabolismode proteínas Proteína Total: está diretamente relacionada com as concentrações de albumina e globulinas (PT sérica = albumina + globulinas; PT plasmática = albumina + globulinas + fibrinogênio). Albumina: é sintetizada no fígado. A concentração sanguínea ideal situa-se acima de 3,0g/dL. Hipoalbuminemiageralmente é notada em enfermidades crônicas. Globulinas:são produzidas em resposta à reação inflamatória e/ou imune. O teor ideal é inferior a 5,0g/dL. É importante o fracionamento eletroforético deste grupo de proteínas para a avaliação das diferentes imunoglobulinas.

III Simpósio Nacional de Bovinocultura de Leite - 423 Fibrinogênio: proteína relacionada à coagulação e à fase aguda da inflamação. Proteínas de fase aguda: além do fibrinogênio, consideram-se parâmetros úteis na avaliação de doenças inflamatórias agudas as proteínas haptoglobina, amiloide A, ceruloplasmina e α 1 -antitripsina, dentre outras. Avaliação laboratorial do metabolismo de minerais Funções dos minerais: fazemparte da estrutura de tecidos (ex: Ca e P nos ossos) e de biomoléculas (ex: Cu na ceruloplasmina, Fe na transferrina...), bem como do próprio metabolismo animal [cofatores enzimáticos (Mg, Zn, Mn, Se), ativadores de hormônios (Ca, I), produção de energia (P no ADP), atividade muscular (Ca, Mg, Na, K), coagulação sanguínea (Ca), controle da pressão osmótica (Na) e do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base (K, Na, Cl)]. Cálcio (total e ionizado): o controle da homeostase da calcemia é muito eficiente. A hipocalcemia subclínica pode causar redução do tônus uterino e retenção de placenta; a forma clínica ocasionaparada da ruminação, queda na produção de leite e decúbito. Fósforo:hipofosfatemia (<1,4mmol/L ou < 4,3mg/dL) pode ser notada em vacas com febre vitular (normal= 1,4 a 2,5 mmol/l ou 4,3 a 7,8mg/dL). Magnésio: não é rara a ocorrência de discreta hipermagnesemia no dia do parto e no pós-parto imediato (valor normal= 0,8-1,3mmol/L).No caso de hipomagnesemia primária é possível notar maior intervalo entre o parto e o primeiro cio (ovulação) e retenção de placenta. Sódio e Potássio: os mecanismos homeostáticos destes elementos são muito eficientes. Cobre: a concentração sanguínea de cobre (normal= > 9,3µmol/L e <20µmol/L) não reflete fielmente o seu conteúdo no organismo. Contudo, parece não ser comum a deficiência de cobre em vacas leiteiras, no periparto (a não ser que haja alta proporção Mo:Cu na dieta). Zinco, Cobalto, Iodo, Manganês: parece não ser comum a deficiência destes minerais em vacas leiteiras, no periparto.

424-1 st International Symposium of Dairy Cattle Selênio/Glutationaperoxidase:na deficiência de selênio, relata-se ocorrência de retenção de placenta, mastite no pós-parto imediato, natimortos e baixa taxa de fertilidade em novilhas. Avaliação laboratorial de órgãos/tecidos Avaliação da função hepática: Normalmente, a enzima aspartatoaminotransferase-ast está presente em concentração relativamente alta nos hepatócitose nas células musculares (atividade sérica normal: 25-45 U/L). Por isso, recomenda-se a mensuração concomitante da atividade de creatina cinase-ck (normal: 5,0-13,0U/L), uma enzima presente no tecido muscular, mas não nos hepatócitos. Elevação de AST com valor normal de CK sugere lesão hepatocelular.a enzima gamaglutamiltransferase-ggt (normal: 8,0-20U/L)está presente nas células do epitélio biliar e sua elevação no soro sanguíneo indica colestase;afosfatase alcalina também é encontrada nestas células, mas sua especificidade no diagnóstico de lesão de ducto biliar é menor do que a GGT, pois é encontrada também em outros tecidos, com ossos, intestinos, entre outros. A mensuração dos teores das bilirrubinas (total, direta ou conjugada e indireta ou não-conjugada) é útil na diferenciação de icterícia. No caso de doença hepática crônica é possível notar hipoalbuminemia; quando há envolvimento do sistema imune é comum a elevação na concentração de globulinas, em especial imunoglobulinas. Avaliação da função renal: A ureia é um catabólito do metabolismo do nitrogênio. É excretada pelos rins; a sua concentração sanguínea é influenciada pelo teor de proteína na dieta. A creatinina, um catabólito do metabolismo muscular, também é excretada pelos rins, mas seu teor não sofre influência dos componentes da dieta, por isso é mais indicada (do que a ureia) na avaliação da função glomerular. Avaliação da função muscular:a enzima creatina cinaseestá presente nas células musculares, sendo muito útil no diagnóstico de miopatias. Como mencionado anteriormente, o tecido muscular apresenta também a enzima aspartatoaminotransferase, mas essa enzima está presente em concentração relativamente alta nos hepatócitos e, por essa razão, sua especificidade é baixa no diagnóstico de enfermidades musculares. Embora a determinação de mioglobina na urina possa ser útil no diagnóstico de miopatia sua importância é limitada porque neste caso a alteração da cor da urina, por si só, indica ao clínico a presença deste pigmento oriundo do tecido muscular.

III Simpósio Nacional de Bovinocultura de Leite - 425 Avaliação do metabolismo hormonal: vários hormônios podem ser mensurados em amostras biológicas, em especial no soro ou plasma sanguíneo. A definição do perfil hormonal depende da enfermidade ou anormalidade presente (disfunção de tireoide, adrenal, pituitária, pancreática, gônadas, entre outras). Avaliação do hemograma O hemograma permite verificar o número de hemácias, o volume globular (ou hematócrito), o teor de hemoglobina, os índices hematimétricos (volume globular médio e concentração de hemoglobina corpuscular média), que são importantes parâmetros para diagnóstico e diferenciação dos tipos de anemia. Também, no hemograma é possível avaliar a contagem de plaquetas (útil no diagnóstico de trombocitopatias), bem como as contagens de leucócitos, linfócitos, neutrófilos, eosinófilos, monócitos e basófilos (importantes no diagnóstico e prognóstico de doenças infecciosas, enfermidades imunológicas e alergias). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andrews, A.H. Medicina bovina: Doenças e Criação de bovinos. 2ed., Roca, São Paulo, 2008. 1067p. González, F.H.D., Barcelos, J.,Patiño, H.O., Ribeiro, L.A. Perfil metabólico em ruminates: Seu uso em nutrição e doenças nutricionais. Gráfica da UFRGS, Porto Alegre, 2000. 106p. González, F.H.D., Borges, J.B., Cecim, M. Uso de provas de campo e laboratório clínico em doenças metabólicas e ruminais dos bovinos. Gráfica da UFRGS, Porto Alegre, 2000. 60p. Kaneko, J.J., Harvey, J.W., Bruss, M.L. Clinicalbiochemistryofdomesticanimals. Academic Press-Elsevier, London, 2008. 916p. Smith, B.P. Large animal internal medicine.mosby-elsevier, St. Louis, 2009. 1821p.

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