P16: Cálculo Diferencial e Integral na Grécia antiga: A contribuição de Arquimedes de Siracusa Francisco Lucas Santos Oliveira Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano lucas.apologeta.jy@gmail.com RESUMO É conhecido por muitos que Leibniz e Newton são considerados os fundadores do cálculo diferencial e integral no século XVII, pois estes organizaram grande parte de sua estrutura e também grande parte do seu método. Porém como todo fato na história da humanidade, o seu ápice ocorre em um dado momento, porém anteriormente todo um contexto existiu e colaborou pra que aquele episódio tão importante urgisse na história da humanidade. Dessa maneira, a pergunta que surge é, em que instante foram lançadas as bases desse tão útil ramo da matemática? Desenvolvemos um estudo analisando as raízes do cálculo desde os primórdios civilizacionais humanos conhecidos até então (Egito, Mesopotâmia e Grécia) para identificar em que momento as derivadas e as integrais começaram a ser usadas, mesmo que de maneira informal. Mediante uma pesquisa bibliográfica em diversos livros e artigos, pudemos verificar que foi na Grécia, reconhecida internacionalmente como a civilização que foi o berço da matemática, que os fundamentos do cálculo foram lançados, de maneira mais exuberante com Arquimedes, que sustentado sobre a ideia de Eudoxo e o seu princípio da exaustão, conseguiu fazer os primeiros cálculos de derivadas e integrais, construindo uma reta tangente a uma espiral, calculando a área abaixo de uma parábola e o volume do cone, do cilindro e da esfera. Ainda que a terminologia não fosse essa na época, os principais instrumentos do cálculo diferencial e integral vieram para resolver dois problemas históricos: o da reta tangente a uma curva qualquer e o de calcular a área abaixo de uma curva. Dessa forma, Arquimedes os realiza, ainda que para alguns casos particulares. Esse artigo pretende ainda discutir a importância da história da matemática inserida nas disciplinas do Ensino Superior de maneira que esta possa se tornar uma ferramenta pedagógica para o professor, gerando uma melhor compreensão do cálculo diferencial e integral pelos seus discentes. Palavras-chave: Cálculo, História, Arquimedes Introdução No século XVII, o cálculo foi definido. Seus conceitos de integral e derivada foram elaborados e se perpetuam até os nossos tempos. Porém, como todo conhecimento científico, foi necessária uma problemática para que estes conhecimentos científicos
pudessem ser elaborados. Dois grandes problemas circundavam os corredores da história, o da reta tangente a uma curva qualquer e o do cálculo da área abaixo de uma curva qualquer. Apenas no século XVII esses problemas foram resolvidos de uma maneira generalizada. Mas anteriormente na Grécia antiga, Arquimedes havia conseguido realizar tais cálculos para alguns casos particulares, mesmo não tendo mãos de uma matemática analítica oriunda de Descartes, com planos cartesianos e todos os artifícios matemáticos que se originaram no renascimento. Utilizando-se do método da exaustão de Eudoxo, Arquimedes conseguiu realizar tais proezas que só viriam quase vinte séculos depois. É com bases nesses dados que pretendemos exibir que o cálculo diferencial e integral teve suas raízes oriundas na Grécia antiga com Eudoxo, mas principalmente com Arquimedes. Pretendemos posteriormente tentar inserir os problemas e fatos históricos tratados neste trabalho nas disciplinas de Cálculo nos cursos de nível superior, de tal forma que a história possa se tornar subsídio, mas sem descartar sua importância nela mesma, para uma melhor compreensão da referida disciplina, de maneira que o conteúdo possa se tornar significativo para o aluno, o auxiliando na sua análise crítica de pensamento. Origens dos postulados com Zenão e Eudoxo Os primeiros passos do cálculo na história surgem desde que os povos antigos passaram a se dedicar a matemática. Seu ápice foi no século XVII, mas os primeiros vestígios podem ser encontrados nos antigos papiros, como bem nos fala Boyer: No sentido mais formal, o cálculo foi moldado no século XVII de nossa era; mas as questões das quais surgiu já tinham sido colocadas mais de dezessete séculos antes do começo de nossa era. Papiros egípcios e tábulas cuneiformes babilônicas incluem problemas de mensuração retilínea e curvilínea que pertencem ao domínio do cálculo. (BOYER, 1993, p 1) 2
Apesar de já existirem vestígios do cálculo nestes povos antigos, não existia uma rigorosidade dedutiva, não havia uma lógica apurada no processo de desenvolvimento dos cálculos. O que havia era a presença de dados empíricos e de algumas aproximações, mas sem um prova concreta e lógica do que se afirmara. Dessa maneira, é admitida em toda a comunidade internacional que os gregos são considerados os primeiros matemáticos, pois foi a partir deles que a matemática se desenvolveu partindo de axiomas e teoremas. Isso significa que a matemática ganhou uma estrutura lógica e sequencial, de tal maneira que tudo era feito a partir do raciocínio dedutivo. (BATISTA, 2010) Apesar de todo esse avanço, os mesmos ainda tiveram alguns problemas de cunho epistemológico, como foi o caso da questão dos incomensuráveis. A ideia de infinito perturbava a mentalidade dos matemáticos da época. Esta situação gerou um problema axiomático, pois na época a base de toda matemática eram os paradoxos de Zenão. Os paradoxos de Zenão mostravam a inconsistência dos argumentos de movimento, multiplicidade, divisibilidade entre outros. Como por exemplo, poderíamos citar o argumento da Dicotomia: O primeiro dizia que antes que um objeto possa percorrer uma distância dada, deve percorrer a primeira metade dessa distância; mas antes disso deve percorrer o primeiro quarto; e antes disso, o primeiro oitavo e assim por diante, através de uma infinidade de subdivisões. O corredor que quer pôr-se em movimento precisa fazer infinitos contatos num tempo finito; mas é impossível exaurir uma coleção infinita, logo é impossível iniciar o movimento (BOYER, 1974, p 55) Esta problemática só seria resolvida séculos depois com a definição de conjuntos discretos e contínuos. A solução paliativa foi o método da exaustão de Eudoxo, também conhecido como lema de Arquimedes, que para a época pareceu irrefutável e permitiu os gregos de progredirem seus avanços em cálculos que envolvessem processos infinitos. Este método consistia em: Consideradas duas grandezas desiguais, se da maior subtrairmos uma grandeza maior que a sua metade, e da que resta uma grandeza 3
maior que a sua metade, e se este processo é repetido continuamente, restará uma grandeza que é a menor das grandezas consideradas (BOYER, 1993, p 4) Este método poderia ser definido, mesmo que de uma maneira bem rudimentar e simplista, como a primeira definição histórica de limite. Porém, como este não é a questão do nosso trabalho, não nos demoraremos neste ponto. Este método serve apenas para ressaltar que agora, teríamos uma certa doutrina atomística nos postulados matemáticos, podendo dizer que existia um ser infinitamente pequeno compondo os outros seres. Tomando como pressuposto teórico o método da exaustão de Eudoxo, se tornaria possível tratar com problemas envolvendo divisibilidade, multiplicidade e outros. Dentre vários matemáticos gregos que o utilizaram, o mais notável foi Arquimedes, que de uma maneira formal, mas ainda não estruturada como área da matemática, lançou as bases do cálculo diferencial e integral. Arquimedes e o avanço do cálculo Em uma das obras de Arquimedes, Sobre Espirais, ele trata sobre o problema da reta tangente abordado no cálculo diferencial. Segundo a imagem abaixo, podemos perceber que Arquimedes consegue traçar a reta tangente a uma espiral, curva esta que Arquimedes atribui a seu amigo Conon de Alexandria. Figura 1. Reta tangente a uma espiral 4
Pelo ponto P trace-se a reta tangente à espiral POR e suponhamos que essa reta tangente corte no ponto Q a reta por O que é perpendicular a OP. Então provou Arquimedes, o segmento de reta OQ tem comprimento igual ao do arco circular OS do círculo com centro O e raio OP, que é cortado pela semi-reta inicial e pelia semi-reta OP (BOYER, 1974, p 94) O autor ainda retrata que é possível com as técnicas de hoje, utilizando-se de coordenadas polares, vetores e principalmente derivadas, que os métodos usados por Arquimedes podem sim ser demonstrados como verídicos. Além disto, nesta mesma obra supracitada, podemos encontrar também várias proposições que tratam sobre áreas de espirais. Poderíamos citar o caso em que se verifica que a área varrida pelo raio vetor em sua primeira rotação completa é um terço da área do primeiro círculo (BOYER, 1993). Arquimedes para atingir este resultado, utilizou-se do método da exaustão de Eudoxo, mas isso pode ser facilmente provado por qualquer estudante de cálculo utilizando-se de integrais. Arquimedes também em outras obras tratou amplamente sobre o cálculo de áreas usando o método da exaustão, como por exemplo quando calculou a área do círculo através de áreas de polígonos regulares inscritos e circunscritos, chegando também a uma aproximação do valor de pi notadamente boa. Arquimedes conseguiu perceber que no círculo, a área ficava a uma razão do quadrado do raio, chegando a aproximação de pi. (BOYER, 1993) Arquimedes foi capaz de utilizar de maneira fantástica o método da exaustão de Eudoxo. Para o cálculo da área abaixo de uma parábola, tomemos C, D e E os pontos do arco de segmento parabólico conforme a figura abaixo, obtidos traçando-se LC, MD, NE paralelos ao eixo da parábola peos pontos médios L, M, N de AB, AC, CB. Usando geometria da parábola, Arquimedes mostrou que: 5
Figura 2. Área de uma parábola CDA + CEB = ABC 4 parabólico é: Fazendo esse processo recursivas vezes, conclui-se que a área do segmento ABC + ABC 4 + ABC 4 + ABC 4 + = ABC 1 + 1 4 + 1 4 + 1 4 + = 4 3 ABC O processo usado aqui foi o método das somas dos termos de uma progressão geométrica, mas Arquimedes utilizou para chegar a esse resultado o método da exaustão de Eudoxo. (EVES, 2011) Em outro tratado de Arquimedes chamado de O Método, tratado este que foi enviado a Erastótenes na forma de uma carta, escrito em um pergaminho que se perderam algumas coisas devido a deteriorização do tempo e da ação humana. A ideia de Arquimedes para a demonstração de tal fato era o uso da ideia de equilíbrio. Tomada uma 6
alavanca e uma determinada região que se deseja conhecer o volume, corte esta região dada em um número muito grande de fatias paralelas finas e pendure esses pedaços em um dos lados da alavanca dada, por meio de um processo imaginário. A partir daí, você tentará estabelecer o equilíbrio usando na outra extremidade uma figura conhecida. Dessa forma, pode-se descobrir o volume do sólido. Dada a figura abaixo: Figura 3. Volume da esfera, cone e cilindro Tomemos uma reta HC tal que A seja o seu fulcro, ou seja, AH=AC. Seja também AQDCP uma secção transversal de uma esfera com centro O e de diâmetro AC e AUV uma secção de um cone circular reto com diâmetro de base UV e de eixo AC. Tomemos também IUJV um cilindro circular reto onde UV é o diâmetro e AC seu eixo. Tomando S um ponto qualquer de AC, menos possivelmente os próprios A e C, o plano cortará as três superfícies em círculos de raios r = SP, r = SR e r = SN respectivamente. Chamando as áreas dos círculos gerados através desse corte de A, A e A, Arquimedes percebeu que quando colocamos os centros de A e A em H, se equilibrará com A onde ele está. 7
Chamando os volumes da esfera, do cone e do cilindro de V, V e V, nesta ordem, podemos perceber que V + V = V, e como V = V, a esfera é V. Como Eudoxo e Demócrito haviam descoberto o volume do cilindro, o volume da esfera fica determinado - escrevendo em notação atual V = πr³. Fazendo isso para os outros, também é possível encontrar o volume das outras regiões. (BOYER, 1993) Arquimedes também usou este mesmo método para descobrir os volumes dos parabolóide, elipsoide e hiperboloide de revolução. Desta forma, os avanços de cálculo de Arquimedes foram consideráveis para a história e principalmente pelo fato de o mesmo não ter tantos artifícios de caráter analítico e algébrico na época. Conclusões e Considerações Finais De todo nosso trabalho, podemos concluir que, Arquimedes contribuiu para a história da humanidade, dando avanços consideráveis no cálculo diferencial e integral, mesmo que de maneira pontual e fora dos moldes modernos desta disciplina, porém seus resultados obtidos são de uma natureza considerável para a história da matemática e da humanidade. Devido a essa relação entre os trabalhos desenvolvidos por Arquimedes e as técnicas formais do cálculo diferencial, esta disciplina poderia conter em seu plano de curso uma parte destinada ao estudo desse trabalho desse brilhante matemático, como via pedagógica para uma aprendizagem crítica e mais eficiente. Existe uma defasagem nos mais diversos níveis de educação, desde a infantil até a superior, onde o aluno permanece condicionado muitas vezes ao processo resolutivo, se ausentando do processo pelo qual aquele conhecimento chegou até suas mãos, de tal forma que geramos na nossa educação alunos incapazes de ter um pensamento crítico e mais eficiente. Se o processo histórico for bem trabalhado pelo professor em sala de aula com seus educandos, este sistema pode ser quebrado, gerando alunos mais conscientes diante do seu papel de não serem meros técnicos matemáticos, mas também profissionais capazes de questionar e de serem mais críticos perante o conhecimento. 8
Referências Bibliográficas BOYER, Carl B. História da Matemática. São Paulo: Edgar Blucher, 1974 BOYER, Carl B. Tópicos de História da Matemática para uso em sala de aula. Trad: Hygino H. Domingues. São Paulo: Atual Editora, 1993 EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. Trad: Hygino H. Domingues. 5. ed. Campinas. SP: Editora da UNICAMP, 2011. SOUSA, Giselle Costa de. Um abordagem do cálculo integral dos primórdios aos tempos atuais: Atividades a luz da história. 2013. Disponível em <http://www.cle.unicamp.br/eprints/index.php/anais-snhm/article/view/59/50> Acesso em: 15 de novembro de 2014 BATISTA, Roberto Júnior, Uma breve introdução ao cálculo diferencial e integral. 2010. Disponível em <http://revista.cmc.ensino.eb.br/index.php/revista/article/view/6/4> Acesso em: 14 de novembro de 2014. FERREIRA, Lúcia Helena Bezerra, A história da matemática como mediador didático conceitual na formação de professores de matemática nos anos iniciais. 2010. Disponível em <www.ufpi.br/subsitefiles/ppged/arquivos/files/vi.encontro.2010/gt.1/gt_01_29.pdf>. Acesso em: 20 de novembro de 2014 9