Atalhos para o resgate da cidadania



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Transcrição:

Ariosto Holanda Deputado federal. Engenheiro civil. E-mail: dep.ariostoholanda@camara.gov.br Resumo Analisa questões sociais do desemprego e de sua política de geração em face da exigência do mercado em absorver trabalhadores mais qualificados profissionalmente. Apresenta premissas de combate à pobreza. Palavras-chave Analfabetismo funcional. Centros vocacionais tecnológicos. Cidadania. Desemprego. Inclusão social. Shortcut for acquiring citizenship Abstract This paper analyzes social issues of unemployment and its policy for generating it in the face of the market demand in selecting more professionally qualified workers. Keywords Functional illiteracy. Technological vocational centers. Citizenship. Unemployment. Social inclusion. Entendemos que a verdadeira cidadania só será alcançada quando pudermos garantir, aos milhões de excluídos, educação e oportunidades de trabalho. Esse, para mim, é o maior desafio que o país enfrenta. Ele é grande, porque, com a economia globalizada e com as freqüentes inovações tecnológicas, as oportunidades de trabalho são cada vez mais seletivas e o mercado mais exigente no tocante à atualização permanente de conhecimentos por parte dos trabalhadores. Trata-se, portanto, de um problema complexo porque temos pela frente um avanço tecnológico crescente e uma grave questão social traduzida pela pobreza, analfabetismo e concentração de renda. A cadeia de produção formal de conhecimentos, que integra as ações da educação fundamental, ensino médio e profissionalizante, graduação, pósgraduação, pesquisa, desenvolvimento tecnológico e extensão tecnológica, tem se desenvolvido de forma insuficiente e fragmentária, com desigual qualidade e distribuição entre as diferentes áreas do conhecimento, grupos sociais e regiões do país. Se excluirmos os sistemas estaduais de ciência e tecnologia e as secretarias correspondentes de algumas grandes cidades e áreas metropolitanas, 90% dos municípios brasileiros carecem de programas de ação em ciência e tecnologia que repliquem e contextualizem os conhecimentos resultantes das pesquisas de maneira intensiva e duradoura. Os empreendimentos tanto em educação profissional e especializada quanto em ciência e tecnologia são muitas vezes descontínuos e pontuais e não chegam ao alcance da população. O baixo índice de desenvolvimento humano fica assim inalterado. Falase muito mais em cluster, empreendedorismo, arranjos produtivos, empresa de base tecnológica, incubadoras de empresa e agronegócios, que nos procedimentos e recursos para acabar com o analfabetismo tecnológico existente na população, nas pequenas empresas e nos pequenos negócios. Carl Sagan já dizia que é preciso acabar com o analfabetismo científico da população trabalhadora. Advertia ele: 60

É preocupante que o cidadão continue a ignorar o perigo do aquecimento global, a diminuição da camada de ozônio, a poluição do ar, o lixo tóxico e radioativo, a chuva ácida, a erosão da camada superior do solo, o desflorestamento tropical, o crescimento exponencial da população e muitos outros perigos que rondam a humanidade. Em contrapartida, o que se observa é que o avanço da tecnologia tem resultado muitas vezes no aprofundamento do conhecimento de poucos e no aumento da ignorância de muitos. Como novos conhecimentos surgirão com velocidades cada vez mais crescentes, as camadas sociais mais pobres correm o risco de sofrer a mais perversa das exclusões: a do conhecimento, que se caracteriza pela marginalização de significativo contingente populacional em relação às fontes de informação e do saber. Segundo técnicos do Banco Mundial, entre os países emergentes, nos quais estão incluídos China, México, Rússia e Índia, o Brasil ocuparia um dos últimos lugares no tocante ao cumprimento de algumas das metas de inserção na sociedade do conhecimento. Concorreu para essa classificação o seu sofrível desempenho na área da educação. Apesar dos avanços realizados nos últimos anos, subsistiria uma escolarização reprodutiva, na qual os segmentos mais desfavorecidos da população receberiam um ensino de menor qualidade e por menor tempo. Vejamos alguns aspectos: a) a escolaridade média do Brasil é de 4,9 anos, da Costa Rica 6,1 anos, da Argentina 8,8 anos, dos EUA 12,1 anos; Com certeza a educação é o melhor caminho para diminuirmos a distância entre o Brasil que tem o 12º PIB mundial e o Brasil que ocupa o 69º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Diante desse quadro, podemos assegurar que o Brasil, na área da educação, tem uma dívida muito grande com o seu povo. Vamos rever alguns cenários: I Em 1992, o Congresso Nacional, por meio de uma comissão parlamentar mista de inquérito, procurou identificar as causas e dimensões do atraso tecnológico do país. Como causa principal foi apontada a degradação de sua base educacional. Naquele ano, o número de analfabetos era da ordem de 30 milhões, o ensino fundamental e o médio eram carentes de professores de matemática, física, química, biologia e ciências, e havia clara ausência de ensino técnico de nível médio. Enquanto nos países desenvolvidos, havia relação, considerada ótima, de um técnico de nível superior para cinco técnicos de nível médio, no Brasil essa relação estava invertida: era de dois técnicos de nível superior para um de nível médio, sendo que, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, essa relação era de quatro técnicos de nível superior para um de nível médio. II Recentemente, o Instituto Paulo Montenegro, do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), ao publicar o 3º Inaf (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional), mostrou um quadro preocupante. Ao analisar a população na faixa etária de 15 a 64 anos, identificou que existem 114 milhões de brasileiros com os seguintes graus de instrução (tabela 1). b) o ensino médio completo no Brasil atinge somente 22% da população, na Argentina 51%, na Coréia do Sul 82%, nos EUA 91%; c) o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa) classificou o Brasil entre os 14 países de mais baixo desempenho, sendo que um dos pontos fracos seria a leitura, sobretudo de certos gêneros de textos, como os textos descontínuos (gráficos e tabelas). TABELA 1 Evolução dos níveis de alfabetismo entre 15 e 64 anos (População: 114 milhões brasileiros; anos: 2001 e 2003) Nível Leitura e escrita Usam computadores 2001 2003 2001 2003 Analfabeto 9% 8% 1% 0 Alfabetismo Nível 1 31% 30% 4% 4% Alfabetismo Nível 2 24% 37% 15% 19% Alfabetismo Nível 3 26% 25% 41% 47% Fonte: 3º Inaf Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. Instituto Paulo Montenegro ação do Ibope pela educação Um diagnóstico para a inclusão social Ano 2003 61

Ariosto Holanda Classificação do Inaf para os diferentes níveis de escolaridade: Analfabeto: o que não sabe ler nem escrever; Alfabetismo Nível 1: têm um nível de habilidade para leitura e escrita muito baixo; são capazes de localizar somente informações simples em enunciados com apenas uma frase, em um anúncio ou capa de revista, por exemplo; Alfabetismo Nível 2: conseguem localizar uma informação em textos curtos (uma carta ou notícia, por exemplo); poderia se considerar como sendo um nível básico de alfabetização; Alfabetismo Nível 3 : demonstram domínio pleno das habilidades testadas; são capazes de ler textos mais longos, localizar mais de uma informação, comparar a informação contida em diferentes textos e estabelecer relações diversas entre elas: Outras considerações do Inaf: só 25% dos brasileiros entre 15 e 64 anos demonstram habilidades plenas de leitura e escrita, ou seja, 25% de 114.000.000 = 28.500.000. 60% da população estudada não têm a escolaridade mínima obrigatória de oito anos; a educação básica (ensino fundamental + ensino médio) é privilégio de apenas 20%. 20% dos que não completaram sequer uma série aprenderam a ler e escrever por outros meios que não a escolarização; 32% dos que completaram de uma a três séries escolares se encontram ainda na situação de analfabetismo absoluto não sabem ler e escrever. Outros 51% podem ser considerados analfabetos funcionais; mesmo entre pessoas com quatro a sete anos de estudo, pouco mais da metade atinge os níveis básico e pleno (níveis 2 e 3). Os demais também poderiam ser considerados analfabetos funcionais. De fato, a Unesco fala de alfabetização funcional como aquela que é adequada e suficiente para que as pessoas realizem atividades ou tarefas que envolvam leitura, escrita, cálculo, conforme as demandas dos contextos em que as desempenham e para desenvolvimento próprio e de suas comunidades. Em algumas de suas definições mais usuais, ainda que não as mais exatas, estabelece-se um número de anos de educação formal (de quatro a nove anos de escolaridade) como indicador de aquisição dessas competências. Hoje, agregam-se novos conceitos, visando a expressar as metas mínimas de competência e desempenho exigidas para enfrentar com sucesso as situações que se nos apresentam como cidadão, como trabalhador e ainda como consumidor. Falamos da alfabetização informacional e da alfabetização tecnológica. Cada vez mais, em contextos interativos como a Internet, será necessário estar alfabetizado informacionalmente: saber que informações existem, onde se encontram, como buscá-las, como discriminar sua relevância, como transformá-las para seu aproveitamento. A alfabetização tecnológica desdobra as capacidades intelectuais básicas do cálculo, da leitura e da escrita, assim como agrega, à competência informacional e digital, conteúdos e habilidades de conhecimento técnico-científico tanto gerais (como conhecimentos acerca de alimentos e de equipamentos eletrônicos coletivos ou domésticos), quanto em diversos graus e direções de especialização (química, biologia, técnicas têxteis, agrícolas, entre outras). Cada vez mais no trabalho como na vida cotidiana, as populações terão de avaliar situações, produtos, matérias e tecnologias que demandarão sua alfabetização informacional e tecnológica, em graus cada vez mais avançados. Análise da conjuntura e questionamentos Os indicadores sociais que apresentamos apontam para números preocupantes. Resumiria dizendo que, hoje, existe uma população de 17 milhões de analfabetos, 50 milhões de pobres e que, provavelmente, mais da metade da população carece de algumas das habilidades de leitura, cálculo, escrita, busca e interpretação de informação, que hoje são cada vez mais importantes nas sociedades orientadas pela informação e o conhecimento. Considerando o trabalho como a forma mais digna de se combater a miséria, devemos, 62

com urgência, encontrar respostas para os seguintes questionamentos: Como fazer ingressar, em um sistema produtivo, essa população de analfabetos? O que fazer com milhões de trabalhadores cuja força de trabalho é cada vez menos exigida, ou nem mais o é? Como distribuir renda com pessoas sem qualificação profissional, principalmente nesse momento em que a explosão tecnológica que ocorre no mundo está a exigir cada vez mais das pessoas atualização permanente de seus conhecimentos? Como superar as desigualdades regionais, quando se tem a consciência de que elas aumentam com a concentração do conhecimento? O discurso do crescimento econômico como fórmula de geração de trabalho torna-se, diante dessa massa de excluídos, inócuo, porque poderemos ter aumento significativo do PIB sem que isso implique geração de um grande número de empregos (o Brasil tem o 12º PIB mundial e o 69º IDH). Hoje, se houvesse um reaquecimento da economia, com novos investimentos em áreas de alta tecnologia, esses trabalhadores estariam fora mercado de trabalho. Tal é o avanço tecnológico, que, em breve, poderemos nos deparar com situações em que teremos, de um lado, pessoas procurando emprego e, na contramão, trabalho procurando profissional. Segundo o professor José Soares Teixeira, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a instabilidade da ocupação e as elevadas taxas de desemprego são uma verdadeira negação do direito elementar à vida, na medida em que condenam a grande maioria dos trabalhadores a um estado de pobreza e de miséria que chega a beirar a indigência material e até mesmo espiritual. Temos de criar, com urgência, mecanismos ágeis e flexíveis de transferência de conhecimentos para a população, a partir de atalhos que avancem sobre os mecanismos tradicionais da educação e que tenham ação de massa, porque os excluídos são muitos. Os indicadores sociais que acabamos de ver estão a exigir, das instituições que detêm o conhecimento, ações que venham contribuir de modo decisivo no processo de educação para o trabalho, em todos os níveis. Certamente, a geração de emprego e a distribuição de renda só acontecerão quando investirmos no capital humano e procedermos a uma profunda transformação na lógica do desenvolvimento. Temos de definir com urgência a seguinte questão: Desenvolvimento para que e para quem? O modelo que temos de discutir é o que esteja pautado em uma visão de crescimento socioeconômico baseado em uma economia que leve em conta as pessoas. Na minha visão, qualquer alternativa de desenvolvimento só é real quando está voltada para resolver os problemas da população. Como bem questionado no trabalho Tecnologia, educação e saber, de Carlos Rodrigues Brandão e Samuel Aarão Reis, não podemos aceitar como indicadores de desenvolvimento apenas números ou índices que expressem aumento de PIB, volume de exportações, superávit primário, sem considerar por trás de tudo isso o homem com oportunidade para uma vida melhor, justiça social, elevação do nível e qualidade de emprego, garantia de salários dignos, ampliação dos serviços de educação e saúde, saneamento básico e alimentação. O investimento no capital humano, por sua vez, deve ser feito por meio de um sistema educativo eficiente e de qualidade. O salto de qualidade só virá se tivermos a capacidade de realizar mudanças profundas no sistema de transferência de conhecimentos e se este for capaz de envolver toda a sociedade. O que fazer, então, com esses trabalhadores sem esperança de emprego porque lhes falta a devida qualificação profissional? 63

Ariosto Holanda Temos de ousar e partir para um processo de interação com a sociedade do tipo educar trabalhando e trabalhar educando. Ao lado do mecanismo educacional, deve ser perseguida a implantação de um amplo sistema de informação tecnológica no sentido de proporcionar aos pequenos segmentos produtivos, acompanhando as mudanças aceleradas que constantemente geram analfabetismo tecnológico, condições de conhecer e de apropriar novas tecnologias. As ações a serem desenvolvidas devem ser tais que integrem todos os segmentos da sociedade. Elas não podem ser estanques e isoladas e devem ter como objetivo o homem no seu estágio atual de conhecimentos e no seu contexto social. O analfabeto fora da escola, o analfabeto tecnológico dentro da escola, a escola fora da realidade atual, a universidade sem interagir com os problemas do meio e o setor produtivo isolado dos problemas educacionais e tecnológicos são verdadeiros desafios para qualquer governo que queira promover uma revolução educacional, científica e tecnológica. O programa que ora apresentamos e defendemos tem como finalidade principal a implantação de projetos voltados para vencer esses desafios e atingir o objetivo maior, que é o de capacitar para o trabalho. 2. Criação de bolsas de desenvolvimento regional a cargo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para remunerar os extensionistas desses centros. 3. Instalação de infovias com os instrumentos da Internet e da videoconferência como suporte aos projetos de educação a distância e banco de soluções e informação. Ao equacionarmos o problema da educação e do trabalho, outros problemas, como os de segurança, seriam de mais fácil solução. A grave questão social da concentração da renda ameaça famílias que, ainda hoje, lutam pelo direito à mera sobrevivência. Sem criminalizar a pobreza, a falta de alternativas não limita só a vida e a experiência individual dos excluídos, muito mais atravanca o desenvolvimento do país, que, por seu potencial econômico, sua diversidade natural e cultural, demanda um lugar de destaque entre os países emergentes e na América Latina. E, por falar em concentração de renda, analise as figuras 1 e 2, a seguir, com os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Observe, na figura 1, que o coeficiente de Ginni, que mede a concentração da renda, vem se mantendo ao longo dos últimos 20 anos no patamar 0,6. Nos países onde existe uma boa distribuição de renda, esse número fica em torno de 0,25. O que se poderia constituir em bons atalhos? 1. Implantação, nos municípios, de centros vocacionais tecnológicos equipados com laboratórios, tendo a gestão de universidades, centros tecnológicos federais, instituições de pesquisas ou outros, para realizar um grande trabalho de extensão ou de transferências de conhecimentos para a população, observando a vocação da região. 64 FIGURA 1 Concentração de renda (coeficiente de Ginni) Relatório Ipea Ano 2000 Brasil: Coeficiente de Ginni, 1977-1999

A figura 2 mostra que 50% da renda está concentrada em 10% da população, enquanto 50% da população detêm somente 10% da renda. FIGURA 2 Distribuição de renda Brasil: Distribuição de renda por faixas, 1977-1999 Ações a serem desenvolvidas Como observamos no início, duas ações básicas devem se dar no resgate da cidadania: educação e trabalho. O combate à pobreza deve partir da idéia de que o grau de escolaridade é um dos fatores, senão o mais importante, na determinação do nível de emprego e de renda das pessoas. Existe certa correlação, embora não facilmente demonstrável, entre escolaridade, qualificação e emprego. O fato é que não se pode negar que, em um mundo submetido a rápidas mudanças tecnológicas, o emprego depende, em grande parte, do acesso fácil, por parte dos trabalhadores, às inovações tecnológicas e às novas habilidades exigidas pelo mercado. Relatório Ipea Ano 2000 Nessa luta de combate à pobreza, considero como premissas importantes: pensar em uma economia que leve em conta as pessoas; Somente por meio de uma ação de massa, de apoio aos trabalhadores e aos pequenos negócios, poderemos chegar a uma sociedade mais justa, mais humana e mais equilibrada. Hoje, em pleno século XXI, constatamos que temos conhecimento e tecnologia, com base na engenharia genética, na química fina, na biotecnologia e em outras ciências, que seriam capazes de assegurar uma superprodução de medicamentos ou de alimentos para curar a maioria das doenças e matar a fome de milhões de famintos. sair da lógica do desenvolvimento com base no mercado para a lógica da social democracia, segundo a qual o Estado deve exercer o papel regulador do processo de desenvolvimento; massificar as ações da extensão tecnológica via universidades, centros de ensino tecnológico e instituições de tecnologia; implantar linhas de crédito voltadas para fundo de aval e microcrédito; abrir mercado na área de serviços e de produtos que contemple os pequenos negócios como compra e serviços governamentais. O que o governo (municipal, estadual e federal) compra ou contrata que pode ser feito pelo pequeno? Se não o fazemos, é porque vivemos em um mundo onde a lógica do desenvolvimento é perversa; lógica que está alicerçada na ambição, no egoísmo, na ganância e na luta pelo poder. E nesse cenário o homem é atropelado, esquecido, ou visto como agregado de máquina. Concluindo e dentro desse contexto, trago para reflexão considerações do sociólogo belga F. Houtart, quando analisa a civilização atual. Diz ele: Torna-se cada vez mais claro, teórica e praticamente, o que indubitavelmente é também o caso do Brasil, que há uma enorme contradição entre o sonho de um mundo livre da pobreza e as políticas executadas para combatê-la. Elas se inserem numa lógica econômica global que não é inocente, porque beneficia uns e prejudica 65

Ariosto Holanda outros, criando sempre de novo desigualdades e antagonismos. São observações importantes: 1) a pobreza é um problema social historicamente construído que só pode ser entendido quando consideramos as relações sociais existentes numa economia de mercado capitalista tanto no interior de cada sociedade como em âmbito mundial; 2) no mundo atual, a pobreza e a miséria são domináveis. Portanto, não tem sentido sua reprodução ao infinito como se tratasse de um dado do destino, nem o estabelecimento de prazos tão longos para sua erradicação. A riqueza, que somos capazes de produzir, já pode satisfazer as necessidades. O que não resolve nada é que ela continue sendo produzida apoiando-se na pobreza e, pior ainda, condicionando-se o crescimento à redução das proteções sociais, à privatização dos serviços e ao aumento das desigualdades; 3) não se pode defender políticas de combate à pobreza estruturalmente desvinculadas do contexto global. Há muitas iniciativas em execução que podem trazer certos benefícios, mas que possuem somente uma eficácia aleatória, uma vez que as políticas macroeconômicas têm como efeito aprofundar a precariedade das condições de vida dos trabalhadores, concentrar a riqueza, destruir a previdência social, destinar os recursos públicos a gastos rentáveis para o capital, deixando intocada a máquina que fabrica os pobres. REFERÊNCIAS BRANDÃO, Carlos Rodrigues; REIS, Samuel Aarão. Tecnologia alternativa, educação e saber. Salvador: CEPED, 1982. 45 p. HOUTART, François. O sentido da luta contra a pobreza para o neoliberalismo. 2004. Disponível em: <www.adital.com.br>. Acesso em: 2006. RESULTADOS para a instabilidade da ocupação e as elevadas taxas de desemprego. Disponível em: <blogurl:franciscojoseteixeira.blogspot.com>; <Francisco Teixeirahttp://franciscojoseteixeira.blogspot.com2006-08-22T21:01:00Z2006-08-22T21:01:00Z>. Acesso em: 2006. SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. ISBN 8571646066. 66