COMPREENDENDO PROBLEMAS DE DIVISÃO DENTRO E FORA DE UM TEXTO INFORMATIVO Karoline Maciel Sobreira Síntria Labres Lautert Marina Ferreira da Silva Costa Fernanda Augusta Lima das Chagas Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Karoline_sobreira@yahoo.com.br; sintrialautert@gmail.com; marinas.costa@hotmail.com; chagasfernanda@hotmail.com RESUMO De acordo com os resultados obtidos através das avaliações do Ensino Básico, Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco (SAEP), foi constatado que as habilidades e competências necessárias para um bom desempenho em Língua Portuguesa e em Matemática não têm sido promovidas no decorrer dos primeiros anos do Ensino Fundamental. Esses resultados, no entanto, apenas indicam quais são as dificuldades enfrentadas pela escola básica em relação à aprendizagem da leitura e da matemática de crianças e jovens, fazendo-se necessário a realização de investigações que possam trazer contribuições para o enfrentamento e superação dessas dificuldades a partir compreensão de como as competências de leitura e matemática têm sido abordadas no contexto escolar. Tendo em vista que, em geral, essas competências têm sido tratadas de forma independente uma da outra, a presente pesquisa se propõe a investigar conjuntamente a leitura e a matemática, tendo como objetivos (1) investigar o desempenho de crianças para compreender e resolver problemas de divisão (partição e quota) contidos no texto informativo; (2) comparar o desempenho das crianças quando solicitadas a resolver os problemas matemáticos contidos dentro do texto e em problemas apresentados como prototípicos escolares. Participaram da investigação 40 estudantes, de ambos os sexos, com idades entre 9 e 14 anos, cursando a 4ª série do Ensino Fundamental I, de uma escola Trabalho Financiado pela Fundação de Amparo a Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE).
pública da cidade do Recife. Os estudantes foram solicitados a realizar duas tarefas que ocorreram em duas diferentes sessões, sendo a ordem de apresentação das atividades randomizada. Em uma sessão, foram solicitados a responder questões de compreensão relacionadas ao texto informativo, dentre as quais estavam presentes duas questões referentes aos dois tipos de problemas de divisão e, em outra sessão, a resolver dois problemas de divisão prototípicos escolares (por partição e por quotas), análogos aos problemas apresentados no texto informativo. A partir da análise dos dados foi possível observar que a compreensão significativa do texto não garantiu, para a população investigada, a resolução adequada dos dois tipos de problemas de divisão propostos. No que se refere à comparação da resolução dos problemas apresentados no texto e dos problemas prototípicos escolares, observou-se que nas duas atividades as crianças apresentaram um percentual elevado de erros nos dois tipos de problemas. Verifica-se, ainda, que de modo geral, os participantes, quando acertam, apresentam um melhor desempenho nos problemas prototípicos escolares. Palavras-chaves: compreensão; problemas de divisão; texto informativo. 1. Introdução As competências em leitura e matemática são construídas ao longo do desenvolvimento dos indivíduos. As escolas configuram-se como um local destinado a aprendizagem dessas competências e o professor como principal mediador entre os objetos de conhecimento e o sujeito aprendiz. Assim, nesta investigação assume-se a concepção de leitura enquanto interação dinâmica e ativa entre o leitor e o texto, sendo essa interação responsável pela grande variedade de sentidos que um texto possibilita. Dessa forma, mesmo que o conteúdo do texto seja invariável, é possível uma multiplicidade de interpretações que variam de acordo com os objetivos, com as experiências e com os conhecimentos prévios do leitor. É valido ressaltar que, apesar dessa multiplicidade de interpretações que um texto possibilita, a compreensão textual ocorre dentro de alguns limites indicados pelo autor do texto, que ao escrever tem a intenção de levar o leitor a construir os sentidos por ele desejado. Para auxiliar nesse processo de construção de sentidos, o autor do texto utiliza-se de pistas lingüísticas que possibilitam ao leitor ativar os conhecimentos necessários para a reconstrução dos sentidos anteriormente construídos por ele (FERREIRA; DIAS, 200). Na construção de sentido e no ato de leitura de textos, o leitor deve considerar que os mesmos se baseiam em estruturas relativamente estáveis que constituem os diferentes
gêneros textuais, sendo importante ressaltar que apesar de apresentarem tais estruturas, os gêneros não se caracterizam e nem se definem apenas por seus aspectos formais, mas também por aspectos funcionais e sócio-comunicativos (MARCUSCHI, 2003). Marcuschi (2003) ressalta a distinção existente entre gêneros textuais e tipos textuais. Os primeiros designam os textos materializados que estão presentes no nosso cotidiano e que possuem características sócio-comunicativas; já os segundos, são seqüências lingüísticas, tais como: aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, que se apresentam no interior dos gêneros textuais, sendo os mais conhecidos: a narração, a argumentação, a exposição, a descrição e a injunção. Dentre os tipos textuais existentes, a presente investigação focalizou o texto informativo que, segundo Mesquita (199), é um tipo de texto que tem a intenção de transmitir algo, utilizando palavras no sentido denotativo para que não seja possível mais de uma interpretação. Cunha (2003) acrescenta ainda que os textos informativos visam a fazer saber, apresentando verbos no passado, em terceira pessoa, e se propondo a responder as seguintes questões: o quê? quem? quando? e onde? No caso de notícias, um texto pertencente à categoria informativo, espera-se que também sejam respondidas as seguintes questões: como? por quê? e daí? Tendo isso em vista, pode-se dizer que, da mesma forma que os gêneros e tipos textuais são condicionantes das situações de leitura, regulando os seus objetivos e promovendo o desenvolvimento dessa competência, a leitura, por outro lado, favorece o desenvolvimento de outras competências e habilidades cognitivas, dentre as quais a da matemática, uma vez que a leitura pode favorecer o desenvolvimento de várias outras linguagens. Segundo Vergnaud (2003), a compreensão de um conceito matemático envolve três dimensões, a saber: um conjunto de situações que dão sentido ao conceito; um conjunto de invariantes operatórios que constituem as diferentes propriedades do conceito e um conjunto de representações simbólicas que possibilitam a simbolização do conceito. As situações que envolvem a divisão enquanto operação matemática, no que tange ao isomorfismo de medidas, podem ser representadas por dois tipos de problemas, os problemas de divisão por partição e os problemas de divisão por quotas. Nos primeiros, é fornecida uma quantidade inicial e o número de partes em que essa quantidade inicial deverá ser distribuída, sendo o tamanho de cada parte o resultado encontrado. Já nos segundos é fornecido o valor do conjunto inicial que deverá ser dividido em quotas preestabelecidas, sendo o número de partes obtidas o resultado encontrado. Correa e Spinillo (2004) afirmam que a compreensão do conceito de divisão é, muitas vezes, confundida com a competência de operar com os algoritmos. Esta forma de compreender o conceito de divisão acarreta algumas limitações, ao passo que reduz à
matemática a operar com algoritmos, desconhecendo assim que esta fornece modelos para a compreensão e representação do mundo, e ignora a distinção existente entre os conceitos de operação e algoritmo. É importante ressaltar, ainda, a distinção existente entre dividir como operação matemática e o ato social de partilhar. No ato social de partilhar, a criança recorre a um raciocínio aditivo, em que, a cada rodada, mais um elemento é acrescentado até que não haja mais possibilidade para uma nova rodada de distribuição. Sendo assim, ao dividir no cotidiano a criança não está atenta aos invariantes que envolvem o conceito da divisão. Enquanto que para realizar a operação matemática da divisão é fundamental que a criança esteja atenta às relações entre as quantidades que estão sendo distribuídas, ou seja, implica em estabelecer relações entre os termos da operação e considerar os invariantes que envolvem esse conceito (CORREA; SPINILLO, 2004; LAUTERT; SPINILLO, 2002). Diante do exposto a presente investigação tem como objetivos: 1) investigar o desempenho de crianças para compreender um texto informativo e resolver problemas de divisão (partição e quota) contidos neste texto; (2) comparar o desempenho das crianças quando solicitadas a resolver os problemas matemáticos contidos no texto e os problemas apresentados como prototípicos escolares. 2. Metodologia 2.1. Participantes: Quarenta estudantes, de ambos os sexos, com a faixa etária de 9 a 14 anos, alunos de uma escola pública localizada na cidade do Recife, cursando a 4ª série do Ensino Fundamental I. Esta série foi escolhida para garantir que a amostra fosse constituída por estudantes que já trabalharam formalmente com a operação da divisão. 2.2. Materiais: Um texto informativo acompanhado de um conjunto de dez questões de compreensão; um livro contendo folha de identificação e dois problemas de divisão (partição e quota), com espaço para a resolução; lápis, borracha, papel e MP3 para a gravação das sessões que foram posteriormente transcritas em protocolos individuais. 2.3. Procedimentos: A coleta dos dados foi composta por duas atividades, a saber: (1) atividade de compreensão textual e (2) resolução de problemas de divisão prototípicos escolares. Estas atividades foram realizadas individualmente em duas sessões. Na atividade de compreensão textual, os participantes foram solicitados a responder oralmente às questões de compreensão relacionadas ao texto (literais e inferenciais), havendo entre elas duas relativas a problemas de divisão por partição e por quota. A instrução pode ser assim resumida: Eu vou ler um texto para você e depois vou fazer algumas perguntas
relacionadas a ele. Para responder as perguntas você terá a sua disposição lápis e papel e poderá utilizá-los se desejar. No momento em que eu estiver fazendo as perguntas o texto também ficará a sua disposição e você poderá consultá-lo. Após essa instrução, o examinador iniciava a leitura do texto e, posteriormente, lia oralmente as questões de compreensão para o participante. O texto e as perguntas foram lidos mais de uma vez de acordo com a necessidade de cada participante. Na atividade resolução de problemas de divisão prototípicos escolares, os participantes foram solicitados a resolver dois problemas de divisão (um por partição e um por quota) com pares numéricos análogos aqueles presentes no texto informativo. Para tal, foi fornecida a seguinte instrução: Eu vou ler um problema e gostaria que você resolvesse. Após a resolução, o examinador, através de uma entrevista clínica, solicitava explicações acerca do que foi realizado. Salienta-se que as atividades foram randomizadas, obedecendo à seguinte ordem: metade dos participantes respondeu às questões de compreensão relacionadas ao texto, na primeira sessão, e os problemas de divisão prototípicos escolares, na segunda (Grupo 1); e a outra metade resolveu os problemas de divisão na primeira sessão e, as questões de compreensão textual, na segunda (Grupo 2). O mesmo procedimento foi adotado em relação à ordem de apresentação dos tipos de problemas (partição e quotas). 3. Resultados e Discussões Os dados foram analisados qualitativa e quantitativamente, buscando-se enfocar as a relação entre: (1) a compreensão de texto informativo e a resolução de problemas de divisão por partição e por quotas, sem resto, contidos no texto e (2) a resolução dos problemas de divisão presentes no texto e a resolução de problemas de divisão prototípicos escolares. Quanto à compreensão, foram elaboradas as seguintes categorias: compreende significativamente e compreende literalmente. A partir dessa categorização, foram realizadas comparações entre o tipo de compreensão e o desempenho na resolução de problemas, como demonstra a Tabela 1 abaixo. Tabela 1: Freqüência de crianças (percentual entre parênteses) considerando a compreensão textual e a resolução de problema. Compreensão sobre o texto Literal (n=9) Significativa (n=31) Problemas Não Resolve resolve Ambos Partição Quotas (6) 19 (61) 1 (11) (16) 3 (33) (16) 0 (0) 2 (7)
De modo geral, verifica-se na Tabela 1 que os participantes não apresentaram dificuldades para compreender o texto informativo de forma significativa. Também é possível observar que compreender o texto significativamente não garante que os problemas de divisão por partição e por quotas sejam respondidos adequadamente. Ao mesmo tempo em que, compreender o texto literalmente também não possibilita a resolução adequada dos problemas. Considera-se ainda que os problemas de partição tiveram um índice maior de resoluções adequadas quando comparado aos problemas de divisão por quotas, corroborando com os resultados de estudos que apontam que os problemas de partição são mais fáceis de resolver porque a noção inicial que a criança tem sobre a divisão é decorrente da idéia de repartir, distribuir (CORREA; NUNES; BRYANT, 1998). Quanto à comparação da resolução dos problemas dentro e fora do texto (problemas prototípicos escolares), constata-se na Tabela 2 que em ambas as atividades as crianças apresentam um percentual elevado de erros nos dois tipos de problemas. Verifica-se, ainda, que de modo geral, os participantes, quando acertam, apresentam um melhor desempenho nos problemas prototípicos escolares. No entanto, observa-se que em relação aos tipos de problemas, o de partição tem um percentual maior de acerto quando aparecem contidos no texto. Isto talvez se explique pelo fato de que este favorece a criação de um contexto próximo ao cotidiano, o que pode facilitar a resolução de problemas de partição que são originados em situações do dia-a-dia que envolvem a noção de repartir (distribuir). Tabela 2: Freqüência de crianças (percentual entre parênteses) considerando a resolução dos problemas contidos no texto e a resolução dos problemas prototípicos. Acerta Acerta Acerta Problemas Erra ambos ambos partição quota Contidos no texto (n=40) Prototípicos escolares(n=40) 6 (1) 10 (2) 8 (20) (12) 2 () 4 (10) 24 (60) 21 (3) 4. Conclusões Os resultados indicam que a maioria dos participantes é capaz de compreender o texto informativo, o que parece indicar que não existe dificuldade de compreensão em relação a esse tipo textual, embora tradicionalmente seja pouco explorado no contexto escolar. No entanto, verifica-se que uma leitura significativa desse texto não garantiu, para a população investigada, a resolução adequada dos dois tipos de problemas de divisão propostos (partição ou quotas). Quanto aos dois tipos de problemas de divisão (partição e quotas) utilizados, verificou-se que os de quotas foram os mais difíceis de serem resolvidos, corroborando com estudos da área (e.g. CORREA; NUNES; BRYANT, 1998) que ressaltam
que os problemas de partição são mais fáceis porque envolve esquema de distribuição presente nas atividades diárias, como, por exemplo, dividir biscoitos na hora do lanche. Tendo em vista a comparação entre as duas competências investigadas (leitura e matemática), constata-se que, para a população investigada, a competência leitora apresenta-se mais desenvolvida quando comparada à competência em matemática, especificamente em relação ao conceito de divisão. Isto talvez seja um reflexo dos programas voltados para a promoção da leitura, no contexto escolar e social, tanto em escala nacional como estadual e municipal. Ademais, o baixo desempenho dos estudantes em resolverem os problemas pode ser decorrente de propostas de ensino que reduzem a matemática à execução de algoritmos, ignorando que esta fornece modelos para a representação e compreensão do mundo e desconhece que, do ponto de vista psicológico, o processo de aquisição dos conceitos matemáticos envolvem invariantes operatórios, sistemas de representação e situações que conferem significados aos conceitos (VERGNAUD, 2003).. Referências CORREA, Jane; NUNES, Terezinha; BRYANT, Peter. Young children s understanding of division: The relationship between division terms in a non-computational task. Journal of Educational Psychology, Estados Unidos da América, v. 90, n. 2, p. 321-329,1998. CORREA, Jane; SPINILLO, Alina Galvão. O desenvolvimento do raciocínio multiplicativo em crianças. PAVANELLO, Regina (Org.). Matemática nas séries iniciais do ensino fundamental: a pesquisa e a sala de aula. São Paulo: Biblioteca do Educador Matemático, Coleção SBEM, p. 103-127, 2004. CUNHA, Dóris de Arruda Carneiro. O funcionamento dialógico em notícias e artigos de opinião. In: DIONISIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs). Gêneros textuais e ensino. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. FERREIRA, Sandra Patrícia Ataíde; DIAS, Maria da Graças Bompastor. Leitor e leituras: considerações sobre gêneros textuais e construção de sentidos. Psicologia: reflexão e crítica, Porto Alegre, v. 18, n.3. 200. LAUTERT, Síntria Labres; SPINILLO, Alina Galvão. As relações entre o desempenho em problemas de divisão e as concepções de crianças sobre a divisão. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v.18, n. 3, p. 237-246, 2002. MARCUSCHI, Luiz Antonio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs). Gêneros textuais e ensino. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, p. 166-179, 2003. MESQUITA, Roberto Melo. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: ed. Saraiva, 199. VERGNAUD. G. A gênese dos campos conceituais. In: GROSSI, E. P. (Org.). Por que ainda há quem não aprende? A teoria. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. p 21-64.