O menino que florescia Jen Wojtowicz



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Transcrição:

Tradução Maria Luiza X. de A. Borges Ilustrações Steve Adams Temas Respeito às diferenças; Preconceito; Aceitação x Exclusão; Amizade; Amor Guia de leitura para o professor 32 páginas Um livro para ler em todos os sentidos e com todos os sentidos 2008996275014 Um garoto incomum Num mundo em que cotidianamente as crianças defrontam com a intolerância e com preconceitos de toda ordem (étnicos, religiosos, raciais etc.), que sob a égide da globalização pretendem neutralizar as diferenças, é um privilégio ter em mãos um livro que conta a história mágica e rara de Vicente Calaveira, que possibilita inúmeras leituras. Vicente é um menino incomum. Em noites de lua cheia, brotam flores em seu corpo; ele gosta de ir à escola para ler e pensar, mas é deixado de lado por seus colegas por causa de sua estranheza. O encontro com Angelina del Valle uma menina também diferente, mas aceita pelos amigos vai mudar a história de exclusão de Vicente. Oriunda de uma família que trabalha no ramo da dança de salão, Angelina tem maneiras afáveis, sorriso luminoso e uma perna mais curta que a outra. E logo que percebe a situação de Vicente no grupo, questiona as atitudes dos colegas. Ele, por sua vez, vai surpreendê-la com um presente e aproximar-se dela para sempre. No final, o leitor descobre que eles são, na verdade, mais parecidos do que se poderia imaginar.

Falando de cobras e lagartos com flores e delicadezas Para discutir algumas questões importantes, que talvez incomodem no dia-a-dia, como aceitação/exclusão, diferenças/semelhanças, amizade/amor, preconceito/alteridade, a autora encontrou uma maneira bastante eficaz. Ela foi sutil e delicada, usando, por exemplo, a simbologia das flores e do sapatinho, elementos que possibilitam a criação de uma imagem encantada, apresentada logo na primeira página do livro. Essa imagen representa, sinteticamente, o que vai ser contado. As flores, que normalmente representam o bom e o belo, nesta história vão além, simbolizando a união das crianças entre elas e com a própria natureza. No final, são as flores que vão garantir o sustento de toda a família ( Angelina e Vicente ganham a vida com jardinagem, p. 32). As flores também reforçam o clima de delicadeza e despertam ainda mais a emoção e os sentimentos proveitosos. O mesmo acontece em As fadas de Charles Perrault (1628-1703). Nessa narrativa, da boca da personagem principal surgem flores e pedras preciosas, ao passo que da boca de sua irmã maldosa saem cobras e lagartos. As flores, nas histórias e na vida, estão ligadas à bondade, à recompensa e à alegria. Neste livro, elas nascem em noites de lua cheia, pois fazem parte da natureza e seus ciclos; brotam também por causa da alegria de Vicente, pois estão vinculadas aos sentimentos do menino. O sapatinho que torna possível Angelina ir ao baile, dançar e encontrar seu par encontra referências em outro conto de fadas, Cinderela. Em O menino que florescia, o sapatinho é o símbolo da união entre os dois personagens, além de possuir a qualidade de ter sido feito à mão e especialmente para a menina ( Com muita concentração, pensou nos pés de Angelina. [...] Então cortou, costurou, colou, p. 19). Mais uma vez destaca-se o valor da singularidade. Esse presente artesanal, feito de pele de cobra, linha de seda e couro de uma velha sela, realça elementos naturais e ações solidárias que estão na base de toda a temática do livro. É interessante notar como a relação entre Vicente e Angelina anula a costumeira diferença entre meninos e meninas. A flor (substantivo feminino e símbolo de feminilidade) está ligada a ele; o sapato (substantivo masculino e elemento de vestuário, não

necessariamente feminino) está ligado a ela. Nessa inversão de imagens, símbolos e valores, o que importa é a união, representada pela imagem da flor que brota de um sapato. O propósito não é marcar diferenças, mas, ao contrário, celebrar encontros. O poder das palavras Nesta história, a linguagem está em ressonância com o ambiente de magia e delicadeza. A formalidade nos diálogos entre Vicente e Angelina ( São para você disse ele, oferecendo os sapatos a Angelina. Com eles, você vai dançar muito bem, p. 25) expressa uma relação cuidadosa e de respeito, nada banalizada. Em outras situações, a linguagem poética produz imagens inovadoras, como na passagem em que Angelina sente falta de Vicente na sala de aula ( Percebia, com assombro, como a ausência de Vicente podia embaçar um dia tão bonito, tão ensolarado, p. 15). É pelo uso criativo da linguagem que o sentimento aflora. Ainda em relação à linguagem, é curioso notar o tratamento dado aos nomes próprios dos personagens. Na tradução para o português, mantêm-se as relações entre os nomes e certas características de personalidade. Vicente, de origem latina, significa vencedor, o que sabe dominar-se. E, ao descrever como ele lida com o fato de ser tão diferente, seu nome vem bem a calhar ( Algumas pessoas passariam mal e cairiam de cama se por acaso florescessem mas não Vicente, p. 9). Angelina é diminutivo de Ângela, que vem do grego, e significa anjo, mensageiro. Vale lembrar que é ela quem defende Vicente das críticas de seus colegas. Cabe lembrar também a descrição que Vicente faz dela ( Ela é franca e direta, mas sempre amável, p. 12). Na escolha dos nomes dos colegas de Vicente, há um toque de humor e crítica por eles menosprezarem o protagonista. Por exemplo, o nome de Shirleide Silva, que sibila como uma cobra contra a mãe dele (p. 12); além disso, há sonoridade e uso onomatopéico do verbo sibilar. Nomear personagens de acordo com suas características é uma preocupação literária, muitas vezes um elemento-chave nas obras de grandes mestres como William Shakespeare (1564-1616), Anton Tchekhov (1860-1904), Guy de Maupassant (1850-1893), Guimarães Rosa (1908-1967) só para citar alguns. Na verdade, ao nomear os personagens, os autores usam um recurso sintético e criativo para descrevê-los física, emocional e psicologicamente.

Encontro com o maravilhoso A magia e a imaginação são ingredientes que remetem a um gênero de narrativa de tradição oral, o conto maravilhoso, tipo tradicional de história em que as situações e os personagens são regidos por uma lógica diferente. Em geral, o espaço em que essas histórias acontecem são os bosques e as florestas. E, para a solução de problemas, há intervenção de elementos mágicos. O menino que florescia tem muitas dessas características. Vicente Calaveira mora com a família na montanha Solitária. Para chegar à sua casa, é preciso afastar-se da estrada de asfalto, saltar o riacho das Águas Turvas e seguir por uma trilha em meio às árvores antigas de uma floresta virgem. O livro convida o leitor a seguir por esse caminho, distanciar-se da cidade e de toda a lógica racional para ir ao encontro do maravilhoso. Afinal de contas, esta é a história de um menino que faz parte de uma estranha família: seu tio amansa cascavéis e seus irmãos mudam de forma. Só mesmo pegando essa trilha para aceitar a viagem pelo mundo de Vicente! Aqui, realidade e fantasia estão em perfeita harmonia. Alguns personagens, cenários e fatos, como a escola, a professora, os colegas de Vicente e o baile, que fazem parte do cotidiano do aluno, mesclam-se a elementos e acontecimentos fantásticos. Flores que nascem em corpos humanos, pessoas que têm capacidade de se metamorfosear, florestas virgens que abrigam gente estranha... Os próprios personagens são exemplos dessa mistura. Não há presença explícita de seres maravilhosos como fadas, duendes, gnomos. Mas Vicente e Angelina apresentam a magia em seus próprios corpos. A imagem sob a perspectiva das crianças é uma pintora que por acaso também escreve. Esse trecho da biografia da autora reforça o sentido da escolha conseqüente das palavras, mas também da importância das belas ilustrações criadas pelo ilustrador Steve Adams, que atraem o leitor para a mágica trajetória de Angelina e de Vicente. O visual carrega em seus traços a harmonia e a magia da história, estabelecendo um contraste interessante ao tema da narrativa: a exposição das diferenças reais.

O conto maravilhoso: um reino sem verdades nem mentiras Ao escrever sobre os gêneros literários e a tradição oral, Irene Machado descreve um tipo de narrativa de tradição oral que leva o conto popular para o reino do maravilhoso. Trata-se de uma modalidade das histórias de encantamento, em que os personagens e as situações são regidos por uma lógica diferente, e que acontecem num espaço regido por leis distintas daquelas que regem o mundo cotidiano. Quanto ao tempo, tudo pode acontecer de repente e a duração dos acontecimentos não é medida pelas mesmas unidades temporais que vivenciamos. Para a solução de problemas, há a intervenção de magia ou de objeto mágico; o desenlace pode ser constituído por casamento, recompensa, reparação do dano. Nessas histórias encontra-se a estrutura mínima de toda narrativa. Para saber mais: MACHADO, I. A. Literatura e redação. São Paulo: Scipione, 1994. Ler é constituir sentidos e não reconstituir Há algumas décadas, estudiosos da língua e da linguagem ampliam o leque de pesquisas sobre a leitura. Dominar o alfabeto e o significado imediato das palavras é apenas um dos elementos dessa prática. Para compreender um texto, escreveu Merlin C. Wittrock na década de 1980, nós não apenas o lemos, no sentido estrito da palavra: nós construímos um significado para ele. Por isso, para A ilustração de um livro é fator determinante para a compreensão do texto. É possível acompanhar e sentir a história apenas lendo-a visualmente. Há um contar nas imagens e pelas imagens. A suavidade dos traços, o tom vivo das cores, a textura acolhedora das telas cada página, como se fosse um quadro, convida o leitor a contemplar, a empreender uma viagem sinestésica, percebendo cores e texturas. A interioridade da contemplação reside na cor, e em seu meio desenrola-se a vida sonhadora que as coisas levam no espírito das crianças. Elas aprendem no colorido, afirmou o filósofo alemão Walter Benjamin, que também escreveu ensaios sobre ilustrações de livros infantis. Para saber mais: BENJAMIN, W. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2002. fazer sentido, um texto pede que seu leitor faça relações entre aquilo que já conhece suas experiências de vida e elementos de outras leituras, frases, parágrafos e trechos escritos. A leitura é, portanto, um processo de caráter individual e social, que envolve compreensão do mundo, conhecimentos prévios e grande variedade de processos cognitivos (de pensamento), psicológicos e emocionais. Importante também é o caráter progressivo e, portanto, processual do aprendizado de leitura: o aluno desenvolvese como leitor aos poucos, à medida que segue pelos diferentes níveis de escolaridade. O professor exerce papel fundamental nesse processo, pois, como afirma o professor americano Frank Smith, da Universidade de Harvard: A responsabilidade do professor não é ensinar a ler, mas a de tornar a aprendizagem de leitura possível. E prazerosa, principalmente para leitores principiantes. Para saber mais: MANGUEL, A. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. SMITH, F. Leitura significativa. Porto Alegre: Artmed, 1998. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Dica para o professor Polifonia e intertextualidade: uma conversa sem fim Esses dois conceitos tornaram-se fundamentais para as várias ciências da linguagem. Podem ser usados para determinar o que se entende por texto ou mesmo para conceber práticas de leitura e de produção escrita. Considerando seu sentido restrito, como o próprio termo explicita, pode-se dizer que a intertextualidade é a relação de um texto com outros textos já produzidos. Por exemplo, há intertextualidade entre O menino que florescia e o conto de fadas Cinderela, pois neles se reconhecem as mesmas estruturas formais e também a utilização de elementos muito parecidos, como os sapatinhos e o baile. Quanto à polifonia, o termo foi introduzido nas ciências da linguagem pelo teórico e historiador de literatura russa Mikhail Bakhtin (1895-1975), em meados do século XX. Para ele, não há linguagem que não provoque o diálogo entre o emissor e o ouvinte, entre aquele que produz o texto e quem lê. Cada palavra expressa o um em relação com o outro. Portanto, várias vozes foram ouvidas para reconhecer no livro a discussão de temas como exclusão e preconceito: a da autora, a O menino que florescia mostra claramente que a leitura é uma construção de sentidos e abre a possibilidade rara de aprendizagem, com a ampliação da noção de prática de leitura e da percepção de que todo texto conversa com outros textos, toda leitura é comparativa. Trabalhar com os conceitos de polifonia e intertextualidade, que vários teóricos das ciências da linguagem desenvolveram ao longo de algumas décadas, auxiliará nessa prática. Perceber as muitas vozes que dialogam num texto possibilita a constituição de diferentes sentidos e a interpretação da narrativa. Assim, o aluno estabelece novos sentidos e cria uma leitura própria, autônoma e pertinente. O professor deverá, nesse caso, exercer um papel importante o de leitor maduro, capaz de melhorar o desempenho de seu aluno para que ele elabore sua própria construção. dos personagens e a dos próprios leitores, que expressaram diferentes pontos de vista sobre os temas e dialogaram todo o tempo. Para a lingüista e teórica Ingedore Villaça Koch, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), intertextualidade e polifonia não são um só fenômeno, embora ela afirme que o segundo possa recobrir o primeiro, isto é, todo caso de intertextualidade é um caso de polifonia, não sendo, porém, verdadeira a recíproca. Para saber mais: KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997. Na sala de aula Antes da leitura Para entrar na magia do texto, duas sugestões: 1) Pedir aos alunos que levantem hipóteses sobre o título O menino que florescia usando como apoio a ilustração da capa. Deixar claro que ler é seguir pistas e que, enquanto lemos, vamos processando questões e tentando responder a elas. Por exemplo: pelo título dá para ter alguma idéia do tipo de história que o livro apresenta? O que é possível saber observando

apenas os elementos que aparecem na capa? É uma história que privilegia a fantasia ou a realidade? Na vida real, é possível um menino florescer? Em que mundo isso é possível? 2) Fazer um cartaz para registrar as hipóteses e colocar no mural da sala. No decorrer da leitura, ir checando e comentando a pertinência de cada idéia. Tentar descobrir qual tipo de pista o leitor seguiu (os elementos da capa, o verbo do título etc.) e determinar qual conhecimento prévio lhe permitiu fazer essa suposição (por exemplo, outros contos maravilhosos lidos anteriormente). E, em seguida, folhear o livro observando apenas as ilustrações, sem ler texto. Pedir que comentem as características das ilustrações: cores, traço dos desenhos, formas, tamanhos, texturas. Dá para saber só pelas imagens o que se vai contar? A forma como elas aparecem no livro varia? Como? Como se situa o texto em relação às imagens? Só depois disso, então, propor que os alunos desenhem o elemento da história que mais lhes chamou a atenção: o menino que floresce e/ou o sapatinho em que nascem flores e/ou a casa na montanha etc. Durante e depois da leitura É possível diferenciar as atividades de acordo com a idade dos leitores: algumas são mais adequadas para 1 a e 2 a séries outras para 3 a e 4 a séries. 1) Propostas mais concretas (para as séries iniciais): Explorar conceitos de botânica e seres vivos; plantar e cuidar de flores; pesquisar nomes de flores e sua simbologia; ou ainda trabalhar a produção escrita a partir dos nomes próprios. Essa última sugestão pode ser desenvolvida da seguinte maneira: Chamar a atenção das crianças para o trabalho com a linguagem em relação aos nomes dos personagens principais e os amigos de Vicente. Fazer uma pequena pesquisa sobre os significados de seu próprio nome e daqueles dos pais, parentes e amigos; compartilhar com o grupo as descobertas. Escolher alguns nomes e, a partir deles, criar personagens, descrevê-los e contar uma pequena história. 2) Propostas de trabalhos para ampliar conhecimentos e produzir histórias (para 3 a e 4 a séries): Discutir temas que o livro aborda, como exclusão, preconceito e intolerância, e compará-los com fatos da história e da atualidade: preconceitos étnicos, religiosos, raciais, de gênero etc. A partir da leitura de livros de história e notícias de jornal, mostrar como os preconceitos podem gerar guerras, extermínios, a violência, o terror. Depois, propor um debate conduzido ou a produção de um artigo de opinião comentando esses temas. Esses artigos podem sair num jornal ou site da escola,

ou ainda ser colocados num mural para ampliar a discussão com toda a comunidade escolar. Aprofundar o estudo do conto maravilhoso: temas, cenários, personagens, estrutura narrativa, contexto histórico, situação de produção. Ler outros contos e propor que cada aluno escreva um conto seguindo as características desse gênero literário. Essa produção pode compor uma coletânea que seria exposta na biblioteca da escola e depois faria parte de seu acervo. É possível ainda explorar os conceitos de polifonia e intertextualidade a partir de filmes e livros que propiciem uma comparação com O menino que florescia. Essa sugestão pode ser desenvolvida da seguinte maneira: Observar como este texto dialoga com histórias como Cinderela e outros contos de encantamento e afirmar que esta é uma característica de intertextualidade: os textos dialogam entre si. Propor que leiam os livros A maior flor do mundo e/ou O pote vazio e/ou vejam o filme Billy Elliot e observem em que medida O menino que florescia se relaciona com essas obras e como elas retomam temas, personagens, elementos, simbologia, estrutura da narrativa, características do conto maravilhoso. Propor que discutam e registrem, em pequenos grupos, os aspectos de intertextualidade encontrados. A partir daí, pedir que preparem uma atividade de expressão oral para compartilhar e trocar informações com o grupo todo. Propor que tragam outros exemplos de intertextualidade, isto é, comparações entre livros, filmes, músicas, pinturas etc. Sugestões de livros e filmes para o aluno SARAMAGO, José. A maior flor do mundo. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2001.. O pote vazio. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Billy Elliot (EUA, 2000), de Stephen Daldry. Filme que conta a história de um menino de 11 anos, de uma pequena cidade da Inglaterra, que passa a treinar balé escondido de sua família, acalentando o sonho de se tornar um grande bailarino quando crescer. Edward mãos de tesoura (EUA, 1990), de Tim Burton. Filme cujo personagem principal é um jovem criado por um inventor já falecido. Ele tem tesouras em lugar de suas mãos e recebe a ajuda de uma vendedora de cosméticos para se adaptar à sociedade. Elaboração do guia Silvia Albert (professora de Português do ensino fundamental 2 do Colégio Oswald de Andrade - Caravelas; mestranda do Programa de Língua Portuguesa da PUC-SP, na área de Leitura e Escrita); Preparação Bruno Zeni; Revisão Carla Mello Moreira e Gislaine Maria da Silva