ANALISANDO O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL A PARTIR DAS CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL SILVA, Luzia Alves da (UNIOESTE) 1 ROSSETTO, Elisabeth (Orientadora/UNIOESTE) 2 Alunos com deficiência visual há muito tempo frequentam a escola comum para se apropriarem dos processos de leitura e escrita e dos demais conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade. No entanto, tal processo tem-se intensificado nos últimos anos com a implementação das políticas públicas de inclusão educacional. Contudo, devido a um grande número de alunos com deficiência visual que frequentam a escola e às dificuldades no que se refere a formação de professores de/para educação especial, percebe-se que o processo de aprendizagem e de desenvolvimento desses alunos nem sempre tem ocorrido da maneira adequada. Atualmente as instituições de ensino superior que ofertam formação inicial de professores das séries iniciais do ensino fundamental, contemplam de forma incipiente em suas grades curriculares, aspectos relacionados às diversas áreas de deficiência, ou seja, incipientes na medida em que abordam de maneira aligeirada e sem aprofundamento determinadas questões relacionadas ao tema deficiência. Tal condição não é diferente em cursos de formação de especialistas em educação especial. Os cursos são ministrados em tempo recorde, por profissionais com pouca capacitação, geralmente em finais de semana e abordando as deficiências de 1 Professora da Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel e da Rede Estadual de Ensino do Paraná. Aluna do programa de pós-graduação em Educação/PPGEDU, nível mestrado da UNIOESTE: Integrante dos grupos de pesquisa GEPES e Estudos Marxistas em Educação. Email: luziaas@terra.com.br 2 Professora efetiva da Universidade Estadual do Oeste do Paraná/UNIOESTE, do programa de pós graduação em educação/ppgedu, Doutora em Educação/UFRGS, integrante dos grupos de pesquisa: NEPIE/UFRGS e GEPES/UNIOESTE. Email: lisath2006@yahoo.com.br 1
forma abrangente e sem aprofundamento. Desta forma, tal situação se reflete na escola, quando o professor chega para atuar sem conhecimento sobre as especificidades das áreas de deficiência e, principalmente sem poder contar com um profissional com formação específica que o auxilie e nem mesmo, com condições de buscar nas fontes corretas os encaminhamentos adequados para o trabalho com os alunos. Ressalta-se que não se quer dizer que todo professor deva ter o domínio de todo o processo, mas sim, que essa formação lhe proporcione as possibilidades de busca de subsídios que lhe permitam uma atuação satisfatória com todos os alunos com ou sem deficiência. Dessa forma, a importância da pesquisa, se dá na medida em que poderá ser mais um subsídio teórico-metodológico para os profissionais que atuam na escola com alunos com deficiência visual em processo de alfabetização. Vale ressaltar, que o processo de alfabetização não corresponde simplesmente à aquisição de um novo código ou ao simples desenvolvimento de um tipo de percepção por meio de uma nova habilidade. Seu aprendizado constitui-se como uma forma de responder a uma necessidade humana - portanto social. Nesse contexto, para Facci (1998), a aquisição da linguagem escrita significa para o aluno a apropriação de um sistema de signos extremamente complexo. Para o aluno aprender a escrever é necessário tomar consciência da estrutura fonética da palavra, desmembrá-la e reproduzi-la, voluntariamente, em signos. A separação entre a linguagem escrita e a oral ocorre mediante a separação entre os níveis de desenvolvimento da atividade espontânea, involuntária e não consciente, de um lado e a atividade abstrata, voluntária e consciente, de outro. Portanto, objetiva-se com esta pesquisa identificar os elementos que possibilitam a aquisição da leitura e escrita por parte de alunos com deficiência visual matriculados nas séries iniciais da rede regular de ensino, bem como, investigar os aspectos específicos (intervenções, encaminhamentos metodológicos, recursos e materiais pedagógicos) que contribuem para que esses alunos se desenvolvam e se apropriem dos conhecimentos sem prejuízos no seu processo de escolarização. Nesse contexto, compreender os determinantes desses processos constitui-se em um aspecto fundamental para superação de alguns limites que permeiam a realidade de 2
nossas escolas, contribuindo para a melhoria da qualidade do ensino disponibilizado a essa parcela de alunos. Dessa forma, com essa pesquisa pretende-se investigar os principais fatores que determinam o sucesso ou o fracasso no decorrer da escolarização de alunos com deficiência visual, com ênfase no processo de alfabetização. Entendendo que, num processo de apropriação sistemática, a apreensão da linguagem escrita constitui-se em um fator determinante. É preciso que o aluno compreenda a aquisição da leitura e da escrita enquanto uma das possibilidades de representação da linguagem falada, assim como também entenda os efeitos de significação que permeiam essa linguagem. Nesse sentido, tomando como pressuposto a Psicologia Histórico Cultural, podese dizer que aprender a escrever ativa a formação das funções psicológicas superiores, provocando mudanças importantes nessas funções. No caso de alunos cegos, o desenvolvimento da capacidade de abstração, do raciocínio lógico, da memória, da atenção, da capacidade de planejamento, entre outras, são determinantes para que o aluno cego se aproprie do processo de alfabetização. A aprendizagem, por sua vez, implica uma intenção, uma ação do aprendiz, um movimento de busca daquilo que o aluno ainda não domina. Entre o desconhecido a conhecer e este movimento de conhecer existem inúmeros elementos mediadores. Portanto a pesquisa buscará ainda, investigar em que medida a Psicologia Histórico-Cultural pode contribuir para que haja êxito no período de alfabetização. Considera-se que essa abordagem tem-se constituído em uma importante fonte de compreensão do processo de desenvolvimento e aprendizagem para os educadores que a adotam como base para sua atuação, como se constata na própria rede municipal de educação de Cascavel, a partir da adoção do novo Currículo (2008), elaborado nessa base teórica. [...] A apreensão sistematizada de tais saberes pode contribuir para a humanização do homem na medida em que, com maiores condições de organizar o pensamento e estabelecer relações, ele se torna mais autônomo e consciente das relações sociais em que está posto. Saberse determinado é condição inicial fundamental para a possibilidade de superação da condição em que se está (CASCAVEL, 2008, p. 16). 3
É importante mencionar que a atuação profissional desenvolvida nos últimos anos junto ao CAP - Centro de Apoio Pedagógico às Pessoas Cegas e com Visão Reduzida, do município de Cascavel, tem me possibilitado acompanhar o processo de escolarização de alunos com deficiência visual, na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, junto aos professores, escola e família. Fato este que justifica a opção pela escolha desse objeto de estudo e me motiva a buscar respostas para certas inquietações ocorridas no decorrer da minha atuação profissional. Outro elemento não menos importante que justifica esse estudo é a escassez de material existente a respeito dessa problemática. Na busca de produções que abordem o processo de alfabetização dos alunos com deficiência visual, percebe-se uma fragilidade de bibliografias. Assim, a pesquisa torna-se relevante na medida em que, até o momento, poucos se propuseram a estudar tal tema e, principalmente, pelo fato de que muitos desses alunos têm sofrido prejuízos no processo de escolarização devido a ausência de pesquisas fundamentadas em teorias consistentes. São raros os trabalhos encontrados que discutem esse tema de forma específica. Nesse contexto, a Psicologia Histórico-Cultural é capaz de proporcionar um referencial consistente à presente proposta de pesquisa, tanto com as obras de Vigotski (1997, 2001) e Leontiev (1978, 2001), como em Barroco (2004, 2007), Tuleski (2006), Facci (1998, 2004, 2006), Carvalho (2007), entre outros pesquisadores, os quais estudam os processos de ensino e aprendizagem à luz desta teoria, com a especificidade da Educação Especial. Também vale ressaltar que a Psicologia Histórico-Cultural teve destacado papel durante os estudos e debates na elaboração do Currículo para Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel (2008), resultando na concepção de que a educação escolar deve ser para todos os alunos indistintamente. Nesse sentido tal documento se constitui em mais um referencial relevante para a realização dessa pesquisa. Enquanto teorias, pedagógica e psicológica, a pesquisa será fundamentada na Pedagogia Histórico Crítica e na Psicologia Histórico-Cultural, as quais, fundamentadas no método Materialista Histórico Dialético, compreendem o aluno enquanto um sujeito histórico, com capacidades e possibilidades determinadas pelos processos que vivencia no decorrer de sua existência. Nesse pensamento, segundo Facci, (1998), o 4
desenvolvimento do comportamento humano tem seu início onde termina a evolução biológica, e esta deve ser a direção dada ao desenvolvimento histórico ou cultural da conduta do homem, direção esta que corresponde a todo o caminho percorrido pela humanidade no decorrer de sua história, desde a sociedade primitiva até a modernidade. Com base nessa premissa, no intuito de concluir esse trabalho faz-se relevante ressaltar que a pesquisa encontra-se estreitamente fundamentada no método Materialista Histórico Dialético, pelo qual o homem é compreendido enquanto um ser históricosocial. De acordo com Leontiev, As propriedades biologicamente herdadas do homem não determinam as suas aptidões psíquicas. As faculdades do homem não estão virtualmente contidas no cérebro. O que o cérebro encerra virtualmente não são tais ou tais aptidões especificamente humanas, mas apenas a aptidão para a formação destas aptidões (LEONTIEV, 1978, p. 257). Por fim com base na pesquisa ora anunciada, pretende-se propor encaminhamentos teórico-metodológicos que possibilitem contribuir na atuação de professores de alunos com deficiência visual que se encontram inseridos no ensino regular em processo de alfabetização. Pretende-se também, propor estratégias, mecanismos de intervenções pedagógicas e orientações para escola e a família desses alunos. REFERÊNCIAS BARROCO, Sonia Mari Shima. A educação especial do novo homem soviético e a psicologia de L. S. Vigotski: implicações e contribuições para a psicologia e a educação atuais. Araraquara: [s.n], 2007. Tese - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara.. Psicologia histórico-cultural e educação especial: implicações teóricas e políticas para a prática educacional. In: Anais do II Simpósio Educação Que se Faz Especial: Debates e Proposições. Maringá-PR: UEM, 2004. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica/Secretaria de Educação Especial. MEC/SEESP, 2001. 5
. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, 2008.. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos cegos e de alunos com baixa visão. Coordenação Geral SEESP/MEC - Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial, 2005.. Sala de Recursos Multifuncionais: Espaço para o Atendimento Educacional Especializado. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial, 2006. BRUNO, Marilda Moraes G. Deficiência visual: reflexão sobre a prática pedagógica. São Paulo; LARAMARA, 1997. CARVALHO, Alfredo Roberto de. A Educação das pessoas com deficiência no Capitalismo: a segregação dos elementos perturbadores da ordem burguesa. Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art1_12.htm. Acesso em 23 nov. 2007. CASCAVEL. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Educação. Currículo para Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel. V. II. Ensino Fundamental Anos iniciais. Cascavel, PR: Progressiva, 2008. DUARTE, Newton. A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco: A dialética em Vigotski e em Marx e a questão do saber objetivo na educação escolar. Educação e Sociedade, Campinas, n. 71, p. 79-115, julho 2000.. Concepções afirmativas e negativas sobre o ato de ensinar. Cad. CEDES. vol. 19 n. 44 Campinas. Apr. 1998. Disponível em http://www.scielo.br. Acesso em 21 nov. 2007.. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Polêmicas de nosso tempo. Campinas - SP: Autores Associados, 2001. FACCI, Marilda G. D. O psicólogo nas escolas municipais de Maringá: a história de um trabalho e a análise de seus fundamentos teóricos. 1998. Dissertação. Faculdade de Filosofia e ciências, Universidade Estadual Paulista UNESP, Marília - SP. FACCI, Marilda G. D. Os estágios do desenvolvimento psicológico segundo a psicologia sócio-histórica. In: ARCE, Alessandra (Org.). Brincadeira de papéis sociais. São Paulo: Xamã, 2006, p. 11-25.. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor? Um estudo críticocomparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. 6
FACCI, Marilda Gonçalves Dias; TULESKI, Silvana Calvo. Da apropriação da cultura ao processo de humanização: o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. In: Anais do II Encontro Brasileiro de Estudos Marxistas (EBEM). Curitiba-PR: agosto, 2006. KASSAR, Mônica de Carvalho Magalhães. Liberalismo, neoliberalismo e educação especial: Algumas implicações. Cadernos CEDES, v. 19 n. 46. Campinas Set. 1998. Disponível em http://www.scielo.br/scielo. Acesso em 23 nov. 2007. LEONTIEV, Aléxis N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978. MARTINS, Lígia Márcia. A formação social da personalidade do professor: um enfoque vigotskiano. Campinas: Autores Associados: SP, 2007. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (Feuerbach). 10 ed. Tradução de José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: HUCITEC, 1996.. Textos sobre educação e ensino. São Paulo: Moraes, 1992. MARX, Karl. O método da economia política. In: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. MÉSZAROS, Istvan. Para além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2002. NETTO, José Paulo. O materialismo histórico como instrumento de análise das políticas sociais. In: NOGUEIRA, Francis Mary Guimarães; RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon. Estado e Políticas Sociais. Cascavel - Edunioeste, 2003. PARANÁ. Conselho Estadual de Educação. Deliberação nº 02/03. Aprovada em 02 de junho de 2003. PROGRAMA INSTITUCIONAL DE AÇÕES RELATIVAS ÀS PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS PEE (org). Pessoa com deficiência na sociedade contemporânea: problematizando o debate. Cascavel: EDUNIOESTE, 2006. SAVIANI, Dermeval. Educação de senso comum a consciência filosófica. Campinas, SP: Autores Associados, 1996..Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Autores Associados, 1991; 1995. TURECK, Lucia Terezinha Zanatto. Deficiência, educação e possibilidades de sucesso escolar: um estudo de alunos com deficiência visual. Dissertação (Mestrado em Educação). Maringá, 2003. 7
UNESCO. Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE). Declaração de Salamanca de princípios, política e prática para as necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE, 1994. VIGOTSKI, Lev Semionovich. Fundamentos de Defectologia. In: Obras escogidas: Tomo V. Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. VIGOTSKI, Lev S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Tradução Maria da Penha Villalobos. 9. Ed. São Paulo: Ícone, 2001. 8