Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3



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Transcrição:

O TURISMO COMUNITÁRIO NA ZONA COSTEIRA DO CEARÁ: a experiência da Rede Tucum Msd. Cícera Inara Oliveira Sousa Borges Programa de Pós-Graduação em Geografia UFC inarasousa@hotmail.com Orientadora: Profa. Dra. Maria do Céu de Lima Departamento de Geografia da UFC duceu@yahoo.com.br 1. O TURISMO E A ZONA COSTEIRA CEARENSE O turismo, atividade econômica desenvolvida e intensificada principalmente após a Revolução Industrial do século XVIII, é vista como uma fonte de divisas para Estados e municípios, que na tentativa de se inserirem na cadeia produtiva do turismo, elaboram e participam de programas destinados ao desenvolvimento desta atividade e muitas vezes deixam à margem comunidades tradicionais que, ao serem descobertas pelos turistas acabam entrando neste processo. Em muitos locais da zona costeira cearense é o turismo globalizado que se caracteriza pela presença do investimento estrangeiro com a presença de resorts, que vem sendo desenvolvido, onde o espaço (território e relações sociais) é alterado de acordo com o progresso que o turista deseja ou necessita. Por toda a zona costeira cearense podem ser observados pontos onde o conflito de terras acontece devido à forte especulação imobiliária, a presença de segundas residências e a construção de empreendimentos turísticos que se tornam realidade para as comunidades, que vêem seu direito de residir ameaçado na justificativa da construção de empreendimentos turísticos que prometem além da geração de emprego e renda desenvolver um projeto sustentável na região. O turismo comunitário surge como uma nova proposta diante, pois ao mesmo tempo em que trabalha o turismo como um fator de inclusão social e de melhora para a comunidade, consegue inseri-la como participante ativa deste planejamento, que garante a conservação do modo de vida das comunidades (seus costumes e tradições) e fortalece a luta em defesa da terra. Neste eixo do turismo não há mega empreendimentos, pelo contrário, a simplicidade faz parte do cotidiano vivenciado por essas comunidades criando renda para e emprego aos seus moradores. Assemelha-se muito ao ecoturismo que ressalta a importância do planejamento integrado e participativo na atividade turística, a valorização das culturas nativas, defende o 1 1

uso responsável dos recursos, a proteção à biodiversidade e apóia o desenvolvimento de projetos econômicos em âmbito local. Já o modelo apontado pelo Estado do Ceará para o desenvolvimento do turismo (através dos programas de apoio ao desenvolvimento desta atividade dentre eles o PRODETUR), superficializam as relações de respeito mútuo e cordialidade, investindo em equipamentos turísticos que além de degradar o meio ambiente descaracteriza culturalmente à população dos núcleos receptores. Os territórios turistificados são um exemplo de que o capital não tem pátria, nem território, pois ao se instalarem transformam a dinâmica anteriormente vivenciada pelos nativos e, de acordo com o uso feito daquele local, com o passar do tempo tornam-se costumeiros e não mais interessantes buscando outro mais propicio a sua reprodução. O espaço passa a ser um dos maiores objetos de uso da atividade turística. Cruz (2003:05) afirma que o turismo é a única pratica social que consome elementarmente o espaço. O homem realizando suas atividades é o primeiro ator na produção do espaço e através das intervenções públicas e privadas constroem modelos e políticas de turismo que determinam uma maior valorização de um espaço em detrimento de outro. Esta valorização do espaço é reflexo de uma sociedade de classe onde a atividade turística gera conflitos e cria locais daqueles que detém o poder de compra e os daqueles que não podem usufruir o território por não ter condições de pagar pelo acesso aos fixos instalados para o lazer. Mas não só o espaço é incorporado ao valor de troca, pois as comunidades pesqueiras que habitam as encostas cearenses são alvos constantes da incorporação de valores ao que anteriormente fazia parte do cotidiano. O que era rotina, para a comunidade ganha um fim lucrativo, que influenciará na cultura, alterará a dinâmica ambiental e social e levará a uma defesa das terras pela comunidade devido a valorização paisagística como nos afirma Lima (2002:75): Cooptar aquilo que o espaço tem de singular, transformando-o em mercadoria. Coopta-se, por exemplo, aquilo quem no espaço é história, convertendo em mercadoria, por referência, aquilo que há de artesanato e de característico do lugar. Transforma-se o sentido da pesca artesanal e dos seus símbolos. A jangada e a habilidade do pescador, essenciais na atividade pesqueira passaram a ser vendida para os turistas como passeio, colocando em perspectiva a perda do seu sentido exclusivo original, ganho no processo de trabalho. É possível afirmar que o turismo torna diferente do que era quase tudo que encontra no lugar, nas comunidades pesqueiras marítimas. E dessa dinâmica, uma das conseqüências sociais mais inquietantes, é a que se traduz nos conflitos pela posse da terra. 2 2

Fortaleza, conhecida internacionalmente como Capital do Sol ou a Terra da Luz, tornou-se portão de entrada do Nordeste por apresentar o menor tempo de vôo do continente europeu, e parada para transatlânticos que ao chegarem ao Brasil aportam primeiro em Fortaleza para depois prosseguir viagem pelo litoral brasileiro. Concentra a maior parte dos serviços turísticos oferecidos. É vendida como cidade de verdes mares, luz constante (mais de 2.800 horas de sol por ano) e agradável brisa (proporcionada pelos ventos alísios). Ao contrário do que vemos hoje, a ocupação e processo de valorização do ambiente litorâneo só veio acontecer quando as elites fortalezenses passaram a construir seus sobrados perto de ambientes costeiros propícios ao lazer e a moradia emergindo as novas práticas marítimas que estabelecem uma nova relação da sociedade da época com o mar: este movimento de valorização, que num primeiro momento atingiu apenas a Beira-Mar de Fortaleza, inscreve-se, também, em uma lógica de valorização das áreas costeiras para o lazer ocorria inicialmente na Europa (como França e Bélgica) e tempos depois na América do Sul (Chile, Uruguai e Brasil). É um movimento que muda o olhar das sociedades em relação à praia, que deixa de ser um lugar de simples contemplação e torna-se o lugar do lazer, e depois do turismo. (DANTAS: 2000) Atualmente os espaços litorâneos são disputados por diferentes sujeitos e agentes (mochileiros, veranistas, turistas, comunidades e empreendedores) e a tendência que tem se mostrado com maior força no litoral cearense tem sido o turismo globalizado que se caracteriza por ser degradador do meio ambiente e descaracterizador de culturas tradicionais. Ao produzir imagens estereotipadas no processo de globalização fomenta a destruição das singularidades paisagísticas e culturais, estabelecendo uma integração seletiva e hierarquizada dos lugares além de ampliar as condições de marginalidade econômica de muitas comunidades. Estabelece-se uma competição desigual entre a população local e os investimentos externos que ao esclarecimento de Benavides e Nehaus (apud CORIOLANO: 2003): apesar dos esforços dos países em desenvolvimento para desenvolver um modelo mais adequado de política nacional, a sustentabilidade econômica do turismo esta sendo minada por fatores externos que escapam do controle dos países, particularmente pelo comportamento predatório de alguns fornecedores integrados que se beneficiam de uma posição dominante nos mercados que originam os fluxos turísticos. 3 3

O Ceará tem sido apontado como um dos principais destinos turísticos do Brasil e o maior destino turístico do Nordeste. A SETUR (Secretaria de Turismo do Estado do Ceará) aponta que o turismo já aparece como terceiro produto no ranking de todas as exportações do Ceará realizadas do janeiro a agosto de 2009, somando 93,1 milhões de dólares, ficando atrás apenas do setor de couros, peles e da castanha de caju. De acordo com a ABAV (Associação Brasileira de Agentes de Viagens), o Ceará foi o destino mais procurado nos meses de novembro e dezembro de 2009, contabilizando em 2009 um fluxo de quase 1,8 milhões de visitantes entre brasileiros e estrangeiros. Quanto à movimentação no Aeroporto Internacional Pinto Martins houve um crescimento de 20% com relação a 2008, registrando ao longo do ano 1.063 milhões de desembarques. Percebemos que Fortaleza é uma cidade cada vez mais segregada, onde de um lado encontram-se todos os aparelhos turísticos e infra-estruturas necessárias para acolher o visitante que desembarca nesta capital. Já do outro lado, encontramos uma cidade carente de toda a espécie de serviços, onde mal existe a assistência aqueles que habitam e a inexistência de aparelhos turísticos é fato. A pobreza e a miséria incomodam por diversos motivos: a uns porque não fazem parte de seu mundo e, evidentemente, não desejam que faça; a outros porque, sensibilizados, sentem-se impotentes diante do quadro que se lhe apresenta. Planejar o turismo em um contexto de pobreza e miséria é tarefa, portanto, bastante difícil. (CRUZ 2003; 108) Como ressalta CRUZ (2003:113), não são apenas objetivos econômicos que tem influenciado a criação destes territórios turísticos, a falsa sensação de perfeição criando ilhas de fantasia, que fogem da realidade social local de onde estes empreendimentos estão localizados: Não são apenas, porém, objetivos econômicos que tem levado à criação de territórios eminentemente turísticos, isolados por barreiras concretas ou imaginárias do restante dos territórios onde se inserem. Essas barreiras são, essencialmente, ideológicas e visam, entre outros objetivos, manter os turistas dentro do espaço de fantasia criados por agressivas (e falsas) campanhas de marketing. Hotéis resort, do tipo ilha da fantasia, são a manifestação mais radical da criação de espaços turísticos completamente desvinculados da realidade local. Mais do que preocupar-se com a busca incessante de investidores estrangeiros na cadeia produtiva do turismo, surge o questionamento apontado por CORIOLANO (1998:12) que inquieta os estudiosos da atividade turística no Estado: Questiona-se como 4 4

esse desenvolvimento poderá atingir as comunidades receptoras, não sendo mais apenas uma forma de concentração de renda. A luta pelo direito a preservação do meio ambiente e costumes de comunidades tradicionais perpassa todos estes problemas, porém a construção coletiva de novas possibilidades refletem o desejo de ver longe de suas terras a ganância desenfreada, a cobiça desumana que transforma em ouro aquilo que toca, pois para estes moradores o concreto e o abstrato se fundem e constroem o espaço por eles vividos como na ciranda da praia. Ciranda da Praia (Ângela Linhares) Quando é de dia a praia fica verde Parece um campo onde os teus olhos vem brincar Campo de lírios na canção da espuma Corre menino e vem aqui dançar Um céu de renda e pala azul clarinho Corre e faz festa nesse teu olhar Dança comigo, vem que a praia é nossa Talvez se possa outra ciranda mais feliz chegar! Vem começar um tempo novo agora! Os búzios contam que este bem já vai chegar Bebe comigo a água da ternura Deixa a tristeza virar conchas de outro mar! Ô cirandeiro, eh! Ôh cirandeiro, ah! Corre menino e vem aqui dançar! Ô cirandeiro, eh! Ôh cirandeiro, ah! Deixa a tristeza virar conchas de outro mar! 2. A EXPERIENCIA DA REDE TUCUM REDE CEARENSE DE TURISMO COMUNITÁRIO. Concluindo que agora o mundo não é mais só o seu lugar, e que seu lugar não é mais só seu a população local reinventa o cotidiano. (FONTELES, 2005) Mediante o quadro de exclusão das comunidades tradicionais, o turismo comunitário começa a ser desenvolvido no litoral cearense, como uma tentativa para as comunidades de inserirem-se na cadeia produtiva do turismo, na busca pelo desenvolvimento local, a posse definitiva da terra e a manutenção das tradições e os costumes locais. Este tipo de turismo busca garantir que os impactos sejam positivos e forneçam um benefício econômico, valorizem a cultura e a diversidade local, protejam o meio ambiente. As 5 5

comunidades de uma maneira geral, despertam para este tipo de turismo quando a ameaça do especulador, empreendedor turístico ou grileiros se mostra mais forte como aponta NEUHAUS; 2002: a especulação imobiliária tem intensificado e ameaçado centenas de famílias, levando ao esgotamento dos recursos naturais e a perda do espaço de vida que os seus antepassados ocuparam por mais de dois séculos. Movimentos de resistência e de luta pela posse da terra estão acontecendo atualmente em várias comunidades. O turismo comunitário contribui para a conservação da biodiversidade, melhora o bem estar das comunidades, fornece uma experiência de aprendizagem ao turista e enfatiza a participação local, a capacitação, a propriedade e as oportunidades empresariais. Neste turismo, a população passa a ser gestora dos processos e não mera participante. As decisões tomadas em conjunto pelas lideranças comunitárias junto aos grupos de turismo local aprovam medidas de melhoramento não só para o turismo, mas para as atividades que o apóiam em geral. Coriolano (2003:10) afirma que:... o turismo comunitário é aquele que as comunidades de forma associativa, possuem o controle efetivo das atividades econômicas associadas à exploração da atividade turística, desde o planejamento ao desenvolvimento e gestão das atividades e assim conseguem melhorar suas economias. Por meio do envolvimento participativo realizam variados projetos que, além de garantir a melhoria de suas condições de vida, preparem as condições para receber visitantes e turistas. Um dos traços fundamentais para que o turismo comunitário aconteça é o direito à posse da terra, pois é comum encontrarmos nas comunidades traços culturais de origem africana e indígena. Preservam traços fortes da cultura indígena que, durante séculos coexistiram com o meio ambiente em harmonia com os ciclos naturais. O espírito de solidariedade e de comunidade destas populações valoriza as formas coletivas e cooperativas de uso e ocupação da terra. Em 2008, inicia-se a construção de um projeto de rede de turismo comunitário no Ceará, articulando as experiências de turismo realizadas pontualmente pelo litoral cearense, a rede aproximará as historias de luta e resistências de algumas comunidades, construindo novas possibilidades e fortalecendo os movimentos em defesa dos territórios. A Rede TUCUM (Rede Cearense de Turismo Comunitário Cearense), é lançada durante o II Seminário Internacional de Turismo Comunitário, contanto com a participação de 12 comunidades (sendo dois pontos de apoio em Fortaleza), a rede propõe a construção, para além da critica de um novo modelo de turismo comunitário, onde as comunidades 6 6

efetivamente assumam a gestão dessa atividade e apontem os direcionamentos para sua realização. Para que as comunidades façam parte da Rede TUCUM existe o acordo de que os princípios que foram eleitos, sejam respeitados e compartilhados por todas as comunidades integrantes. Atividades desenvolvidas por grupos de turismo local, a integração das atividades econômicas da comunidade, a ética e a solidariedade entre as relações comunidades e visitantes, são alguns dos princípios que devem ser respeitados e continuamente observados e refletidos em conjuntos pelos sujeitos que fazem parte da rede. Os moradores envolvidos, ao mesmo tempo em que trabalham o turismo como fator de inclusão social e de alternativas de geração de renda, inserem-se como participantes ativos do planejamento, garantindo ações que priorizem a conservação do modo de vida característico de comunidades da zona costeira (seus costumes e tradições) e fortalecendo a luta em defesa da terra. Torna-se necessário garantir o direito a terra e ao mar a essas populações tradicionais, respeitando e valorizando o seu modo de vida, sendo um excelente exemplo de relação harmoniosa entre a sociedade e a natureza, onde encontros e desencontros ao amanhecer e anoitecer tecem a realidade daqueles que habitam este local. Pensar a vida das populações costeiras e litorâneas no Ceará sem considerar o espaço de viver a terra é como pensar o peixe sem água. É na terra que se planta o sustento quando ele não vem do mar. É na terra que se cria os filhos e as filhas, enquanto se está e quando não se está no mar. É na terra que se vai construindo os momentos de organização e festa, de estudo e troca. É na terra que se gesta a cultura tida aqui não como um bem, mas como trabalho, processo, mutação. É na terra, enfim, que se resignifica a memória e o imaginário inexistentes sem a presença do homem e da mulher que o habita. 3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES... Pelo acompanhamento das atividades em curso nas comunidades que desenvolvem o turismo comunitário, já conseguimos vislumbrar os primeiros resultados desta nova forma de fazer turismo, pois o fluxo de turistas que aderem e apóiam a iniciativa comunitária tem aumentado e a experiência da formação de pacotes turísticos, com os destinos comunitários, 7 7

tem se mostrado reveladora de trocas culturais e momentos de crescimento para as comunidades e turistas. A capacitação profissional para os moradores envolvidos com o turismo, promovida principalmente por ONGs, tem melhorado a oferta dos serviços (hospedagem, alimentação e atrativos culturais) e criado novas perspectivas, que oferecem um maior conforto ao visitante e torna a sua estadia mais agradável. A criação de reservas extrativistas em algumas comunidades também é um passo importante para a afirmação da luta em defesa da persistência das comunidades pesqueiras. Os relatos de moradores mostram que muito ainda precisa ser melhorado, desde a oferta dos serviços básicos (saúde, educação, segurança pública e coleta de lixo) até as reflexões e desafios da gestão dos grupos de turismo locais que precisam ser constantemente trabalhados na perspectiva de compreender as transformações em curso e as implicações da atividade turística realizada pelas comunidades. 8 8

4. BIBLIOGRAFIA BENAVIDES, David Dias; NEUHAUS, Ester Marianne: Ecoturismo e Oportunidade para os países em desenvolvimento. In CORIOLANO, Luzia Neide M. T.(org): Turismo comunitário e responsabilidade socioambiental. Fortaleza, EDUECE, 2003. CORIOLANO, Luzia Neide M. T. : Do Local ao Global: O turismo litorâneo cearense. Campinas- São Paulo. Editora Papirus,1998. CRUZ, Rita de Cássia Ariza da, Introdução a Geografia do Turismo. 2º ed, São Paulo, ROCCA, 2003. DANTAS, Eustogio Wanderlei Correia: Fortaleza et le Ceará essai de géopolitique d un espace de colonisation tardive: de La decouverte à la mutations touristique contemporaine. 2000. Tese (Doutorado em Geografia). Université de Paris IV- Sorbonne, Paris, 2000.. Mar à vista: estudo sobre Maritimidade em Fortaleza. Fortaleza, Museu do Ceará/ Secretária de Cultura e Desporto do Ceará, 2002. DIOGENES, Glória: Cartografias da cultura e da violência: gangues, galeras e o movimento Hip Hop. São Paulo, Annablume; Fortaleza- Secretaria da Cultura e do Desporto 1998. FONTENELES, José Osmar: Turismo e Impactos Sócio Ambientais. São Paulo, Aleph, 2004. LIMA, Maria do Céu: Comunidades pesqueiras marítimas no Ceará: territórios, costumes e conflitos. São Paulo (tese de doutorado), 2002. LIMA, Luiz Cruz de; SILVA, Angela Maria Falcão da: O Local globalizado pelo turismo: Jeri e Canoa no final do Século XX. EDUECE, 2004. NEUHAUS, Ester Marianne; SILVA, Jefferson de Souza: Estudos sobre o turismo comunitário. Instituto TERRAMAR, 2002. 9 9