Exclusão social e a exclusão digital, dois lados da mesma moeda?



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Transcrição:

Desmistificando a Inclusão Digital Marie Anne Macadar* O fortalecimento do capital financeiro nas últimas décadas, intensificado pelo uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), tem alterado as relações de poder e de acúmulo de capital em nível mundial. Apesar do capital industrial fazer parte do mesmo processo econômico, o setor industrial foi cedendo espaço ao setor de serviços. Isso se deve, principalmente, pela velocidade e sensibilidade propiciadas pelo intenso uso das TICs. Neste sentido, verifica-se que a "ciranda financeira", decorrente de inovações tecnológicas que movimentam diariamente (e instantaneamente) bilhões de dólares em todo o globo, de alguma forma determina a distribuição de renda em escala mundial. Sendo verdadeiro o pressuposto de que a sociedade está organizada a partir da acumulação de capital, e que esta é facilitada pela troca de informações e conhecimentos propiciados pelo uso das TICs, podese afirmar que está sendo produzida uma espécie de exclusão. Esta exclusão é que será objeto de análise deste ensaio. Pressuposto histórico Karl Marx já demonstrava em sua obra que o modo de produção capitalista é estruturalmente excludente e inerente ao processo de acumulação de capital. Desta forma o fenômeno da "exclusão social" (hoje tido por muitos como uma grande novidade) não é propriamente novo. E tampouco deve ser analisada como um simples fato, isolado e sem contextualização. Para compreender a exclusão social é preciso examiná-la como um processo que pode ser interpretado de diversas formas. Ou seja, a exclusão social é relativa e concebida em multiplicidade podendo variar entre países, que possuem história e características próprias. Também é um fenômeno gradual, cultural e ético. A exclusão comporta valores culturais e discriminatórios. Uma visão reducionista do processo de exclusão social entende os excluídos como aqueles que estão extremamente marginalizados economicamente. Acreditamos que a exclusão social não deve ser definida unicamente pelo poder aquisitivo (salário, renda, capacidade de consumo). A exclusão social supõe ter por referência um padrão de vida de inclusão, de costumes e de atividades. Assim, exclusão social não pode ser entendida como sinônimo de pobreza. Aspectos comportamentais também caracterizam a exclusão. Um determinado indivíduo pode ser rico e discriminado em um determinado grupo pela sua idade, sua cor (negra, branca, parda), pela sua opção sexual ou pela sua religião. Enfim, são seus valores culturais que o acabam incluindo ou excluindo de uma determinada comunidade. Sob esse entendimento, surge então a compreensão de polaridade do conceito. Quando afirmamos que existe uma "exclusão" necessariamente existirá uma "inclusão". Ou seja, a exclusão deve ser relativisada a uma dada situação de inclusão. Essa visão dialética da exclusão social leva-nos a pensar nas particularidades da exclusão em si, as suas relações e analisar seus processos. Para alguns autores, o termo exclusão é impreciso, ou seja, não existe exclusão: existe uma contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima de tais processos proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva. Exclusão social e a exclusão digital, dois lados da mesma moeda? Aproximadamente 10% da população mundial possui acesso a Web. Esse restrito universo de infoincluídos (aqueles que têm acesso a Web) revela uma grande distância entre as nações ricas e as pobres, entre os que têm e os que não têm acesso à Internet. Praticamente metade desses usuários é proveniente dos EUA, Canadá e Europa. O termo normalmente utilizado para caracterizar essa distância entre os indivíduos, organizações e comunidades que têm acesso às chamadas TICs (na qual a Internet é uma das principais representantes) e aqueles que não o têm é "Exclusão Digital" (outros termos utilizados: digital divide, apartheid digital, digital gap, brecha digital, etc.). Ou seja, não ter acesso aos grandes provedores de conteúdo, trocar informações (e produzir conhecimentos) e, principalmente, fazer reflexões com base em informações de diferentes origens, infelizmente, ainda é um privilégio para poucos.

Um ponto importante deve ser esclarecido quando se fala de exclusão digital: é que pode não existir uma relação direta entre a exclusão social e a exclusão digital. Já que, como argumentado anteriormente, nem todos os excluídos socialmente o são também economicamente. O que se pode afirmar é que exclusão econômica pode levar a uma exclusão digital, e que o economicamente incluído também pode ser um excluído digital. Esta última afirmação deve ser condicionada ao contexto em que se está inserido, uma vez que o fator "poder aquisitivo" não deve ser considerado decisivo ou condicionante da exclusão digital. Muitas pessoas possuem fortes resistências ao uso das TICs, independentemente de classe econômica e das possibilidades de acesso. As gerações mais novas, normalmente, possuem maior facilidade e interesse em utilizar as TICs que pessoas de mais idade. Outro fator excludente, ou que dificulta o uso da Internet, é o idioma. Mais da metade (52%) das páginas disponíveis na Web estão em inglês, enquanto apenas 5,69% estão em espanhol e 2,81% em português. Não podemos deixar de mencionar as pessoas com necessidades especiais, normalmente excluídas socialmente, as quais requerem a utilização de TICs específicas para as suas necessidades (físicas, visuais, auditivas, mentais, etc.). Por outro lado, é preciso desmistificar a idéia de que uma "alfabetização digital" possibilitará a obtenção de emprego. Este pensamento errôneo e corrente em grande parte da população brasileira, principalmente daqueles que não possuem conhecimento e/ou acesso às TICs, tem iludido a muitos aspirantes a vagas em um mercado cada vez mais competitivo. Saber utilizar ferramentas tecnológicas é um dos requisitos para ascensão profissional, mas de forma alguma garante o sucesso. Telecentros Comunitários possibilitando o acesso universal Uma das soluções encontrada, que possibilita o acesso às TICs pelos info-excluídos, principalmente aqueles com dificuldades econômicas, em um curto espaço de tempo, é o compartilhamento desses meios de forma comunitário. Isso possibilitará sua propagação e conseqüentemente permitirá que um maior número de excluídos digitais comecem a participar da rede. A montagem de pontos de acesso público à Internet tem sido viabilizada pelos Telecentros Comunitários, que consistem em locais onde estão disponíveis as TICs para pessoas que têm pouca ou nenhuma oportunidade de usar ou aprender a usar estas tecnologias. Normalmente essas instalações prestam serviços de comunicações eletrônicas para camadas menos favorecidas, especialmente nas periferias dos grandes centros urbanos o mesmo em áreas mais distantes. Outros termos usados como sinônimos ou como designações em outros idiomas têm sido: telecottage, centro comunitário de tecnologia, teletienda, oficina comunitária de comunicação, centro de aprendizagem em rede, telecentro comunitário de uso múltiplo, clube digital, cabine pública, infocentro, espace numèrise, telestuben, centros de acesso comunitário, etc. No Brasil, o termo "telecentro" é o normalmente adotado, pois indica especificamente este tipo de atividade com fins comunitários, uma vez que os badalados cibercafés, por exemplo, também são telecentros mas que cobram pelo acesso e estão localizados em regiões nobres das grandes cidades. Apesar do Brasil possuir praticamente a metade dos internautas latino-americanos, temos apenas poucas centenas de telecentros se dimensionadas as necessidades existentes. Calcula-se que necessitamos de pelo menos 4.300 telecentros a serem espalhados por todo o território nacional. Mesmo em quantidade de cibercafés, o Brasil ainda é bastante carente. Algumas cidades latino-americanas, com PIB menor que o brasileiro, possuem mais cibercafés que o Brasil. Outros números surpreendentes quando se analisa a infra-estrutura tecnológica existente no Brasil: aproximadamente 94% de nossos municípios não têm meios de acesso local à Web. Existem somente em torno de 100 pontos de acesso distribuídos pelas principais cidades brasileiras, em contraste com o total de municípios (em torno de 5.500) em todo o país. Isto revela um limitado acesso nacional às espinhas dorsais da Internet, prejudicado ainda pelo custo da infra-estrutura, com suas linhas dedicadas, por exemplo, entre as mais caras do mundo. O país ainda está totalmente ligado aos EUA no que diz respeito às suas conexões com a Internet. É preciso implantar urgentemente pontos de acesso à rede em nossa região. Isso possibilitará uma independência tecnológica e um aumento da rede local em

regiões hoje não contempladas pelo acesso, possivelmente reduzindo os custos de acesso. O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) foi concebido com o objetivo de viabilizar a ampliação da infra-estrutura tecnológica em telecomunicações carente em investimentos. Acreditamos que este fundo nasceu orientado para alavancar a inclusão digital e o acesso universal à internet no país, através de projetos de instalação de redes em escolas públicas, nas unidades de saúde, em bibliotecas e centros comunitários. Contudo, os últimos acontecimentos políticos têm redirecionado os parcos recursos para o que tem sido informalmente chamado de "Profone" (apoio governamental às empresas de telefonia, aos moldes do Proer). Ao invés de "...promover a utilização do Fust como instrumento propulsor de esforços de universalização de acesso à Internet", tal como é apresentado no Livro Verde organizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (disponível em: http://www.socinfo.org.br), o governo brasileiro fica "socorrendo" as concessionárias de telefonia (com este fundo!) as quais se comprometeram contratualmente a manter linhas telefônicas em áreas de baixa renda. Talvez por não ser um "negócio rentável", tal investimento ainda não foi realizado. E agora, por não estarem cumprindo com as suas metas contratuais para as quais não está previsto qualquer tipo de subsídio, o governo federal decide ajudá-las com os reduzidos recursos inicialmente destinados a ampliar a infra-estrutura tecnológica que promoveria a implantação de centros comunitários de acesso à Internet e, principalmente, possibilitaria que municípios hoje isolados tecnologicamente tivessem acesso ao mundo virtual. Universalização de Acesso: educando para a cidadania Em um primeiro momento pode parecer simples realizar a inclusão digital: "é só colocar alguns computadores e linhas telefônicas acessando a Internet na periferia da cidade e pronto!" Esta visão reducionista da problemática, infelizmente parece ser senso comum entre a população e, pior ainda, entre grande parte dos gestores públicos. Mas esta problemática deve ser analisada sob uma outra visão, bem mais profunda e integrada. A questão do acesso universal vai além da disponibilização de uma infra-estrutura tecnológica aos que não tem. Certamente o acesso é um ponto importante, um pré-requisito sem o qual não é possível prosseguir. Contudo existem outros aspectos tão importantes quanto que devem ser avaliados quando da implementação de uma política de inclusão digital, a saber: Capacitação - treinamento no uso do meio e formação de quadros para configurar, operar, manter e desenvolver serviços e sistemas; Sustentabilidade - viabilização econômica e financeira para garantir a manutenção e atualização dos serviços locais; Conteúdo - oferta de conteúdos locais, serviços e sistemas de informação em nosso idioma, democratização de toda a informação legalmente pública, facilidades para a produção e disseminação de conteúdo local. Estes aspectos poderiam ser analisados em forma de uma cadeia, em que primeiro o acesso precisa estar disponível aos que realmente não tem. Sendo assim, não adianta incentivar que sejam colocados telecentros em bairros nobres! É preciso que o local de acesso esteja onde quem precisa está: centro da cidade, periferia, comunidades rurais e indígenas, etc. Depois de disponibilizar o acesso, é preciso capacitar as pessoas desses pontos para o seu uso. Essa capacitação não deve se restringir aos usuários, mas também devem ser oferecidos treinamentos em nível de desenvolvimento de serviços e manutenção de sistemas. Isso possibilitará, além de uma capacitação para o mercado de trabalho, uma sustentabilidade dos próprios pontos de acesso. Obviamente a sustentabilidade (vista aqui como gestão e custeio) não se dará pelos usuários. É preciso apoio institucional, seja através de parcerias com a iniciativa privada, com ONGs ou com instituições de fomento. Mas isso requer uma política pública clara e eficiente das instituições governamentais, em todos as suas esferas (municipal, estadual e federal).

Por fim, mas não menos importante, o incentivo a geração de conteúdo. Diríamos que, na verdade, este é o ponto principal com a qual a democratização e o exercício da cidadania poderão ser concretizados. É através da oferta de conteúdos e serviços, buscando suprir as necessidades e os interesses da população local, com linguagem adequada. Nesse sentido, a esfera pública tem seu grande papel a cumprir: possibilitar que a população em geral tenha acesso aos dados e às informações públicas, seja através da prestação de serviços (emissão de segunda via, horário de ônibus, etc.) ou como instrumento de transparência de sua administração. Diversos portais governamentais já estão cumprindo parte destas atribuições, mas o percentual ainda é bastante reduzido se considerarmos a imensidão de nosso território nacional e a inúmeras atividades públicas a serem contempladas. Os aspectos aqui levantados, apesar de terem sido analisados de forma seqüencial, não devem assim ser colocados em prática. Não seria possível concebê-los isoladamente. É preciso agir em conjunto e simultaneamente. Verifica-se que elementos para a conectividade estão disponíveis apesar de que muitos investimentos ainda devam ser realizados. Mas é preciso destacar que o mais importante, além da conectividade técnica (ou seja, os indivíduos saberem "apertar botões"), é a capacidade educativa e cultural de utilizar uma ferramenta como a Internet. Não basta ter acesso a informação, é preciso saber o que fazer com ela. Desenvolver a capacidade de "aprender a aprender" não é uma tarefa fácil. Desenvolver o senso crítico da população: isso sim é democratizar a informação e concretizar a cidadania. As TICs podem e devem ser um instrumento para se alcançar estes objetivos, desde que concebidos desta forma. Assim, a questão da inclusão digital deve estar fortemente atrelada a uma proposta de política pública clara e eficiente, que contemple todos os aspectos aqui levantados. Algumas iniciativas já estão sendo colocadas em prática, mas o certo é que ainda há muito que se fazer para se alcançar uma inclusão digital plena. Referências Bibliográficas AFONSO, Carlos A. Internet no Brasil: O Acesso para todos é possível? Policy Paper, n.26, São Paulo, Friedrich Ebert Stfitung, set.2000. Disponível em: <http://www.fes.org.br/publicacoes.htm> Acesso em: 21 abril 2002. AFONSO, Carlos A. A Inclusão Digital pelo ralo? Revista da Sociedade Digital. ano I, n.3, p.34-35, maio/2002. ASSUMPÇÃO, Rodrigo et al. Relatório Final da 1ª Oficina de Inclusão Digital, Ministério do Planejamento, Brasília, jun/2001. Disp.em: <http://www.sampa.org> Aces. em: 21/04/02. ASSUMPÇÃO, Rodrigo Ortiz. Além da Inclusão Digital: O Projeto sampa.org. São Paulo: USP, fev./2002. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação), Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 2001. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede: a era da informação - economia, sociedade e cultura. Volume 1, São Paulo: Paz e Terra, 2000. MACADAR, Marie Anne, REINHARD, Nicolau. Telecentros Comunitários possibilitando a Inclusão Digital: um estudo de caso comparativo de iniciativas brasileiras. Anais do 26º ENANPAD. Salvador, 22 a 25 de setembro de 2002. SINGER, Paul. Globalização e Desemprego: diagnóstico e alternativas. São Paulo: Contexto, 1999. SPOSATI, Aldaíza. Globalização da economia e processos de exclusão social. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social. Brasília: CEAD, 1999. TAKAHASHI, Tadao (Org.) Sociedade da Informação no Brasil: Livro Verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000. Disponível em: <http://www.socinfo.org.br> Acesso em: maio de 2001.

Marie Anne Macadar é doutoranda da FEA/USP. Mestre e Bacharel em Administração pela EA/UFRGS. Professora e Pesquisadora da UNISINOS e UERGS. Coordenadora do LIS - Laboratório de Integração de Sistemas - do Instituto de Informática da UNISINOS.