O PERFIL DO ACESSO À EDUCAÇÃO SUPERIOR



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Transcrição:

O PERFIL DO ACESSO À EDUCAÇÃO SUPERIOR BONETI, Lindomar Wessler - PUCPR boneti.lindomar@pucpr.br GISI, Maria Lourdes - PUCPR - maria.gisi@pucpr.br EIXO: Educação Superior/04 Agência de Financiamento: CNPq Introdução Conseguir uma vaga na educação superior ainda constitui uma grande dificuldade para a maioria dos que buscam esta modalidade de ensino. Embora tenham sido introduzidas mudanças nos processos de seleção e o número de vagas tenha aumentado nos últimos anos, o acesso ainda é restrito, em especial, nas instituições e nos cursos mais requisitados. De conformidade com o Censo de Educação Superior (INEP, 2005), em 2005 foram oferecidas 2.435.987 novas vagas pelo sistema de educação superior no Brasil, registrando um aumento de 115.566 vagas em relação ao ano anterior (aumento de 5%). Efetivamente ingressou no ensino superior no ano de 2005 a quantia de 1.397.281 novos alunos, totalizando 4.453.156 matriculados nesta modalidade de ensino. Sem dúvida a quantidade absoluta dos estudantes universitários hoje matriculados parece significativa, mas um simples cálculo do que isto representa em termos percentuais da população brasileira, o significado torna-se diferente, concluindo que grande parte da população deste país não tem acesso à educação superior. Diante deste contexto de grande restrição do acesso à educação superior no Brasil a pergunta que se faz é: quais as características sociais, econômicas e étnicas que definem o grupo que tem esse acesso privilegiado? A fim de responder esta questão, realizou-se uma investigação objetivando caracterizar o perfil deste grupo social e identificar os grupos sociais de menor possibilidade de acesso à educação superior. O instrumento de coleta de dados utilizado foi um questionário com 37 questões, entre as quais a idade e sexo dos ingressantes, origem étnica, local de residência (se capital ou interior), se a instituição onde cursou o ensino fundamental e médio é pública ou privada, a profissão e grau de instrução dos pais, a freqüência à bibliotecas, teatros e cinemas e conhecimentos em línguas estrangeiras.

2 A pesquisa foi realizada com alunos do primeiro período (com ingresso recente) de alguns cursos superiores correspondentes às principais áreas das ciências: Humanas (no curso de Filosofia ou Pedagogia); Sociais Aplicadas (no curso de Administração ou Economia); Exatas (no curso de Arquitetura ou Engenharia Civil); Saúde (no curso de Medicina ou Odontologia) e Jurídica (no curso de Direito), nos anos de 2006 e 2007. A opção de dois cursos deu-se em razão da não existência em todas as instituições participantes da pesquisa dos mesmos cursos. A escolha das instituições se deu no sentido de abranger o universo universitário, atentando para os diferentes tipos de instituições de ensino superior: público, privado, confessional e comunitário, situadas em diferentes regiões do país. Os dados analisados referem-se a seis instituições pesquisadas, caracterizadas como: uma comunitária, duas confessionais, duas privadas e uma pública. Delimitação do Método Nesta pesquisa, o desafio da delimitação do Método se deu, em grande medida, em duas instâncias: A primeira refere-se à identificação e caracterização das especificidades do conjunto das diferenças sociais no Brasil Com o objetivo de identificar os grupos sociais de menor acesso ao «capital social» e «cultural» na sociedade, optou-se pela caracterização do perfil dos grupos sociais que normalmente têm acesso às instituições e, portanto, a estes capitais. Num primeiro momento, esta caracterização foi construída utilizando-se a comparação entre a estrutura da diferenciação social e a tipologia do acesso (tipo de instituição e do curso). Para a identificação da diferenciação social utilizou-se a categoria classe social; e para a identificação da tipologia do acesso verificou-se a relação entre classe social (na qual se insere a pessoa) e o serviço ao qual teve acesso. No caso desta pesquisa, partiu-se da idéia de que há serviços (cursos e universidades) menos e mais valorizados socialmente. Assim, na coleta de dados, buscou-se caracterizar o acesso aos cursos de maior e menor procura. Utilizou-se a categoria classe social neste estudo por considerar que as desigualdades sociais são estruturais, isto é, se estruturam e se reestruturam no contexto de um movimento que é interno às próprias estruturas e «o caráter antagônico dos interesses é a base da possibilidade de transformação e produção das classes» (Oliveira, 1987, p. 8) de onde pode ter origem o «monopólio» das classes dominantes sobre as

3 instituições, ao «capital cultural» e «cultural». O complicador, na utilização deste método, é a definição de parâmetros que estabelecem a divisão e as relações entre as classes sociais. Tendo em vista a resolução deste impasse Oliveira (1987, p.12) afirma: Para estudar este rapport, faz-se necessário ater-se em primeiro lugar à objetividade da divisão social do trabalho, isto é, à produção de mercadorias, bens e serviços, sem esquecer a força de trabalho. A utilização deste critério para definir as classes sociais nos permite realçar que a importância, para esta pesquisa, de se realçar a dependência da venda da força de trabalho para sobrevivência pode se constituir em fator condicionante no acesso à educação superior. A segunda instância refere-se ao lugar do acesso igualitário aos bens, serviços e saberes socialmente construídos, enquanto elemento teórico da pesquisa. Na efetivação da análise dos dados da pesquisa consideraram-se alguns condicionantes do acesso, buscando-os explicar a partir de alguns referenciais teóricos, normalmente associando-os as desigualdades sócio-econômicas. O primeiro condicionante do acesso, o que se pode dizer como sendo o primeiro fator de produção das desigualdades se dá ao nascer, com definição de gênero, raça e condição sócio-econômica. Dubet (2003), no entanto, alerta que existe diferença entre a pura igualdade real das condições de vida e os princípios da igualdade dos indivíduos: Dito de outra forma, na modernidade os indivíduos são considerados como cada vez mais iguais e suas desigualdades empíricas não podem basear-se nem no nascimento, nem na raça, nem na tradição (Dubet, 2003, p. 24). Como os indivíduos podem se considerar fundamentalmente iguais podem reivindicar, legitimamente, a igualdade de oportunidades e de direitos. Isto significa dizer que as sociedades modernas são igualitárias na medida em que elas estendem o direito à igualdade em termos normativos, jurídicos e políticos. Este fato, no entanto, não impede que desigualdades se constituam tanto na individualidade como no coletivo. Ao nascer, a desigualdade e a igualdade se apresentam ao indivíduo como fato consumado através de mecanismos de pertencimento, como o da classe social, do gênero e o da etnia. A superação deste preceito se constituiu de uma premissa iluminista para a modernidade, mas no capitalismo, a igualdade e a desigualdade continuam sendo definidas no nascimento do indivíduo, mesmo que estas não sejam legitimadas institucionalmente, os mecanismos de definição da condição social se encarregam de estabelecer os limites da igualdade com a desigualdade social. A exploração do trabalho humano no capitalismo constitui outro importante condicionante do acesso na medida em que produz alienação (MARX, 1987). Ou seja, o

4 trabalhador dedica o tempo pleno de sua vida à venda do trabalho bruto (sem qualquer saber sistematizado agregado) em troca unicamente da sua sobrevivência física (e de sua família), destituindo-o de recursos financeiros e de requisitos básicos (informações e habilidades básicas) para conseguir o acesso ao capital cultural e social da sociedade. Outro condicionamento do acesso igualitário é o da herança cultural analisado por Bourdieu. Em 1964 Bourdieu publicou, com Passeron, a obra intitulada Les Héritiers (os herdeiros) (BOURDIEU; PASSERON, 1985), sobre a influência da herança cultural e social no sucesso individual, dedicando especial atenção ao caso escolar. Les Héritiers, portanto, trata da desigualdade escolar o que permite às classes dominantes ver, através do sucesso profissional e social, a confirmação dos seus dons naturais e sociais. Na teoria do habitus de Bourdieu os condicionantes do acesso também estão contemplados. A idéia central presente no conceito de habitus está associada à tese dos herdeiros. Ou seja, habitus, para Bourdieu, seria a apropriação de esquemas cognitivos e avaliativos transmitidos e incorporados de modo pré-reflexivo e automático no ambiente familiar, desde a infância, permitindo a constituição de redes sociais, também préreflexivas e automáticas, que cimentam a solidariedade e a identificação por um lado, e a antipatia e preconceito por outro. De uma forma mais geral, habitus seria certa capacidade do indivíduo, adquirida socialmente, que lhe permite jogar bem no jogo social (METER, 1994 p. 987). Portanto, os condicionamentos do acesso igualitário aos bens, serviços e saberes socialmente construídos constituem elementos fundamentais na análise dos dados da pesquisa apresentada neste texto. O Perfil do Acesso à Educação Superior O primeiro aspecto ressaltado entre os dados da pesquisa é justamente a restrição do acesso com base na renda, designando um monopólio das classes com maior poder aquisitivo como mostra o tabela 01. Em geral, independentemente do curso e do tipo de instituição (pública e privada), o acesso ao curso superior é mais provável para os que tem renda mais alta: 61,4% dos entrevistados possuem renda familiar de R$ 2.700, 00. Observa-se que é insignificante o número de ingresso com uma faixa de rendimento familiar até R$ 900,00 sendo de 8,9%. Uma análise mais apurada da tabela 01 indica que o corte real, provocado pela renda familiar, entre os que chegam ou não a um curso superior se encontra, na verdade, na faixa de R$ 1.800,00.

5 Tabela 01 rendimento familiar Estimativa do rendimento familiar Não resposta 37 4.9% até 900,00 68 8.9% 901,00 a 1.800,00 102 13.4% 1.801,00 a 2.700,00 87 11.4% 2.701,00 a 3.600,00 98 12.9% acima de 3.601,00 369 48.5% Total 761 100.0% Outro aspecto importante que condiciona o acesso é a escolaridade dos pais. Obseva-se, (ver tabela 02) que dentre os entrevistados, 33% declararam que a mãe tem curso superior. Em segundo lugar aparece o ensino médio, com 22%. Tabela 02 Escolaridade da mãe escolaridade da mãe Não resposta 54 7.1% analfabeta 7 0.9% ensino fundamental completo 60 7.9% ensino fundamental incompleto 68 8.9% ensino médio completo 165 21.7% ensino médio incompleto 15 2.0% ensino superior completo 254 33.4% ensino superior incompleto 35 4.6% pós-graduação 103 13.5% Total 761 100.0% No caso do pai, o índice com o curso superior é ainda maior (ver tabela 03), 37%, e em segundo com o ensino médio, com 19%.

6 Tabela 03 Escolaridade do pai escolaridade do pai Não resposta 68 8.9% analfabeto 6 0.8% ensino fundamental completo 46 6.0% ensino fundamental incompleto 58 7.6% ensino médio completo 145 19.1% ensino médio incompleto 17 2.2% ensino superior completo 283 37.2% ensino superior incompleto 25 3.3% pós-graduação 113 14.8% Total 761 100.0% Em termos de cor da pele ou a etnia, as pessoas que se declaram brancas têm o monopólio do acesso, 80% (ver tabela 04) enquanto que a preta fica com 2,7 % do acesso. Tabela 04 Cor e raça cor e raça Não resposta 11 1.5% preta 20 2.7% branca 600 80.0% parda 91 12.1% amarela 27 3.6% indígena 1 0.1% Total 750 100.0% Constata-se também que existe uma grande diferença de rendimento familiar entre os que conseguem acesso ao ensino superior, dependendo da cor. Ou seja, as pessoas que se declaram brancas (80%) têm rendimento familiar maior, quase 84% tem renda maior que 3.600 reais, enquanto que as pessoas que se declararam de cor preta, (2.9%), têm rendimento bem menor, concentrando a maioria na faixa de até 900 reais mensais.

7 Tabela 05 cor e raça / rendimento familiar Não resposta até 900,00 901,00 a 1.800,00 1.801,00 a 2.700,00 2.701,00 a 3.600,00 acima de 3.601,00 Total Não resp osta preta branca parda amarela indígena Total 5.4% 5.4% 67.6% 16.2% 2.7% 2.7% 0.0% 8.8% 67.6% 20.6% 0.0% 2.9% 1.0% 3.9% 77.5% 15.7% 2.0% 0.0% 1.1% 1.1% 74.7% 16.1% 6.9% 0.0% 0.0% 4.1% 86.7% 7.1% 2.0% 0.0% 1.1% 1.4% 83.5% 10.0% 3.8% 0.3% 100.0% 100.0% 100.0% 100.0% 100.0% 100.0% 1.1% 2.9% 79.9% 12.4% 3.3% 0.5% 100.0% p = <0.1% ; chi2 = 55.54 ; ddl = 25 (MS) Outro aspecto que identifica maior presença de estudantes de famílias com maior poder aquisitivo na educação superior diz respeito ao tipo (se pública ou privada) da escola fundamental e média onde o universitário estudou. As tabelas seguintes mostram que 65% dos entrevistados declararam que estudaram em escola privada, para o caso do ensino funamental e 69% para o caso do ensino médio (Tabelas 06 e 07) Tabela 06 o ensino fundamental Natureza da Instituição onde cursou o ensino fundamental Não resposta 4 0.5% pública 257 33.8% privada 500 65.7% Total 761 100.0% Tabela 07 o ensino médio Natureza da instituição onde cursou o ensino médio Não resposta 7 0.9% pública 229 30.1% privada 525 69.0% Total 761 100.0%

8 Outro aspecto revelador da pesquisa diz respeito à escolha do curso, revelando uma estreita afinidade entre o perfil da escola e a classe social a qual pertence o estudante. Esta associação entre a escolha do curso e classe social é possível de ser feita observando o nível de renda da família e o nível de escolaridade dos pais. Os dados mostram que os alunos que optaram pelos cursos pesquisados da área de humanas, por exemplo, Pedagogia e Filosofia, têm rendimento familiar menor, enquanto que os da medicina, êm rendimento maior. Constata-se que 60% das pessoas entrevistadas que cursam medicina se encontra na maior faixa de rendimento. O mesmo diz respeito à escolaridade dos pais, ou seja os alunos que optaram pelos cursos de maior afinidade com a racionalidade burguesa, têm seus pais com um nível maior de escolaridade. No caso da medicina, por exemplo, 60% dos pais têm curso superior, por outro lado, entre os alunos que optaram pelos cursos das ciências humanas, apenas 23% dos pais têm curso superior. Identificou-se ainda outro condicionador da escolha do curso universitário: o da etnia. Os dados mostram que para todos os cursos é insignificante a participação de outras etnias sem ser a branca e nos cursos de Medicina, Odontologia e Arquitetura, a participação de alunos de outras etnias além da branca cai ainda mais. Ou seja, os dados mostram que para os cursos das ciências humanas apenas 4.8% dos alunos se declaram negros, mas no caso da medicina não existem alunos que se declararam negros. Outros dados aparecem e se mostram importantes na definição do perfil do acesso ao curso superior no Brasil: constatou-se que os estudantes entram na universidade ainda muito jovens, 76,6% com menos de 20 anos de idade, e em segundo lugar aparece a faixa etária de 20 a 25 anos com 18,2%. Assim, 94,8%, quase a totalidade dos alunos entrevistados, encontram na faixa etária de 20 a 25 anos de idade; A maioria dos estudantes entrevistados (94,6%) se declararam solteiros e 97,2% não têm filhos; Outro dado importante é a relação do trabalho com os universitários, a maioria (81,1%) não trabalha, este fator pode explicar a associação existente entre o acesso e o nível de renda familiar, isto é, a dependência do trabalho pode estar implicando no distanciamento do acesso aos cursos superiores; Outro dado levantado refere-se ao local (cidade) onde o estudante passou a maior parte da vida. Foi possível constatar que 67,4% dos estudantes provêm de capitais e 31,8% de cidades do interior.

9 O Significado dos Dados Apresentados Trata-se, sem dúvida, de um desafio a construção de uma explicação teórica do fenômeno que se apresenta através dos dados expostos acima. Do ponto de vista empírico, tem-se uma resposta para a questão que norteou a pesquisa, qual seja, o grupo social com maior possibilidades de entrar na universidade é composto por indivíduos de cor branca, de pouca idade, com rendimento familiar elevado, com elevada escolaridade dos pais. Mas a pergunta que se coloca agora é: como explicar teoricamente esta realidade? Os dados sugerem a necessidade de se examinar alguns referenciais teóricos na busca da explicação da realidade estudada. Ao examinar os dados, o que aparece imediatamente é a teoria da reprodução de Bourdieu (BOURDIEU E PASSERON, 1985), se considerada a relação da posição sócio-cultural da família com o perfil do aluno que chega a um curso superior. Embora Bourdieu se refira muito mais ao sucesso ou ao fracasso escolar, os dados apresentados sugerem que existe uma relação entre a reprodução cultural e social e os condicionantes ao acesso à educação superior. Ou seja, os dados apresentados neste texto mostram a preponderância da presença na educação superior daqueles oriundos de família de alta renda cujos pais já têm curso superior. Isto pode ser visto como o resultado da transmissão hereditária de cultura e conhecimentos tipicamente associados às classes sociais dominantes, um círculo vicioso de capital. Em outras palavras, no caso dos dados analisados, o capital cultural de posse das famílias, estaria se constituindo num condicionante do acesso ao ensino superior ou, para usar a expressão própria de Bourdieu, em posse prévia dos instrumentos necessários ao acesso. Esta tese pode ser reforçada considerando que os dados mostram também que existe uma relação entre a renda familiar, escolaridade dos pais e escolha dos cursos. Isto é, quanto maior a renda maior a escolaridade dos pais e estes dois fatores tem relação com esta relação com a escolha do curso. A princípio, numa primeira análise, a realidade estudada estaria perfeitamente explicada pela teoria da reprodução, no entanto, outros resultados podem trazer complicações a esta explicação. Em primeiro lugar a respeito do pressuposto básico da teoria da reprodução, que se pode resumir como: as diferenças escolares entre os filhos correspondem às diferenças sociais entre os pais. Este pressuposto fragiliza esta explicação teórica da realidade estudada pelo fato de explicar uma condição escolar a partir de uma condição social sem que se explique a origem destas. Ou seja, no caso

10 estudado, não é suficiente conhecer a relação entre as condições escolares dos filhos e sociais dos pais, é preciso saber se a condição sócio-econômica e étnica se constitui em fatores condicionantes para o acesso à educação superior. Neste sentido, a teoria da reprodução de Bourdieu contribui sim com a explicação da questão estudada, mas deixa a desejar no que se refere, por exemplo, à explicação do dado que mostra que 81% dos entrevistados declararam não trabalhar. Isto indica que a necessidade do trabalho como fator de sobrevivência do estudante e até mesmo de sua família, constitui um fator condicionante do acesso aos cursos superiores. Como responder esta informação dada pela pesquisa se não pela via do paradigma de classe? O perfil da atuação profissional dos pais dos estudantes entrevistados é outro indicativo da necessidade de se tratar a questão, não apenas pela reprodução cultural, mas pelo lugar que ocupam os sujeitos entrevistados na estrutura de classe. Como diz Oliveira (1987, p. 12), já citado anteriormente neste texto, é necessário ater-se em primeiro lugar à objetividade da divisão social do trabalho, isto é, à produção de mercadorias, bens e serviços, sem esquecer a força de trabalho, considerando a dependência da sobrevivência física à venda da força de trabalho. Olhando a questão sob o prisma de classe, outros fatores menos pontuais e mais profundos aparecem e passam a se constituir em elementos explicativos da realidade estudada, tais como o caráter ideológico e burguês da produção do conhecimento e os fundamentos do ensino superior. A Dimensão Ideológica do Conhecimento Dois aspectos são importantes para começar a pensar o significado do conhecimento técnico e a dimensão relativa a transmissão a todos os segmentos sociais. O primeiro aspecto diz respeito ao caráter ideológico da ciência e da técnica. Neste aspecto, optamos por nos valer da contribuição de Habermas (1973). Este pensador, na tentativa de recuperar o conceito de racionalidade distanciando-a da simples lógica instrumental (como, segundo Habermas, o positivismo clássico a transformou), mostra o lado relativo e ideológico e a dimensão não neutra do conhecimento técnico. Da mesma forma, Carlos R. Brandão (1984, p. 46) contribui com a explicação do comprometimento ideológico do conhecimento ao dizer que o triunfo atual da ciência levou-a a arrancar a máscara da neutralidade - empunhada principalmente pelos acadêmicos - e o disfarce de objetividade com que se pretende impressionar o grande público O segundo aspecto a

11 considerar está diretamente associado ao primeiro. A ciência se desenvolveu, historicamente, conjugada à expansão das atividades econômicas, e neste caso o progresso técnico assumiu um caráter ideológico de racionalidade. Assim, o caráter ideológico do progresso técnico é perfeitamente percebível ao se associar o conceito de racionalidade à forma capitalista da atividade econômica, entendendo-a como um conjunto de procedimentos visando um fim econômico. A partir desta concepção, a racionalização não apenas consiste na escolha adequada das tecnologias e demais estratégias para transformação dos sistemas econômicos, mas a racionalidade significa adotar procedimentos tecnológicos e metodológicos de dominação. Dominação em duas principais instâncias: sobre a natureza e sobre o conjunto das relações sociais. A racionalidade, através da técnica, subtende controlar o meio natural e o meio social para extrair destes o máximo possível de lucro. Na sociedade capitalista o saber técnico é um bem de capital. O segmento social (grupo ou classe) que dispõe do saber e do instrumental tecnológico tem poder de dominação e de controle sobre a natureza e sobre as relações de produção. Mesmo quando o Estado fomenta o desenvolvimento tecnológico, ele o faz lançando um processo de competitividade e/ou seletividade entre os sujeitos sociais e/ou grupos sociais. Isto porque a Estada parte do pressuposto de que os segmentos sociais são homogêneos e impõe uma homogeneidade como padrão de racionalidade. Neste sentido o acesso ao conhecimento tecnológico é condicionado pela afinidade dos segmentos sociais com a racionalidade burguesa. Nesta dimensão, o conceito de verdade deixa de ser uma qualidade fixa, sendo condicionado por uma função de poder que formaliza e justifica o que é aceitável. E essa aceitação é condicionada a visões concretas da sociedade política e seu desenvolvimento (Brandão, 1988, p. 47). A Ciência e os Fundamentos da Instituição de Educação Superior Os fundamentos das instituições de ensino superior têm origem numa racionalidade científica e econômica, e assim é normal que nestas instituições se mantenha neutralidade em relação às emoções, aos desejos e aos conflitos sociais. O pensamento que move a instituição de ensino superior é o pensamento tipicamente burguês, construído historicamente e concomitantemente ao aparecimento das bases ideológicas do capitalismo, e que coincide com o que se entende como pensamento científico hoje. Em outras palavras, o desenvolvimento histórico do pensamento científico coincide com o

12 desenvolvimento do capitalismo, cujos principais ingredientes compõem a razão deste tipo de instituição. Trata-se de pensamento construído com a incorporação de ingredientes originados nas ciências da natureza. Com o aparecimento do método experimental e o avanço da ciência do domínio da natureza, a física parece ser o primeiro ingrediente a se integrar no processo da formação das ciências humanas. A economia política foi constituída na Inglaterra no decorrer da Revolução Industrial e da glória de Newton, quando se tinha uma influência considerável da epistemologia positivista. A partir de então, grandes teóricos das ciências do desenvolvimento econômico, como Adam Smith, Walras, Pareto e Saint-Simon desejavam ser o Newton da mecânica social da produção e do consumo de riquezas (Grinevald, 1975, p. 40). A idéia que associa o progresso da humanidade à força e à energia pode ter sua origem na física, particularmente na termodinâmica. Em síntese, o pensamento de Newton cruzou as fronteiras do mundo natural para o social. Assim, Saint-Simon, um dos precursores da ciência humanas, foi um dos primeiros teóricos a associar o progresso humano à idéia da força e da energia. Esta interpretação dava origem não apenas à idéia segundo a qual o desenvolvimento social está condicionado ao desenvolvimento industrial (o sinônimo do capitalismo), mas a que não existe singularidade no que se refere ao desenvolvimento social. Em outras palavras, o aparecimento da combustão deu origem a um mecanismo (o motor) do qual depende o movimento da composição do sistema industrial. Como o da indústria, a força que impulsiona o desenvolvimento não nasce do mesmo corpo (comunidade, por exemplo), mas de uma força externa. É o mesmo que dizer que existe um centro no qual as idéias dito científicas se encontram e dele nascem e impõem um padrão homogêneo a partir do qual devem se adaptar as singularidades. Isto é o mesmo que dizer que comunidades ou pessoas que utilizam modelos singulares de produção e de saber jamais podem se desenvolver socialmente a partir das suas próprias experiências, mas dependem de idéias e tecnologias externas. Assim como as idéias e costumes singulares têm dificuldades de encontrar espaços no mundo convencional. A idéia do movimento, por outro lado, se constitui em outro fator importante na sociedade humana durante o período da modernidade. A idéia do movimento se constitui até em parâmetro para distinguir o normal e o anormal da vida de uma pessoa ou de uma sociedade. A idéia do movimento, que pode ter origem da termodinâmica, dá conta que o indivíduo (e/ou grupo) em plena faculdade de normalidade esteja permanentemente em movimento, no que se refere à acumulação de riquezas, acumulação de saberes e que isto

13 designa melhorias de condições de vida. Em outras palavras, isto se chama progresso que na modernidade assume um caráter ideológico que garante as bases da própria modernidade. Nas atuais instituições de ensino, a marca do progresso se encontra em inúmeras características de tais instituições mas sobretudo na lógica da progressão. A progressão tem apenas o significado da seriação, mas sustenta o caráter ideológico que garante a superioridade social do conhecimento científico. Outro aspecto a considerar é o caráter universalista da razão. Isto é, o de que existe um saber único verdadeiro, um padrão cultural e comportamental único verdadeiro etc., aparecendo com maior nitidez na concepção etnocêntrica, que tem como ponto de partida o racionalismo científico. Em outras palavras, a verdade é uma só, ela é universal e está no centro. No dia a dia da instituição de ensino este pensamento aparece, sobretudo, na dicotomização entre o saber dito correto e aquele considerado incorreto. A infalibilidade do conhecimento científico também fundamenta a razão da instituição de ensino superior. A técnica, por ser fruto da ciência, é infalível e a sua universalização é automática, levada pelas relações econômicas. Saint-Simon dizia que a industrialização da sociedade se inscreve no contexto daquilo que ele chamava de lei superior do progresso que se impõem, quer os homens queiram ou não. Os homens não são nada mais dessa lei que seus instrumentos. Segundo Saint-Simon, esta lei superior do progresso deriva de nós, mas não está mais sob o nosso controle, não se tem mais condições de controlar a sua ação. Tudo o que se pode fazer é obedecer esta lei, prestando a atenção à sua marcha (ANSART, 1970). A razão instrumental, que atende os requisitos da expansão da produção econômica, está na concepção, historicamente construída, de considerar conhecimento científico aquele que é útil. Na era do iluminismo este preceito já existia e pode ser a raíz da associação que se faz da instituição de ensino superior e o atendimento das demandas da produção material. Portanto a razão da instituição de ensino superior é fundamentada sobre a produção do conhecimento universal (somente o universal, que pode e deve ser universal), a partir do qual se produz a técnica a qual passa a possuir um caráter de infalibilidade e esta associa o conhecimento à utilidade.

14 Conclusão A absorção do conhecimento quer seja através da instituição de ensino ou no contexto social assume um caráter ideológico de progressão (com contaminações evolucionistas). Isto é, a idéia da progressão na absorção do conhecimento, se constitui de um dos principais elementos da racionalidade burguesa. Esta noção se constitui de um caráter ideológico porque exige que o sujeito social acredite que a escola lhe fará absorver, progressivamente, o conhecimento dominantemente requerido pelo contexto social. No contexto da dinâmica da globalização da cultura e das relações econômicas, percebem-se traços ideológicos que atendem a uma racionalidade técnica e instrumental, muito própria e propícia do modelo capitalista vigente. A ciência se desenvolve de forma conjugada à expansão das atividades econômicas, e neste caso o progresso técnico assume um caráter ideológico de racionalidade. O caráter ideológico do progresso técnico é perfeitamente perceptível ao se associar o conceito de racionalidade à forma capitalista de atividade econômica. Os dados analisados neste texto, referentes à pesquisa sobre o perfil do acesso à educação superior no Brasil indica a existência de um monopólio de classe sobre este acesso. Esta constatação é explicitada, por exemplo, por dados como o nível de renda das famílias, escolaridade dos pais e, sobretudo, a tipologia do vínculo profissional dos pais. Este monopólio de classe ao acesso à educação superior se constitui na prática por alguns fatores condicionantes do acesso igualitário aos bens, serviços e saberes socialmente construídos, tais como: a dependência ao vínculo do trabalho não sobrando tempo, tampouco recursos, para se dedicar aos estudos; a apropriação pelo estudante e/ou pela família dele, de um capital cultural como instrumento básico para a conquista do acesso, a lógica tipicamente burguesa da ciência, da produção do conhecimento científico e da instituição de ensino superior, beneficiando os segmentos sociais mais afinados com este tipo de racionalidade. Referências ANSART, Pierre. Sociologie de Saint-Simon. Paris: Presses Universitaires de France, 1970. BOURDIEU, Pierre, PASSERON, Jean-Claude. Les Héritiers les étudiants et la culture. Paris: Les éditions de Minuit, 1985.

15 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa Participante, 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. DUBET, François. As Desigualdades Multiplicadas. Ijuí: Editora Unijuí, 2003 GRINEVALD, J. Science et développement: esquisse d une approche socioépistémologique. In: La pluralité des mondes Cahier de l I.E.D. 1. Genève et Paris: P.U.F., 1975, p. 31-97. HABERMAS, Jurgen. La technique et la science comme ideologie. Paris: Gallimard, 1978. INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Boletim Informativo disponível em http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/default.asp (acesso no dia 10 de abril de 2007). MARX, Karl. Teorias da Mais-Valia V. 1 (Livro 4 de O Capital), 2. ed. São Paulo: Editora Bertrand Brasil S/A, 1987. METER, Karl M. Van (Org.) La Sociologie. Paris: Larousse, 1994 OLIVEIRA, Francisco. O Elo Perdido Classe e Identidade de Classe. São Paulo : Editora Brasiliense, 1987. RIBEIRO, Marlene. Educação para a cidadania: questão colocada pelos movimentos sociais. Revista Educação e Pesquisa. São Paulo: v. 28, n.2, p.113-128, jul/dez,2002.