DISCURSO DOCENTE NO CURSO DE LETRAS: UMA ANÁLISE DE AVALIATIVIDADE



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Transcrição:

DISCURSO DOCENTE NO CURSO DE LETRAS: UMA ANÁLISE DE AVALIATIVIDADE Fabíola Aparecida SARTIN Dutra Parreira Almeida (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/Universidade do Estado do Mato Grosso/CNPq) ABSTRACT: This study aims at presenting the analysis of spoken discourse of a teacher from college in the moment she interacts with her student based on the appraisal framework, focusing on how the appraisal category-affect is evidenced in the teachers discourse and its implications in the process of interaction between teacher-student. KEYWORDS: Appraisal; affect; discourse; teacher. 0. Introdução Este artigo tem como objetivo apresentar uma descrição das categorias de avaliatividade (appraisal) evidenciadas no discurso de uma professora universitária, no momento de interação com os seus alunos. Para tanto, este estudo está organizado da seguinte maneira: inicialmente, apresento aspectos teóricos da avaliatividade (appraisal) e a importância da avaliação como recurso semântico; além de destacar a Gramática Sistêmico-Funcional como suporte teórico da pesquisa; e, posteriormente, passo para a apresentação e discussão dos dados. A participante deste estudo foi selecionada por meio de uma avaliação institucional na qual os alunos avaliam a atuação dos seus professores em sala de aula. Os dados foram coletados através de gravação e transcrição das aulas, e, também, através de entrevistas com a professora. Porém, neste artigo, serão apresentados apenas os dados referentes às aulas. O termo appraisal traduzido para o português por avaliatividade foi apresentado pelo Professor James Martin e pelo grupo de sistemicistas da Universidade de Sydney para expressar avaliação. Segundo este autor, a avaliatividade refere-se à forma pela qual expressamos nossos pensamentos, opiniões e atitudes sobre algo ou alguém com base nas emoções; estabelecendo julgamentos e, posteriormente, atribuindo valor a essas atitudes. Nesse caso, trata-se da

opinião sobre as coisas e sobre o mundo refletindo a ideologia, as crenças e a cultura que são evidenciados por meio das escolhas lingüísticas no discurso. Os estudos de avaliatividade estão sendo utilizados na análise do discurso falado ou escrito em diferentes contextos. Por exemplo, o artigo de Zhanzi (2002), que apresenta uma análise de autobiografias que tematizam aquisição de língua e identidade cultural. Assim, a análise em textos orais, que é o caso deste artigo, poderá ampliar mais ainda o horizonte dos estudos de avaliatividade. 1. Avaliação e Avaliatividade no discurso Segundo Hunston e Thompson (2000:2), existe uma vasta gama de termos para expressar o fenômeno avaliativo. Alguns destes termos estabelecidos que expressam opiniões são Connotation (Lyons, 1977), Affect (Bernsier, 1993) e Attitude (Halliday, 1994). O primeiro termo destaca as palavras que expressam conotações; o segundo e terceiro centram nos usuários da língua, ou melhor, nas pessoas que possuem as atitudes. Martin (2000) utiliza appraisal enquanto Conrad & Biber (2000) utilizam stance e Hunston & Thompson (2000) optam por evaluation fazendo referência à avaliação. Hunston & Thompson (2000:5) ressaltam que evaluation é um termo abrangente para definir as expressões das atitudes do falante/escritor ou sentimentos sobre as entidades ou proposições que ele ou ela estão falando a respeito. Atitudes que podem estar relacionadas à certeza ou obrigação ou desejo ou qualquer outro termo de um grupo de valores. Os autores apresentam três funções de evaluation que são dependentes umas das outras e que acontecem simultaneamente no discurso. São elas: 1) expressar a opinião do falante/escritor refletindo o sistema de valores da pessoa e da sua comunidade. 2) construir e sustentar relações entre o falante/escritor com o ouvinte/leitor. 3) organizar o discurso. Hunston e Thompson argumentam que expressar a opinião é a função mais óbvia da avaliação. Nessa função, a avaliação se encarrega de mostrar ao leitor o que o autor pensa ou sente sobre determinado assunto. Isto vai além das idéias e interesses de uma pessoa: cada ato de avaliação expressa um sistema de valor comum, que, por sua vez, é um

componente da ideologia que permeia o texto. Além disso, revela a ideologia da sociedade na qual o texto foi produzido. Hunston e Thompson (2000:7) asseguram que as ideologias são um conjunto de valores: bom ou mau, o que deveria ou não acontecer, o que é verdadeiro ou falso. Ao avaliar as pessoas, objetos e situações, esses valores ideológicos vêm à tona, impregnados do conhecimento prévio e conhecimento de mundo e, principalmente, do contexto dos participantes do discurso. A segunda função da avaliação é construir e sustentar as relações ou laços entre o leitor e o autor. Em cada uma delas, o autor se revela por meio de recursos de avaliação com o intuito de construir um relacionamento com o leitor. A terceira e última função mencionada pelos autores é a organização do discurso. O relacionamento autor/leitor não existe somente em termos de informações contidas no texto, mas, em termos do próprio texto. Dito de outra forma, o autor não diz ao leitor isto aconteceu e esta é a minha opinião sobre isto, mas ele diz este é o começo do nosso texto, esta é forma pela qual os argumentos se organizam e este é o fim da nossa interação. Hunston e Thompson (2000:10) exemplificam este fato com uma mãe que escreve uma carta para sua filha: a interação acontece entre elas quando a mãe e a filha se manifestam e reagem aos acontecimentos do mundo, mas também uma interação acontece entre o autor e o leitor na progressão e na organização do texto. Halliday (1994) não discute categorias avaliativas separadamente como Martin, ele lida com a avaliação considerando modalidade e significados atitudinais como categorias dos significados interpessoais, explorando a modalidade separadamente, estabelecendo duas subcategorias: modalização e modulação. Ao abordar a avaliação, Martin (2000,2003) vai mais além, ele expande os significados através do sistema de avaliatividade, subdividindo-o em categorias: atitude, engajamento e gradação. Dentro do sistema de atitude Martin (2000) estabelece outras três sub-categorias: afeto, julgamento e apreciação. 1.1 Atitude como avaliação Segundo White (2004), a avaliatividade é definida como uma abordagem específica que explora, descreve e explica a forma pela qual a língua é utilizada para avaliar, adotar uma postura, construir persona textuais e lidar com posicionamentos interpessoais.

Nessa abordagem é estudada a forma pela qual os falantes e escritores fazem um julgamento sobre as pessoas e acontecimentos em geral. Atitudes, julgamentos e respostas emotivas são explicitadas nos textos orais ou escritos, sendo indiretamente subentendidas, pressupostas ou assumidas pelos participantes do discurso. E, em muitos casos, são cuidadosamente administrados levando em conta a possibilidade sempre presente de desafio ou contradição por parte daqueles que possuem visões diferentes (White, 2004). Para Martin (2000:145), a avaliatividade é entendida como um sistema de significados interpessoais, um recurso semântico usado para negociar emoções, julgamentos e avaliações. Segundo o autor: Appraisal is concerned with evaluation: the kinds of attitudes that are negotiated in a text, the strength of the feelings involved and the ways which values are sourced and readers aligned. (Martin, 2003:22) As atitudes têm a ver com esta avaliação, podendo ser mais ou menos intensas ou mais ou menos ampliadas (Martin, 2000). As atitudes ocupam um lugar central no processo avaliativo. Elas revelam os tipos e níveis em que a Avaliatividade é desenvolvida e expressa no discurso. Os sentidos atitudinais são traduzidos em categorias, que, neste estudo, especificamente, se encarregarão em mostrar na categoria de afeto as escolhas lingüísticas que a professora utiliza ao interagir com seus alunos. Conforme Martin (2000:148), a categoria de afeto é um recurso semântico que serve para expressar as emoções no discurso. É uma avaliação pautada nos sentimentos dos falantes, indicando como esses falantes se comportam em relação às pessoas, às coisas, aos objetos e aos acontecimentos. Martin (2003:25-26) descreve, minuciosamente, a categoria de afeto dizendo que as pessoas possuem bons sentimentos (afeto positivo) e maus sentimentos (afeto negativo) que podem ser expressados diretamente ou implicitamente no discurso. A categoria de julgamento pode ser entendida como uma institucionalização do sentimento. Normas do comportamento humano que direcionam as pessoas como devem ou não agir na sociedade. O julgamento se refere a um posicionamento atitudinal moldado por uma cultura particular e uma situação ideológica. A maneira pela qual as

pessoas fazem julgamentos sobre moralidade, legalidade, capacidade, normalidade, etc., serão sempre determinados pela cultura na qual elas vivem e pelas experiências, expectativas, pretensões e crenças individuais, conforme postula White (2004). A categoria de apreciação diz respeito a avaliações negativas e positivas de objetos, processos, estados, etc. Para White (2004), o mais óbvio valor da apreciação está relacionado com o que é tradicionalmente conhecido como estética : avaliações positivas e negativas da forma, aparência, construção, apresentação ou impacto de objetos e entidades. 2. Gramática Sistêmico-Funcional e o sistema de transitividade Para Halliday (1994:106), na abordagem sistêmica, a metafunção ideacional ou experencial dá conta do uso da língua enquanto representação, servindo para se manifestar sobre o mundo: como ele é percebido, sentido, experenciado e representado. Dessa forma, o falante faz representações dos fatos e da organização do mundo exterior (eventos, elementos) e do seu mundo interior (pensamento, crenças, sentimentos). É, na metafunção ideacional, que estudamos o sistema de transitividade. Sistema este que é responsável por fornecer a estrutura lingüística, para interpretar a experiência humana sobre o que está acontecendo no mundo. Segundo Halliday (1994), o ser humano necessita da língua para criar um quadro mental da realidade, no intuito de compreender o que acontece ao seu redor e no seu interior. Essa realidade é constituída de processos, ou seja, eventos que expressam a nossa experiência interior e exterior, ou melhor, a nossa consciência interna e externa. Thompson (1996:78) acrescenta que o sistema de transitividade vai mais além do que simplesmente o grupo verbal. O autor enfatiza que através da escolha dos processos é possível identificar o papel dos participantes no discurso. It refers to a system for describing the whole clause, rather than just the verb and its Objects. It does, though, share with the traditional use a focus on the verbal group, since it is the type of process which determines how the participants are labelled. Os processos indicam que o falante está ativamente escolhendo uma forma especifica de representação de mundo em detrimento de tantas outras. No sistema de transitividade, o significado experencial é realizado concomitantemente com o seu significado interpessoal, no

sentido em que a descrição da transitividade na oração complementa a descrição de modo. Portanto, enquanto a estrutura de modo da oração é relacionada com a dimensão contextual das relações, as escolhas de transitividade estão relacionadas com a dimensão do campo. Assim, as escolhas dos tipos de processos e papéis de participantes são vistos como interactantes codificando a sua realidade experencial (Eggins, 1994). Segundo Halliday (1994:107), a análise da transitividade é desenvolvida através da descrição de três aspectos de uma oração: a) a escolha do processo: realizada no grupo verbal da oração. b) a escolha dos participantes: realizada pelos grupos nominais. c) a escolha de circunstâncias: realizada através dos grupos adverbiais ou orações preposicionais. Considerando que este trabalho tem como foco a escolha dos processos relacionados à avaliatividade, destaco um breve comentário acerca de cada processo. Para Halliday (1994:107), há três tipos de processos: material, mental e relacional, e três tipos de processos que ocupam uma posição intermediária: comportamental, verbal e existencial. 1)Processos Materiais: processos do fazer. Representam ações do campo físico realizadas por um ator ou um evento. O significado básico desse processo é que alguém ou uma entidade faz alguma coisa, realiza uma ação. No caso do contexto institucional, esses processos servem para descrever mais detalhadamente ações desenvolvidas em sala de aula, tais como escrever, fazer, etc. 2)Processos Mentais: são os processos do sentir. Referem-se a reações mentais, sendo necessária a presença de um participante humano, aquele que sente, pensa ou percebe: ele precisa ser dotado de consciência. Neste estudo especificamente, os processos mentais estão intimamente ligados às categorias de avaliatividade. Por exemplo, o processo gostar expressa níveis de afeto com relação a pessoas ou atitudes em sala de aula e também como ele se posiciona em relação a uma determinada situação ou ação. 3)Processos Comportamentais: posicionam-se entre o material e o mental referindo-se ao comportamento fisiológico e psicológico. Há, também, a necessidade de um participante essencialmente humano. 4)Processos Verbais: são os processos do dizer. O participante é geralmente humano: referem-se a processos que têm a função de transmitir a mensagem através da língua.

5)Processos Existenciais: são os processos do existir. Representam simplesmente o que existe ou acontece. Nesse tipo de processo, o falante renuncia a oportunidade de representar o participante como envolvido em qualquer acontecimento ou ação. 6)Processos Relacionais: são os processos do ser, porém não no sentido de existir, mas indicando a relação entre duas entidades separadas. Os processos relacionais podem ser do tipo: (1) intensivo; (2) circunstancial e (3) possessivo; cada um deles atributivos e identificativos. O processo relacional é atributivo quando é dado ao participante uma qualidade, uma classificação, enfim um atributo. Já o processo relacional identificativo tem a função de identificar uma entidade em relação à outra. Os processos relacionais possessivos ocupam um papel de destaque neste trabalho, especialmente os do modo atributivo, visto que eles expressam uma relação possessiva que é codificada como um atributo. Há uma expressiva relevância desse tipo de processo no presente estudo, visto que a freqüência do processo relacional ser é alta no corpus e a identificação dos tipos de processos relacionais contribui na análise de avaliatividade. Desta forma, a escolha pelos tipos de processo revela a forma pela qual a participante se posiciona em relação às pessoas, às coisas e aos acontecimentos ao seu redor. Os processos materiais em determinados contextos, por exemplo, indicam características de afeto, bem como os processos mentais revelam características da personalidade afetiva da professora analisada. Já a presença de muitos processos verbais indica a necessidade da professora em descrever as atividades a serem desenvolvidas na sala de aula. 3. Apresentação e Discussão de dados No presente artigo, destaco apenas alguns processos que evidenciam o afeto na fala da professora pesquisada. 3.1 Afeto positivo: a) Com processos relacionais possessivos como atributo e processos relacionais atributivos: Eu tenho essa consciência! Eu tenho essa experiência, eu já estou descolada de saber isso aí.

A escolha pelos processos acima mostra a consciência da professora dos seus limites, crenças e da sua experiência enquanto professora há mais de dez anos. b) Com processos relacionais atributivos: Não fiquem preocupados com o tempo (...) não existe um plano fixo: é isso e acabou! É maleável ta? Se alguém tem dúvida vamos sanar a dúvida tá?? A professora se dirige aos alunos no sentido de acalmá-los, tranqüilizá-los quanto ao ritmo das aulas. c) Com processos materiais e mentais: É lógico que eu vou auxiliar, porque eu vejo assim, muitos alunos pensam assim, é cômodo para o professor chegar e dar a apostila para o aluno, e o aluno se vira, mas as minhas aulas não são assim. Às vezes eu acho que estou ótima porque o aluno tá me ouvindo, ninguém discorda, parece que tá tudo ok. Então ninguém melhor do que vocês para dizer se realmente é isso, se essa metodologia está ok, que vocês estão entendendo, se é por aí mesmo ou não! Nesse caso, a professora utiliza os processos mentais (achar e gostar) para indicar seus sentimentos e opiniões no que se refere à metodologia em sala de aula, à proposta de ajuda a possíveis problemas, e ao mesmo tempo, ela faz uma apreciação positiva das suas aulas ressaltando que não há falta de compromisso com os alunos. Eu gosto de críticas positivas, daquelas que me ajudem a melhorar! No excerto acima, a professora também se vale dos processos mentais para mostrar sua opinião diante da postura dos alunos. E, ao mesmo tempo, requisita uma tomada de postura por parte deles no que se refere à metodologia adotada por ela. Novamente, ela utiliza diretamente o processo mental de afeto gostar realçando seu posicionamento em aceitar críticas positivas para contribuir com o seu crescimento interior e profissional.

3.2 Afeto Negativo Foram verificadas as expressões de afeto negativo também com processos relacionais possessivos de atributo, com os processos mentais no tempo presente. Porém, modulados com o extremo polar negativo (não), indicando a aversão da professora a determinadas situações. Eu não gosto de passar por boba Eu não gosto muito de três ou quatro alunos, não porque já divaga, né Aluno que tem por pratica fazer avaliação a lápis, eu não aceito isso! Também não quero avaliação na folhinha de caderno, não! Eu não concebo você trabalhar e não saber produzir texto. Eu não acredito que existam pessoas que tenham o mesmo pensamento, na verdade tem gente que brinca por aqui, vai lá no colega e pega o texto dele e vai e me dá o texto. Gente, eu quero a leitura desse livro, eu não quero que aconteça igual ao anterior (...) nós temos de fechar isso aqui. (...) nós não podemos perder tempo. Baderna é ser moderno! então eu não quero ser moderna nunca. Constatou-se categoria de afeto negativo com processos relacionais, porém sem o extremo polar negativo (não): Eu tenho vergonha de chamar a atenção, eu não vou fazer isso. Nos exemplos acima, as escolhas que a professora fez para mostrar sua postura e metodologia, percebe-se marcas de poder mostrando ações que ela recrimina na sala de aula. 4. Considerações finais A maneira pela qual as pessoas expressam suas opiniões com relação a pessoas, a coisas e a situações de forma emotiva e sentimental deixa marcas características da sua personalidade, ideologia e contexto de cultura. Este fato pode ser ainda mais evidenciado ao identificar as escolhas lingüísticas de que o falante lança mão para expressar essa avaliação.

Neste estudo, ficou evidente a maneira pela qual a participante avalia as situações em sala de aula e as ações dos alunos por meio da categoria de afeto (positivo e negativo). Houve a predominância de processos relacionais, que já era esperada, visto que indicam, ou melhor, são relacionados, efetivamente, à avaliatividade. Contudo, verificou-se, também, a presença de processos mentais e materiais, expressando sentimentos positivos e negativos. Os estudos de avaliatividade, segundo Martin (2000) e Marin & Rose (2003), deram um suporte teórico no intuito de decifrar os tipos de categorias de afeto de que a participante lançou mão no seu discurso ajudando, assim, na investigação da sua interação com os alunos. Vale ressaltar que um estudo sobre avaliatividade é enriquecedor na análise lingüística, pois a partir de um olhar mais detalhado sobre a maneira pela qual as opiniões e atitudes sobre o mundo ao nosso redor são apresentadas, percebe-se que as escolhas feitas estão diretamente relacionados à personalidade, à ideologia e à cultura de cada indivíduo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CONRAD, S. & BIBER, D. Adverbial marking of stance in speech and writing. In: HUNSTON, S. & THOMPSON, G. Evaluation in text: authorial stance and the construction of discourse. Oxford: Oxford University Press, 2000. EGGINS, S. An introduction to systemic functional linguistics. London: Printer Publishers, 1994. EGGINS, S & SLADE, D. Analyzing casual conversational. Cambridge: Cassel, 1997. HALLIDAY, M.A.K. An introduction to functional grammar. London: Edward Arnold Publishers, 1994 HUNSTON, S. & THOMPSON, G. Evaluation in text: authorial stance and the construction of discourse. Oxford: Oxford University Press, 2000. LOCK, G. Functional english grammar: an introduction for second language teachers. Cambridge, Cambridge University Press, 1996. MARTIN, J. R. English text. System and structure. Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 1992. MARTIN, J. R. Beyond Exchange: Appraisal system in English. In: HUNSTON, S. & THOMPSON, G. Evaluation in text: authorial stance and the construction of discourse. Oxford: Oxford University Press, 2000

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