UMA REFLEXÃO SOBRE A MODA NO EXTREMO SUL DO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XIX E PRINCÍPIO DO XX



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Transcrição:

IX Colóquio De Moda Fortaleza(CE)-2013 UMA REFLEXÃO SOBRE A MODA NO EXTREMO SUL DO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XIX E PRINCÍPIO DO XX A REFLECTION ON FASHION IN SOUTHERN BRAZIL IN THE LATE NINETEENTH AND EARLY TWENTIETH CENTURIES Roberta De Lima Raubach Universidade Federal de Pelotas/ Patrimônio Cultural. robertarspel@hotmail.com Resumo Este trabalho pretende promover uma reflexão sobre a memória das roupas e da moda na região sul do Brasil, assim como sua utilização e a importância cultural para a sociedade. Para isso, a partir da revisão de literatura realizada e pesquisas historiográficas, pretende-se traçar uma linha do tempo com os principais acontecimentos que marcaram o final do século XIX e início do século XX e as principais influências sobre a moda e cultura local. Palavras-Chave: Arte. Sociedade. História da moda. Abstract This work aims to promote reflection on the memory of the clothing and fashion in southern Brazil, as well as its use and cultural significance to society. For this, from the literature review and research historiographical aims to draw a timeline of the major events that marked the late nineteenth and early twentieth century and the main influences on fashion and culture. Keywords: Art. Society. History of fashion. INTRODUÇÃO As vestimentas históricas são grandes fontes de estudos sobre a cultura de um povo ou região. Contribuem para o patrimônio artístico e cultural da sociedade, bem como para pesquisas e estudos que procuram investigar a importância de materiais e acervos históricos nas pesquisas sobre moda. Ela refere a própria trajetória de uma localidade, e o percurso dos sujeitos que nela habitaram.

A interpretação da moda em diferentes épocas é um trabalho analítico que envolve uma descrição minuciosa das formas, estilos, qualidade, materiais, usuários, e prováveis ocasiões nas quais foram usadas. Não é um fim em si mesmo; ao contrário, a interpretação deve despertar interrogações, pois é somente pela pesquisa que um objeto utilitário e corriqueiro como a roupa torna-se um documento a partir do qual é possível construir conhecimento (JULIÃO, 2006, p. 97). As roupas, quando se tornam memória, também servem como documentos, pois retratam acontecimentos que marcam lugares e pessoas, fazendo-se presente por toda a história, relatando a moda existente por períodos. Estudos sobre a história da moda vêm crescendo e acompanhando a evolução de pesquisas e tendências modernas sobre o vestuário. Faz-se necessária para compreendermos a evolução têxtil, bem como a evolução tecnológica na fabricação de tecidos e desenvolvimento de coleções. A partir do reconhecimento histórico é possível classificar peças, acessórios e tendências da época, para então criarmos novas idéias, que se farão representar em uma releitura moderna e diferenciada, tornando-se moda. Grandes estilistas, ao realizarem uma pesquisa sobre inspirações de moda, se utilizam de vários materiais históricos, atribuindo valores sociais e temporais para identificar elementos que irão auxiliar o designer na composição de suas peças. Assim se faz compreender a importância atribuída às pesquisas historiográficas, pois além de representarem a nostalgia de uma era, por outro lado também contribui de forma criativa e sugestiva para compor a moda, tendo em vista a velocidade na busca por mudanças de estilos. Joffily (1999:27) afirma que: Moda é um fenômeno social ou cultural, de caráter mais ou menos coercitivo, que consiste na mudança periódica de estilo, e cuja vitalidade provém da necessidade de conquistar ou manter uma determinada posição social. Com base nisso, se torna importante uma reflexão do vestuário na região sul, em especial à cidade de Pelotas, situada a 240 km da capital Porto Alegre, sendo uma cidade importantíssima para o conhecimento histórico do vestuário e por conter em sua história têxtil um riquíssimo acervo de peças e acessórios femininos e masculinos importados da Europa no século XIX.

Tendo como ponto de partida a escassez de trabalhos acadêmicos 1 sobre a história da moda na região, o presente texto pretende promover uma reflexão acerca do tema, a importância do acervo têxtil bem como, a memória da moda como patrimônio na cidade de Pelotas no início do século XX, e sua relação atual com as pesquisas de moda por estudantes de áreas afins. A partir da revisão bibliográfica, pretende-se discutir os principais acontecimentos relacionados à história da cidade e da importância dessa preservação para a sociedade. Serão abordadas questões históricas acerca do patrimônio memorial e cultural das roupas, para assim analisar e fazer considerações da história da moda que se constituiu através das referências Europeias. MEMÓRIA DO VESTUÁRIO PELOTENSE Conforme Treptow (2003), a moda surge no momento histórico em que o homem passa a valorizar-se pela diferenciação dos demais, através da aparência, o que podemos traduzir em individualização. Essa valorização se faz presente na história do vestuário de Pelotas no final do século XIX e início do século XX. A busca de distinção social entre classes, exacerbada pela sociedade burguesa, se fazia percebida pela imitação do trajar parisiense, em ocasiões de se manter em evidência na sociedade, pois esta estaria no auge da sua economia. A bela, então, Princesa do Sul 2, começaria a chamar a atenção pela diferenciação de hábitos. Segundo documentos do Parque Municipal Museu da Baronesa. 1 A Roupa do Moderno: Representações da moda na década de 1920 Francisca Ferreira Michelon e Denise Ondina Marroni Dos Santos. Jornais impressos, Diário Popular século XIX e século XX. 2 O nome Princesa do Sul foi assim chamada a partir do século XIX pela ampla designação popular tendo origem no século XIX, em virtude da rivalidade existente entre as cidades de Pelotas e Rio Grande, ambas vizinhas, quando a população da cidade era quase equiparada a de Porto Alegre e São Paulo, sendo uma das mais importantes e promissoras cidades, em virtude do crescimento do comércio charqueadense na região.

[...] as famílias de posses desenvolveram uma forma de vida característica, muito ligada aos hábitos europeus, pois viajavam muito para a Europa. A moradia, as vestimetas e os objetos de uso cotidiano eram extremamente luxuosos e requintados. Além disso, essas famílias investiram na modernização e embelezamento da cidade, também se dedicaram a atividades artísticas e intelectuais, ficando conhecidas na Província e no Brasil pelo valor que davam ao teatro, à musica e à literatura. (museudabaronesa.com.br) Sendo assim, Pelotas tornou-se conhecida pela aparência fina e elegante do vestir em alto padrão, no qual a roupa operava como eficaz forma de nobreza. Belos vestidos e trajes elegantes desfilavam pelas ruas e praças da cidade no final do século XIX, seguindo assim aproximadamente até a década de 1920, onde mulheres esbanjavam elegância vestindo-se ao rigor dos mais rebuscados feitios da época. Os modelos destacavam-se pela riqueza e ostentação de tecidos sofisticados e ornamentados por flores e pedrarias. Tendo elas uma diversidade de acabamentos, as peças eram valorizadas por representarem uma característica européia, onde os espartilhos modelavam a cintura, estilo altamente exigido às mulheres, em que a silhueta marcada registrava a irreverência feminina. A Pelotas de então era uma das cidades que se encontrava nos mais altos escalões do país, por se tratar de uma economia de grande potencial na época. Com isso, bancava costumes nobres de altos custos para mulheres que procuravam esbanjar seus estilos mais vistosos. As jovens belas e gentis senhorias (segundo as legendas das retratadas) ensaiavam a pose, o gesto o olhar, mostrando o que deveria ser mostrado, especialmente roupas e acessórios, ousando usar modelos dos grandes centros, com os ajustes permitidos. (MICHELON, MARRONI, 2003, p. 141). Este patrimônio cultural de gestualidade, ornamentações, opulência, analisado pelo tempo, resiste à história e à memória do lugar. Ou seja, a cidade valorizada pela riqueza da época mantém, ainda hoje, a lembrança da moda, dos costumes, e da reminiscência das mulheres que abalizaram este lugar, como símbolo de distinção. 3 No 3 Pierre Bourdieu- Descreve a sociedade em termos de espaço social permitindo enfatizar as dimensões das posições sociais.

entanto, ela é expressão distintiva de uma posição privilegiada no espaço social, cujo valor distintivo determina-se objetivamente nas relações com expressões engendradas a partir de condições diferentes (BOURDIEU, 2007 p. 56). Ou seja, é possível pensar a existência através das condições sociais que se podem expressar também através do vestir, das articulações que se fez e o tempo empregado nas roupas; pode-se verificar a relação desses para com seu corpo, e deste para com a sociedade. Pensar a história da moda na cidade de Pelotas vai além do trajar fino e elegante, como também a memória têxtil empregada nelas, ou seja, se faz uma reflexão do indivíduo e da roupa, buscando compreender e analisar o seu comportamento, seus costumes e hábitos. Na indumentária histórica encontramos a possibilidade de se aproximarem do estilo de vida vivenciado em outras épocas, pois seria a forma mais direta de reconhecer valores e crenças como representações da própria sociedade. Como defende Lipovetsky um objeto nunca é consumido por seu valor de uso, mas sim pelo prestígio que ele possa atribuir ao seu proprietário, principalmente em se tratando de um instrumento de hierarquia social (1989, p.171). Entretanto, pensar a história da moda que marcou a região sul nos possibilita um maior entendimento dos modos e modas que por aqui passaram e marcaram a cidade deixando um legado importante para fontes de estudos e pesquisas. Torna-se um estudo do estado social e material e um importante marco patrimonial para as gerações. IMAGENS DA MODA: CULTURA E SOCIEDADE Além de trazer a importância da história da moda junto ao seu acervo têxtil na cidade de Pelotas no final do século XIX e início do XX é relevante fazer uma reflexão acerca da cultura e da sociedade, por meio das influências econômicas, circunstâncias culturais e sociais nos períodos. É importante salientar que a população local concentrava-se em grupos de elites cujo poder delimitava-se na economia do charque,

na política e no comércio. Esses grupos dirigentes tinham acesso ao bem vestir, podendo adquirir peças assinadas por estilistas como Poiret, Chanel, Jeanne Lanvin e Worth nomes renomados e requisitados na época. Figura1: Acervo Museu Da Baronesa, coleções do século XIX. As ocasiões como as festas, os bailes de gala eram exclusivamente frequentados pela nobreza, que por sua vez se fazia representar pelas relações patrimoniais hegemônicas. Por outro lado, a classe mais baixa, os que não tinham acesso ao bem vestir, pelos altos custos que as mantinham, se utilizavam das idéias para copiar e costurar seus vestidos, assim poderia assemelhar-se aos modelos; isso sem dúvida desagradava à elite, pois não mais teriam exclusividade em seus belos vestidos. A moda continuava ornamentada em Pelotas no início do século XX, porém, a sociedade começaria a remodelar seus trajes, mantidos ainda por uma alta elegância. Essas mudanças do vestuário se fizeram presentes por consequências sociais e econômicas vivenciadas na época. As belas mulheres que vestiam suas roupas importadas da Europa e que por sua vez era símbolo de moda na cidade, teriam então algumas mudanças de estilos.

As golas das blusas e dos vestidos, por sua vez eram altas, escondendo todo o pescoço; as anquinhas desapareceram, mas as saias continuam com volumes de tecidos agora em formato sino ajustadas que mal poderiam andar... chapéus especialmente de flores compunham a cabeça com coques fofos... essa foi a moda da mulher que mal sabia estar prestes a se romper, com fortes mudanças e insurreição da primeira guerra mundial em 1914. (BRAGA, 2007 pg. 67) Essas influências adotariam uma nova era de comportamento, ou seja, o período de inovação Belle Époque 4 seria responsável pela manutenção de uma nova identidade na sociedade. Novos estilos começaram a marcar os jornais 5 locais e algumas revistas 6, as imagens apontavam para o que poderia ser moda;o comportamento, os últimos lançamentos de beleza e acessórios que imperavam naqueles anos no município e no seu entorno. No mesmo período os estilistas como Chanel e Dior acentuaram peças mais retas como tailleur, composto de casaco e saia; o estilo chama a atenção das senhoras e moças que aos poucos adotaram as idéias. Segundo Braga, 2007, essas características estavam diretamente associadas às práticas esportivas, sendo assim, as novas modelagens de roupas começaram a ocupar as tendências pelotenses. As roupas, embora bem cortadas, com tecidos ricos e detalhes arrojados começariam a ganhar novas influências estrangeiras. O interesse pela nova moda passou a ganhar espaço nas atividades, como o trabalho, o esporte, a dança. Com isso, foram adaptadas às necessidades do dia-a-dia, como ao trabalho, os passeios e até mesmo à roupa diária. A sensibilidade de uma época, como a uma forma que a tudo engloba e que origina certas representações, costumes de ser e de parecer, em fim expressão da vida em sociedade. Assim, o estilo de uma época que inclusive pode ser visível apenas para os que vivenciam, é aquilo que caracteriza, singulariza a época. (CIDREIRA, 2005 pg.124) 4 La Belle Époque,ou seja, a A bela Época, que vai corresponder à última década o século XIX a primeira do século XX. Informações do livro João Braga. 5 Em Pelotas os jornais Jornal Diário Popular, Opinião Pública e o Remate, apresentavam colunas de moda e anúncios referente às tendências femininas. 6 A revista Illustração Pelotense por quase uma década foi publicada em Pelotas e distribuída em outras cidades do Rio Grande Do Sul.

Essa característica também estava relacionada com a ocupação feminina em diversos cargos de trabalho, pois as mulheres, por sua vez, foram conquistando posições sociais, até então, ocupadas apenas pelos homens. Esse comportamento contribuiu significantemente para as mudanças no estilo de vida, no vestuário e na moda da cidade. CONCLUSÃO Ao longo do tempo a cidade vem trabalhando na divulgação da conservação histórica local, bem como, na importância desse material memorial cultural, que hoje mantém em seus acervos têxteis a história e a memória de uma sociedade conflitada pelo desejo de ser moderna e o de permanecer fiel e convicta aos padrões de comportamento, principalmente os femininos da época. Dessa maneira, nota-se que o extremo sul do país contém informações importantes que envolvem o vestuário de diversas maneiras, seja na memória, na cultura ou na sociedade, lembrando que o seu papel como objeto de memória social nem sempre está ligado à memória individual e sim a um conjunto de representações. Estudos sobre o passado ajudam a valorização patrimonial, a concretizar a trajetória, e reforçar a identidade do lugar onde está inserido. Só uma visão larga da cultura possibilita o entendimento dos modos e costumes como patrimônio, se dando a conhecer a importância desta cidade em tempo e espaço para a história da moda.

REFERÊNCIAS A história de Pelotas. In: Museu da Baronesa, 2013. Disponível em http://www.museudabaronesa.com.br/. BRAGA, João. História da moda, uma narrativa. São Paulo: Editora Anhenbi Morumbi, 2007. BOURDIEU, Pierre. A Distinção crítica social do julgamento. São Paulo, 2007. CIDREIRA, P. Renata. Os sentidos da moda: São Paulo: 2005. JOFFILY, Ruth. O Brasil tem Estilo? Rio de Janeiro, RJ: SENAC Nacional, 1999. JULIÃO, L. Pesquisa histórica no museu. In: Caderno de Diretrizes Museológicas I. 2ª edição. Brasília: Ministério da Cultura; Instituto do Patrimônio Histórico 14Artístico Nacional; Departamento de Museus e Centros Culturais, Belo Horizonte: Secretaria do Estado da Cultura; Superintendência de Museus, p. 93-105, 2006. LIPOVETSKY, Gilles. O luxo eterno. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. MICHELON, F; MARRONI, D. A roupa do moderno: Representações da moda na década de 1920. Pelotas RS, 2003. TREPTOW, Doris. Inventando Moda: Planejamento de coleções. São Paulo: Empório do livro, 2003.

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