Versão preliminar. por. Trabalho para Discussão no Seminário:



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Transcrição:

Versão preliminar O Planejamento Participativo da Br-163: Um Estudo de Caso da Implantação de Grandes Projetos de Infraestrutura Rodoviária na Panamazônia. por 1,2 David McGrath, 1 Ane Alencar e 1 Rosana Costa 1 Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia 2 Woods Hole Research Center Trabalho para Discussão no Seminário: Obras de infra-estrutura na Amazônia: Cenários e desafios para a governança socioambiental Brasília, DF 20 e 21 de maio de 2010 1

Índice Resumo executivo 1. Introdução 2. A história de projetos de infraestrutura de transportes na Amazônia Brasileira 2.1. A atual política de infraestrutura a. Avança Brasil: b. Plano de Aceleração do Crescimento (PAC I e II) c. IIRSA: Iniciativa para a Integração de La Infraestrutura Regional Sul Americana 2.2. As perspectivas atuais para a ocupação definitiva da Amazônia. 3. Estratégias de Intervenção 3.1. Os Dois Circuitos de Projetos de Infraestrutura de Transportes: 3.2. Elementos do Planejamento Participativo 4. A história da rodovia Cuiabá-Santarém ou Br-163 (1975-2000) 5. Características da Br-163 no Estado do Pará 6. O contexto histórico do processo de planejamento participativo da Br-163 7. O Processo de Planejamento da Br-163: Três Fases 7.1. A fase de mobilização: 7.2. Fase da Elaboração do Plano do Governo: 7.3. Fase da Implementação do Plano: 8. Ações governamentais complementares ao Plano 9. Aliança para o Planejamento Participativo: Os Principais Atores 10. Papel da Pesquisa no processo de planejamento participativo 11. Resultados do Processo de Planejamento Participativo: 12. Quais são as lições mais importantes da experiência da Br-163? 13. Implicações para outros grandes projetos de infraestrutura na Bacia Amazônica 14. Referências bibliográficas 2

O Planejamento Participativo da Br-163: Um Estudo de Caso da Implantação de Grandes Projetos de Infraestrutura Rodoviária na Panamazônia. Resumo Executivo Não há questão mais polêmica do que a construção de rodovias na Amazônia. O acesso rodoviário é considerado essencial para o desenvolvimento regional e no mesmo tempo desencadeia um processo de ocupação que leva a destruição da floresta. A história recente da construção de rodovias na Amazônia é uma de repetidos ciclos de boom na fase de ocupação seguido por colapso quando os recursos madeireiros são esgotados e a maior parte da floresta convertida em pastos improdutivos. A possibilidade de conciliar os dois objetivos de desenvolvimento e a conservação depende da governança, a capacidade do governo junto com a sociedade civil de ordenar o processo de ocupação da área em torno da estrada e colocar a região numa trajetória de desenvolvimento sustentável baseada no manejo de seus recursos florestais. Os elementos críticos para uma trajetória de desenvolvimento regional sustentável incluem: 1) O desenvolvimento da capacidade da sociedade civil de negociar efetivamente com o governo e os interesses econômicos; 2) Mecanismos para garantir que o Estado cumpra as metas e prazos referentes a implementação do plano de desenvolvimento; 3) Mecanismos para financiar a capacitação e participação da sociedade civil no processo de planejamento e implementação de um plano de desenvolvimento regional; 4) A formação de alianças estratégicas com lideranças governamentais capazes de mobilizar o governo para colaborar com a sociedade civil no desenvolvimento e implementação do plano; 5) implementação de medidas que assegurem o ordenamento fundiário antes da construção da rodovia e durante a implementação do plano. É importante ter uma estratégia de longo prazo para o processo de construção e implementação do plano, assegurando assim uma trajetória de desenvolvimento regional sustentável. Esse artigo apresenta o estudo de caso do planejamento participativo do asfaltamento da rodovia federal BR-163, a Cuiabá-Santarém, que corta a área central da floresta amazônica, conectando os campos de soja do norte de Mato Grosso com o porto internacional de Santarém na beira do Rio Amazonas. A rodovia foi construída na década de setenta e logo depois abandonada. No final da década de noventa quando a frente agroindustrial e madeireira chegou ao norte de Mato Grosso, a pressão pelo asfaltamento da estrada intensificou. Cedendo às pressões o governo federal anunciou o asfaltamento da estrada em 2000 e logo em seguida contratou um estudo de impacto ambiental e licitou a obra. A iminência do asfaltamento da estrada levou grupos do movimento socioambiental a se articular e mobilizar a população ao longo da estrada para exigir medidas de mitigação dos impactos e ações para beneficiar os moradores. Em geral a população do corredor da BR-163 concordou com o asfaltamento da estrada, mas exigiu que o projeto não fosse concebido apenas como a construção de um corredor de exportação. Exigiram que o 3

asfaltamento da estrada seja integrado num programa de desenvolvimento regional sustentável tendo como objetivo principal atender as necessidades e as demandas das comunidades e municípios localizados ao longo da estrada. A construção e implementação do plano foi desenvolvido em três fases: a elaboração da proposta do plano do movimento socioambiental, a construção do plano do governo e a implementação do plano governamental. 1. Elaboração da proposta do plano socioambiental: A base do desenvolvimento do plano socioambiental foi os movimentos socioambientais já consolidados na região de Santarém e Transamazônica, que se articularam com as entidades dos municípios e distritos ao longo da BR-163. Em seguida realizaram uma série de oficinas na região para conscientizar a população local sobre as potenciais conseqüências sociais e ambientais do asfaltamento da rodovia. Depois foi realizada uma segunda rodada de oficinas onde foram realizados um diagnóstico e mapeamento participativo de cada município e o levantamento das demandas e propostas da população local. Esses resultados foram sistematizados em quatro encontros regionais realizados nas principais regiões da BR-163 no final de 2003. Em março de 2004 foi realizado um grande encontro de representantes de toda a área em torno da BR-163 foi que resultou na Carta de Santarém. Esse documento organizou as ações em cinco eixos: 1) Infraestrutura e Serviços Básicos, 2) ordenamento Fundiário e Combate a Violência, 3) Estratégias produtivas e Manejo dos Recursos Naturais, 4) Fortalecimento Social e Cultural das Populações Locais, e 5) Gestão Ambiental, Monitoramento e Áreas Protegidas. O encontrou teve a participação dos Ministros Marina Silva do MMA e Ciro Gomes do Ministério de Planejamento e representantes do Ministério de Transporte e de outros ministérios. Além da elaboração da proposta do plano, a primeira fase foi caracterizada pelo desenvolvimento de uma estrutura institucional que começou com a criação de uma aliança integrando os movimentos sociais e ambientais da Transamazônica e de Santarém seguida pela criação do Fórum dos Movimentos Sociais da Br-163 representando as entidades dos municípios em torno do eixo Rurópolis-Itaituba, e depois pela integração do Movimento socioambiental de Mato Grosso. Posteriormente foi criado o Consórcio Socioambiental da BR-163, CONDESSA, que representou a sociedade civil da Rodovia Br-163 nas negociações com o governo federal relativas a implementação do Plano Br-163 Sustentável. 2. A Criação do Plano de Desenvolvimento Sustentável da BR-163: A segunda fase começou com a conclusão da proposta de plano dos movimentos sociais e a criação pelo governo do Grupo de Trabalho Interministerial da BR-163, compostos de 14 ministérios, responsável pela elaboração do plano Br-163 Sustentável do governo federal. A primeira versão do plano foi apresentada em março de 2005 e debatida numa série de audiências públicas envolvendo todos os grupos de interesse, incluindo entidades da sociedade civil, os governos municipais, e organizações representando a agroindústria, e os setores madeireiros e de mineração, entre outros. O plano adotou boa parte da abordagem conceitual, estrutura e conteúdo da proposta do movimento socioambiental. A versão final do plano saiu em junho de 2006 e o decreto presidencial criando o plano em janeiro de 2007. O plano previu a criação de um Fórum de Gestão do mesmo composto por representantes dos principais grupos de interesse, como mecanismo para a participação da sociedade civil na implementação do plano. 3) Implementação do Plano: A apresentação da versão final do Plano iniciou a terceira fase do processo. Entretanto nessa fase o interesse do governo foi sensivelmente reduzido. O decreto criando o plano demorou mais de seis meses para sair e o decreto criando o Fórum demorou até o início de 2008, após considerável pressão do CONDESSA e seus aliados. Até o final de 2008 o Fórum ainda não tinha reunido. O orçamento para o Plano nunca foi elaborado e não foi feito um cronograma para a implementação das ações 4

previstas no plano. Entretanto, algumas ações foram incorporadas nos programas e ações dos Ministérios e também no PAC. Paralelo ao processo de construção do plano, o governo federal implementou uma série de medidas e ações, algumas no âmbito nacional e outras direcionadas para a região da BR-163, que tiveram impactos significativos na região. No âmbito nacional três medidas importantes foram: 1) a divisão do IBAMA em duas entidades, o IBAMA, responsável pelo licenciamento ambiental, e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBIO), responsável pela gestão do sistema de reservas federais; 2) a criação do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), responsável pela gestão de concessões florestais nas florestas nacionais, e 3) a descentralização da gestão ambiental, e especificamente a transferência, para as secretarias estaduais de meio ambiente, da responsabilidade de avaliação e monitoramento dos planos de manejo florestal, função que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) do Pará nunca tinha assumido antes. Essas medidas desestruturaram o setor ambiental e especialmente o setor florestal. Os atrasos na avaliação dos planos de manejo devido a incapacidade da SEMA de avaliar todos os planos de manejo em tempo hábil, resultou em ações de protesto dos madeireiros e seus aliados ao longo da rodovia. Essas mudanças na política ambiental foram pano de fundo para ações específicas na região da BR-163. A Polícia Federal lançou duas ações contra a grilagem e a exploração ilegal de madeira que diminuíram a atividade ilegal na região, pelo menos temporariamente. O MMA criou a Área de Limitação Administrativa Provisória cobrindo uma área de 8.235 hectares nos dois lados da BR-163. Essa área foi transformada num mosaico de unidades de conservação de vários tipos. Em fevereiro de 2006, o SFB criou o Distrito Florestal da BR-163, o primeiro Distrito Florestal do país. No curto prazo essas ações do governo tumultuaram a região, embora no médio prazo contribuíram para ordenar pelo menos parcialmente a ocupação e exploração florestal ao longo da rodovia. Atores: O planejamento participativo da BR-163 foi resultado de uma colaboração envolvendo organizações de base da BR-163, ONG's ambientalistas, setores do governo, especialmente o MMA, e os doadores internacionais. O alto grau de organização dos movimentos sociais da região combinado com o apoio de algumas ONGs como IPAM, ISA e ICV foi fundamental para o sucesso do processo de planejamento participativo. Essas entidades, além de ter uma grande capacidade de mobilização regional, estavam muito articuladas com os governos e parlamentares estaduais e federal. Além de contribuir na articulação no governo federal, as ONGs contribuíram com apoio técnico-científico, subsidiando o processo de planejamento participativo com resultados de análises científicas, mapas e a modelagem da dinâmica de ocupação da região. No governo o Ministério de Meio Ambiente e especialmente a equipe da Ministra Marina Silva, teve um papel fundamental na mobilização do apoio do governo federal na fase de elaboração do plano. Finalmente os doadores internacionais coletivamente através do PPG-7 e individualmente nos casos da Comunidade Européia e a USAID desempenharam um papel importante no financiamento do processo de planejamento e posteriormente de alguns programas regionais. Esse apoio ajudou a viabilizar o processo de planejamento participativo e contribuiu para a manutenção das atividades ligadas ao Plano durante a fase de implementação. Os principais resultados do processo de planejamento participativo da BR-163 incluíram: 1) Ordenamento Territorial através das diversas iniciativas como o Zoneamento Ecológico-Econômico da Região da Br-163, a criação do Mosaico de Reservas da Br-163, e a criação do Distrito Florestal da Br-163; 2) A criação de uma nova política de conservação baseada na implantação de reservas na zona da fronteira com o objetivo de retirar as terras públicas da dinâmica da fronteira; 3) o fortalecimento da sociedade civil ao longo da BR-163; 4) o Plano de Desenvolvimento Sustentável da Região da BR-163, como exemplo de uma abordagem participativa para o planejamento da infraestrutura na Amazônia; e 5) a consolidação da região Oeste do Pará como o futuro Estado do Tapajós. 5

As principais lições aprendidas da experiência da BR-163 foram: 1) a importância de investimentos na capacitação da sociedade civil para que ela possa participar efetivamente na negociação do plano com o governo federal e outros grupos de interesse. O objetivo da capacitação não é apenas a participação no planejamento, mas também o envolvimento da sociedade civil na implementação do plano, 2) a importância de negociar com o governo e outros setores, e não simplesmente se opor a obra, para garantir que as demandas da sociedade civil organizada sejam incorporadas no plano e as medidas de mitigação necessárias sejam implementadas, 3) Na opinião de alguns participantes uma das falhas do processo de planejamento foi a falta de interação e negociação direta com outros grupos de interesse para formar uma frente unificada nas negociações com o governo; 4) A importância da contribuição da pesquisa que ajudou a colocar o movimento socioambiental no mesmo nível técnico com o governo e reforçar a sua posição nas negociações; 5) Outra falha foi de não ter conseguido produzir um orçamento completo para o plano e um cronograma de implementação, 6) a importância de aliados no governo capazes de mobilizar os setores principais do Estado em apoio ao processo de planejamento; 7) O Plano Br-163 Sustentável foi além de um conjunto de medidas para mitigar os impactos socioambientais e teve como objetivo atingir uma visão integrada do futuro da região, construída conjuntamente pela sociedade civil, governo e o setor privado; 8) É um processo de longo prazo que deve começar com a decisão de implantar a obra e continuar durante o período de implementação do plano; e finalmente 9) a necessidade de capacitar e estruturar setores do governo envolvidos no planejamento para fortalecer o seu entendimento da importância da participação social e a sua capacidade de interagir com a sociedade civil no desenvolvimento e implementação do plano. 6

O Planejamento Participativo da Br-163: Um Estudo de Caso da Implantação de Grandes Projetos de Infraestrutura Rodoviária na Panamazônia. de David McGrath, Ane Alencar e Rosana Costa 1. Introdução Não há questão Amazônica mais polêmica do que a do desenvolvimento da infraestrutura de transportes na região (Carvalho et al. 2001, Goodland and Irwin 1975, Laurence et al. 2001). De um lado é visto como condição fundamental para o desenvolvimento econômico. Do outro, e pelos mesmos motivos, como o Cavalo de Tróia que abre caminho para a destruição das florestas da Amazônia (Alves 2002). A construção das principais rodovias que cortam vastas áreas de floresta da região está associada à intensificação da grilagem, a exploração madeireira predatória, a imigração espontânea da agricultura familiar, aos conflitos de terra, ao desmatamento, aos incêndios florestais, a marginalização social e a expansão progressiva da pecuária extensiva (Nepstad et al. 2001, Carvalho et al. 2002). O que torna a questão das rodovias tão problemática é que ambos os lados estão certos, não há desenvolvimento regional sem transporte e especialmente estradas, e tendo estradas dificilmente pode-se evitar que as florestas sejam convertidas em outros usos da terra. O fator central diferenciando essas duas posições é a capacidade do Estado junto com a sociedade civil de ordenar o processo de ocupação das áreas abertas pela rodovia (Nepstad et al. 2002). Onde há presença efetiva do Estado, há possibilidade de ordenar o processo de ocupação e transformação da paisagem, minimizando os impactos ambientais iniciais e criando condições para uma paisagem produtiva no futuro. Neste contexto o papel da sociedade civil é fundamental para cobrar do Estado as suas responsabilidades. Onde a presença do Estado é incipiente, e a sociedade civil é desarticulada não há possibilidade de cobrar e garantir um processo de ocupação ordenado da fronteira. O resultado desta falta de governança é caracterizado em geral pelo rápido aumento das atividades econômicas de cunho extrativo passando por uma subseqüente queda abrupta na economia local com o esgotamento dos recursos e a transformação da floresta em pastos improdutivos, a chamada economia de "Boom e colapso" (Rodrigues et al. 2009). Com o ordenamento territorial e o aumento da governança, há possibilidade de conciliar as duas posições e o desenvolvimento proporcionado pela melhoria na malha viária pode acontecer concomitantemente com a ocupação e uso ordenado dos recursos naturais. Um problema fundamental no processo de desenvolvimento da fronteira é a sua fase inicial de expansão, onde a presença governamental é limitada (Alencar 2005). Essa limitação se traduz na incapacidade de ordenar as fases iniciais de expansão da fronteira, o que inclui o controle do desmatamento e a exploração florestal predatória, evitando o esgotamento dos recursos naturais e o eventual colapso da economia regional no ciclo característico de boom e colapso (Rodrigues 2009). O grande desafio então é assegurar as condições de ordenamento necessárias nessa fase crucial do desenvolvimento da fronteira, e direcionar o desenvolvimento regional numa trajetória de sustentabilidade. (Alencar et al. 2005 ). O desafio se torna ainda mais urgente no contexto dos atuais planos para a implantação de infraestrutura na Panamazônia. Considerando os resultados desastrosos de projetos de infraestrutura anteriores, como a Belém-Brasília e a Porto Velho-Cuiabá, as conseqüências potenciais da nova fase de investimentos no transporte são alarmantes. 7

O sistema atual de planejamento e implementação de obras de infraestrutura é altamente centralizado nos órgãos governamentais responsáveis pela obra, e focado puramente na execução da obra em si. Em geral estas obras são concebidas apenas como projetos de engenharia civil com medidas mitigadoras enfocando principalmente nos impactos diretos imediatos. Essa abordagem tem levado invariavelmente ao confronto com o movimento socioambiental, que tem visto as medidas de mitigação como ineficazes em reduzir a marginalização social e controlar a degradação ambiental. Reconhecendo os problemas dos projetos anteriores, nos últimos anos houve uma tendência de usar abordagens mais participativas no planejamento e implementação de grandes projetos de infraestrutura rodoviária como maneira de envolver as populações impactadas e desenvolver programas complementares para mitigar os impactos. Embora essas abordagens participativas possam ajudar a mitigar os impactos e resultar em projetos de infraestrutura que melhor atendam as demandas locais, é evidente que a participação efetiva e de qualidade dos grupos de interesse no processo de construção da proposta de desenvolvimento exige tempo e investimento em capacitação. Esse é um processo lento e muitas vezes conflitante, não sendo suficiente por si só. Um exemplo de participação efetiva da sociedade civil no desenvolvimento de projetos de infraestrutura na Amazônia é aquela que envolve o processo de pavimentação da Br-163. Nos meados da década de oitenta, ninguém teria acreditado que a Br-163 seria um dia um exemplo de um processo de planejamento participativo do desenvolvimento regional relativamente bem sucedido. O processo iniciou nos primeiros anos desta década como resposta aos sojicultores e madeireiros do Mato Grosso que pressionavam intensamente pelo asfaltamento da Br-163, visando ligar o porto internacional de Santarém aos campos de soja do norte de Mato grosso e às florestas ricas em madeira do Oeste do Pará. Preocupados com essa pressão e suas conseqüências, os moradores do corredor rodoviário Br-163, através de suas organizações locais e lideradas por um grupo de ongs ambientalistas e organizações regionais de base, se mobilizaram num processo de planejamento participativo que resultou numa proposta de plano para o desenvolvimento sustentável da região em torno Br-163. Esse processo resultou numa mudança histórica na posição ambientalista sobre a construção de rodovias na Amazônia e marcou uma nova fase na aliança entre movimentos ambientais e sociais na região. Enquanto que as organizações ambientais estavam preocupadas em evitar a provável degradação ambiental, os movimentos sociais locais estavam a favor da rodovia, porém queriam assegurar que o seu asfaltamento não seria o único investimento do governo para desenvolver a região, exigindo que o projeto de asfaltamento fosse transformado num programa de desenvolvimento regional. Ficou evidente que os interesses dos movimentos sociais e ambientais eram diferentes e que a aliança entre os dois grupos dependia da aceitação da construção da estrada pelo movimento ambientalista. Pela primeira vez uma parte significativa do movimento ambientalista decidiu apoiar a construção de uma rodovia Amazônica, como parte de um plano para o desenvolvimento sustentável da região (Alencar 2008). O objetivo desse trabalho é apresentar e analisar o estudo de caso do planejamento participativo da Br-163, com enfoque na década atual, discutir as lições aprendidas e as suas implicações para uma política de infraestrutura de transportes para a região Amazônica. O trabalho está organizado em quatro partes: a primeira traça em linhas gerais a história do desenvolvimento da infraestrutura de transportes no Brasil e na Amazônia; a segunda apresenta um modelo analítico para investigar a questão da participação social em projetos de infraestrutura; a terceira descreve o processo de planejamento participativo da Br-163; enquanto que a quarta apresenta as lições aprendidas e as implicações para uma política de planejamento de projetos de infraestrutura de transporte na Amazônia. 8

2. A história de projetos de infraestrutura de transportes na Amazônia Brasileira A história do desenvolvimento da infraestrutura regional de transporte no Brasil pode ser dividida numa série de fases muitas vezes sobrepostas caracterizadas por três grandes abordagens políticas: a) a política de infraestrutura de exportação visando criar condições de transporte e dos insumos necessários para viabilizar a produção; b) a política de infraestrutura de integração nacional visando integrar os principais centros urbanos e produtivos do país; e c) a política de infraestrutura visando a ocupação do território nacional. A primeira abordagem predominou do período colonial até a segunda metade do século vinte quando a política de integração começou a ganhar força. A primeira grande fase começa com a construção de ferrovias para suprir as demandas de transporte decorrentes da expansão do café no sudeste do Brasil. O objetivo da construção das ferrovias foi de acessar as regiões produtoras de café ou outro produto de exportação. As iniciativas foram realizadas de forma independente e a mercê de uma política de desenvolvimento da infraestrutura regional e nacional de transporte. Em muitos casos as ferrovias usavam diferentes tamanhos de trilho e, portanto, não podiam ser integradas e nem utilizar os mesmos vagões e locomotivas, dificultando economias de escala no transporte ferroviário. Nessa fase, o padrão espacial de infraestrutura de transporte foi de uma série de linhas independentes saindo do porto regional para uma região produtora, sem conexão entre cidades do interior. Essa lógica de transporte subordinava as cidades do interior ao porto regional (Johnson 1970). A preocupação com a integração regional e nacional foi crescendo após da segunda guerra mundial, no contexto de uma política de substituição de importações e com um objetivo cada vez mais explicito de integrar as principais regiões e centros urbanos do país e ocupar o território nacional (Kohlhepp 2002). A construção da nova capital Brasília, no centro geográfico do país, é o símbolo mais importante desse compromisso com a ocupação e integração do território nacional. Seguindo o modelo americano, a política de infraestrutura de transporte estava baseada no transporte rodoviário, carros e caminhões, com relativamente pouco investimento no transporte ferroviário e fluvial. Também, diferente da fase anterior, houve uma política nacional de transporte definida e implementada pelo governo federal. Nos próximos sessenta anos a política nacional de infraestrutura de transporte passou por uma série de fases. A primeira começa com a construção de estradas ligando as principais capitais estaduais do nordeste e do sul aquelas do centro-sul do país, como a Belém-Brasília (Br-010) e a Cuiabá Porto Velho (Br-364) (Becker 2001). Posteriormente dois programas governamentais, o Operação Amazônia e o Plano de Integração Nacional (PIN) tiveram destaque pelo grande investimento em infra-estrutura de transporte (Becker 1989). O primeiro foi lançado no início da ditadura militar em 1964 com o governo Castelo Branco e durou até 1971. O plano teve como principal objetivo a integração da Amazônia à economia nacional e a redução das disparidades regionais. O PIN, criado pelo decreto Lei N o 1.106 de 16 de junho de 1970, durante o governo Médici, para ser aplicado de 1971 a 1974, tinha como finalidade específica financiar obras de infraestrutura do nordeste e da Amazônia e promover a mais rápida integração daquelas regiões a economia nacional. As etapas iniciais deste plano incluíram a construção das rodovias Transamazônica e Cuiabá- Santarém. Também durante este período, foi delimitada a Amazônia Legal como um espaço geopolítico oficialmente reconhecido, e ainda estabelecida a consolidação e criação de um conjunto de organismos financeiros para incentivar e gerenciar as atividades econômicas da região como a SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), o BASA (Banco da Amazônia) e o FINAM (Fundos de investimentos da Amazônia). O resultado destes dois planos foi uma extensa malha rodoviária representada pelos sete principais eixos de integração da região incluindo: a Belém-Brasília (BR-010) para 9

integrar a região norte à nova capital, a Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco (BR-364) para facilitar atividades de mineração e agropecuária em Mato Grosso, Rondônia e Acre, a Transamazônica (BR-230) e a Cuiabá-Santarém (BR-163) aonde seriam implantados projetos de colonização baseados em agricultura familiar, a Porto Velho-Manaus (BR-319) aonde predominariam grandes propriedades, a Manaus-Boa Vista (BR-174) que corta uma região rica em minérios e grandes fazendas de pecuária, e mais tarde a PA-150 (Barcarena, ao Sul do Pará, junto a fronteira nordeste de Mato Grosso) que margeia áreas de garimpo, pólos madeireiros, projetos federais como os de Carajás e Tucuruí, grandes e pequenas propriedades (Andersen et al. 2002). O programa de colonização foi abandonado depois de 1974 e a política de desenvolvimento regional passou a incentivar investimentos de grandes empresas na agropecuária, e na extração madeireira e mineral. Nessa fase a política de infraestrutura voltou a ter uma forte orientação para a exportação pelo menos na região Amazônica e foi caracterizada pela implementação dos grandes projetos hidroelétricas e de mineração como do Trombetas, Carajás, Balbina e Tucuruí, entre outros (Becker 1989). O objetivo de integração regional ficou em segundo plano e houveram poucos investimentos na manutenção da malha rodoviária Amazônica recém construída. Parte destas rodovias como grandes trechos da Transamazônica, a Br-319 e a Br-163, concluídos na década de setenta, foram abandonados pelo governo federal e aos poucos foram desintegrando durante a década de oitenta. Este fato deixou os moradores de suas margens também abandonados e isolados no final de ramais intransitáveis durante boa parte do ano. A construção dessas rodovias não foi acompanhada por programas mitigadores ou de ordenamento territorial e desencadeou um processo de ocupação desordenada gerando de conflitos de terra entre migrantes e fazendeiros, exploração madeireira predatória, altas taxas de desmatamento e a degradação progressiva das florestas remanescentes em torno das rodovias (Schminck e Wood 1992). Esse legado é evidenciado pelo fato de que 90% do desmatamento na Amazônia está concentrado numa faixa de 50 km de cada lado das principais rodovias da região (Alves 2002). Nessas áreas, em geral a floresta foi substituída por pastos degradados contribuindo para a expansão da pecuária extensiva, e a terra concentrada em grandes fazendas improdutivas, deixando um legado de êxodo rural e comunidades marginalizadas. O alto risco de perdas com incêndios florestais desincentiva investimentos na infraestrutura produtiva e em culturas perenes, reforçando a dependência de sistemas de produção extensivos (Nepstad et al. 2001). A fronteira Amazônica, longe de ser uma região de oportunidade e ascensão social, simplesmente reproduz as condições de desigualdade que caracterizavam as regiões de origem das populações que para lá migraram. A pressão de entidades ambientalistas e dos movimentos sociais levou o governo a adotar medidas para mitigar os impactos dos investimentos em rodovias. Uma experiência inicial nesse sentido foi o Polonoroeste, na década de oitenta em Rondônia. O Projeto foi uma tentativa do Banco Mundial e do governo Brasileiro de ordenar o processo de construção da estrada através de uma abordagem que integrava medidas de mitigação social. No entanto, devido a alta taxa de colonização e a limitada capacidade do governo, o projeto foi um fracasso, símbolo hoje dos impactos sociais e ambientais de projetos de infraestrutura na Amazônia1. Posteriormente o Banco Mundial financiou o PLANOFLORA para tentar solucionar os problemas gerados no âmbito do Polonoroeste (Keck 1998). A experiência do Polonoreste foi decisiva no desenvolvimento de políticas e protocolos para minimizar os impactos ambientais nos projetos financiados pelo Banco Mundial e BID. Ironicamente, essas medidas levaram o governo Brasileiro a reduzir a sua dependência em 1 Vale notar que Rondônia tem a melhor distribuição de renda e de terras da região norte e um dos maiores PIBs per capita e IDH. Embora houve um custo enorme do ponto de vista ambiental, houve também um benefício significativo do ponto de vista socio-econômico. 10

financiamentos de bancos multilaterais e fortalecer o papel do BNDES no financiamento de obras de infraestrutura. O zoneamento ecológico-econômico é outro instrumento de ordenamento territorial que ganhou importância a partir da experiência de Rondônia. Nesse sistema a ocupação da fronteira é ordenada a partir da definição de zonas com diferentes categorias de ocupação e uso. O valor do zoneamento é que categoriza as áreas em termos de seu uso e canaliza a pressão das atividades não florestais para áreas mais propícias. No caso de Rondônia o zoneamento passou por uma série de revisões para corrigir problemas encontrados e tornar-lo mais eficaz. Infelizmente, o ZEE em si não tem sido suficiente para ordenar a ocupação da fronteira. A sua eficácia depende da capacidade de aceitação e fiscalização do mesmo, nesse caso pelo governo estadual junto com a sociedade civil organizada, para assegurar o seu cumprimento. O ZEE continua sendo um instrumento importante no planejamento e ordenamento territorial e tem sido adotado como uma política do governo federal através do macro-zoneamento da Amazônia Legal. Para incentivar o uso deste instrumento de planejamento e ordenamento territorial, o governo federal tem condicionado a implementação de certos programas federais para os estados, à presença de um programa estadual de zoneamento ecológico e econômico. 2.1. A atual política de infraestrutura Com a consolidação da atual política econômica baseada no Real e o reconhecimento dos prejuízos econômicos causados pelo estado calamitoso da malha rodoviária, o governo federal voltou a se preocupar com o desenvolvimento da infraestrutura de transporte. Os programas Avança Brasil do governo de FHC, e mais recentemente os dois Programas de Aceleração do Crescimento do governo Lula (PAC 1 e 2), são as maiores expressões deste desejo de desenvolver a infraestrutura não só a de transporte, mas também a de energia, e saneamento básico. Estes programas combinam objetivos de exportação (regional e nacional), ocupação e integração, com grande ênfase para o escoamento da crescente produção agroindustrial do centro-oeste do Brasil. a. Avança Brasil: O Avança Brasil foi o primeiro grande programa de investimento em infraestrutura desde o PIN da década de setenta. Este programa previa o investimento de R$317 bilhões incluindo dinheiro público e privado em dois anos a partir de 2000. O programa consistiu em 365 projetos distribuídos em 6 programas setoriais: transporte, energia, telecomunicações, desenvolvimento social, meio ambiente e informação e conhecimento. Do total de R$317, R$186,1 bilhões seria para investimentos na infraestrutura econômica (incluindo transporte, energia e telecomunicações), R$112,8 bilhões para o desenvolvimento social, R$15,7 bilhões em meio ambiente e R$2,4 bilhões seria investido em informação e conhecimento (Smeraldi e Carvalho 2002). Na Amazônia, a recuperação e pavimentação de 6 rodovias foram incluídas no programa: a BR-163 (Cuiabá-Santarém), a Br-364 (Porto Velho-Cuiabá), a BR-319 (Porto Velho-Manaus), a BR 317 (Interoceânica), a BR-230 (Transamazônica) e a BR-156 (Macapá-Oiapoque) aumentando em 6.245 km a malha rodoviária federal na região. Devido aos problemas orçamentários apenas 66% do orçamento de 2000 e 61% de 2001 foram executado (Smeraldi e Carvalho 2002). 11

b. Plano de Aceleração do Crescimento (PAC I e II) Dando continuidade aos investimentos em projetos de infraestrutura do governo anterior, o governo Lula lançou dois grandes programas o PAC 1 (2007-2010) e PAC 2 (2010 a 2013). O PAC tem 6 áreas estratégicas: Cidade Melhor (Enfrentar os principais desafios das grandes aglomerações urbanas, propiciando melhor qualidade de vida), Comunidade Cidadã (Presença do Estado nos bairros populares aumentando a cobertura de serviços), Minha Casa, Minha Vida (Redução do déficit habitacional, dinamizando o setor de construção civil e gerando trabalho e renda), Água e Luz Para Todos (Universalização do acesso à água e à energia elétrica), Transportes (Consolidar e ampliar a rede logística, interligando os diversos modais, garantindo qualidade e segurança) e Energia (Garantir a segurança do suprimento a partir de uma matriz energética baseada em fontes renováveis e limpas e desenvolver as descobertas no Pré-Sal, ampliando a produção). O total de investimentos do PAC 1 é de R$503,9 bilhões incluindo dinheiro público e privado para o período de 2007 a 2010, dos quais R$ 50,9 bilhões são destinados a região norte. Desse total R$6,3 bilhões foram alocados para o setor de logística, incluindo recursos para a BR- 319, BR-163 e BR-230 entre outras. Em geral os três programas foram construídos a partir de projetos de infraestrutura já projetados ou já em fase de implementação. No Programa Avança Brasil um dos objetivos explícitos era a conclusão de projetos incompletos abandonados pelo país. Nesse sentido os três programas sistematizaram e priorizaram os projetos para investimentos, negociaram os financiamentos com fontes publicas e privadas e monitoraram seu andamento através de uma coordenação central ligada diretamente ao executivo, no caso dos PACs, a Casa Civil. O grande diferencial dos programas dessa fase em relação aos projetos governamentais anteriores é o envolvimento de parcerias entre os setores publico e privado, em que os recursos públicos são utilizados para alavancar investimentos privados, ampliando e acelerando o desenvolvimento da infraestrutura nacional. Apesar de inovadores em alguns aspectos, esses programas não representam uma ruptura na relação entre grandes obras de infraestrutura e processos políticos locais e nacionais. Embora houvesse um maior monitoramento e fiscalização das obras destes programas, o apoio das construtoras aos processos políticos continuou sendo o grande incentivo por trás da implementação dos mesmos. Além disso, estes programas foram criticados pela oposição como programas de obras eleitoreiras, o que revela outra face política por trás do investimento em obras de infraestrutura estabelecidos por estes programas. Outro ponto a ser ressaltado é que estes programas oferecem poucas novidades em relação à integração da dimensão ambiental na fase de planejamento e da participação efetiva da sociedade civil local. Os programas de investimento em infraestrutura têm sido amplamente criticados por seus impactos ambientais e sociais. Nepstad et al. (2000) estimam que 37% da área até 50km de cada lado de três das estrada mais antigas da região (Br-010, BR-364 e a PA-150) tinha sido desmatada até 2000. Este estudo estima também que nos próximos 25 anos um total de 120 mil km 2 de floresta seriam desmatados, enquanto que 198 mil km 2 seriam degradados com a ampliação da malha rodoviária federal na Região Norte, o equivalente a 10% da área de floresta da Amazônia brasileira. Laurance et al (2001) prevêem ainda impactos 3 vezes maiores. De fato, as taxas de desmatamento atingiram seu nível mais alto em 1995 e 2005, mas diminuíram progressivamente nos anos seguintes devido a uma combinação de medidas governamentais e a estagnação do mercado internacional de grãos(nepstad et al. 2006). Apesar da incerteza sobre as causas da redução das taxas de desmatamento, não há como negar o salto qualitativo e quantitativo no monitoramento e fiscalização ambiental na região Amazônica nos últimos anos, especialmente no Brasil. Entretanto, no Brasil, o governo Lula tem adotado uma posição cada vez mais desenvolvimentista, impaciente com 12

a morosidade da avaliação dos impactos ambientais e pressionando para acelerar os processos de licenciamento das obras do PAC. Essa mudança tem implicações importantes em termos do interesse do governo federal em abrir espaço para uma participação maior da sociedade civil no processo de planejamento do desenvolvimento em regiões onde são previstos grandes investimentos em infraestrutura. c. IIRSA: Iniciativa para a Integração de La Infraestrutura Regional Sul Americana A Iniciativa para a Integração de La Infraestrutura Regional Sul Americana (IIRSA) representa um elemento novo na história de desenvolvimento do continente Sul Americano. IIRSA é uma iniciativa dos 12 países da América do Sul que tem como função coordenar e intercâmbio entre os governos Sul Americanos e três bancos multilaterais, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Cooperação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo de Desenvolvimento da Bacia de La Plata (FONPLATA). A IIRSA foi criada em 2000 para literalmente concretizar a integração da America do Sul através da construção da infraestrutura de transporte fisicamente ligando as economias do continente. Em parte a IIRSA e os bancos multilaterais IBD/CAF tem ajudado o Brasil a mascarar suas ambições geopolíticas por trás desta iniciativa. Eixos de integração importantes como aqueles entre o Brasil e a Bolívia, Peru, Ecuador, Colombia e Guiana tem sido motivados principalmente pelos interesses de exportação do governo Brasileiro, do que pelos interesses dos outros países, podendo resultar em prejuízos ecológicos significativos para os mesmos. Além disso, esta iniciativa pode ajudar a reforçar as assimetrias regionais que existem entre o Brasil e esses países. Com a transferência da IIRSA para o sub-comitê de Obras Públicas da UNASUR, do qual o Brasil é titular, será mais difícil disfarçar as pretensões brasileiras por com a IIRSA. IIRSA tem 3 grandes áreas de atuação: 1) a construção de uma visão estratégica de integração física de América do Sul, 2) a definição de eixos de integração e desenvolvimento e 3) o desenvolvimento de processos setoriais de Integração. A IIRSA não é uma instituição de financiamento de projetos, mas serve de agente intermediário entre os bancos multilaterais e os governos nacionais na negociação de financiamentos para os projetos prioritários e estratégicos de seu portfólio. A estrutura institucional da IIRSA consiste de três instâncias: o Comitê de Direção Executiva (CDE), composto de membros dos 12 paises é responsável pelo desenvolvimento de uma visão estratégica, definição de prioridades estratégicas e aprovação de planos de ação; o Comitê de Coordenação Técnica (CCT) é composto de representantes dos três bancos e responsável pela identificação de projetos, envolvimento do setor privado e organização do financiamento; finalmente, os projetos de cada eixo são administrados por Grupos Técnicos Executivos (GTE) que aprovam projetos, analisam estudos sociais e ambientais e administram os investimentos da IIRSA. A aprovação de projetos está baseada nos princípios de sustentabilidade e viabilidade econômica no contexto do portfólio de projetos de investimentos. Na prática os projetos aprovados são aqueles apoiados pelos ministérios nacionais de planejamento e apresentados para os Comitês Executivo e Técnico da IIRSA. Atualmente, o portfólio da iniciativa mostra muito bem a sua preocupação com a integração regional. Do total de 514 projetos, orçados em $69 bilhões de dólares, 87% (60% do orçamento) são do setor de transporte, enquanto que 11% (40% do orçamento) são do setor de energia e 2% (0,3% do orçamento) são do setor de comunicação (http://www.iirsa.org). A visão estratégica da IIRSA está baseada em dez eixos de integração e desenvolvimento cobrindo boa parte da América do Sul (Figura 1). Partes da bacia Amazônica estão incluídas em pelo menos 3 ou 4 Eixos de Integração incluindo os 13

seguintes: 1. Eixo do Amazonas, 2. Eixo Andino, 5. Eixo Escudo Guianês e 8. Eixo Peru- Brasil-Bolívia. Destes os Eixos 1, 5 e 8 são os mais importantes do ponto de vista da Amazônia brasileira. O Eixo 5 inclui as rodovias ligando Manaus com Guiana e Venezuela, e o Amapá com a Guiana Francesa. O Eixo 8 inclui 3 corredores: 1) Porto Velho-Rio Branco-Assis Brasil-Porto Maldonado e portos do Pacífico, 2) Rio Branco-Cobija-La Paz, e 3) Corredor fluvial Madeira-Madre de Dios-Beni. O Eixo do Amazonas inclui 6 grupos de projetos, 5 envolvendo estradas de acesso a hidrovias e o sexto é a rede de hidrovias Amazônicas. A Br-163 é a principal rodovia brasileira incluindo nesse eixo. A IIRSA inclui entre seus princípios orientadores a Sustentabilidade econômica, social, ambiental e político-institucional. O fato de não haver princípios sociais e ambientais específicos, revela bastante sobre a sua orientação econômica. Na parte ambiental cita a sua metodologia de Avaliação Ambiental Estratégica (EAE) que permite identificar e monitorar projetos com maiores impactos ambientais. A iniciativa IIRSA reconhece que a participação social é importante e que os Coordenadores Nacionais são responsáveis por desenvolver atividades para envolver os principais grupos de interesse de cada projeto. Killeen (2007, p. 12) observa que apesar de mais de três décadas de experiência na avaliação de impactos ambientais, muitos dos projetos propostos ignoram as conseqüências ambientais e sociais. Para ele a visão da IIRSA deveria integrar medidas que garantissem a conservação dos recursos naturais da região e o bem-estar de suas populações tradicionais. Ele argumenta também que falta uma visão integrada dos possíveis impactos ambientais do projeto e que a ausência dessa previsão da totalidade dos impactos dos investimentos traria uma combinação de forças que poderia levar a "uma tempestade perfeita de destruição ambiental" (Killeen 2007, p. 8). IIRSA tem o potencial de ir além da racionalização de investimentos de infraestrutura no nível nacional e Panamazônico. A sua abordagem sistêmica permite identificar e desincentivar investimentos em obras redundantes e de justificativa apenas política, com potencial de enfraquecer a relação entre os processos políticos e as construtoras. Em colaboração com bancos multilaterais e investidores privados, há possibilidade de exigir um maior grau de transparência e maior espaço para a participação da sociedade civil. Resta saber se a IIRSA terá a independência e força política para adotar posições contrárias as dos dirigentes nacionais na priorização de obras de infraestrutura e na aplicação de normas de transparência e de participação da sociedade civil no planejamento e monitoramento do seu portfólio de obras de infraestrutura. 2.2. As perspectivas atuais para a ocupação definitiva da Amazônia. A história da Amazônia é caracterizada por ciclos econômicos de característica boom e colapso, com períodos de expansão baseados na exploração de recursos florestais seguidos de períodos de estagnação quando recurso é esgotado ou a demanda diminui. A partir da década de cinqüenta, no entanto, essa dinâmica começou a assumir uma dimensão mais cumulativa, embora os ciclos de crescimento e estagnação continuaram. Vários fatores vêm contribuindo para uma nova situação em relação a dinâmica de desenvolvimento regional, dentre eles o próprio desenvolvimento do país, a expansão territorial da economia brasileira, o desenvolvimento e expansão da agroindústria e a implantação de infraestrutura de transporte e comunicação integrando a Amazônia cada vez mais a economia nacional e internacional. Devido a esses processos, pela primeira vez na história pós-colombiana da Amazônia, as forças de ocupação e transformação da bacia estão atuando em um nível equivalente à escala da bacia. Amazônia parece está passando por um processo de ocupação definitiva. Não é mais uma questão de se a Amazônia será ocupada, porém como e quando. Ao mesmo tempo a capacidade de monitorar e fiscalizar o processo de ocupação da bacia está cada vez maior, com potencial real de controlar e direcionar os processos 14

desencadeados pela implantação da nova infraestrutura. Instituições governamentais de gestão ambiental estão mais fortes, a legislação ambiental é mais desenvolvida e existe um reconhecimento maior da importância de questões socioambientais. Obviamente essa capacidade varia entre países e regiões da Panamazônia, mas em geral existe uma tendência generalizada de maior capacidade de monitoramento e fiscalização do território Amazônico. Através desses processos, está se desenvolvendo a capacidade de gestão necessária para ordenar o processo de ocupação da Bacia. Pela primeira vez na história da região é possível vislumbrar os principais elementos de um processo de ocupação sustentável. A inevitabilidade da ocupação da Amazônia é o ponto de partida dessa análise do estudo de caso da Br-163. Dessa perspectiva, a estratégia de tentar barrar todo projeto de infraestrutura não é mais eficaz. A história dos últimos trinta anos é prova do avanço progressivo da fronteira de infraestrutura logística. A falta de intervenção na etapa inicial do processo de ocupação acaba fazendo com que o mesmo se desenvolva aos modos tradicionais, deixando as piores conseqüências para a região em termos sociais e ambientais. Para evitar esse resultado é necessário se engajar nas negociações para elaborar planos regionais para colocar o processo de desenvolvimento regional numa trajetória de sustentabilidade ambiental, social e econômica. 3. Estratégias de intervenção 3.1. Os Dois Circuitos de Projetos de Infraestrutura de Transportes: A abordagem analítica desse estudo parte de um modelo da dinâmica de obras de infraestrutura de transporte que tem dois circuitos, um ao nível da política nacional e outro ao nível local. No nível nacional, a dinâmica central é a relação entre as construtoras, os grandes projetos de infraestrutura, o processo político e o enriquecimento ilícito (veja Dourjeanni 2009, p. 95). As obras de infraestrutura financiadas com dinheiro do governo representam um dos principais mecanismos para financiar campanhas, fortalecer o apoio eleitoral, e de se enriquecer. O político que não constrói grandes obras, não tem acesso aos recursos para financiar campanhas e conquistar eleitores. As construtoras, portanto, freqüentemente têm acesso livre aos corredores de poder e aos cofres públicos. Dessa perspectiva os motivos da falta de transparência no desenvolvimento e implementação de projetos de infraestrutura são evidentes. Mecanismos de transparência ameaçam a função de esquemas de desviar dinheiro público para o processo político e podem dificultar os investimentos em obras meramente eleitoreiras que satisfazem os interesses das empreiteiras e políticos. No nível regional o processo de implantação da obra envolve outra dinâmica baseada na apropriação ilícita da terra e dos seus recursos naturais através das relações entre grileiros, madeireiros, fazendeiros, comerciantes e políticos locais. A produção familiar participa desse esquema através dos processos de colonização e através da conversão de seus roçados velhos em pastos, posteriormente tornando-se fazendas. A implantação de uma estrada nova abre grandes áreas sem destino claro para a ocupação e exploração oportunista e gera conflitos entre diferentes grupos. Este é o principal mecanismo de enriquecimento ilícito e de acumulação na fronteira. Também sustenta os dirigentes políticos municipais e estaduais que utilizam a máquina do governo para financiar eleições. Não há, portanto, interesse na transparência e no ordenamento territorial no nível local, pois estes ameaçam esquemas de financiamento de processos políticos e de enriquecimento ilícito através da grilagem e da apropriação ilegal dos recursos naturais principalmente a madeira. 15

Esses dois circuitos são interligados. Negociações no nível nacional geram informações privilegiadas sobre a localização e a execução de futuros projetos de infraestrutura. Essa informação é repassada aos aliados no nível estadual e municipal que usam a informação para se posicionar e apropriar dos benefícios gerados pelos projetos em termos da valorização da terra e o acesso facilitado aos recursos florestais. O desenvolvimento de uma nova abordagem para o planejamento e implementação da infraestrutura tem que intervir nos dois circuitos quebrando a relação entre as obras e processos políticos ao nível nacional e entre obras de transporte e grilagem de terra e exploração predatória de florestas ao nível local. Portanto, essa abordagem tem duas estratégias complementares: ao nível nacional a IIRSA pode desempenhar um papel estratégico assegurando uma avaliação técnica da viabilidade e custo-benefício da obra. Também, através de sua relação com os bancos multilaterais, IIRSA pode condicionar à liberação de financiamentos a constatação da existência dos controles sociais e ambientais necessários. Ao nível local, processos de planejamento participativo e de ordenamento territorial, fortalecem a capacidade da sociedade civil de participar do processo de planejamento e implementação da obra, e contribuem para a criação das condições necessárias para um controle social efetivo. 3.2. Elementos do Planejamento Participativo: O planejamento participativo de obras de infraestrutura pode ter impactos que vão muito além de sua contribuição para a construção do plano. Podemos distinguir pelo menos três objetivos principais. O primeiro é a participação efetiva da sociedade civil no planejamento do desenvolvimento regional e a incorporação das propostas da população local no plano. Assim há mais segurança que o plano atenda as necessidades e incorpore as demandas da população local e não sirva somente às necessidades macroeconômicas do país. O segundo objetivo do processo de planejamento é organizar e mobilizar a população local para pressionar o governo a entrar em negociações que incorporem as demandas da sociedade local dentro do plano de desenvolvimento, não como elementos satélite, mas como elementos centrais do plano. Terceiro, o planejamento participativo é um meio para o desenvolvimento do capital social local. Assim os investimentos na organização e capacitação da sociedade civil contribuem para o desenvolvimento da governança na fronteira. O processo fortalece a sociedade civil local, criando normas de cooperação e formando organizações através das quais os membros podem agir para resolver problemas coletivos e colaborar com o governo no monitoramento e fiscalização do processo de desenvolvimento local (Putnam 1990). Neste sentido, a estratégia de intervenção desenvolvida no processo de planejamento do desenvolvimento da BR-163 envolveu cinco etapas: 1) Levantamento e articulação Inicial: a) Reconhecimento de toda a extensão do corredor b) identificar os atores importantes para o processo, assim como organizações e lideranças chave. c) Conscientizar e formar capacidade crítica local: oficinas sobre planejamento do desenvolvimento e obras de infraestrutura, com enfoque no caso BR-163. 16

2) Construção da proposta de desenvolvimento e estruturação institucional a) Realizar diagnósticos participativos municipais incluindo mapeamento participativo dos municípios da área a ser impactada pela obra. b) Realizar encontros regionais para sintetizar os resultados das oficinas locais e construção de um plano de desenvolvimento para a região impactada. c) Criar organizações para representar os grupos locais nas negociações com o governo e outros setores. 3) Articulação de alianças estratégicas com outros setores: a) Pressionar e engajar o governo na construção de um plano de desenvolvimento regional b) Identificar e fortalecer alianças com setores estratégicos do governo que tem influência sobre a elaboração e implementação do plano. c) Identificar e fortalecer alianças com o setor privado. d) Articular com parlamentares apoio nos níveis estaduais e federal e) Organizar e conquistar o apoio das prefeituras 4) Negociação com Governo na Construção do Plano Governamental a) Negociar com o governo a integração das propostas no plano governamental b) Organizar e mobilizar para discutir o plano do governo nas audiências públicas, pressionando para a inclusão das demandas da sociedade civil c) Pressionar para assegurar o orçamento completo do Plano e a identificação d) Assegurar a participação formal da sociedade civil na gestão do Plano 5) Gestão da Implementação do Plano a) Realizar encontros regionais e organizar fóruns regionais para monitorar a implementação do plano b) Desenvolver mecanismos locais para monitorar o plano e canalizar informações locais para comitê de gestão. c) Organizar encontros anuais para avaliar a implementação do plano 4. A história da rodovia Cuiabá-Santarém ou Br-163 (1975-2000) Devido às cachoeiras a montante de Itaituba, a navegação fluvial nunca passou dessa localidade, dificultando a penetração do médio e alto Tapajós que eram ocupados por tribos indígenas com contato limitado com o mundo de costumes ocidentais. Na época da borracha, final do século 19 e início do século 20, alguns grupos dos Mundurukus foram integrados no sistema de aviamento (Murphy e Steward 1960). A presença de cachoeiras acabou por facilitar o controle do comércio fluvial entre o alto rio Tapajós pelas empresas exportadoras de Belém, e conseqüentemente da produção regional de borracha e outros produtos florestais (Weinstein 1983). Essa situação começou a mudar a partir da construção da Br-163 na década de setenta. Esta rodovia que surgiu como um dos principais eixos norte-sul do PIN, atravessa uma das áreas mais centrais da Amazônia naquela época coberta por vastas florestas. No 17

entanto esta estrada, como outras rodovias do PIN, não foi asfaltada e foi abandonada pelo governo entrando em decadência. O próximo ciclo econômico do Tapajós começou na década de oitenta. Desde a época colonial existia exploração de ouro na bacia do Tapajós, porém inexpressiva. Na década de oitenta no entanto a expansão do garimpo de ouro nos rios drenando o Planalto Central foi facilitada pelo acesso aéreo aos garimpos isolados na imensidão da Amazônia. Durante essa década a bacia do médio e alto Tapajós sofreu uma das mais intensas fases da exploração de garimpo da história da Amazônia e Itaituba se tornou a sua capital. Foi um período para rivalizar qualquer romance do faroeste americano (Cleary 1990). Com o Plano Collor no início da década de noventa os garimpos entraram em colapso e a região começou mais uma fase de declínio e estagnação. Embora muitos garimpos continuaram ativos, nunca mais houve na região aquela febre de ouro da década de oitenta, completando assim mais um ciclo econômico de boom e colapso. Devido ao alto valor do ouro e a dependência no transporte aéreo e em alguns trechos fluvial, houve pouca pressão política organizada para asfaltar a Br-163, e a rodovia foi mantida principalmente pela iniciativa local ao longo de sua extensão e só voltou a receber algum investimento na sua manutenção na década de noventa (Alencar 2004). 5. Características da Br-163 no Estado do Pará 2 O processo histórico de ocupação combinado com a heterogeneidade das características ambientais de solo, clima, relevo e vegetação resultaram na formação de três regiões distintas no trecho Paraense da rodovia (Figura 2). a) Região do Baixo Amazonas Esta região é caracterizada como uma fronteira antiga com mais de 300 anos de ocupação, é constituída pelos municípios de Santarém e Belterra, os únicos cortados pela rodovia na região. Nessa região foram implantados projetos de assentamento pelo Incra em 1973, acompanhando a abertura das rodovias Cuiabá Santarém e Transamazônica. A atividade econômica predominante é a lavoura branca e a extração de produtos florestais madeireiros e não-madeireiros, além da pecuária extensiva de baixa produtividade. Porém, no início do século 21 esta região começou a despontar como uma das principais fronteiras de expansão do cultivo da soja no estado do Pará em virtude da existência, no planalto Tapajós-Xingu, de uma formação com extensas superfícies propícias à mecanização. Esse potencial foi realizado através da inauguração do porto de grãos da Cargill, empresa de produtos agrícolas, em 14 de abril de 2003, na cidade de Santarém. A região do Baixo Amazonas se difere de outras regiões de colonização pelo fato de ter sido inicialmente ocupada a partir do Rio Amazonas durante o período colonial. Essa região concentra 18% da população total do corredor. b) Região da Transamazônica Esta região inclui a área de confluência entre as rodovias Cuiabá Santarém e Transamazônica, tem como principal característica a ocupação direcionada pelos projetos de colonização da década de 1970. É composta dos municípios de Placas, Rurópolis, Trairão, Aveiro e a parte norte do município de Itaituba, todos atravessados por essas rodovias. A produção agrícola familiar, baseada na lavoura branca e culturas perenes, representa o principal grupo econômico da região, complementada pela pecuária de pequena escala. Extensas áreas de floresta caracterizam a vegetação do lugar e fornecem matéria-prima para a indústria madeireira, que se consolidou como segunda atividade econômica da região por ser a principal beneficiada pelo intenso processo de grilagem de terras em torno dos assentamentos e as unidades de conservação. Grandes fazendas 2 A caracterização regional apresentada aqui foi resumida de Alencar (2005, p. 7-8) 18

também são encontradas nesta região, mas de baixa produtividade e sem característica empresarial. A região tem ainda um relevo acidentado, com pouco potencial para a produção mecanizada de grãos. Nessa zona, concentram-se 10% da população dos municípios da área de influência do corredor Cuiabá Santarém. c) Região Sudoeste do Pará Esta vasta região é representada, principalmente, pelo município de Novo Progresso e partes dos municípios de Itaituba e Altamira. Outros importantes centros de negócios são a vila de Moraes de Almeida, pertencente ao município de Itaituba e portal para a reserva garimpeira localizada entre os rios Jamanxim e Tapajós, e o distrito de Castelo dos Sonhos, pertencente ao município de Altamira. A região do sudoeste paraense passou por uma fase de decadência do garimpo de ouro no início da década de 1990, mas ainda preserva uma tradição de mineração. Na região, grandes garimpos, como Crepori representam importantes centros. Hoje, a região desponta como um dos principais pólos madeireiros do Pará e da Amazônia. Em virtude da abundância de recursos florestais ainda relativamente preservados, essa região passa por um processo dinâmico de extração madeireira motivado pela melhoria das condições de trafegabilidade da rodovia BR-163 e do esgotamento dos recursos florestais no norte do Mato Grosso. Outra atividade importante na região é a pecuária, que vem adquirindo características empresariais. A irregularidade da situação fundiária na área faz com que a disputa pela posse da terra e de seus recursos seja acirrada, gerando conflitos e colocando a região entre as mais violentas da Amazônia. Apesar de sofrer com a intensa migração provocada pelo anúncio da pavimentação provavelmente, esta região não terá grandes áreas convertidas para a produção de soja, devido a topografia irregular com muitos afloramentos rochosos. A população da região compreende apenas 2% do total do corredor. 6. O contexto histórico do processo de planejamento participativo da Br-163 A estagnação e isolamento econômico começou a mudar novamente no final da década de noventa com a expansão das frentes agroindustrial e madeireira do norte de Mato Grosso. O interesse em reformar a estrada era o de ligar o norte de Mato Grosso ao porto de Santarém na medida em que a frente de expansão se distanciou dos portos do Sudeste. Para os produtores de soja o porto de Santarém reduziria a distância de para os portos do sul do Brasil em até 1000 km, representando uma redução de significativa na distância até o porto de Rotterdam na Europa. Para os sojicultores do Norte de Mato Grosso isso representaria uma economia de mais de $11,6 por tonelada de soja (GEIPOT 2000). O início do cultivo de soja na região de Santarém e a construção do Porto de Cargill em 2003 reforçaram a pressão da agroindústria pelo asfaltamento da Br-163. Naquele mesmo ano foi realizado "O Caminhonaço" um comboio de caminhões que percorreu toda a estrada de Mato Grosso até Santarém para mobilizar o apoio popular e político pelo asfaltamento da estrada. O avanço da frente madeireira do norte de Mato Grosso representou outra fonte de pressão pelo asfaltamento da rodovia. Nesse caso o objetivo era principalmente de facilitar o acesso aos recursos madeireiros, além de abrir acesso ao mercado internacional possibilitando a exportação da madeira pelo porto de Santarém. Em torno do ano 2000 as serrarias começaram a migrar de Mato Grosso para Santarém, atrás de novas áreas de floresta primária. Em apenas alguns anos o número de serrarias no trecho entre Castelo dos Sonhos e Trairão aumentou de 114 para 270 e a área explorada de 600km2 por ano para 920km2. A migração espontânea também cresceu com a possibilidade do asfaltamento da estrada. Na medida em que as perspectivas para o asfaltamento da aumentaram, houve uma intensificação da grilagem de terra e quadrilhas se movimentaram para obter controle de grandes áreas florestais as margens da rodovia (Benatti et al 2006). Um fator que 19

facilitava a apropriação da terra e de seus recursos foi a situação fundiária do sudoeste do Pará, onde grande parte do território pertencia legalmente ao governo federal e permanece ainda com grandes áreas sem destinação estabelecida (Alencar 2005). A indefinição fundiária, principalmente no início desta década, tem acirrado os conflitos e aumentado os casos de violência e os assassinatos no campo ameaçando famílias e comunidades. Tendo em vista o constante estado de violência principalmente contra produtores familiares, os sindicatos de trabalhadores rurais e outras organizações de base, especialmente na área entre Itaituba e Rurópolis, começaram a se articular e mobilizar contra a pressão dos grileiros e madeireiros. 7. O Processo de Planejamento da Br-163: Três Fases A história de isolamento da economia extrativista regional e mais recentemente o boom do garimpo, contribuíram para a formação de uma população rural com baixos níveis de organização social. As organizações formais que existiam, como os STRs municipais e algumas associações de produtores, estavam desarticuladas no nível municipal e regional. Ao Sul de Itaituba, de Trairão até Castelo dos Sonhos, a área central do boom do garimpo, a população rural estava pouco organizada e os STRs fracos ou inexistentes. No entanto, essa região da Br-163 estava ligada a duas regiões com fortes tradições de organização social, a região de Santarém e a Transamazônica, que atravessa a Br-163 no muncípio de Rurópolis). Nessas regiões os movimentos sociais estavam mais consolidados e muito bem articulado politicamente tanto ao nível federal quanto estadual, especialmente depois da eleição do governo Lula. As instituições como o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP), o Centro de Formação e Pesquisa do Baixo Amazonas (CeftBAM), e as Fetagri regionais tiveram papel fundamental em promover a discussão sobre os benefícios e prejuízos do asfaltamento da estrada do trecho paraense. No trecho de Mato Grosso o movimento socioambiental estava se articulando, liderado pelo Instituto Socioambiental (ISA) com fortes conexões com grupos indígenas, Grupo de Trabalho Amazônico regional do Mato Grosso (GTA), FORMAD e outras entidades ligadas a agricultura familiar. Essas quatro regiões constituíram a base para a mobilização e organização do processo de planejamento participativo da Br-163 (Figura 3). O processo de planejamento participativo da Br-163 começou em 2000 como resposta a decisão do governo de asfaltar a estrada. Preocupados com os potenciais impactos do asfaltamento da rodovia, grupos ligados a produção familiar e ONGs ambientalistas começaram a se articular. A construção e implementação dos planos de desenvolvimento regional do movimento socioambiental e do governo ocorreu em três grandes fases: 1) a mobilização e construção da proposta do plano do movimento socioambiental de 2000 a março de 2004; 2) uma fase de interação intensiva com o governo na elaboração do Plano de Desenvolvimento do Governo federal de março de 2004 a junho de 2006; e 3) uma última fase ainda em curso, de implementação do Plano governamental. 7.1. A fase de mobilização: Em outubro de 2000 uma equipe do IPAM percorreu toda a extensão da rodovia, documentando as condições da estrada e o uso da terra, entrevistando atores chaves em cada município e fazendo contatos com lideranças do movimento social. As duas principais conclusões da equipe a partir dessa viagem foram: a) a rodovia já era uma realidade e seu asfaltamento inevitável, e b) o asfaltamento deveria ser visto como o elemento estrutural central de um programa de desenvolvimento regional. Um artigo sobre essa questão foi publicado na Gazetta de Santarém (McGrath et al. 2000) e no ano seguinte outro artigo foi publicado na revista Science, argumentando que a Br-163 representava uma oportunidade 20